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domingo, 24 de junho de 2012

NOSSO NORTE É O SUL


por Marcelo Barros





É o lema da Telesur, proposta venezuelana de uma televisão dirigida aos países latino-americanos de língua espanhola. De fato, enquanto as emissoras de televisão convencionais privilegiam o olhar das agências de notícias norte-americanas e o interesse dos senhores do mundo, a Telesur olha o mundo a partir do sul e da vida de nossos povos. Com essa mesma proposta, já nos anos 70, o pensador francês Roger Garaudy escreveu “O Ocidente é um acidente”, livro no qual ele propunha olhar o mundo e a história a partir das civilizações do Oriente e das culturas do Sul. 

Isso soa estranho para quem se habituou a celebrar o Natal em pleno verão com neve feita de algodão e a festejar ano novo no 1º de janeiro, em regiões nas quais o solstício do inverno acontece em junho. Não se trata só de uma mudança de visão cultural. Hoje, isso significa também uma transformação social e política: olhar o mundo a partir dos empobrecidos, reler a história não do ponto de vista oficial dos vencedores, mas da resistência das vítimas e elas são os povos indígenas, as comunidades afro-descendentes e os movimentos populares. Nessa linha, a cada ano, na noite de 24 de junho, na fortaleza de Sacsayahuamán, a dois quilômetros de Cuzco (Peru), os índios celebram o Inti Raymi, em quétchua, “festa do sol”. Em outros lugares da cordilheira, o ano novo andino é festejado durante essa semana. No Brasil, não se fala de ano novo em junho, mas em várias regiões do país, os festejos juninos são os mais importantes de todo o ano e, com suas fogueiras e danças, se constituem como uma espécie de recriação do mundo. 

Nesses dias, as atenções de toda humanidade convergem para o Rio de Janeiro. Ali acontecem a conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável (Rio 92+ 20) e a Cúpula dos Povos, evento que reúne as organizações civis e os movimentos populares em defesa do planeta Terra e da sustentabilidade. A conferência da ONU deveria anunciar ao mundo um novo acordo em defesa da sustentabilidade planetária. Entretanto, há meses, todos sabem que isso não vai acontecer. Apesar de estarem presentes no Rio mais de cem chefes de Estado, as soluções propostas serão vagas e frágeis. Infelizmente, cada vez mais os governos dependem das grandes corporações econômicas. Essas se opõem a qualquer tipo de acordo que contrarie seus interesses de lucros sem limites. A crise econômica que assola a Europa e os Estados Unidos deveria provocar a busca de alternativas diferentes ao atual modelo de desenvolvimento social e econômico. Entretanto, a elite dessa sociedade não aceita pensar outro caminho econômico, nem outro modo de lidar com a natureza. Por isso, os governantes dos países ricos não vêm à conferência da ONU e os funcionários por eles enviados não têm autoridade para engajar seus países em um novo pacto mundial de defesa da Terra, da água e do clima. 

A esperança da humanidade se alimenta do encontro da sociedade civil internacional na chamada “Cúpula dos povos”. Nesse ciclo de diálogo, uma referência fundamental é justamente o bom viver indígena, (sumak kwasay ou sumak kamana), conceito que significa a plenitude da vida que todo ser humano busca na convivência uns com os outros e na comunhão com a natureza. 

Quem crê em Deus sabe que o seu projeto é vida plena para todos. É essa vitória da vida sobre o desamor e a injustiça eco-social que buscamos como nova bússola. No lugar de apontar sempre para o norte, como fazem as bússolas convencionais, a esperança de uma nova comunhão com a terra, a água e todos os seres vivos nos orienta para o sul como horizonte de autonomia de nossos povos e se realiza a partir do projeto de integração de todo continente latino-americano.

POSITIVIDADE E NEGATIVIDADE DA ECONOMIA VERDE


por Leonardo Boff





A grande proposta que, seguramente, sairá da Rio+20 no nível oficial da Encontro dos representantes dos povos é a economia verde. A intenção é promissora:”economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza”. Analisando o texto oficial, calcado sobre um documento do PNUMA Iniciativa de Economia Verde, se percebe que não difere nas metas e nos processos do clássico desenvolvimento sustentável. No fundo, se trata da mesma coisa. O documento da ONU evita o desenvolvimento sustentável como tema central pois tem a consciência da banalização e do desgaste desta expresão. Como denunciava recentemente Gorbachov: ele se revelou insustentável, “engendra crises, injustiça social e o perigo de catástrofe ambiental”(O Globo, 09/06/2012). A expressão mais adequada e menos ambígua seria uma economia  de baixo carbono.

          Já fizemos críticas desta versão da economia, o caráter ideológico do mesmo  capitalismo que já conhecemos, agora com a máscara de verde. Mas já que se impôs a expressão economia verde vamos tentar desentranhar o que de positivo possa existir nele. Como qualquer outra realidade, também o gênio do capitalismo sempre criativo em suas adaptações, pode conter algum elemento aproveitável.

Partimos de um pressuposto teórico que convem revelar:  o teorema de Gödel, segundo o qual, por toda parte reina sempre a incompletude. Nada é rotundamente perfeito. Luz e sombras acolitam as práticas humanas. Mesmo os propósitos mais puros encerram imperfeições e os mais problemáticos, dimensões  aceitáveis. Nunca podemos praticar um mal absoluto como também realizar um bem absoluto. Vivemos numa ambiguidade originária. Ela não é um defeito mas uma marca da condição humana e da própria estrutura do universo, feita de caos e cosmos e de ordens e desordens sempre coexistindo simultaneamente.
          Tentemos aplicar esse entendimento à ecologia verde e ver o que nela é resgatável e o que não é. Ela pode significar várias coisas.
         
Em primeiro lugar, pode se propor a recuperação das áreas verdes, desmatadas ou resultantes da degradação e da erosão dos solos e manter em pé  florestas ainda existentes. É um propósito positivo e deve ser realizado com urgência. São as manchas verdes que garantem a água para o sistema da vida e que sequestram o dióxido de carbono, diminuindo o aquecimento global. A economia verde neste sentido é desejável.

Em segundo lugar pode sinalizar a valorização econômica das assim chamadas externalidades como água, solos, ar, nutrientes, paisagens, vale dizer, dimensões da natureza (verde) etc. Estes elementos não entravam na avaliação de preço dos produtos. Eram simplesmente bens gratuitos oferecidos pela natureza que cada um podia se apropiar. Hoje, entretanto, com a escassez de bens e serviços, especialmente, de água, nutrientes, fibras e outros começam a ganhar valor. Este deve entrar na composição do preço do produto. Não se trata ainda de mercantilizar tais bens e serviços mas de inclui-los como parte importante do produto. O mesmo vale para os resíduos produzidos que acabam poluindo águas, envenenando os solos e contaminando o ar. Os custos de sua transformação ou eliminação devem outrossim entrar nos custos finais dos produtos.
Assim, por exemplo, para cada quilo de carne bovina precisam-se de 15.500 litros de água, para um hamburguer de carne, 2.400 litros, para um par de sapatos 8.000 litros e até para uma pequena xícara de café, 140 litros de água. O capital natural usado deve ser incluido no capital humano e na economia de mercado.
Há cálculos macro-econômicos que calcularam o valor dos serviços prestados à humanidade pelo conjunto dos eco-sistemas que formam o capital natural. Utilizo um dado de 1977, já antigo, mas que serve  como referência válida, embora hoje as cifras sejam muito mais altas. Os cálculos foram realizados por um grupo de ecologistas e de economistas sensíveis às questões ambientais. Estimaram que naquele então eram 33 trilhões dólares/ano o valor da contribuição do capital natural para a vida da humanidade. Isso representava quase duas vezes o produto mundial bruto que era em 1977 da ordem de 18 trilhões de dólares. Em outras palavras: se a humanidade quisesse substituir o capital natural por recursos artificiais, precisaria acrescentar ao PIB mundial 33 trilhões de dólares, sem dizer que esta substituição seria praticamente impossível. Pela economia verde se pretende tomar em consideração  o valor estimativo do capital natural, já que está em alto grau de degradação e de crescente escassez.
Nesse sentido a economia verde possui uma validade aceitável.

Em terceiro lugar, economia verde, na compreensão do PNUMA que a formulou, deve “produzir uma melhoria do bem estar do ser humano, a equidade social, ao mesmo tempo que  reduz significamente os riscos ambientais e a escassez ecológica”. Tal propósito implica um outro modo de produção que respeita o mais possível o alcance e os limites de um determinado bioma (caatinga, cerrado, amazônico, pampa e outros) e avalia que tipo de intervenção pode ser feita sem estressá-lo a ponto de não poder se refazer. Demos alguns exemplos. Trata-se de buscar energias alternativas às fósseis, altamente poluentes, energias que se baseiam nos bens e serviços da natureza que menos poluem como a energia  hidrelétrica, a eólica, a  solar  a das marés, a da geotérmica e a de base orgânica. Sabemos que nunca haverá energia totalmente pura. Mas seu impacto negativo sobre a biosfera pode ser grandemente diminuido.
A água doce será um dos bens mais escassos da natureza. Construir prédios que captam água da chuva para múltiplos usos pode aliviar a falta da gota d’água. Obrigar que todas as construções novas montem captadores de energia solar. Reusar e reciclar tudo que seja possível. Como contrapartida aos subsídios concedidos pelo governo, obrigar as montadoras a construir carros que economizem mais energia e diminuam a poluição. Subsídios e empréstimos às empresas devem ser condicionados à observância de itens ambientais ou ao resgate de regiões degradadas. Obrigar os supermercados a não utilizar sacolas de plástico na embalagem dos produtos e encaminhar para reciclagem garrafas plásticas. Ou fábricas de produtos eletrônicos devem assumir a reciclagem de aparelhos usados. Diminuir o mais possível o uso de pesticidas na agroindústria e favorecer a agroecologia e a economia solidária, até diminuindo a carga de impostos na venda de seus produtos. E assim poderíamos multiplicar indefinidamente os exemplos.
A pressuposição é que este tipo de economia verde represente uma transição para uma verdadeira sustentabilidade econômica até hoje ainda não alcançada.
Cabe, entretanto, observar, que o aquecimento global incontido, a entrada de milhões e milhões de novos consumidores, especialmente da China e da India e também do Brasil irão onerar mais ainda o capital natural já em descenso. Crescerão enormemente as emisões de gases de efeito estufa. Por ano cada pessoa emite quatro toneladas de dióxido de carbono e a totalidade da humanidade cerca de trinta bilhões de toneladas, nos informa J. Sachs da Universidade de Columbia dos USA. Como a Terra digerirá esta carga venenosa? Os desastres naturais mostram a incapacidade de manter seu equilíbrio. I. Ramonet no Le Monde Diplomatique (13/05/2012) afirma que em 2010, 90% dos desastres naturais resultaram do aquecimento global. Causaram a morte de 300.000 pessoas e uma prejuízo econômico de cem bilhões de Euros.
          Esse tipo de  economia verde é aceitável na medida em que for mais a fundo em sua formulação para, então, apresentar um outro paradigma de relação para com a Terra, onde não a economia, mas a sustentabilidade geral do planeta, do sistema-vida, da Humanidade e de nossa civilização devem ganhar centralidade. Em razão deste propósito há que organizar a base material econômica em sinergia com as possibilidades da Terra. Cumpre que nós nos sentamos parte dela e comissionados a cuidá-la para que nos passa dar tudo o que precisamos para viver junto com a comunidade de vida.

Em quarto lugar, a economia verde pode representar uma vontade altamente perversa da voracidade humana, especialmente, das grandes corporações, de fazer negócios com o que há de mais sagrado na natureza que são os bens comuns da Terra e da Humanidade cuja propriedade deve ser coletiva. Entre eles se contam em  primeiríssimo lugar, a água, os aquíferos, os rios e os oceanos, a atmosfera, as sementes, os solos, as terras comunais, os parques naturais, as paisagens, as linguas, a ciência, a informação genética, os meios de comunicação, a internet, a saúde e a educação entre outros.  Como estão intimamente ligados à vida não podem ser transformados em mercadoria e entrar no circuito de compra e venda. A vida é sagrada e intocável.
Pôr preço aos bens e serviços  que a natureza nos dá gratuitamente, privatizá-los com a intenção de lucro é a suprema insensatez de uma sociedade de mercado. Ela já havia operado a perversidade de passar de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. Nem tudo pode ser objeto da ganância humana privatista e acumuladora a serviço dos interesses de poucos à custa do sofrimento da maioria. A vida, por ser sagrada, reagirá, possivelmente nos colocando um obstáculo que poderá liquidar grande parte da própria humanidade. Esse tipo de economia verde é inaceitável.

Por fim não podemos deixar que as coisas corram de tal forma que o caminho ao abismo seja irreversível. Então nem teremos filhos e netos para chorar o nosso trágico destino. Porque eles também não existirão mais.

SEMPRE O AMOR...



por  Maria Clara Lucchetti Bingemer                                                   
            





Com a proximidade do Dia dos Namorados, é irresistível a tentação de falar sobre o amor.  Tema tão eterno quanto desgastado; tão desafiante quanto banalizado; tão indispensável quanto tantas vezes sentido como supérfluo. 

            No entanto, o amor, mais que qualquer outra palavra ou conceito, sempre está de volta.  E o que o faz tão fascinante e capaz de atrair nossa atenção é o fato de que sempre nos escapa.  Não conseguimos circunscrevê-lo nem tampouco esgotá-lo, cerceá-lo em uma definição qualquer. E isso porque o amor é maior do que nós.


            O amor não é algo que possamos produzir, provocar ou instituir.  Acontece para além de nós, antes de nós, sem nosso concurso e mesmo apesar de nós. E tudo transforma: nossa maneira de ver o mundo, de perceber as coisas e as pessoas, de conhecer. De qualquer ângulo a partir do qual olhamos uma coisa ou um evento ou uma pessoa, estamos sempre no centro.  Tudo é visto e percebido sob o meu ponto de vista.


            No entanto, quando o amor acontece em nossa vida, o “eu” não está mais no centro.  O centro é o outro, o bem amado ou bem amada.  E o centro nunca mais serei eu, mas sempre ele, ou ela.  Na verdade, o amor faz com que de repente nos percebamos no lugar de outro, sentindo com e por ele ou ela.  É uma experiência que nos faz sentir-nos habitados por uma presença, como dizia Santo Agostinho, “mais íntima a mim do que eu mesmo”.


            A tal ponto isto é verdade que, quando ama, o “eu”, ao querer estar consigo, tem que estar onde o outro bem amado está.  Está totalmente descentrado.  E neste momento não são apenas seus sentidos, ou sua razão que o ajudam.  O “eu” se sente totalmente desamparado justamente porque percebe que nem os sentidos nem a razão o ajudam.


            Pensar ou sentir sensorialmente não o ajudam mais nem lhe dão segurança sobre si mesmo.  Ao invés, para sentir-se vivo, humano, pleno, o “eu” necessita não exercitar sua capacidade de pensar, mas sentir-se pensado por outro.  E também querido, amado por outro.  A partir do momento em que experimenta essa alteridade que o constitui como pessoa, percebe-se total e radicalmente modificado em sua percepção do mundo inteiro, de si mesmo e da vida em geral. 


            Até então autônomo (ou seja, dono de si mesmo), o “eu “passa a ser heterônomo (ou seja, perdido a si mesmo, regido e guiado e determinado pelo outro. É então que os parâmetros se rompem: o da igualdade, o da simetria.  A lógica da troca, dos direitos e deveres está estilhaçada, pois o amor tem o poder de inaugurar outra lógica: a lógica da graça e da gratuidade.  É, em suma, a lógica do dom.
            É apenas quando entra nesta lógica que o ser humano aproxima-se do ponto a partir do qual poderá ser digno deste nome.  Pois enquanto o que impera é a lógica da troca, do mérito, dos sentidos despertos, ainda não se entrou naquilo que traz o selo da originalidade e que faz a criatura humana imagem e semelhança do Criador.


            Pois o que distingue o Criador senão o fato de que amou primeiro?  Quem é Deus senão Aquele que decidiu amar sem razão e em primeiro lugar, antes de qualquer sinal do bem amado de que responderia ou corresponderia a seu infinito amor? Deus ama aquilo que ainda não existe.  E o amor cria, faz do nada vida, faz existir.  Assim também pelo amor o ser humano de certa forma “cria”, traz o outro à existência.  A mais insignificante das criaturas é infinitamente valiosa e única aos olhos do amante, que a faz existir como bem amada, querida e desejada. 


            Entrar nesta lógica de desequilíbrio e gratuidade é uma ousada aventura.  Porém é a única coisa que nos faz verdadeiramente humanos.  Pois só aí estaremos refletindo, como um espelho, o Amor infinito que nos amou primeiro e que nos fez existir.  Porque existimos, podemos amar, desde que consintamos em entrar na lógica inenarrável e fascinante do amor. 


            O namoro pode ser, portanto, poderoso e fecundo aprendizado para o verdadeiro amor. Se souber resguardar-se da “liquefação“ viscosa que infecta todas as relações hoje em dia, poderá ser um sadio e amplo laboratório para o exercício do dom, da gratuidade, da entrega, do perdão, do serviço e de todas as formas que a humanidade inventou ao longo de sua história. 


            Pois o maior dom é o próprio amor.  E quando este dom acontece, doador e receptor passam a segundo plano.  Só fica, resplandecente, o próprio amor que a cada minuto se reinventa e por isso reafirma em alto e bom som que a vida tem a última palavra. 

Maria Clara Bingemer é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.     
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DESAFIOS À RIO+20

por Frei Betto
      


Iniciada há poucos dias, Rio+20 abriga chefes de Estado, e ambientalistas e movimentos  sociais na Cúpula dos Povos. O evento corre o risco de frustrar expectativas  caso não tenha, como ponto de partida, compromissos assumidos na Agenda 21 e  acordos firmados na Eco-92 e reiterados na Conferência de Johannesburgo, em  2010.
      Há verdadeira conspiração de  bastidores para, na Rio+20, escantear os princípios do desenvolvimento  sustentável e os Objetivos do Milênio, e impor as novas teses da “economia  verde”, sofisma para encobrir a privatização dos recursos naturais, como a  água, e a mercantilização da  natureza.

      O enfoque dos trabalhos  deverá estar centrado não nos direitos do capital, e sim na urgência de  definir instrumentos normativos internacionais que assegurem a defesa dos  direitos universais de 7 bilhões de habitantes do planeta e a preservação  ambiental.
      Cabe aos governos reunidos  no Rio priorizar os direitos de sustentabilidade, bem-estar e progresso da  sociedade, entendidos como dever de garantir a todos os cidadãos serviços  essenciais à melhor qualidade de vida. Faz-se necessário modificar os  indicadores de desenvolvimento, de modo a levarem em conta os custos  ambientais, a equidade social e o desenvolvimento humano  (IDH).

      A humanidade não terá futuro sem  que se mudem os padrões de produção, consumo e distribuição de renda. O atual  paradigma capitalista, de acumulação crescente da riqueza e produção em função  do mercado, e não das necessidades sociais, jamais haverá de erradicar a  miséria, a desigualdade, a destruição do meio ambiente. Migrar para  tecnologias não poluentes e fontes energéticas alternativas à fóssil e à  nuclear é imperativo prioritário.

      Nada  mais cínico que as propostas “limpas” dos países ricos do hemisfério Norte.  Empenham-se em culpar os países do hemisfério Sul quanto à degradação  ambiental, no esforço de ocultar sua responsabilidade histórica nas atividades  de suas transnacionais em países emergentes e pobres. Há que desconfiar de  todas as patentes e marcas qualificadas de “verdes”. Eis aí um novo mecanismo  de reafirmar a dominação  globocolonialista.

      O momento requer uma  convenção mundial para controle das novas tecnologias, baseada nos princípios  da precaução e da avaliação participativa. Urge denunciar a obsolescência  programada, de modo a dispormos de tecnologias que assegurem o máximo de vida  útil aos produtos e beneficiem a reciclagem, tendo em vista a satisfação das  necessidades humanas com o menor custo  ambiental.

      À Rio+20 se impõe também o  desafio de condenar o controle do comércio mundial pelas empresas  transnacionais e o papel da OMC (Organização Mundial do Comércio) na imposição  de acordos que legitimam a desigualdade e a exclusão sociais, impedindo o  exercício de políticas soberanas. Temos direito a um comércio internacional  mais justo e em consonância com a preservação  ambiental.

      Sem medidas concretas para  frear a volatilidade dos preços dos alimentos e a especulação nos mercados de  produtos básicos, não haverá erradição da fome e da pobreza, como preveem, até  2015, os Objetivos do Milênio.

      Devido à  crise financeira, parcela considerável do capital especulativo se dirige,  agora, à compra de terras em países do Sul, fomentando projetos de exploração  de recursos naturais prejudiciais ao meio ambiente e ao equilíbrio dos  ecossistemas.
      A Rio+20 terá dado um  passo importante se admitir que, hoje, as maiores ameaças à preservação da  espécie humana e da natureza são as guerras, a corrida armamentista, as  políticas neocolonialistas. O uso da energia nuclear para fins pacíficos ou  bélicos deveria ser considerado crime de  lesa-humanidade.

      Participarei da Cúpula  dos Povos para reforçar a proposta de maior controle da publicidade comercial,  da incitação ao consumismo desmedido, da criação de falsas necessidades, em  especial quando dirigidas a crianças e jovens.  

      Educação e ciência precisam estar a  serviço do desenvolvimento humano e não do mercado. Uma nova ética do consumo  deve rejeitar produtos decorrentes de práticas ecologicamente agressivas,  trabalho escravo e outras formas de  exploração.
      Enfim, que se faça uma  reavaliação completa do sistema atual de governança ambiental, hoje incapaz de  frear a catástrofe ecológica. Um novo sistema, democrático e participativo,  deve atacar as causas profundas da crise e ser capaz de apresentar soluções  reais que façam da Terra um lar promissor para as futuras gerações.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de  “O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir), entre outros  livros.
www.freibetto.org <http://www.freibetto.org>  Twitter:@freibetto.

Copyright 2012
– FREI BETTO –
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