por Leonardo Boff
A grande proposta que, seguramente, sairá
da Rio+20 no nível oficial da Encontro dos representantes dos povos é a economia verde. A intenção é
promissora:”economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da
erradicação da pobreza”. Analisando o texto oficial, calcado sobre um documento
do PNUMA Iniciativa de Economia Verde,
se percebe que não difere nas metas e nos processos do clássico desenvolvimento
sustentável. No fundo, se trata da mesma coisa. O documento da ONU evita o
desenvolvimento sustentável como tema central pois tem a consciência da
banalização e do desgaste desta expresão. Como denunciava recentemente
Gorbachov: ele se revelou insustentável, “engendra crises, injustiça social e o
perigo de catástrofe ambiental”(O Globo, 09/06/2012). A expressão mais adequada
e menos ambígua seria uma economia de
baixo carbono.
Já
fizemos críticas desta versão da economia, o caráter ideológico do mesmo capitalismo que já conhecemos, agora com a
máscara de verde. Mas já que se impôs a expressão economia verde vamos tentar desentranhar o que de positivo possa
existir nele. Como qualquer outra realidade, também o gênio do capitalismo
sempre criativo em suas adaptações, pode conter algum elemento aproveitável.
Partimos de um pressuposto teórico que
convem revelar: o teorema de Gödel,
segundo o qual, por toda parte reina sempre a incompletude. Nada é rotundamente
perfeito. Luz e sombras acolitam as práticas humanas. Mesmo os propósitos mais
puros encerram imperfeições e os mais problemáticos, dimensões aceitáveis. Nunca podemos praticar um mal
absoluto como também realizar um bem absoluto. Vivemos numa ambiguidade
originária. Ela não é um defeito mas uma marca da condição humana e da própria
estrutura do universo, feita de caos e cosmos e de ordens e desordens sempre
coexistindo simultaneamente.
Tentemos
aplicar esse entendimento à ecologia verde e ver o que nela é resgatável e o
que não é. Ela pode significar várias coisas.
Em primeiro lugar, pode se propor a recuperação das áreas verdes, desmatadas
ou resultantes da degradação e da erosão dos solos e manter em pé florestas ainda existentes. É um propósito
positivo e deve ser realizado com urgência. São as manchas verdes que garantem
a água para o sistema da vida e que sequestram o dióxido de carbono, diminuindo
o aquecimento global. A economia verde neste sentido é desejável.
Em segundo lugar pode sinalizar a
valorização econômica das assim chamadas externalidades
como água, solos, ar, nutrientes, paisagens, vale dizer, dimensões da natureza
(verde) etc. Estes elementos não entravam na avaliação de preço dos produtos.
Eram simplesmente bens gratuitos oferecidos pela natureza que cada um podia se
apropiar. Hoje, entretanto, com a escassez de bens e serviços, especialmente,
de água, nutrientes, fibras e outros começam a ganhar valor. Este deve entrar
na composição do preço do produto. Não se trata ainda de mercantilizar tais
bens e serviços mas de inclui-los como parte importante do produto. O mesmo
vale para os resíduos produzidos que acabam poluindo águas, envenenando os
solos e contaminando o ar. Os custos de sua transformação ou eliminação devem
outrossim entrar nos custos finais dos produtos.
Assim, por exemplo, para cada quilo de
carne bovina precisam-se de 15.500 litros de água, para um hamburguer de
carne, 2.400 litros,
para um par de sapatos 8.000
litros e até para uma pequena xícara de café, 140 litros de água. O
capital natural usado deve ser incluido no capital humano e na economia de
mercado.
Há cálculos macro-econômicos que calcularam
o valor dos serviços prestados à humanidade pelo conjunto dos eco-sistemas que
formam o capital natural. Utilizo um dado de 1977, já antigo, mas que serve como referência válida, embora hoje as cifras
sejam muito mais altas. Os cálculos foram realizados por um grupo de
ecologistas e de economistas sensíveis às questões ambientais. Estimaram que
naquele então eram 33 trilhões dólares/ano o valor da contribuição do capital
natural para a vida da humanidade. Isso representava quase duas vezes o produto
mundial bruto que era em 1977 da ordem de 18 trilhões de dólares. Em outras
palavras: se a humanidade quisesse substituir o capital natural por recursos
artificiais, precisaria acrescentar ao PIB mundial 33 trilhões de dólares, sem
dizer que esta substituição seria praticamente impossível. Pela economia verde
se pretende tomar em consideração o
valor estimativo do capital natural, já que está em alto grau de degradação e
de crescente escassez.
Nesse sentido a economia verde possui uma
validade aceitável.
Em terceiro lugar, economia verde, na
compreensão do PNUMA que a formulou, deve “produzir uma melhoria do bem estar
do ser humano, a equidade social, ao mesmo tempo que reduz significamente os riscos ambientais e a
escassez ecológica”. Tal propósito implica um outro modo de produção que
respeita o mais possível o alcance e os limites de um determinado bioma
(caatinga, cerrado, amazônico, pampa e outros) e avalia que tipo de intervenção
pode ser feita sem estressá-lo a ponto de não poder se refazer. Demos alguns
exemplos. Trata-se de buscar energias alternativas às fósseis, altamente
poluentes, energias que se baseiam nos bens e serviços da natureza que menos
poluem como a energia hidrelétrica, a
eólica, a solar a das marés, a da geotérmica e a de base
orgânica. Sabemos que nunca haverá energia totalmente pura. Mas seu impacto
negativo sobre a biosfera pode ser grandemente diminuido.
A água doce será um dos bens mais escassos
da natureza. Construir prédios que captam água da chuva para múltiplos usos
pode aliviar a falta da gota d’água. Obrigar que todas as construções novas
montem captadores de energia solar. Reusar e reciclar tudo que seja possível.
Como contrapartida aos subsídios concedidos pelo governo, obrigar as montadoras
a construir carros que economizem mais energia e diminuam a poluição. Subsídios
e empréstimos às empresas devem ser condicionados à observância de itens
ambientais ou ao resgate de regiões degradadas. Obrigar os supermercados a não
utilizar sacolas de plástico na embalagem dos produtos e encaminhar para
reciclagem garrafas plásticas. Ou fábricas de produtos eletrônicos devem
assumir a reciclagem de aparelhos usados. Diminuir o mais possível o uso de
pesticidas na agroindústria e favorecer a agroecologia e a economia solidária,
até diminuindo a carga de impostos na venda de seus produtos. E assim
poderíamos multiplicar indefinidamente os exemplos.
A pressuposição é que este tipo de economia
verde represente uma transição para uma verdadeira sustentabilidade econômica
até hoje ainda não alcançada.
Cabe, entretanto, observar, que o aquecimento global
incontido, a entrada de milhões e milhões de novos consumidores, especialmente
da China e da India e também do Brasil irão onerar mais ainda o capital natural
já em descenso.
Crescerão enormemente as emisões de gases de efeito estufa.
Por ano cada pessoa emite quatro toneladas de dióxido de carbono e a totalidade
da humanidade cerca de trinta bilhões de toneladas, nos informa J. Sachs da
Universidade de Columbia dos USA. Como a Terra digerirá esta carga venenosa? Os
desastres naturais mostram a incapacidade de manter seu equilíbrio. I. Ramonet
no Le Monde Diplomatique (13/05/2012)
afirma que em 2010, 90% dos desastres naturais resultaram do
aquecimento global. Causaram a morte de 300.000 pessoas e uma prejuízo
econômico de cem bilhões de Euros.
Esse
tipo de economia verde é aceitável na
medida em que for mais a fundo em sua formulação para, então, apresentar um
outro paradigma de relação para com a Terra, onde não a economia, mas a
sustentabilidade geral do planeta, do sistema-vida, da Humanidade e de nossa
civilização devem ganhar centralidade. Em razão deste propósito há que
organizar a base material econômica em sinergia com as possibilidades da Terra.
Cumpre que nós nos sentamos parte dela e comissionados a cuidá-la para que nos
passa dar tudo o que precisamos para viver junto com a comunidade de vida.
Em quarto lugar, a economia verde pode
representar uma vontade altamente perversa da voracidade humana, especialmente,
das grandes corporações, de fazer negócios com o que há de mais sagrado na
natureza que são os bens comuns da Terra e da Humanidade cuja propriedade deve
ser coletiva. Entre eles se contam em
primeiríssimo lugar, a água, os aquíferos, os rios e os oceanos, a
atmosfera, as sementes, os solos, as terras comunais, os parques naturais, as
paisagens, as linguas, a ciência, a informação genética, os meios de
comunicação, a internet, a saúde e a educação entre outros. Como estão intimamente ligados à vida não
podem ser transformados em mercadoria e entrar no circuito de compra e venda. A
vida é sagrada e intocável.
Pôr preço aos bens e serviços que a natureza nos dá gratuitamente,
privatizá-los com a intenção de lucro é a suprema insensatez de uma sociedade
de mercado. Ela já havia operado a perversidade de passar de uma economia de
mercado para uma sociedade de mercado. Nem tudo pode ser objeto da ganância humana
privatista e acumuladora a serviço dos interesses de poucos à custa do
sofrimento da maioria. A vida, por ser sagrada, reagirá, possivelmente nos
colocando um obstáculo que poderá liquidar grande parte da própria humanidade.
Esse tipo de economia verde é inaceitável.
Por fim não podemos deixar que as coisas
corram de tal forma que o caminho ao abismo seja irreversível. Então nem teremos
filhos e netos para chorar o nosso trágico destino. Porque eles também não
existirão mais.