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sexta-feira, 21 de outubro de 2022

DESATANIZAR A SATÃ OU O DIABO

Leonardo Boff


 

Nestes tempos de campanha política e presidencial não é raro um candidato  satanizar seu adversário. Faz-se inclusive uma divisão  esdrúxula entre quem é da parte de Deus e quem é da parte do Diabo ou de Satã.

Esse termo Satã (em hebraico) ou Diabo (em latim) ganhou muitos significados, positivos e negativos, ao longo da história. Isso ocorre em muitas religiões especialmente nas abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo.

No entanto, devemos dizer que ninguém sofreu tantas injustiças e foi tão “satanizado” como o próprio Satã. No inicio não foi assim. Por esta razão é importante fazer brevemente a história de Satã ou do Diabo.

Ele é contado entre os “filhos de Deus” como os demais anjos, como se diz no livro de Jó (1,6). Está na corte celeste. Portanto, é um ser de bondade. Não é a figura má que ganhará mais tarde. Mas recebeu de Deus uma tarefa inusitada e ingrata: deve pôr à prova as pessoas boas como Jó que é “um homem íntegro, reto, temente a Deus e afastado mal”(Jó 1,8). Deve submetê-lo a todo o tipo de provas para ver se, de fato, é aquilo que todos dizem dele:”não há outro igual na terra”(Jo 1,8). Como prova promovida por Satã, ele perde tudo, a família, os bens e os amigos.Mas não perde a fé.

Houve uma grande mutação a partir do século VI aC, quando os judeus viveram no cativeiro babilônico (587aC) na Pérsia. Lá se confrontaram com a doutrina de Zoroastro que estabelecia o confronto entre o “príncipe da luz”com o “príncipe das trevas”. Eles incorporaram esta visão dualista e maniqueísta. Deu-se origem ao Satã como da parte reino das trevas, o “grande acusador” ou “adversário” que induz os seres humanos a atos de maldade. Em seguida, produz-se o confronto entre Deus e Satã. Nos textos judaicos tardios, do século II as, especialmente no livro  de Honoch, elabora-se a saga da revolta de anjos chefiados por Satã, agora chamado de Lúcifer, contra Deus. Narra-se a queda de Lucifer e cerca de um terço dos anjos que aderiram e acabaram expulsos do céu.

Surge então a questão: onde colocá-los se foram expulsos? Ai valeu-se da categoria do inferno: do fogo ardente e de todos os horrores,bem descritos por Dante Alighieri na segunda parte de sua Divina Comédia dedicada ao inferno.

No Primeiro Testamento (o Antigo) quase não se fala do diabo (cf.Cron 21,1;Samuel 24,1). No Segundo Testamento (Novo) aparece em alguns relatos”…serão lançados no fornalha de fogo; ali haverá choro e ranger de dentes”(Mt 8,12;13,42-50;Lc 13,27) ou na parábola do rico epulão e o pobre Lázaro (Lc 16,23-24) ou no Apocalipse (16,10-11).

Essa compreensão foi assumida pelos teólogos antigos, de modo especial por Santo Agostinho. Ele influenciou toda a tradição das Igrejas, a doutrina dos Papas e chegou até hoje.

A categoria do inferno e da condenação eterna foi determinante na conversão dos povos originários na América Latina e de outros lugares de missão, produzindo medo e pânico. Seus antepassados, dizia-se, pelo fato de não terem sido cristãos, estão no inferno. E argumentava-se que se eles não se convertessem e não se deixassem batizar conheceriam o mesmo destino.Isso está em todos os catecismos que foram logo após a conquista elaborados com os quais se pretendia converter astecas, incas, mais e outros. Foi o medo, outrora levou e ainda hoje,leva à conversão de multidões como o mostrou o grande historiador francês Jean Delumeau. É apelando ao Diabo, a Satã que hoje em tempos de ira e ódio social, se procura desqualificar o adversário, não raro, feito inimigo a ser desmoralizado e,eventualmente,liquidado.

Aqui devemos superar todo o fundamentalismo do texto bíblico. Não basta citar textos sobre o inferno, mesmo na boca de Jesus. Devemos saber interpretá-los para não cairmos em contradição com o conceito de Deus e mesmo destruir a boa-nova de Jesus,do Pai cheio de misericórdia, como o pai do filho pródigo que acolhe o filho perdido(Lc 15,11-23).

Em primeiro lugar o ser humano busca uma razão pelo mal no mundo. Tem grande dificuldade de assumir a sua própria responsabilidade. Então transfere-a ao Demônio ou aos demônios.

Em segunfo lugar, o significado dos demônios e do inferno dos horrores representam uma pedagogia do medo para, pelo medo, fazer as pessoas buscarem o caminho do bem. Demônio e inferno, portanto, são criações humanas, um espécie de pedagogia sinistra, como ainda mães fazem às crianças:”Se não se comportar direito, de noite,vem o lobo mau morder seu pé”. O ser humano pode ser o Satã da terra e da sociedade. Ele pode criar o “inferno”aos outros pelo ódio, pela opressão e pelos mecanismos de morte, como infelizmente está ocorrendo em nossa sociedade.

Em terceiro lugar, Satã ou o Diabo é uma criatura de Deus. Dizer que é uma criatura de Deus, significa que, em cada momento, Deus está criando e recriando esta criatura, mesmo no fogo do inferno.Pode Deus que é amor e bondade infinita se propor a isso? Bem diz o livro da Sabedoria:”Sim, tu amas todos os seres e nada detestas do que fizeste; se odiasses alguma coisa não a terias criado; e como poderia subsistir alguma coisa se não a quisesses…a todos poupas porque te pertencem, oh soberano amante da vida”(Sab 11,24-26). O Papa Francisco o disse claramente:”não existe condenação eterna; ela é só para este mundo”.

Em quarto lugar, a grande mensagem de Jesus é a infinita misericórdia de Deus-Abba (paizinho querido) que ama a todos, também os “ingratos e maus” (Lc 6,35). A afirmação do castigo eterno no inferno destrói diretamente a boa-nova de Jesus.Um Deus castigador é incompatível com o Jesus histórico que anunciou a infinita amorosidade de Deus para com todos,também para com os pecadores. O salmo 103 já havia intuído isso:”O  Senhor é compassivo e clemente, lento para a cólera e rico em misericórdia. Não está sempre acusando nem guarda rancor para sempre.Não nos trata segundo nossos pecados…como pai sente compaixão pelos seus filhos e filhas, assim o Senhor se compadecerá com os que o amam,porque ele conhece nossa natureza e se lembra de que somos pó…A misericórdia do Senhor é desde sempre para sempre”(103,8-17). Deus não pode nunca perder nenhuma criatura, por mais perversa que seja. Se ele a perdesse,  mesmo que seja uma só, ele teria fracassado em seu amor. Ora, isso não pode acontecer.

Bem  disse o Papa Francisco que incansavelmente prega a misericórdia:”A misericórdia sempre será maior que qualquer pecado e ninguém poderá pôr limites ao amor do Deus que perdoa”(Misericordiae vultus, 2)

Isso não significa que se entrará no céu de qualquer maneira. Todos passarão pelo juízo e pela clínica de Deus, para lá purificar-se, reconhecer seus pecados, aprender a amar e finalmente entrar no Reino da Trindade. É o purgatório que não é a ante-sala do inferno, mas a ante-sala do céu. Quem está lá se purificando já participa do mundo dos redimidos.

O inferno e os demônios e o principal deles, Satã, são projeções nossas da maldade que existe na história ou que nós mesmos produzimos e das quais não queremos nos resonsabilizar e as projetamos nestas figuras sinistras.

Temos que libertar-nos, finalmente, de tais projeções, para vivermos a alegria da mensagem de salvação universal de Jesus Cristo. Isso deslegitima toda satanização em qualquer situação,especialmente, em política  e nas igrejas pentecostais que usam de forma totalmente exorbitante a figura do demônio e do inferno. Antes assusta os fiéis do que os conforta com o amor e a infinita misericórdia de Deus.

Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escreveu: Vida para além da morte, Vozes,muitas edições 2021.

 

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

LULA E BOLSONARO: ASCENSÃO E QUEDA

 Frei Betto


 

       As trajetórias de Lula e Bolsonaro já foram exaustivamente analisadas do ponto de vista político. Não conheço, porém, nenhuma análise do ponto de vista dos arquétipos literários. Suas biografias são pratos cheios para uma nação como o Brasil, onde a maioria do povo é pobre e confia na sorte (ou no milagre) para sair do buraco. 

       No estudo de obras literárias, há técnicas de garimpar textos e descobrir por que causam tanto impacto a leitores de sucessivas gerações. O professor Matthew Jockers, das universidades de Nebraska e Vermont, analisou inúmeros romances. Chegou a seis tipos de arquétipos que servem de base à elaboração de narrativas complexas: 1) Ascensão (da pobreza à riqueza ou de má a boa sorte); 2) Declínio (de bom a mau, tragédia); 3) Ícaro (ascensão e declínio); 4) Édipo (declínio, ascensão e declínio de novo); 5) Cinderela (ascensão, queda, ascensão); 6) Homem no buraco (queda e ascensão).

       A pesquisa se baseou na análise de sentimento, uma técnica estatística usada por marqueteiros para analisar postagens em mídias digitais. Cada palavra é associada a uma "pontuação de sentimento". Assim, uma palavra é qualificada como positiva (feliz) ou negativa (triste), ou associada a emoções mais sutis, como medo, alegria, surpresa e anseio. Por exemplo, a palavra "abolir" é negativa, associada a raiva. 

       Ao fazer a análise de sentimento das palavras de um romance, percebe-se as mudanças de humor ao longo do texto, revelando um tipo de narrativa emocional. 

       Bons exemplos são “A divina comédia”, de Dante Alighieri; “Madame Bovary”, de Flaubert; “Romeu e Julieta”, de Shakespeare; “Orgulho e preconceito”, de Jane Austen; “Frankenstein”, de Mary Shelley; e “O patinho feio”, de Hans Christian Andersen. 

       “A divina comédia” é um poema épico de ascensão. O autor inicia por descrever sua jornada no inferno, acompanhado pelo poeta Virgílio. Eis ali "um homem no buraco". Ao sobreviver milagrosamente ao inferno, a dupla escala a montanha do purgatório, na qual repousam as almas dos excomungados, preguiçosos e luxuriosos. Beatriz, paixão e musa de Dante, substitui Virgílio como companhia e a ascensão do casal ao paraíso é marcada por crescente alegria. A alma do poeta se torna plena "do amor que move o sol e outras estrelas". 

       Lula se encaixa melhor no poema de Dante que Bolsonaro. Saiu da miséria (o inferno), padeceu uma vida de trabalhador assalariado (o purgatório) e, enfim, chegou a presidente da República com 87% de aprovação (o paraíso). Bolsonaro saiu do purgatório (sua fracassada e breve carreira militar) e chegou ao paraíso (eleito presidente). Sabe-se, porém, que caso seja derrotado no próximo dia 30 será condenado ao inferno (o retorno a uma vida sem mandato e o risco de cair nas malhas da Justiça). 

       Lula condiz com o arquétipo Cinderela. Após a ascensão à presidência, conheceu a queda sob as garras injustas da Lava Jato e, agora, experimenta a preferência eleitoral e poderá ser o primeiro brasileiro eleito três vezes para chefiar a nação. Neste caso, em 1º de janeiro de 2023 a faixa presidencial o cobrirá como o sapatinho ofertado pelo príncipe se adequou ao pé de Cinderela. 

       Bolsonaro sabe que está mais para Madame Bovary, que se deslumbrou com amores fortuitos, e corre o risco de, após o imprevisível voo que o alçou ao Planalto, cair como Ícaro no mais profundo abismo. 

       Esses arquétipos estão enraizados em nosso inconsciente. São amplamente utilizados em todas as narrativas ficcionais, como novelas de TV.  Causam maior impacto quando são realidade, como é o caso da família real britânica. Ela dispensa novelas de TV na Inglaterra. Os dramas – o tio que abdicou da coroa para se casar com uma mulher desquitada; a rainha longeva; o filho que se separa da mulher bela para se juntar à mulher feia; o príncipe flagrado em orgia; e o príncipe de “sangue azul” que se casa com uma mulher de “sangue negro” etc... – tudo isso atrai olhares e provoca a imaginação. 

       No dia 30 nossos votos haverão de acrescentar mais um capítulo à tragédia brasileira. Há aqueles que votarão pela “pontuação de sentimento negativo” (Bolsonaro) e aqueles que darão o seu voto à “pontuação de sentimento positivo”. Espero em Deus que a maioria dos eleitores vote sem medo de ser feliz. 

 

Frei Betto é escritor, autor de “Jesus militante – o Evangelho e o projeto político do Reino de Deus” (Vozes), entre outros livros.

 

Frei Betto é autor de 73 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

 

 

 

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quarta-feira, 19 de outubro de 2022

PALAVRAS DE PEDRO - 21.1.2022


 Dom Pedro Casaldáliga



Eu desenharia a sociedade que sonho com palavras bem simples.

Seria pão, circo, seresta e culto.

Uma sociedade em que você possa comer, beber, que tenha fim de semana, férias, folga.

 Que valorize a própria cultura plural, desde a quadrilha, a capoeira, até o último vídeo.

Uma sociedade que se comunique com seus ancestrais, com o Deus da vida, dentro do pluralismo cultural.

 

A partir de minha fé cristã, uma sociedade que responda a esse sonho de Deus.

Você sabe que os direitos humanos são os interesses de Deus.

Porque os direitos dos irmãos e irmãs são os direitos dos filhos e filhas.

Gosto de dizer sempre que toda a política deste mundo se resume no Pai Nosso.

“Pai nosso que estás no céu”, nosso, não meu.

O pai nosso é o pão nosso.

 

O teólogo jesuíta espanhol González Faus, que conhece muito bem América Latina, diz em seu livro Projeto de irmão que a ética, a moral e explicitamente a ética e a moral cristã são, em última instância um projeto de fraternidade.

 

Pedro Casaldáliga

#Casaldàliga!

#PedroCasaldáligaPresente!

#PereCasaldàliga

#NãoQueremosGuerraQueremosPaz!

#RomariaDosMártiresDaCaminhada

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Momento de promessas, tempo de compromisso

 






Marcelo Barros

 

Daqui a poucos dias, o Brasil vai viver o segundo turno das eleições presidenciais e de vários governantes estaduais.  Principalmente, na opção por Lula ou pelo atual presidente, o que está em jogo são duas propostas ou projetos de país. Enquanto a extrema-direita ainda assusta as pessoas com o fantasma do Comunismo e provoca o medo de crentes com boatos de que, se eleito, Lula fecharia Igrejas, o projeto do seu candidato está ligado aos interesses de empresas mineradoras, de madeireiras, do latifúndio e do capital internacional. Retomam acusações sobre a corrupção do PT, mesmo se a corrupção na Petrobrás explodiu com os chamados “anões do orçamento”,  em 1993,  dez anos antes de Lula assumir o governo. Sabe que, nos governos do PT, a polícia federal teve como nunca liberdade para agir e os processos de corrupção, antes engavetados, vieram à tona. 

Atualmente, comparado com o que foi o chamado mensalão ou outros esquemas de corrupção ocorrido durante governos do PT, o “orçamento secreto” do atual presidente rouba do país uma soma equivalente a muitos mensalões. É claro que nenhum erro justifica outro. No entanto, na história do Brasil, quase sempre, acusações de corrupção servem de pretexto para que a direita desacredite a democracia e cometa crimes ainda piores.

A coligação de partidos que propõe Lula como presidente tem como base retomar um projeto de país para todos os brasileiros e brasileiras. A prioridade é garantir o direito universal à alimentação, à moradia e a condições de vida digna para mais de 33 milhões de brasileiros/as, nestes anos recentes, reduzidos à fome e à extrema pobreza. É urgente salvar o que ainda é possível da Amazônia e da sustentabilidade dos biomas brasileiros.

Trata-se de eleger alguém que, ao contrário do atual presidente, seja capaz de dialogar positivamente e de forma inteligente com o poder legislativo e com o judiciário, assim como com todos os segmentos da sociedade para construirmos novamente um país inclusivo para todos/as. Lula já demonstrou ser a pessoa mais competente para fazer isso.

É preciso ter clareza: quando o Evangelho diz que o Verbo, a Palavra de Deus, se fez carne, afirma que o amor divino assume a realidade do mundo como ela é. Encarna-se, isso é, se insere na caminhada da humanidade, sem transformá-la em Cristandade, evangélica ou católica. O projeto de país deve ser laico e pluralista, aberto a todos os cidadãos e cidadãs, a serviço da Paz, Justiça e Cuidado com a Terra e a natureza.

Quem é discípulo ou discípula de Jesus deve dar testemunho de que é capaz de conviver como irmão/ã com toda e qualquer pessoa humana, seja de que religião for, ou sem nenhuma tradição específica. Jesus não veio ao mundo para organizar religião. Afirmou: “Eu vim para que todos/as tenham vida e vida em abundância” (Jo 10, 10).

Na sexta-feira, 7 de outubro, líderes religiosos/as de diversas tradições publicaram uma “Carta aberta às mulheres e homens de fé do Brasil”. Nesta carta, afirmam: “Nós, líderes religiosos e de diferentes credos e tradições, direcionamos nossa voz ao povo brasileiro. Nesse momento político conturbado, violento e disputado pelas redes sociais, convidamos todas as pessoas a assumirem sua cidadania, escolhendo cuidadosamente seu candidato e verificando seu alinhamento com os valores comuns às mais diversas tradições de fé que permeiam o coração do nosso povo...” (...).                   No final, concluem: “Não silenciemos! Escolhamos o Presidente do Brasil impulsionados pela FÉ e pelo compromisso com uma vida digna e justa para todas e todos. Nesse sentido, declaramos nosso voto e apoio ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, por entendermos que é nossa única opção para reconstruir o Brasil comprometida com a DEMOCRACIA, PLURALIDADE e JUSTIÇA SOCIAL”. Na íntegra, a carta pode ser lida no site do MST:

https://mst.org.br/2022/10/08/carta-aberta-as-mulheres-e-homens-de-fe-do-brasil/

Que a palavra profética destes irmãos e irmãs possa ressoar para todas as pessoas e comunidades de fé.


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Eleições no Brasil e religião

  Maria Clara Lucchetti  Bingemer



 

Passou o primeiro turno das eleições, mas não a perplexidade. Esta, ao contrário, aumentou. Por quê? Primeiro, por causa dos resultados que não corresponderam ao que as pesquisas permitiam esperar.  Também, e talvez mais ainda, pelo inesperado rumo que tomaram as eleições para os governos estaduais, o Senado e boa parte do Congresso.  A configuração do Legislativo mudou profundamente e com ela a configuração política e governamental do Brasil.  Mesmo que o resultado do segundo turno corresponda às expectativas como se espera e deseja, dificilmente o país pode esperar tempos tranquilos no que toca a sua governabilidade. 

Em seguida está a percepção de um elemento já fortemente presente nas eleições passadas, nas quais foi protagonista e influente nos resultados: a religião. Enquanto tentamos nos recuperar das surpresas, a influência da religião nos resultados das urnas, que nos atropelou e surpreendeu em 2018, volta a estar presente. O protagonismo que a religião continua a ter  nas campanhas de tantos candidatos segue sendo digno de nota. O discurso sobre Deus, a compreensão da própria candidatura como vocação dada por Deus, a Bíblia utilizada como epígrafe de entrevistas transmitidas pela mídia se fazem sempre mais presentes na propaganda eleitoral e nos debates entre os candidatos.

Não se trata - e nisso se reproduz o que aconteceu nas eleições passadas - do discurso cristão característico das Igrejas históricas, católica ou protestante. A ênfase é na afirmação da supremacia gloriosa de Deus sobre tudo e todos e a conexão disto com o patriotismo exacerbado: a pátria acima de tudo. Além disso, as profissões de fé religiosas vêm acompanhadas de uma moral rígida e restrita que pretende falar em nome da religião. Os versículos bíblicos – às vezes não citados corretamente – são isolados de seu contexto e justificam preconceitos, falsas acusações, “fake news” e calúnias .

Se Deus está acima de todos, não parece estar acima daqueles que o citam a torto e a direito, em perigosa proximidade com o segundo mandamento que manda “não tomar seu Santo nome em vão”. Servem tais citações como respaldo e legitimação ao que os candidatos em questão querem propor ao público como ideias a assimilar e projetos aos quais aderir. E também para deslegitimar e denegrir as propostas dos candidatos adversários.  É a Bíblia a serviço do discurso eleitoral e não o

contrário. É a Palavra de Deus utilizada como apoio para afirmações e declarações que andam distantes daquilo que as Escrituras apresentam como sendo o permanente diálogo de amor e vida em plenitude do Deus da Aliança e da Promessa com seu povo.

Nessas declarações encontram-se incitações à violência e afirmações sobre a necessidade  de armar a população e militarizar as escolas. Ouvem-se afirmações discriminatórias em relação a vários segmentos da população: merecem destaque os negros, as mulheres e os LGBTQIA+. Fala-se com desprezo dos direitos humanos e das conquistas duramente conseguidas pela humanidade e concretamente pelos brasileiros ao longo de décadas. Direitos laborais, políticos e sociais são definidos como males a extirpar.

Percebe-se, portanto, uma explicitação da fé cristã descolada dos valores que os candidatos em questão pretendem defender: a família, a moral, a segurança. Enquanto no Evangelho de Jesus Cristo o que se lê é a apologia do acolhimento ao outro, do perdão, da não violência, da inclusão de todos, os discursos políticos dessas eleições em nosso país vêm carregados de agressividade, eu diria até mesmo de morbosidade. Agora, quatro anos depois, trazem consigo concreções que a população pôde presenciar e sofrer como o negacionismo, o ataque à ciência, o desprezo pelo avanço da pandemia.  As posições se acirram e a discórdia cresce até mesmo entre amigos e familiares. 

A ligação constitutiva do cristianismo entre a fé e o compromisso transformador com a justiça passa longe das atuais eleições brasileiras tal como nas que aconteceram há quatro anos. O que se vê é o louvor como fim em si mesmo, a afirmação da fé em Deus apoiando e legitimando propostas excludentes, agressivas e discriminatórias. E, pior que tudo, a banalização da violência e da morte como preço necessário a pagar para trazer segurança a um povo cansado de ver a própria vida e de sua família permanentemente em risco.

Essa combinação explosiva de patriotismo ultramontano e religiosidade fundamentalista infelizmente não é nova. Já foi vista em outras situações e mais ou menos recentemente na Europa do final dos anos 30, inicio dos 40. O espaço onde aconteceu foram os países cristãos. Ali também Deus foi convocado para justificar um

novo regime que parecia empoderar países em crise. Os resultados são bem conhecidos. A humanidade amargou o maior genocídio de todos os tempos, pelo qual até hoje paga as consequências.

Ninguém acreditava que líderes que se diziam tementes a Deus pudessem realizar suas enlouquecidas propostas. A história demonstrou que sim, e as pessoas se deram conta quando já era tarde. Às vésperas do segundo turno, acompanhamos com angústia o rumo que toma nosso país. Que nos ajude a esperança, virtude indispensável que a fé no verdadeiro Deus ajuda a não perder.

 Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, é autora de “Experiência de Deus na Contemporaneidade: entre o viver e o contar” (Editora Paulinas), entre outros livros.-- 

 

Copyright 2022 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>

 

Maria Helena Guimarães Pereira
MHP Agente Literária - Assessoria
mhgpal@gmail.com

 

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

A figura tenebrosa de Jair Bolsonaro ameaça a democracia


Leonardo Boff      



                          

O atual presidente apresenta traços desvairados e tem feito constantes ameaças à normalidade democrática, caso venha perder as eleições. No primeiro turno em 2 de outubro recebeu 43,44% dos votos enquanto o ex-presidente Lula levou 48,5% dos votos. Há grande expectativa que ele venha a ganhar a eleição, pois a superioridade sobre Bolsonaro é notável.

Lula tem recebido o apoio de quase todos os partidos até dos mais distantes. Pois, perceberam que a democracia está em jogo e também o destino histórico de nosso país. A vitória de Bolsonaro levaria avante seu projeto de desmontagem das instituições de forma abertamente autoritária e ameaçadora de um golpe de estado.

Precisamos tentar entender  por que irrompeu esta onda de ódio,de mentiras como método de governo, fake news, calúnias e corrupção governamental, impedida de ser investigada. Vieram-me à mente um artigo que publiquei tempos atrás e aqui reformulo. Duas categorias parecem esclarecedoras: uma da psicanálise junguiana, a da sombra e outra da grande tradição oriental do budismo e afins e entre nós, do espiritismo, o karma.

A categoria de sombra, presente em cada pessoa ou coletividade, é constituída por aqueles elementos negativos que nos custa aceitar, que procuramos esquecer ou mesmo recalcar, enviando-os ao inconsciente  seja pessoal seja coletivo.

Efetivamente, cinco grandes sombras marcam a história político-social de nosso país:

primeira é o genocídio indígena, persistente até hoje,  pois, suas reservas estão sendo invadidas e durante a pandemia  foram praticamente  abandonados pelas autoridades atuais.

segunda é  colonização que nos impediu que ter um projeto próprio, de um povo livre, mas, ao contrário, sempre dependente de poderes estrangeiros de outrora e de hoje. Criou a síndrome do “vira-lata”.

terceira é escravagismo,uma de nossas vergonhas nacionais, pois, implicava tratar a pessoa escravizada como coisa,”peça”, posta no mercado para ser comprada e vendida e submetida constantemente à chibata, ao desprezo e ao ódio.

 A quarta é permanência da conciliação entre si, dos representantes das classes dominantes, seja herdeiras da Casa Grande ou do industrialismo especialmente a partir de São Paulo, denominadas por Jessé Souza de “elites do atraso”. São profundamente egoístas a ponto de Noam Chomsky ter afirmado:”O Brasil é uma espécie de caso especial, pois, raramente vi um país onde elementos da elite tenham tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo trabalhador”. Estes nunca pensaram num projeto nacional que incluísse o povo, projeto somente deles para eles, capazes de controlar o estado, ocupar seus aparelhos e ganhar propinas e fortunas nos projetos estatais.

 

quinta sombra represeta a democracia  de baixa intensidade entrecortada por golpes de estado mas que sempre se refaz sem, entretanto, mudar de natureza. Perdura até hoje e atualmente mostra grande debilidade pelo grau dos representantes de direita ou extrema direita, com suas maracutaias como o orçamento secreto. Medida pelo respeito à constituição, pelos direitos humanos pessoais e sociais, pela justiça social e pelo nível de participação popular, comparece antes como uma farsa do que, realmente, uma democracia consolidada.

Sempre que algum líder político com ideias reformistas, vindo do andar de baixo, da senzala social, apresenta um projeto mais amplo que abrange o povo com políticas sociais inclusivas, estas forças de conciliação, com seu braço ideológico, os grandes meios de comunicação, como jornais, rádios e canais de televisão, associados a parlamentares e a setores importantes do judiciário, usaram o recurso do golpe seja militar (1964), seja jurídico-político-mediático (2016) para garantir seus privilégios.

O desprezo e o ódio, outrora dirigido aos escravizados, foi transferido covardemente aos pobres e miseráveis, condenados a viver sempre na exclusão.Estas sombras pairam sobre a atmosfera social de nosso país. É sempre ideologicamente escondida, negada e recalcada.

Com o atual presidente e com o séquito de seus seguidores, o que era oculto e recalcado saiu do armário. Sempre estava lá, recolhido mas atuante, impedindo que nossa sociedade, dominada pela elite do atraso, fizesse as transformações necessárias e continuasse com uma característica conservadora e, em alguns campos,  como nos costumes, até reacionária e por isso de fácil manipulação política. Dentro da alma de uma porção de brasileiros há um pequeno “bolsonaro”reacionário e odiento. O Bolsonaro histórico deu corpo a esse “bolsonaro”escondido. O mesmo aconteceu com o “hitler”escondido em uma porção do povo alemão.

As cinco sombras referidas foram agravadas atualmente pela aquisição incentivada de armas na população, pela magnificação da violência até da tortura, pelo racismo cultural, pela misoginia, pelo ódio aos de outra opção sexual, pelo desprezo aos afrodescendentes, aos indígenas,aos quilombolas  e aos pobres em geral. É de estranhar que muitos, até pessoas sensatas, inclusive acadêmicos e gente da classe média, possam seguir uma figura tão destemperada,  deseducada e sem qualquer empatia pelos sofredores que perderam entes queridos pelo Covid-19.

Essa é uma explicação, certamente, não exaustiva, através da categoria da sombra que subjaz às várias crises político-sociais.

A outra categoria é a do karma. Para conferir-lhe algum grau analítico e não apenas hermenêutico (esclarecedor da vida), valho-me de um longo diálogo entre o grande historiador inglês Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda, eminente filósofo japonês, recolhido no livro. Elige la vida,  (Emecé. Buenos Aires 2005).

karma é um termo sânscrito originalmente significando força e movimento, concentrado na palavra “ação” que provocava sua correspondente “re-ação”. Aplica-se aos indivíduos e também às coletividades.

Cada pessoa é marcada pelas ações que praticou em vida. Essa ação não se restringe à pessoa mas conota todo o ambiente. Trata-se de uma espécie de conta-corrente ética cujo saldo está em constante mutação consoante as ações boas ou más que são feitas, vale dizer, os “débitos e os créditos”. Mesmo depois da morte, a pessoa, na crença budista e espírita carrega esta conta; por isso se reencarna para que, por vários  renascimentos,  possa zerar a conta negativa e entrar no nirvana ou no céu.

Para Toybee não se precisa recorrer à hipótese dos muitos renascimentos porque a rede de vínculos garante a continuidade do destino de um povo (p.384). As realidades kármicas impregnam as instituições, as paisagens, configuram as pessoas e marcam o estilo singular de um povo. Esta força kármica atua na história, marcando os fatos benéficos ou maléficos, coisa já vista por C.G.Jung em suas análises psico-sócio-históricas.

Toynbee em sua grande obra em dez volumes “Um Estudo da História”(A Study of History) trabalha a chave Desafio-Resposta (Challange – Response) e vê sentido na categoria do karma. Mas dá-lhe outra versão que me parece esclarecedora e nos ajuda entender um pouco as sombras nacionais,especialmente,  da extrema direita brasileira e até internacional.

A história é feita de redes relacionais dentro das quais está inserida cada pessoa, ligada com as que a precederam e com as presentes. Há um funcionamento kármico na história de um povo e de suas instituições consoante os níveis de bondade e justiça ou de maldade e injustiça que produziram ao largo do tempo. Este seria uma espécie de campo mórfico que permaneceria impregnando tudo.

Tanto Toynbee quanto Ikeda concordam nisso:”a sociedade moderna (nós incluídos) só pode ser curada de sua carga kármica, acrescentaríamos, de sua sombra, através de uma revolução espiritual, social começando no coração e na mente (p.159), na linha da justiça compensatória, de políticas sanadoras e instituições justas.

Entretanto, elas sozinhas não são suficientes e não  desfarão as sombras e o  karma negativo. Faz-se mister  o amor, a solidariedade a compaixão e uma profunda humanidade para com as vítimas. O amor será o motor mais eficaz porque ele, no fundo, afirmam Toynbee e Ikeda “é a Última Realidade”(p.387).Algo semelhante diz Watson,um dos decodificadores do código genético:o amor está em nosso DNA.

Uma sociedade, perpassada pelo ódio e pela mentira como em Bolsonaro e em seus seguidores, alguns fanatizados, é incapaz de desconstruir uma história tão marcada pelas sombras e pelo karma negativo como a nossa. Isso vale especificamente pelos modos rudes, ofensivos e mentirosos do atual presidente e de seus ministros.

Só a dimensão de luz e o karma do bem livram e redimem  a sociedade da força das sombras tenebrosas e das  kármicas do mal como os grandes sábios da humanidade como o Dalai Lama e os dois Franciscos, o de Assis e o de Roma o testemunham.


Se não derrotarmos eleitoralmente atual presidente neste segundo turno a realizar-se no dia 30 de outubro, o país se moverá de crise em crise, criando uma corrente de sombras e kármas destrutivos, comprometendo  futuro de todos. Mas a luz e a energia do positivo sempre se mostraram historicamente mais poderosas que as sombras e o karma negativo.

Estamos seguros de que serão elas que garantirão, assim esperamos, a vitória de Lula que não guarda rancor nem ódio no coração mas se move pela amorosidade e pela política do cuidado do povo, especialmente dos empobrecidos e de suas necessidades.

Leonardo Boff é teólogo e filósofo e escreveu Brasil:concluir a refundação ou prolongar a dependência, Vozes 2018.

 

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

POR QUE BOLSONARO SURPREENDEU NO PRIMEIRO TURNO


 Frei Betto

 

       Há múltiplas análises do resultado no 1º turno da disputa presidencial entre Lula e Bolsonaro. Todas surpresas com o avanço eleitoral do presidente, contrariando previsões dos principais institutos de pesquisas. Pelos locais de votação via-se muito mais roupas vermelhas (eleitores de Lula) que verde e amarelo (eleitores do Inominável).

       Fica a pergunta: como explicar tão surpreendente avanço de quem sabotou o combate à pandemia, reduziu drasticamente os orçamentos da Saúde e da Educação, e demonstra abertamente seu desprezo por mulheres, pobres, indígenas e negros?

       Como respostas há várias hipóteses. Fico com uma.

       Toda pessoa se inclui em um sistema de sentido, ainda que disso não tenha a menor consciência. Vale para o monge budista e para o chefão do narcotráfico. Grosso modo há, hoje, dois sistemas de sentido que imprimem  razão de viver: o neoliberalismo e o socialismo ou comunidades de partilha, como as indígenas. Dentro desses dois sistemas há subsistemas, e o mais expressivo é a religião.

       Na Idade Média, a religião foi sistema predominante no  Ocidente, o mais abrangente de todos os sistemas criados até hoje. Seu arco se estende do mais íntimo (a culpa por uma ofensa) ao mais coletivo (a sociedade de justiça e paz). A religião “explica” desde a origem do Universo até o que ocorre a cada pessoa após a morte. Como ironizam os cientistas, os físicos têm perguntas; os teólogos, respostas.

       Como sistema de sentido, a religião não exige dos fiéis estudos e status, basta acatar os preceitos e a doutrina como verdades de fé e confiar (verbo que deriva de ‘com fé’) na palavra daqueles que, revestidos de suposta sacralidade (o ministro da confissão religiosa), gozam da prerrogativa de falar em nome de Deus!

       Numa sociedade em que a maioria da população tem baixa escolaridade e pouca renda, o espaço religioso atrai como um refúgio frente aos sofrimentos, ao desamparo, à competividade que campeia na vida social. Ali o fiel encontra uma lógica para entender (e aceitar ou criticar) por que o mundo é o que é, com suas desigualdades e violências. Vivencia  solidariedade, consolo, amparo e, sobretudo, resgata sua autoestima. O “zé ninguém” da vida cotidiana se sente promovido no espaço religioso como filho ou filha de Deus, ministro da Palavra, pai ou mãe de santo etc.

       Era isso que as Comunidades Eclesiais de Base ofereciam a seus milhões de participantes Brasil afora entre as décadas de 1970 e 1990. Entretanto, foram atropeladas pelos pontificados conservadores de João Paulo II e Bento XVI. Esse refluxo favoreceu o avanço das Igrejas evangélicas entre as classes populares. A maioria abraça o neoliberalismo como sistema de sentido. Consideram que a salvação pessoal neste e no outro mundo é mais importante que lutar por uma sociedade mais justa.

       Aliás, o social viria como acúmulo de virtudes pessoais... Não se enxerga a floresta, apenas as árvores. Se há gente na miséria é porque se desviou dos caminhos do Senhor e não perseverou nas virtudes morais. Vide aqueles que, na Igreja, vieram de uma vida de devassidão, bebidas, mulheres, jogatina e, ao abraçar a fé no Senhor, resgataram o equilíbrio familiar, abandonaram os vícios e, hoje, prosperam social e financeiramente.

       São lógicas opostas: enquanto os progressistas querem mudar a sociedade para que as pessoas mudem, os fundamentalistas querem mudar as pessoas para que a sociedade mude. Os primeiros atuam sob o paradigma do social (política). Os segundos, do pessoal (moral). 

       A esse contingente evangélico a esquerda ainda não aprendeu a falar. Guarda ranços dos preconceitos antirreligiosos do marxismo vulgar. E é desses cristãos fundamentalistas, dispostos à “servidão voluntária”, que Bolsonaro obtém mais apoio. Não há argumento que consiga demovê-los, pois não pensam com a razão, e sim com a emoção temperada por algo que transcende a razão: a fé. Tenho conversado com muitos deles. Argumentam que se a situação brasileira está ruim não é culpa do presidente, e sim da pandemia e da guerra na Ucrânia.

       A militância progressista e de esquerda tende a demonizar essa multidão de evangélicos fiéis a Edir Macedo, Malafaia e outros próceres mercadores da fé. Não se dá ao trabalho de tentar compreender a vertiginosa expansão das Igrejas evangélicas. E não domina a única linguagem capaz de estabelecer algum diálogo com este segmento: a hermenêutica bíblica.

       Agora já não há tempo suficiente para os eleitores de Lula redirecionarem a postura frente aos evangélicos eleitores de Bolsonaro. Mas isso terá que ser feito, sob pena de o Brasil caminhar para uma neocristandade capaz de minar o Estado laico e cobrir de bênçãos as armas dos milicianos.

       Nestes poucos dias que nos restam para o 2º turno a tarefa, urgente, é evitar que o debate eleitoral fique refém de uma “cruzada religiosa”, alheio às causas da penúria de nosso povo; convencer os indecisos da pertinência de eleger Lula, desconstruindo o “mito” ao revelar sua verdadeira face de corrupto, miliciano, preconceituoso e administrador falido; convocar mobilizações presenciais e virtuais; e torcer para que o PT e a coordenação da campanha acertem na propaganda eleitoral e na costura de amplos apoios.

      

Frei Betto é escritor, autor de “Tom vermelho o verde” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual freibetto.org

  

Frei Betto é autor de 73 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

 

 

 

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