Maria Clara Lucchetti Bingemer
Quem tem medo de Marielle
Franco? Essa parece ser a pergunta que voltou a ressoar aos ouvidos do Brasil
de hoje após um tempo longo demais de silêncio grávido e pesado. O estampido
dos quatro tiros que interrompeu a vida da jovem vereadora do Rio de Janeiro e
os três que atingiram seu motorista Anderson Gomes se faz ouvir novamente,
perfurando desta vez os ouvidos moucos que insistiam em não escutar
afirmações que se iam impondo sempre mais fortemente sobre o caso cuja solução
fora apenas parcial e incompleta.
Agora surge nova narrativa que
vem abrir outra parte de um cenário que se adivinhava, mas ao qual faltavam
elementos para afirmar. E o depoimento promete, porque anuncia direções e
pistas com as quais talvez não se contasse na difícil elucidação do caso, em
suas raízes mais antigas, ou seja: as cabeças que decidiram o assassinato,
arquitetado e minuciosamente planejado.
Um ano depois do crime –
portanto em 2019 - a Polícia chegou a prender dois acusados de executar o
crime. São eles: o policial militar reformado Ronnie Lessa e o
ex-policial militar Élcio de Queiroz. Ambos teriam envolvimento com
grupos de milícia. Mas os mandantes não foram identificados até o presente
momento.
No entender da Ministra da
Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã de Marielle, cinco anos é um tempo mais
do que longo para elucidar um caso como este. Isso só demonstra como foi
cuidadosamente arquitetado, planejado em todos os detalhes. A localização do
crime, em uma rua escura e deserta; o horário, noturno e tardio; a não proteção
das vítimas, que transitavam sem segurança e foram pegas de surpresa, segundo
depoimento da assessora da vereadora Marielle, Fernanda Chaves.
Depois do choque da notícia,
que provocou manifestações de indignação e protesto no Brasil e no
mundo inteiro, as investigações correram sob sigilo. Não se
conseguia acompanhar o ritmo delas. Os responsáveis pela condução do
processo foram mudados uma e outra vez o que, junto com a experiência dos suspeitos
presos – dois ex-policiais que sabem como se desenrola uma investigação –
tornavam a apuração dos fatos ainda mais difícil.
Recentemente, Elcio de Queiroz
resolveu falar. E seu depoimento espalhou suspeitas sobre vários
personagens do mundo policial e político brasileiros que indicam que
ainda há muita investigação a fazer neste caso. Mas é alentador ver que
se está prosseguindo na tentativa de identificar todos os mandantes e o motivo
do assassinato. A reparação de uma injustiça é sempre uma lufada de ar puro e
purificador no horizonte da vida.
Até aqui seria mais um caso de
crime não solucionado como há tantos outros. O que traz de diferente o
fato de a investigação do assassinato de Marielle Franco estar novamente sob os
holofotes e revelação de movimentos antes ignorados?
Creio que a resposta está na
própria pessoa de Marielle e de seu entorno: sua família, sua vida, seu
testemunho, sua história. A jovem vereadora de sorriso ensolarado e
radiante é uma figura símbolo de inúmeras vítimas de injustiça em nosso país:
mulher, negra, sexualidade na categoria de “diversidade sexual”. Ao mesmo
tempo é alguém que mesmo morta continua viva. Viva pelo que é, pelo que
fez e ainda faz. Viva porque a morte não anulou seu poder de fazer vibrar
corações e mobilizar consciências.
Viva na história e brutalmente
assassinada e empurrada prematuramente para fora da história. Marielle
continua viva em Deus. Não significa que está viva “em outro plano” , não
sendo mais por nada atingida e não alcançando nada mais neste mundo.
Os vivos em Deus estão mais vivos que muitos que se consideram vivos e são
nossos companheiros de existência. E o poder de seu testemunho e legado é
como um vento que movimenta a história e a faz tornar-se eloquente como
nunca.
Desde que novos fatos foram
despejados pela boca de um dos suspeitos de seu assassinato, a história do
Brasil espera, atenta e vigilante. E aguarda que seja escrito um novo e
fundamental capítulo de seu transcurso.
--
Maria Clara Bingemer, professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de
“Viver como crentes no
mundo em mudança” (Editora Paulinas), entre outros livros.
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