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quinta-feira, 10 de julho de 2014

A MÍSTICA CATÓLICA E O DESAFIO INTER-RELIGIOSO

por Maria Clara Lucchetti Bingemer


A mística inter-religiosa vai se firmando hoje como nova e importante área dentro das Ciências da Religião . E isto certamente tem grandes e surpreendentes repercussões na experiência mística cristã  dos tempos atuais e na releitura das experiências místicas cristãs de todos os tempos.   Esperamos que, seguindo estes caminhos, possamos chegar, senão a um novo paradigma, ao menos  talvez  a um paradigma muito antigo e mesmo primordial que hoje , revisitado, se levanta com nova força, novo rosto e chega por novas vias ao  sentimento religioso nosso e de boa parcela do povo de Deus.

 Em um momento da história e da vida da Igreja em que se encontram tantas perplexidades e muitas vezes, inclusive, inumeráveis confusões quanto à questão da espiritualidade e da experiência espiritual que seria própria ao cristianismo, cremos que a reflexão que aqui fazemos poderia talvez ajudar ou pelo menos provocar  um aprofundamento desta questão hoje vital: a possibilidade da autêntica experiência de Deus em outras tradições religiosas e a influência que tais experiências tiveram na configuração da experiência mística cristã . Sendo todas as experiências autenticamente  místicas distintas formas de aproximação do Mistério Fundamental que é Deus  uma teologia cristã das religiões ou da mística inter-religiosa implicará no reconhecimento da legitimidade destes diversos caminhos ou percursos em direção à comunhão com o mesmo Mistério Fundamental.

       A mística cristã hoje  é diretamente interpelada pelas experiências místicas e espirituais de outras religiões. Os numerosos estudos que vão mais e mais aparecendo neste campo comprovam o que acabamos de afirmar.  Mais:  pode-se perceber nas experiências e escritos de muitos dos maiores místicos cristãos a presença autêntica e real de intuições, imagens e contornos encontradiços igualmente em outras tradições. Isto não faz com que tal mística deixe de ser cristã ou perca em autenticidade,  mas demonstra que cada pessoa é situada num determinado contexto cultural e recebe a influência deste  sem disto tomar ciência a nível consciente.

 Demonstra igualmente  que a experiência de Deus que se encontra no coração mesmo da identidade da mística cristã  não se torna diminuída ou difusa ou menos consistente pela influência que recebe de alhures.  Mas,  pelo contrário,  dá e alcança toda a sua medida ao encontrar elementos de sintonia provindos de seres humanos que provaram profundamente a proximidade e o amor de Deus, ainda que oriundos e filiados a outras tradições religiosas. Existe, sem dúvida, algo que apenas a religião do outro, na sua diferença, pode ensinar, ou transmitir: às vezes um ponto ou uma dimensão que vamos descobrir na nossa experiência religiosa e do qual não nos havíamos dado conta.  Por aí desejaríamos que se desse nosso percurso.

         Queremos destacar, dentro daquilo que afirmamos,  algumas interfaces que acontecem nas experiências de alguns místicos cristãos em confronto com  outras  religiões monoteístas: o Judaísmo e o Islã.   No centro destas três tradições está presente um único Deus e isso nos fornece – parece-nos -  material mais propício e terreno menos movediço  para refletir num campo onde ainda quase tudo está por fazer.  A experiência mística , no fundo, não é senão a experiência do amor  que revolve as profundezas da humanidade pela presença e a sedução da alteridade.  Quando a alteridade é a religião do outro, há todo um caminho a ser feito em direção a uma comunhão que não suprime as diferenças, enriquecedoras e originais, mas encontra, na sua inclusão, um “novo”no qual se pode experimentar coisas novas do mesmo Deus. Essa inclusão, a nosso ver , pode ser percebida de forma mais explícita em termos do entrelaçamento das diferentes experiências místicas das três tradições mencionadas.  Tendo em comum a crença num só Deus e acontecendo igualmente em regiões e culturas onde a proximidade e a convivência facilitam e mesmo convidam à   intersecção oferecem material de grande interesse para o que aqui nos propomos refletir.

A experiência de um Deus pessoal e imanipulável, que as três religiões monoteístas ofereceram e oferecem como tesouro aos seus místicos permite que entre estas três tradições se instaure um aprendizado fecundo, o qual, nos dias de hoje, pode enriquecer e efetivamente enriquece não só a experiência mística cristã em si mesma, como também a reflexão teológica que sobre ela se faz.

  A teóloga é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco.

 Copyright 2014 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>

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AVANÇO DEMOCRÁTICO

por Frei Betto

     A 26 de maio a presidente Dilma assinou o decreto que obriga todos os “órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta” a realizar “consulta pública” antes de qualquer decisão de interesse da “sociedade civil”.

     Essa medida, intitulada Política Nacional de Participação Social, vale para ministérios, autarquias e agências reguladoras, e visa, segundo o decreto, a “consolidar a participação social como método de governo” e aprimorar “a relação do governo federal com a sociedade”.

     Fruto das manifestações iniciadas em 2013, trata-se de um passo importante para aprimorar a democracia brasileira. Pena que seja colhido somente 11 anos depois de o PT chegar à presidência da República e às vésperas das eleições presidenciais.

     Hoje, o Planalto é praticamente refém do Congresso, onde a maioria dos parlamentares julga equivocadamente que os partidos devem ser os únicos interlocutores do Executivo.

     Lula tentou quebrar essa ponte exclusiva entre os dois poderes ao criar o Conselhão, do qual participavam representantes de todos os segmentos da sociedade brasileira. Com o tempo, tornou-se um espaço no qual apenas o empresariado tem voz, provocando a evasão dos líderes de movimentos sociais.

     Na gestão Dilma, o Conselho perdeu mais ainda seu caráter consultivo. Tornou-se um palanque obsequioso, no qual a presidente e seus ministros dão seus recados.

     Os movimentos sociais sempre se queixam da dificuldade de diálogo com o Executivo federal. Prova disso é que este foi pego de surpresa com as manifestações de junho de 2013.

     Deputados federais e senadores raramente mantêm consultas às suas bases eleitorais e, com frequência, exercem sua atividade pública em função de interesses privados.

     Agora, a PNPS introduz na estrutura do Estado um mecanismo de consulta popular. Como decisões de governo custam a passar do papel à prática, tomara que medida democrática como esta vença o cipoal burocrático.

     O que temos hoje no Brasil é uma democracia delegativa, pouco representativa e nada participativa. A “representatividade” se reduz, de fato, a lobbies corporativos, como os das armas e do latifúndio.

A maioria dos eleitores, por força do poder econômico, como campanhas financiadas por empresas, acaba votando em candidatos e não em propostas, o que é uma forma moderna de voto de cabresto.

O PNPS pode ajudar a quebrar esse ciclo vicioso e tornar nossa democracia mais participativa.

 Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

 http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.
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quarta-feira, 9 de julho de 2014

EQUIVOCADO SIONISMO “CRISTÃO” CONTRA CRISTÃOS PALESTINOS

por    J u r a c y   A n d r a d e


Há entre muitos protestantes uma interpretação de profecias do Antigo Testamento, segundo a qual o retorno dos judeus à Terra Santa ou Palestina está conforme os desígnios de Deus, que trata seu povo eleito como a pupila dos olhos. Para esses cristãos, o estabelecimento do Estado de Israel com uma extensão geográfica bíblica e a restauração do Templo de Jerusalém são condições exigidas para a volta de Cristo. Uma interpretação bem duvidosa que mistura e confunde o direito de os judeus terem uma pátria com a política de limpeza étnica do Estado e governo de Israel. Aos que adotam essa interpretação dá-se o nome de sionistas cristãos.

Na edição de junho da excelente revista protestante Ultimato, editada pelo pastor Elben Lenz César, há um artigo esclarecedor sobre este tema assinado por Marcos Amado, missionário e diretor para a América Latina do Movimento de Lausanne. Mas, sionista cristão? Como, se o sionismo é um movimento judaico? Seu objetivo é o retorno do povo judeu à antiga pátria aonde fora conduzido por Moisés saindo do cativeiro no Egito faraônico; e a restauração ali da soberania judaica. O sionismo dito cristão nasceu desse equívoco e só fez aumentar a aversão, frequentemente ódio mesmo, dos palestinos e outros muçulmanos contra os cristãos, o que vem desde as Cruzadas, o primeiro ímpeto colonialista europeu contra o Oriente Médio. É bom lembrar que a igreja cristã da Palestina vem dos tempos apostólicos; hoje é pequena, mas já foi grande.

Então, esse sionismo” cristão” trabalha contra os cristãos palestinos. E convém lembrar também que, quando o Estado de Israel foi criado, logo depois da 2ª Guerra Mundial, os judeus sionistas atacaram e destruíram indiscriminadamente aldeias e propriedades de palestinos muçulmanos e cristãos (que ali viviam milenarmente), destruindo suas casas; o que criou, até hoje, uma diáspora palestina espalhada pelo Oriente Médio e por vários outros países. Como escreve o historiador Ilan Pappe, a coisa foi bem planejada e incluiu sionistas considerados de esquerda como Iytzhak Rabin, Shimon Peres, Golda Meir, entre outros. Em seu livro The ethnic cleansing of Palestine (Limpeza étnica da Palestina), Pappe descreve as reuniões preparatórias a esse esbulho, com locais, datas e nomes de participantes. Ele é insuspeito de antissemitismo pois é judeu, além de cidadão israelense. 

A consequência do sionismo “cristão”, escreve Amado, é o apoio incondicional de milhões de protestantes ocidentais a praticamente todas as decisões e ações políticas do governo israelense. Inclusive a quebra dos Acordos de Oslo, que, entre outros avanços, abriam caminho para a criação, afinal, de um Estado da Palestina sem as centenas de colônias judaicas implantadas desde então. Ações desastradas da Autoridade Nacional Palestina também contribuíram para facilitar a ação sionista.

Numa interpretação literal e descontextualizada da Bíblia, esses cristãos veem o Estado de Israel e seu governo como o representante do “povo de Deus”. Assim, afirma Amado que cristãos sionistas do mundo todo enviam milhões de dólares a Israel para sustentar a implantação de assentamentos judaicos no que restou de terra palestina, considerados ilegais pela ONU, mas mantidos e ampliados com o apoio dos Estados Unidos. Além disso, fazem lóbi junto a seus governos para que aceitem sem protesto a repressão do governo israelense contra os árabes palestinos; muçulmanos e também cristãos, como vimos. É uma nova Cruzada, apesar dos tristes resultados daquelas da Idade Média. Uma Cruzada que chega a apoiar grupos ortodoxos radicais judeus para a reconstrução do Templo de Jerusalém, o que só poderia ser feito com a destruição da Mesquita de Omar e do Domo da Rocha. Podemos imaginar os resultados de uma empreitada desse tipo.

E terminando, vamos saudar mais um acerto pastoral do Hermano Francisco que, ao visitar recentemente a Terra Santa de cristãos, judeus e muçulmanos, não compactuou com o establishment sionista e pregou a paz a harmonia entre todos. Em seguida, convidou a Roma os presidentes de Israel , Shimon Peres, e da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, que se reuniram com o papa, oraram, plantaram uma oliveira nos jardins do Vaticano e se abraçaram. Que os gestos de Francisco deem frutos.


Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia

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terça-feira, 8 de julho de 2014

Democratizar a democracia

por Marcelo Barros


Nessas últimas semanas, o brasileiro que estiver no exterior e ler a revista semanal de maior circulação no Brasil pode pensar que,  nesses dias, houve alguma revolução social no país. Também os grandes jornais da imprensa brasileira atacam o governo, como se a presidente da República tivesse dado um golpe de Estado. Quem acompanha a imprensa brasileira sabe que, em geral, essa é muito conservadora e defende a democracia apenas quando essa favorece seus lucros. No tempo da ditadura militar, com exceção de algumas raras exceções, esses jornais e revistas sempre apoiaram e procuraram legitimar a ditadura e mesmo a repressão a militantes de esquerda. Agora, em nome da democracia,  esses mesmos comunicadores atacam o governo e especificamente o decreto 8243/ 14 assinado pela presidente Dilma criando a Política Nacional de Participação Social (PNPS). A revista fala em “sovietização” do Brasil, enquanto no Congresso, um deputado pernambucano do DEM denuncia que, através desse decreto de caráter “bolivariano”,  a presidente quer tirar o privilégio do Congresso legislar para dar poderes políticos a grupos sociais e ao povão.  

Esses congressistas e órgãos de comunicação sabem perfeitamente que a presidente apenas está pondo em prática a Constituição Brasileira que ela jurou cumprir. Todos conhecem a lei magna que, logo em seu primeiro artigo, declara: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos dessa Constituição”. Se a participação cidadã é prevista na lei, seja através da representação parlamentar, seja de modo direto, ninguém pode acusar a presidente por ter procurado organizar como essa participação direta das organizações e grupos sociais pode se concretizar. Aliás, isso foi um dos pedidos das massas que saíram às ruas em junho de 2013 para pedir mais participação nas decisões políticas. Por isso, através da internet, mais de cem intelectuais brasileiros, comprometidos com as causas do povo se manifestaram apoiando a iniciativa da presidente. Muitas dessas pessoas não pertencem a partidos políticos. Várias têm sérias críticas ao atual governo. No entanto, saíram em campo com um manifesto em defesa do decreto presidencial. A cada dia, esse manifesto colhe mais assinaturas em favor da Política Nacional de Participação Social. O único risco de “revolução social” no Brasil, como ocorre na Europa, vem de grupos de direita que tornam a democracia praticamente inexistente e impõem a ditadura do mercado. 

Em direção oposta, o objetivo declarado do decreto presidencial é justamente “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Se isso funcionar, teremos, pela primeira vez em nosso país, a aproximação desejada entre o Estado e a população. Por isso, essa democracia participativa é um instrumento importante de exercício da cidadania, está em plena obediência ao espírito da Constituição Federal e em nada prejudica ou diminui a democracia representativa, ou seja, a função própria do poder legislativo. 

O decreto presidencial explicita como diretrizes: I – o reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia; II - complementariedade, transversalidade e integração entre mecanismos e instâncias da democracia representativa, participativa e direta; III - solidariedade, cooperação e respeito à diversidade de etnia, raça, cultura, geração, origem, sexo, orientação sexual, religião e condição social, econômica ou de deficiência, para a construção de valores de cidadania e de inclusão social; IV - direito à informação, à transparência e ao controle social nas ações públicas, com uso de linguagem simples e objetiva, consideradas as características e o idioma da população a que se dirige; V - valorização da educação para a cidadania ativa; VI - autonomia, livre funcionamento e independência das organizações da sociedade civil; e VII - ampliação dos mecanismos de controle social.

Os setores que se mobilizam contra esse decreto sempre atuaram contra a democracia e agora manifestam o seu destempero quando percebem a sociedade civil mais organizada e com instrumentos de participação nos destinos do país. A campanha de desinformação por parte de certos setores da elite continuará, mas é função de todos os cidadãos e cidadãs valorizar os seus direitos civis e, tanto na família, como nos grupos de base buscar a verdade e defender o que é justo. 

Para as comunidades cristãs, a palavra “participação social” é a que traduz o termo grego: Koinonia, que, nas Igrejas, se tornou “comunhão”. Criar a comunhão é um projeto divino. O termo Igreja foi inspirado nas assembleias de cidadãos do mundo grego antigo. Paulo trouxe o termo Igreja para as comunidades cristãs para educá-las à participação de todos e como um ensaio do que o Espírito Divino propõe para o mundo todo. Paulo escreveu à comunidade cristã de Corinto: “Através de Jesus Cristo, Deus nos chamou à comunhão, ou seja à plena participação social” (1 Cor 1, 9). 

Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.  

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segunda-feira, 7 de julho de 2014

O pacto das catacumbas vivido pelo Papa Francisco

POR lEONARDO bOFF


No dia 16 de novembro de 1965 ao findar o Concílo Vaticano II (1962-1965), algus bispos, animados por Dom Helder Camara, celebraram uma missa nas Catacumbas de Santa Domitila, fora de Roma e fizeram um Pacto das Catacumbas da Igreja serva e pobre. Propunham-se ideais de pobreza e simplicidade, deixando seus palácios e vivendo em simples casas ou apartamentos. Agora com o Papa Francisco este pacto ganha plena atualidade. Vale a pena rememorar os compromissos assumidos pelos bispos.
“Nós, Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a excepcionalidade e a presunção; unidos a todos os nossos Irmãos no Episcopado; contando sobretudo com a graça e a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de nossas respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda a determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos ao que se segue:
1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue.
2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade de riqueza, especialmente no traje (tecidos ricos, cores berrantes, nas insígnias de matéria preciosa). Devem esses signos ser, com efeito, evangélicos: nem ouro nem prata.
3) Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco, etc., em nosso próprio nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo no nome da diocese, ou das obras sociais ou caritativas.
4) Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, na perspectiva de sermos menos administradores do que pastores e apóstolos.
5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor…). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre.
6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos).
7.Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão. Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação normal no culto, no apostolado e na ação social.
8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc. ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários compartilhando a vida operária e o trabalho.
9) Cônscios das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de “beneficência” em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes.
10) Poremos tudo em obra para que os responsáveis pelo nosso governo e pelos nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo em todos os homens, e, por aí, ao advento de uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus.
11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral – dois terços da humanidade – comprometemo-nos:
-a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres;
-requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria.

12) Comprometermo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço; assim:
-esforçar-nos-emos para “revisar nossa vida” com eles;
-suscitaremos colaboradores para serem mais animadores segundo o espírito, do que chefes segundo o mundo;
-procuraremos ser o mais humanamente presentes e acolhedores;
-mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua religião.

13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos por sua compreensão, seu concurso e suas preces.
Ajude-nos Deus a sermos fiéis”.
Não são esses os ideais apresentados pelo Papa Francisco?


Leonardo Boff escreveu Hospitalidade: direito e dever de todos, Vozes, Petrópolis 2005.
 É filósofo e teólogo, escritor, assessor do projeto Cultivando Agua Boa da Itaipu Binacional  e um dos co-redatores da Carta da Terra

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