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segunda-feira, 31 de julho de 2017

À BEIRA DE UM TÚMULO VAZIO...

Por Maria Clara Lucchetti Bingemer

A mensagem era esperada e temida.  Quando chegou, no entanto, a dor surpreendeu pela sua profundidade e força.  Ulpiano Vázquez Moro SJ estava morto. Perdera a luta contra o câncer que lhe sugava as energias vitais há dois anos. E o vazio, a orfandade que deixava atrás de si eram de um indizível e abrumador peso. 

            Em 1978, eu era estudante de Teologia na PUC-Rio.  Avisaram-nos que chegaria ao departamento para ensinar o Tratado da Trindade um padre espanhol chamado Ulpiano.  O nome nos fez imaginar alguém baixinho, calvo e já entrado em anos.  Foi, portanto, uma agradável surpresa quando aquele espanhol alto, delgado e fidalgo entrou na sala de aula.  Mais fascinante ainda foi seu curso.  Acompanhar-lhe o brilho e a originalidade do pensamento, a profundidade da fé e a mística ardente transformavam cada aula em uma experiência espiritual e intelectual inigualável. 

            A relação professor-aluna, transida de admiração, transformou-se em amizade verdadeira e profunda, e posteriormente em discipulado espiritual. Sob sua orientação segura de mistagogo experimentado fui iniciada na escola dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio uma, duas, três vezes, até realizar a grande experiência dos 30 dias, inesquecível pela disciplina exigida e abundância de graças recebidas. Aprendi a descobrir os traços da teografia que se ia desenhando em minha alma pela arte inigualável do Espírito de Deus e a ela responder ponderando as moções, os sentimentos interiores, os impulsos e afetos. 

            Ulpiano era um mestre na arte de conversar.  E as conversações espirituais que mantínhamos nos retiros e orientações deixaram marcas indeléveis em mim e foram configurando-me, outra, nova, inteira na estatura que a vocação e a missão me traziam.  A relação mestre-discípula foi se transformando em outra identidade, comum e partilhada: a de companheiros de Jesus, apaixonados por Seu Evangelho e Seu Reino.  Começamos a trabalhar juntos, formando pessoas, dando retiros, orientando espiritualmente a muitos, fazendo e ensinando teologia em conjunto, abrindo a outros os caminhos por nós mesmos trilhados. 

            Quanto mais o conhecia, mais me impressionava. Era talvez o homem mais completo que já havia cruzado meu caminho.  Pensador brilhante e extremamente erudito, era professor que preparava cada aula como se fosse a única. Aplaudido pelos alunos no final do curso, ria modestamente e procurava jamais colocar-se em evidência.  Místico ardente, era igualmente mestre espiritual que ajudava na experiência de Deus desde as pessoas mais simples até as mais requintadas e letradas.  Pastor dedicado e incansável, foi exímio formador de leigos cultos e inquietos, religiosos de ambos os sexos, e membros do povo de Deus de condição extremamente simples e humilde.  Para todos havia a linguagem adequada, a palavra precisa, o olhar e a acolhida carinhosa. Sacerdote devotadíssimo, guiou várias comunidades e paróquias no culto, na doutrina e na unidade. Suas celebrações e homilias atraiam pessoas não só da comunidade local, mas vindas de outras paragens, atraídas pelo fogo e a inspiração que emanavam do pregador exímio, cheio de conhecimento e entusiasmo pelo mistério de Deus. 

            Para mim, assim como para toda da minha família foi mais do que um irmão.  Era a presença amiga que celebrava ao redor da mesa de casa como também o apreciador de uma saborosa lasanha regada a bom vinho ou, nos últimos anos, bom uísque. Ia conosco passear nos lugares aprazíveis da cidade, ou ao cinema ver um bom filme, ou passava dias em nossa casa de Petrópolis. Preparou e deu a primeira Eucaristia a meus dois filhos menores.  Foi padrinho de Crisma do filho do meio.  Concelebrou e pregou com palavras inesquecíveis na missa de minha boda de prata. Celebrou o casamento de meus dois filhos maiores, batizou minhas três netas.

            No batizado de meus dois netos meninos não se encontrava aqui e sim em Cuba.  Ali fomos algumas dezenas de vezes durante dez anos, dando Exercícios, cursos, oficinas e ajudando na formação do laicato da Ilha.  Íamos por várias cidades, experimentando dificuldades e cansaço, mas trabalhando felizes pelo Reino de Deus. A experiência de viver no ambiente único e meio mágico da Ilha caribenha fortaleceu a amizade e a comunhão na busca do bem mais universal. 

            A notícia de sua doença caiu como um golpe duro.  Foram muitas orações, súplicas, promessas, esperanças.  Alegria nos tempos de remissão, tristeza nas recidivas.  E sobretudo admiração crescente por sua coragem, destemor, confiança.  Sem uma queixa, avançava ao encontro da morte que o olhava nos olhos, cada vez mais próxima.  Visitei-o pela última vez uma semana antes de seu falecimento.  Magro, abatido e fragilizado pudemos conversar um pouco.  

            Hoje, sinto-me irmã daquelas mulheres que foram ao túmulo de Jesus ao terceiro dia e o encontraram vazio.  Por que buscar entre os mortos aquele que está vivo?  Por que não abrir os olhos para a boa notícia de que ele estará sempre vivo? Apesar da saudade, da ausência, como não sentir profundamente que tudo que ensinou, semeou, doou, proclamou agora é flor, é fruto, é campo de trigo que se faz pão e alimenta os famintos de esperança e de amor? Como não crer que a missão gera descendência mais generosa e fecunda do que as estrelas do céu e as areias do mar?

            Por uma dessas brincadeiras divinas, surpreendentes e deliciosas, sua Páscoa se deu no dia 22 de julho, quando a Igreja celebra Santa Maria Madalena, apóstola dos apóstolos, aquela que chorava pelo Mestre perdido até reencontrá-lo no pronunciar do nome: Maria.  Assim reencontro Ulpiano hoje.  Me chamo Maria, pois esse era o nome pelo qual ele me chamava.  E sentindo a presença desse amigo e mestre morto e ressuscitado que me testemunha o Mestre, Rei Eterno e Senhor Universal,  sigo em frente. Enxugando as lágrimas e olhando à frente, impelida pelo Espírito Consolador.  A missão deve continuar e nela estaremos juntos, como sempre e para sempre. 
            
Maria Clara Bingemer é  professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.
 Copyright 2017 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>


sexta-feira, 28 de julho de 2017

A DEMOCRACIA BRASILEIRA SOB ATAQUE


 por leonardo boff


O pressuposto básico de toda democracia é: o que interessa a todos, deve poder ser decidido por todos, seja direta, seja indiretamente por representantes. Como se depreende, democracia não convive com a exclusão e a desigualdade que é profunda no Brasil.
Verdadeiro é o juízo de Pedro Demo, brilhante sociólogo da Universidade de Brasília em sua Introdução à sociologia: ”Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis “bonitas”, mas feitas sempre, em última instância, pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o fim. Político é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e apaniquados, enriquecer-se às custas dos cofres públicos e entrar no mercado por cima…Se ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação”(p.330.333).
Não obstante, não desistimos de querer gestar uma democracia enriquecida, especialmente a partir dos movimentos sociais de base, proclamando o ideal de uma sociedade na qual todos possam caber, a natureza incluída. Será uma democracia sem fim (Boaventura de Souza Santos), cotidiana, vivida em todos os relacionamentos: na família, na escola, na comunidade, nos movimentos sociais, nos sindicatos, nos partidos e, evidentemente, na organização do Estado democrático de direito, se costuma dizer. Portanto, pretende-se uma democracia mais que delegatícia que não começa e termina no voto, mas uma democracia como modo de relação social inclusiva, como valor universal (N.Bobbio) e que incorpora os direitos da natureza e da Mãe Terra, daí um democracia ecológico-social.
Esse último aspecto, o ecológico-social, nos obriga superar um limite interno ao discurso corrente da democracia: o fato de ser ainda antropocêntrica e sociocêntrica, vale dizer, centrada apenas nos seres humanos e na sociedade. O antropocentrismo e sociocentrismo representam um reducionismo. Pois o ser humano não é um centro exclusivo, nem mesmo a sociedade, como se todos os demais seres não entrassem na nossa existência, não tivessem valor em si mesmo e somente ganhassem sentido e valor enquanto ordenados ao ser humano e à sociedade.
Ser humano e sociedade constituem um elo, entre outros, da corrente da vida. Sem as relações com a biosfera, com o meio-ambiente e com as precondições físico-químicas não existem nem subsistem. Elementos tão importantes, devem ser incluídos em nossa compreensão de democracia contemporânea na era da nascente geosociedade e da conscientização ecológica e planetária segundo a qual natureza, ser humano e sociedade estão indissoluvelmente relacionados: possuem um mesmo destino comum como bem se diz na encíclica ecológica do Papa Francisco “cuidando da Casa Comum” e na Carta da Terra.
A perspectiva ecológico-social tem, ademais, o condão de inserir a democracia na lógica geral das coisas. Sabemos hoje pelas ciências da Terra e da vida, que a lei básica que subjaz à cosmogênse e a todos os ecossistemas é a cooperação de todos com todos, a sinergia, a simbiose e a inter-relação entre todos, não é a vitória do mais forte.
Ora, a democracia é o valor e o regime de convivência que melhor se adequa à natureza humana cooperativa e societária. Aquilo que vem inscrito em sua natureza é transformado em projeto político-social consciente. Funda o fundamento da democracia: a cooperação, o respeito aos direitos e a solidariedade sem restrições. Realizar a democracia significa avançar mais e mais no reino do especificamente humano. Significa re-ligar-se também mais profundamente com a Terra e com o Todo.
Isso é o ideal buscado. No entanto, o que estamos assistindo nos dias atuais é o contrário: um ataque à democracia a nível mundial e nacional. O avanço do neoliberalismo ultrarradical que mais e mais concentra poder em pouquíssimos grupos, radicaliza o consumismo individualista e visa a alinhar os demais países à lógica do Império norte-americano, solapa as bases da democracia. O golpe parlamentar dado no Brasil se inscreve dentro desse ideário. Já não conta a Constituição e os direitos, mas se instaura um regime de exceção onde os juízes determinam a esfera da política. Bem disse o cientista político da UFMG Juarez Guimarães: ”Acho errado chamar Moro de juiz parcial. Na verdade, é um juiz corrompido politicamente. Ele está exercendo o seu mandato de juiz de forma partidária, contra a Constituição e contra o povo brasileiro”
Os golpistas abandonaram a democracia e a soberania popular em favor do domínio puro e simples do mercado, dos rentistas e da diminuição do Estado. Isso foi denunciado recentemente pelo nosso melhor estudioso da democracia Wanderley Guilherme dos Santos em seu livro, silenciado pela mídia empresarial, ”Democracia impedida” e pelo citado cientista político Juarez Guimarães numa entrevista publicada, recentemente, no Sul21.
Ninguém pode prever o que virá nos próximos tempos. Se os golpistas levarem até o fim seu projeto de privatizações radicais a ponto de desgraçarem a vida de boa parte da população, poderemos conhecer revoltas sociais. Num sentido melhor, fazem sentido as palavras do editor da Carta Capital Mino Carta: ”o golpe de uma quadrilha a serviço da Casa Grande teve o condão de despertar a consciência nacional”. Cuidado: uma vez despertada, esta consciência pode alijar seus opressores e buscar um outro caminho.

Leonardo Boff é articulista do JB on line e escritor.


quinta-feira, 27 de julho de 2017

ERA DOS AVATARES



por Frei Betto



       Mudou o Natal e mudamos nós, admitiria hoje Machado de Assis. Com as novas tecnologias de comunicação o mundo encolheu. Minha avó talvez nem soubesse que o Afeganistão existe. Hoje a bomba que explode na Síria incomoda os nossos ouvidos e as chuvas torrenciais na China respigam em nós no Brasil.

       Mudou sobretudo a política. Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, o século XX terminou, assinalou Eric Hobsbawm. Agora o planeta está hegemonizado pelo capitalismo; o Estado de bem-estar social já não se faz necessário para conter a ameaça comunista; e um novo dogma é proclamado: fora do mercado não há salvação!
       Vale tudo por dinheiro! Inclusive na política. Ah, mas e a corrupção?, perguntam os incautos que acreditam que a raposa é capaz de cuidar do galinheiro. Roberto Campos já dizia que, no capitalismo, “não há corrupção, há negócios”. Tudo se resolve atrás do balcão. E não estamos falando do assalto ao dinheiro público desviado dos cofres da Petrobras. Trata-se de algo muito mais grave, de um crime de lesa-democracia: o flagrante de o presidente da República conspirar nos porões do palácio com um bandido orientado a não ingressar pela porta da frente, e ainda se apresentar na portaria com nome falso.

       A lógica do neoliberalismo reduz o nosso ângulo de visão. Vemos apenas a sucessão de árvores, e não a floresta. Os fatos são ludibriados pelas interpretações. A história é reduzida a uma sequência de episódios pitorescos, bizarros, dos quais ficam sumariamente excluídos os conceitos de povo, nação, classe social e modos de produção.

       Nesse mundo supostamente desideologizado e conturbado são descartados os programas estratégicos, as propostas de longo prazo e as utopias libertárias. Torce-se o nariz para políticos e partidos. Cede-se à síndrome do corpo de bombeiros: em plena crise, peça-se socorro urgente a quem parece estar acima das instituições corrompidas e conceda-lhe todos os poderes!

       Foi assim que a Revolução Francesa desembocou em Napoleão; a Alemanha se ajoelhou aos pés de Hitler e a Itália, de Mussolini. É assim que, hoje, o Reino Unido se ilha ainda mais ao se desconectar da União Europeia na esperança de levar vantagem. É assim que os eleitores estadunidenses elegem Trump e, os franceses, Macron. Essa mesma lógica entregou a João Doria a prefeitura de São Paulo, e faz Bolsonaro figurar entre as preferências presidenciais dos eleitores brasileiros.

       Não adianta chorar diante do leite derramado. É hora de dar respostas para certas perguntas: por que o povo brasileiro não ocupa as ruas? Por que não se arrancam as máscaras da minoria que insiste em reduzir o caráter das manifestações a atos de vandalismo? Por que nenhum setor progressista, salvo o MST e o MTST, faz trabalho de base de formação política de militantes? Por que muito se discutem nomes para as eleições de 2018, e pouco programas e critérios? Por que o reduto da esquerda envolvido em corrupção não faz autocrítica? Por que a ambição de ganhar eleições é, hoje, mais notória do que o projeto de mudar as estruturas da sociedade brasileira?

       Enquanto não houver respostas claras e práticas a essa questões, o Brasil também ingressará na era dos avatares.

Frei Betto é escritor, autor de “Ofício de escrever” (Anfiteatro), entre outros livros.

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quarta-feira, 26 de julho de 2017

NOTA DE APOIO AOS EDUCADORES DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE E REPÚDIO AO TRATAMENTO DISPENSADO PELA PREFEITURA.




Recife: 26 de Julho de 2017


“Política, queridas irmãs e queridos irmãos, não é só política partidária. Política é, antes de tudo, preocupação com os grandes problemas humanos e com os direitos fundamentais do homem. Cristo veio trazer paz ao mundo. Pode haver paz se as injustiças só fazem crescer? Não vão na onda de quem diz que primeiro é preciso fazer o bolo crescer, para dividi-lo. O bolo já está sendo preparado e está sendo comido”.  Dom Helder Camara - Circular, 2 de dezembro de 1980

O Fórum Articulação de Leigos Cristãos, inspirado no chamado do Papa Francisco  que nos chama a ser Igreja de saída, Igreja de rua, Igreja do povo de Deus e em comunhão com a nossa Arquidiocese, vem a público externar sua preocupação e repúdio ao lamentável tratamento que o Prefeito da Cidade do Recife, Exmo. Sr. Geraldo Júlio dispensou aos professores e professoras da rede municipal de ensino do Recife.
O lastimável impedimento do acesso de paramédicos para atendimento a pessoas em situação de risco de saúde viola completamente a moral cristã e os Direitos Humanos.
Vale salientar que a ocupação do gabinete do prefeito foi um ato desesperado da classe dos servidores da educação municipal que viu seus esforços em abrir canal de diálogo totalmente frustrados pelo administrador público. Os professores lutam há meses pela dignidade salarial e por melhores condições de trabalho.
Os diversos relatos sobre a forma como foram tratados os professores denota táticas de tortura psicológica e isso é inadmissível por todos os motivos, sobretudo em se tratando de funcionários públicos, dentro do prédio onde funciona a administração da cidade. Quem trata o professor como lixo não tem capacidade para administrar nada, muito menos uma cidade.
Queremos que o Prefeito, que se diz cristão, reflita sobre seus atos à luz do Evangelho e reveja sua determinação em não dialogar com os professores. Nosso desejo é que prevaleçam os valores humanos, que devem ser prioridade em qualquer situação.
Conclamamos os alunos e alunas, funcionários e funcionárias do setor de educação, bem como os pais dos alunos da rede municipal de ensino, a apoiarem nosso protesto contra a violência sofrida pelos professores, não apenas por solidariedade, mas pela consciência de que a luta deles é justa e visa um futuro melhor para todos.
Na esperança do cumprimento da justiça e da preservação dos valores morais, humanos e cristãos, desejamos a todos paz e bem

Fórum Articulação de Leigos Cristãos  na Arquidiocese de Olinda e Recife

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CEBI - Centro de Estudos Bíblicos
Centro Educacional Profissionalizante do Flau (Turma do Flau)
Fé e Política Dom Helder Câmara
Grupo de Leigos Católicos Igreja Nova
Grupo de Partilha Amigos para Sempre na Fé e na Vida
Encontro da Partilha
Tenda da Fé
IDHeC - Instituto Dom Helder Câmara
Mística e Revolução - MIRE
Movimento de Cursilhos de Cristandade da Arquidiocese de Olinda e Recife
Movimento de Mulheres Contra o Desemprego
Movimentos de Trabalhadores Cristãos – MTC/NE II
Pastoral Carcerária
PJMP – Pastoral da Juventude do Meio Popular

terça-feira, 25 de julho de 2017

A AMÉRICA LATINA E A FÉ

por Marcelo Barros


Para os povos da América Latina e Caribe, o mês de julho traz recordações históricas importantes. No 26 de julho de 1953, ao conquistar o quartel de Moncada, Fidel Castro e seus companheiros iniciavam a vitória da revolução cubana contra a ditadura de Fulgencio Batista, apoiado pelo governo dos Estados Unidos. No 19 de julho de 1980, os sandinistas entraram vitoriosos em Manágua e derrotaram definitivamente a ditadura de Somoza.

Essas datas são marcantes. No entanto, para os cristãos latino-americanos, certamente a memória mais  básica é a de que, em 17 de julho de 1566, falecia Bartolomeu de las Casas, primeiro bispo de Chiapas, no sul do México. Ele foi o grande defensor da dignidade dos índios contra o sistema colonizador e escravagista. Era um senhor de escravos que se converteu à fé cristã e se tornou frade dominicano. Ele constatou que os povos indígenas estavam sendo dizimados e os sobreviventes escravizados, pelos conquistadores espanhóis e em nome da fé cristã. Isso o fez defender a dignidade dos índios contra a escravidão. Diante do rei da Espanha e do delegado do papa, ele pregou: nos corpos dos índios escravizados, é o próprio Jesus Cristo que é explorado e maltratado pelos que se dizem cristãos.

Ao olhar a história, cinco séculos depois, podemos lamentar que, ao protestar contra a escravidão indígena, Las Casas não tenha sabido denunciar o próprio sistema colonizador. Alguns até o acusam de ter aceito que a escravidão dos índios nas minas de prata e nos engenhos de cana de açúcar fosse substituída pelo tráfico e escravidão dos negros africanos. Essa acusação não procede porque, ao morrer em 1566, Las Casas não chegou a antever esse problema. O tráfico de africanos sequestrados para ser escravos na América só floresceu a partir das últimas décadas do século XVI. Seja como for, em nossos dias, os escritos desse grande missionário são referência para uma nova concepção intercultural de missão e de leitura da história a partir das vítimas e não dos vencedores. 

Atualmente, tem sido difundida uma espiritualidade cristã que se chama  lascasiana.  Compreende a missão não como conquista de adeptos e sim como diálogo que valoriza a presença divina em toda realidade humana. Por isso, respeita a diversidade das culturas. A espiritualidade se fundamenta na realidade e tem como objetivo não a religião em si e sim a vida de todas as pessoas, especialmente aquelas que têm sua dignidade humana não reconhecida e seus direitos humanos espezinhados.
Ainda em nossos dias, aqui no Brasil, povos indígenas continuam massacrados, vítimas de um modelo de progresso que olha os índios como estorvo para a concentração de terras, o agronegócio e os lucros das grandes empresas. Nesse ano, no Mato Grosso do Sul e no Maranhão, a perseguição aos povos indígenas fez diversas vítimas. Em abril, o massacre de índios Canela e um filme francês sobre a perseguição aos Guarani Kaiowá foram notícias em todo o mundo.

Las Casas nos recorda que defender a vida e a liberdade dos índios, além de ser uma questão de justiça humana é também uma exigência espiritual da fé cristã. O papa Francisco tem repetido que não devemos aceitar projetos de desenvolvimento que não levem em consideração o respeito aos índios, aos migrantes e a todos os empobrecidos do mundo, vítimas desse sistema que, como diz o papa, "é assassino". Em 1815, Simon Bolívar, o libertador da pátria grande que é a América do Sul, em sua “Carta de Jamaica”, considera o elemento religioso como aglutinante da alma americana. Ali, ele formula “a necessidade urgente de uma união de nossos povos, ligados por elementos culturais e religiosos comuns”. Viver isso hoje é retomar uma espiritualidade lascasiana atualizada e libertadora.


Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países

segunda-feira, 24 de julho de 2017

TEOLOGIA: A REFORMA CONSTANTE E NECESSÁRIA

    Por  Maria Clara Lucchetti Bingemer


 Para celebrar os 500 anos da Reforma,  um marco na história do Cristianismo, reuniu-se em Belo Horizonte a Sociedade Brasileira de Teologia e Ciências da Religião (Soter). O objetivo era discutir não apenas o evento que inaugurou o Protestantismo, como também a pluralidade religiosa que hoje é uma realidade sempre mais presente em todo e qualquer intento de pensar a fé com rigor e autenticidade.
      
   Há cinco séculos, Martinho Lutero, monge agostiniano, entendeu que a Igreja necessitava de uma reforma.  E, assim, iniciou um movimento cuja carta magna foram as 95 teses que pregou na porta da igreja   do Castelo de Wittenberg. Tratava-se de um protesto contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica Romana. 
      
   O diálogo de Lutero com o Vaticano não evoluiu bem e houve realmente uma separação.  Lutero recebeu apoio dos príncipes alemães. Roma endureceu e preparou a Contrarreforma.  Nela tiveram destacado papel os jesuítas que no Concílio de Trento foram protagonistas na preparação do Catecismo Tridentino que especificava bem a identidade do Catolicismo Romano contra o Cristianismo Reformado. 

         Correu tempo, sangue, suor e lágrimas, enquanto os cristãos lutavam uns contra outros, cada lado clamando possuir a verdade e tratando de combater e/ou eliminar o erro e o engano do outro.  As acusações mútuas variavam da idolatria à heresia.  Todos perdiam e ninguém ganhava.

         O Concílio Vaticano II proclamou oficialmente a necessidade imperiosa do ecumenismo, ou seja, de que todas as confissões cristãs se conscientizassem do fato de habitar a mesma casa, crer no mesmo Deus e buscar Seu Reino proclamando o mesmo Evangelho.  Era preciso fazer passos efetivos em prol da unidade. 

         Hoje é possível e efetivo que católicos e protestantes de várias denominações se sentem juntos para dialogar em um congresso de três dias inteiros.  Mais:  não se defendem de acusações nem esgrimem diferenças.  Fazem autocrítica, pedem perdão, buscam pontos de convergência e não de dissensão. 

         Juntos, olham mais longe e percebem o quanto receberam um do outro.  Os católicos devem muito aos protestantes a devolução da Bíblia em suas mãos.  Os protestantes, por sua vez, aprendem de seus irmãos católicos, entre outras coisas, o amor pelo precioso dom da unidade, que é preciso proteger e estimular de todo coração.

         Olhando em volta, percebem quanto o movimento iniciado por Lutero deu frutos e gerou herdeiros.  As religiões que hoje, em imensa diversidade, se tornam interlocutoras próximas do Cristianismo histórico, enriquecem o pensar teológico ao mesmo tempo que o desafiam. 

         Foi bonito ver no Congresso um eminente teólogo luterano fazendo um resgate histórico do luteranismo sem deixar de apontar suas lacunas e falhas: intolerância com outras tradições religiosas, rigidez e não aceitação de diferenças de pensamento, fechamento ao diálogo.

         Ao mesmo tempo representantes de outras religiões sentiam-se à vontade para expor sua experiência de diálogo com o cristianismo católico ou reformado. Todos eram ouvidos com respeito e sentiam sua contribuição valorizada.

         Não poderia faltar a marca sempre positiva e bela da pessoa do Papa Francisco, que com seu pontificado enche a Igreja e o mundo de esperança de tempos de abertura e diálogo.  Sua presença em Lund, na Suécia, para uma oração ecumênica com pastores e autoridades do mundo protestante; suas atitudes ecumênicas e abertas ao longo de todo o seu pontificado permitem esperar avanços ainda maiores no caminho do ecumenismo. 

         A liberdade que o atual pontífice cultiva e exprime desde os tempos de Buenos Aires como arcebispo, reafirma-se e ganha força ainda maior como chefe da Igreja Católica.  É conhecida sua proximidade com o judaísmo e o Islã em sua Argentina Natal.  Em Roma tem dado prosseguimento a essa proximidade, estendendo-a igualmente a outras religiões não cristãs e não monoteístas. 

         Não é possível fazer teologia hoje sem um diálogo aberto, profundo e respeitoso com outras confissões cristãs e outras tradições religiosas.  Por isso, o congresso anual da Soter, que celebrava os 500 anos da Reforma, terminou com uma nota de esperança.  Indo além de todos os passos que já foram dados, por que não esperar, desejar e mesmo buscar gestos simbólicos que marquem com força a unidade que já não tem possibilidades de retrocesso?

         Entre essas possibilidades inspiradas pelo Espírito estaria talvez um pedido para que se levantasse a excomunhão de Lutero, datada de 500 anos.  E outros passos criativos e corajosos que se apresentem pelo caminho. Assim, a unidade será multicor e polivalente, mas será, sempre mais autêntica e verdadeiramente unidade.  E a Igreja que quer e deseja isto será, como é desejo do Papa Francisco, "ecclesia semper reformanda".  

Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco. 


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sexta-feira, 21 de julho de 2017

A CRISE BRASILEIRA NO CONTEXTO DA NOVA GUERRA FRIA


Por Leonardo Boff


  
O problema fundamental da crise brasileira não está na corrupção que é endêmica e tolerada pelas instâncias oficiais, porque dela se beneficiam. Se fossem resgatados os milhões e milhões de reais que anualmente os grandes bancos e as empresas deixam de recolher ao INSS, tornaria supérflua uma reforma da Previdência.

O problema não é apenas Lula ou Dilma e muito menos Temer.  O centro da questão é a disputa no quadro da nova guerra-fria entre USA e China: quem vai controlar a sétima economia mundial e como alinhá-la à lógica do Império norte-americano, impedindo a penetração da China nos nossos países, especialmente no Brasil pois ela precisa manter seu crescimento com recursos que nós possuímos.

Esta estratégia começou a ser implementada com a Lava-Jato e seu juiz Sérgio Moro e a entourage de promotores, vários preparados nos USA. Prosseguiu com o impeachment da presidenta Dilma via parlamento, incorporou, setores do ministério público, da polícia federal, parte do STF e dos partidos conservadores, claramente neoliberais e ligados ao mercado.

Todas estas instâncias servem de forças auxiliares ao projeto maior do Império. Com uma vantagem: essa submissão vem ao encontro dos propósitos dos herdeiros da Casa Grande que jamais toleraram que alguém da senzala ou filho da pobreza, chegasse à Presidência e inaugurasse políticas sociais de inclusão das classes subalternas, capazes de pôr em xeque seus privilégios. Preferem estar seguros ao lado dos USA, como sócios menores, do que aceitar transformações no status quo favorável a eles.

Para os USA, o Brasil é um espaço no Atlântico Sul, a descoberto. Não pode continuar, pois consoante uma das ideias-força do Pentágono: o “full spectrum dominance”(a dominação de todo espectro territorial), o Brasil deve estar sob  controle. Daí a presença da quarta frota próxima a nossas águas territoriais e ao pré-sal. A visão imperial e belicista se expressa pelas 800 bases militares pelo mundo afora também várias na América Latina.

A China, em contrapartida, segue outra estratégia. Escolheu o caminho econômico e não o belicista. Por aí pensa ter chances de triunfar. O grande projeto da Eurásia, “O caminho da Seda” que envolve 56 países com um orçamento de ajuda ao desenvolvimento de 26 trilhões de dólares, faz com que marque sua presença também no Brasil e na América Latina.

Nesse jogo de titãs, a estratégia norte-americana conta no Brasil com fortes aliados: os que perpetraram o golpe parlamentar, jurídico e mediático contra Dilma. Estão impondo um neoliberalismo mais radical que nos países centrais. Ele implica liquidar politicamente com a liderança popular de Lula através dos vários processos movidos contra ele pelo juiz justiceiro Sergio Moro da Lava-Jato. Eles todos seguem o figurino imperial imposto. Por isso, Moro se viu obrigado a condenar Lula, mesmo sem base jurídica suficiente, como o tem revelado eminentes juristas, do quilate de Dalmo Dalari e de Fábio Konder Comparato e por outra via, o grande analista político Moniz Bandeira.

Em termos gerais, para os USA trata-se de impedir que governos progressistas cheguem ao poder com um projeto de soberania e que reforcem um novo sujeito político, vindo debaixo, das periferias, com políticas anti-sistêmicas mas que implicam a inclusão de milhões na sociedade, antes comandada por elites retrógradas, excludentes e inimigas de qualquer avanço que venha a ameaçar seus privilégios. Precisamos ter clareza: partidos com projetos claramente neoliberais, que colocam todo valor no mercado e todos os vícios no Estado que deve ser diminuído, como tem mostrado com vigor Jessé Souza e que freiam até com violência a ascensão das classes subalternas, são representantes subalternos desta estratégia imperial norte-americana e contra a China, envolvendo o Brasil nesta trama, que para nós, no fundo, é anti-povo e anti-nacional.

Às nossas oligarquias não interessa um projeto de nação soberana com um governo que com políticas sociais diminua a nefasta desigualdade social (injustiça social) e que aproveite nossas virtualidades seja da riqueza ecológica, da criatividade do povo e da posição estratégica geopoliticamente. Basta-lhes ser aliados agregados do Império norte-americano com o suporte europeu, pois assim veem garantidos seus privilégios e salvaguardada a natureza de sua acumulação absurdamente concentradora e anti-social. Daí que reeleger Lula seria a maior desgraça para o projeto imperial e aos oligopólios nacionais internacionalizados.

Essa é a real luta que se trava por debaixo das lutas político-partidárias, do combate à corrupção e à punição de corruptos e corruptores. Esta é importante, mas não acaba em si mesma. Não podemos ser ingênuos. Importa ter claro que ela se ordena ao alinhamento ao Império norte-americano de costas ao povo, negando-lhe o direito de construir o seu próprio caminho e de, com outros, dar uma feição menos malvada à planetização, impondo limites ao Grande Capital em escala mundial.


Leonardo Boff é articulista do JB on line e escreveu”Paixão de Cristo, paixão do mundo”, Vozes 2001.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

DESIGUALDADE DE RENDA


por Frei Betto



       É alarmante a desigualdade de renda no Brasil. Dos bens declarados à Receita Federal por quem paga imposto de renda, 47% representam dinheiro investido no cassino do mercado financeiro (ações, CDBs, títulos de renda fixa, poupança etc).

       Os donos desses recursos, na linguagem do sistema financeiro, são chamados  correntistas de Private Banking.Ou seja, merecem atendimento especial nos bancos por disporem de muito dinheiro. Por exemplo, no Bradesco só entra nessa categoria quem deposita mais de R$ 5 milhões.

       Segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), no final de 2016 oPrivate Banking brasileiro tinha estocado R$ 831,6 bilhões, montante vindo de apenas 112 mil clientes ou 54,1 mil famílias. Tais clientes formam a mais poderosa elite do país.

       Graças aos juros elevados (o Banco Central manteve por 10 meses a taxa de 14,25%) e à valorização de 40% das ações na Bolsa de Valores, os investimentos dessas 112 mil pessoas físicas engordaram 11,7%.

       Já os menos ricos, aqueles que possuem menos de R$ 1 milhão, somaram 63,8 milhões de pessoas. Elas aplicaram no mercado financeiro R$ 854,7 bilhões, sendo que 62,5% das pessoas preferiram a caderneta de poupança, de pouca rentabilidade. Considerada a inflação de 6,29%, elas tiveram um ganho de apenas 3,3%.

       Enquanto o número de pequenos investidores diminuiu 4% em relação a 2015, o de grandes teve alta de 16,1%, o que comprova que a renda do brasileiro se concentra sempre mais em menos mãos.

       Desses 112 mil ricaços, apenas 0,4% aplicaram na caderneta de poupança. Os demais preferiram ativos de renda fixa (33,8%) e fundos de investimento (44,2%).

       O detalhe que chama a atenção é o fato desses 112 mil brasileiros aumentarem as suas fortunas sem contribuir para fazer crescer a capacidade produtiva do país e gerar empregos.

       Muitas aplicações financeiras são isentas de impostos ou têm a sua escala de imposto reduzida na proporção do tempo em que permanecem no banco. Aliás, os ricos da América Latina figuram entre os que menos pagam impostos no mundo. No continente, os 10% mais ricos concentram 71% da riqueza, e pagam apenas 5,4% de seus rendimentos em impostos. No Brasil, cerca de 6% (dados da Cepal)Nos EUA, o percentual é de 14,2%. No Reino Unido, 25%. Na Suécia, 30%.

       As três principais razões da injustiça fiscal na América Latina, onde os ricos pagam menos impostos que os pobres, são o tributo regressivo, a evasão fiscal e os incentivos fiscais.

       Para ter caixa e aplicar recursos, os governos recolhem impostos diretos (sobre rendimentos e imóveis citados na declaração de imposto de renda) e impostos indiretos (contidos em todo produto que consumimos).

       Os diretos são óbvios, quem ganha mais paga mais. Os indiretos, injustos, pois ricos e pobres pagam o mesmo imposto ao comprar arroz, gasolina, roupa, remédios etc.

       Embora a arrecadação de impostos tenha crescido mais de 42% nos últimos anos na América Latina (no Brasil chega a 35% do PIB, quando a média continental é de 21%...), apenas 1/3 desse volume provem de taxação sobre a renda. Os restantes 2/3 vêm do consumo. Ora, em uma sociedade justa o peso dos impostos cairia sobre a renda e o patrimônio (os mais ricos), e não sobre o consumo (os mais pobres).

       Outro fator de injustiça é a sonegação. A Cepal calcula que chegue a 320 bilhões de dólares por ano na América Latina. Graças a competentes advogados e hábeis contadores, muitas empresas e ricos conseguem escapar da mordida do Leão.

       E há os incentivos fiscais. Ou seja, uma empresa deveria pagar ao Leão o valor 10, mas entrega apenas 1, graças a deduções, isenções e exceções na lei. Os empresários alegam que, ao receberem desoneração tributária, estarão em condições de baratear seus produtos e serviços, além de poupar capital para novos investimentos.

       Um dos resultados desses três nefastos privilégios às elites é o déficit fiscal cada vez maior (os governos gastam mais do que arrecadam). Daí o ajuste fiscal imposto por Temer e cujo buraco ele espera que seja coberto, não pela adoção do imposto progressivo, e sim pelas reformas trabalhista e da Previdência. Em suma, os pobres pagarão pelos ricos.

Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do ouro” (Rocco), entre outros livros.
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