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sábado, 31 de julho de 2021

IGREJAS E PARTIDOS

Prof. Martinho Condini

 


        O  cantorcompositorinstrumentista e poeta Dorival Caymmi (1914-2008) certa vez contou em uma de suas belas músicas que “a Bahia tem trezentas e sessenta e cinco igrejas, e que na primeira ele foi batizado, na segunda crismado e na terceira ele se casaria com a mulher que ele quer bem”. Com essa letra ele faz alusão de que é possível a cada dia do ano entrar em uma igreja diferente na Bahia. Ele estava certo, mas há um detalhe, apenas na cidade de Salvador há trezentas e setenta e duas igrejas.

        Esses números demonstram a relação das famílias pertencentes à elite colonial baiana com a coroa portuguesa e o cristianismo católico.

        O motivo da lembrança desse número de igrejas em Salvador me ocorreu porque dia desses, passando pelos canais das emissoras de TV conectadas na minha televisão, constatei a existência de aproximadamente dezesseis programas religiosos. Todos transmitidos num mesmo horário. É difícil acreditar que haja algum outro lugar nesse mundo que ocorra um despropósito semelhante.

        Em sua maioria esses programas fazem apologia a “teologia da prosperidade” e a “auto-ajuda”, sempre de uma maneira apelativa e piegas.

        Os religiosos que apresentam os programas, em algum momento, relacionam o nome de Deus com a agência e conta bancária da igreja, e é claro, descaradamente pedem aos fiéis que realizem as suas doações. Dessa maneira alcançarão suas graças, garantirão seu pedacinho no paraíso e atingirão a prosperidade material que tanto almejam nesse mundo tão desigual do “capetalismo”.

        Será que há tantas igrejas falando coisas tão diferentes e importantes, para que tenhamos tantos programas religiosos assim? Ou é uma maneira de algumas pessoas acumularem  riqueza sem trabalhar? E aproveitar-se da boa fé dos fiéis?

        O que é preciso para abrir uma igreja no Brasil? Pelo que me consta, é necessário uma pessoa que receba o comissionamento e autorização de Deus, um espaço físico, algumas cadeiras de plástico ou bancos de madeira, pessoas dispostas a ouvi-la, um CNPJ e um estatuto.          Pronto! A empresa da fé e do lucro fácil está montada.

Acredito que há uma analogia entre a abertura dessas igrejas com a criação de alguns partidos políticos em nosso país. No Brasil são aproximadamente trinta partidos. Para serem abertos precisam cumprir algumas regras estabelecidas pela justiça eleitoral, que agora não vêm ao caso. A questão principal é: será que temos tantas ideologias assim a serem propagadas e defendidas? Ou o interesse está apenas no fundo partidário? Outra maneira de acumular riqueza sem trabalhar.

        Me parece que abrir igrejas e criar partidos políticos de aluguel no Brasil pode se tornar um bom negócio.

        Aí está, igrejas e partidos políticos, uma interessada no dízimo e o outro almejando o fundo partidário e apoio a qualquer liderança que esteja no poder para conceder cargos a esses partidos nanicos e às vezes não tão nanicos assim.

        Quero deixar bem claro que essa constatação não significa a minha defesa da extinção das igrejas e muito menos das representações partidárias, congresso nacional e a tão valiosa democracia. Mas sim, a extinção de igrejas que possuem “lideranças religiosas” que são na verdade “picaretas da fé” e o impedimento da criação de partidecos politiqueiros liderados por “coronéis” sem nenhum comprometimento ideológico.   

        Acredito que devemos estar atentos sim, aos embusteiros líderes dessas igrejas e aos lacaios fundadores de partidos de aluguel. Ambos, embusteiros e lacaios, são prejudiciais e nocivos a nossa sociedade. A história está nos provando isso! E como já dizia o poeta: “a história é um carro alegre, cheio de um povo contente, que atropela indiferente todo aquele que a negue”.

        As igrejas e os partidos políticos tornam-se o ópio da sociedade a partir do momento em que  as pessoas se deixam levar por  instituições inescrupulosas.

        É preciso refletir dialeticamente sobre o que ouvimos, e perceber de verdade o que está por detrás das mensagens. As sociedades se organizam e se movimentam por meio das ideologias e da política, isso é inexorável. Por isso, o momento exige cautela, reflexão, diálogo e ação para sairmos dessa condição abjeta da nossa história. “Ninguém solta a mão de ninguém”, para que construamos um Brasil para todos. 

  

*  O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros 'Dom Helder Camara um modelo de esperança', 'Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo', 'Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o DVD ' Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro 'Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza'. Contato profcondini@gmail.com 

 

sexta-feira, 30 de julho de 2021

O PIOR ESTÁ AINDA POR CHEGAR

Leonardo Boff


As grandes enchentes ocorridas na Alemanha e na Bélgica em julho. mês do verão europeu, causando centenas de vítimas, associadas a um aquecimento abrupto que chegou em alguns lugares a mais de 50 graus, nos obriga a pensar e a tomar decisões em vista do equilíbrio da Terra. Alguns analistas chegaram a dizer: a Terra não se aqueceu; ela se tornou, em alguns lugares, uma fornalha.

Isso significa que dezenas de organismos vivos não conseguem se adaptar e acabam morrendo. Atualmente com o atual aquecimento que no último século cresceu em mais de um grau Celsius, e se chegar, como previsto, a dois graus cerca de um milhão de espécies vivas estarão à borda de seu desaparecimento depois de milhões de anos vivendo neste planeta.

Entendemos a resignação e o ceticismo de muitos meteórologos e cosmólogos que afirmam termos chegado tarde demais no combate ao aquecimento global. Não estamos indo ao encontro dele. Estamos gravemente dentro dele. Argumentam, desolados, temos pouco que fazer, pois o dióxido de carbono já está excessivamente acumulado, pois, permanece na atmosfera entre 100 a 120 anos, agravado pelo metano,20 vezes mais tóxico, embora fique por pouco tempo no ar. Por surpresa geral, ele irrompeu, devido  ao degelo das calotas polares e do parmafrost que vai do Canadá e atravessa toda a Sibéria.E fez crescer o aquecimento global.

A intrusão do Covid-19, por ser planetário. nos obriga a pensar e a agir de modo diferente. É notório que a pandemia é consequência do antropoceno, quer dizer, do excessivo avanço agressivo do sistema imperante, baseado no lucro ilimitado. Ele ultrapassou os limites suportáveis pela Terra. Pelo desmatamento à la Ricardo Salles/Bolsonaro, pelo cultivo de monoculturas e pela  geral poluição do meio ambiente, chegou-se a destruir o habitat dos vírus. Sem saber para onde ir, saltaram para outros animais, imunes dos vírus e deles passaram a nós que não possuímos esta imunidade.

Vale pensar o que significa o fato de que o inteiro planeta foi afetado, por um lado igualando a todos, e por outro aumentando as desigualdades porque a grande maioria não consegue viver o isolamento social, evitar as conglomerações, especialmente, no transporte coletivo e nas lojas. Não afetou os demais seres vivos, nossos animais domésticos.

Devemos reconhecer: os visados fomos nós humanos. A Mãe Terra,desde os anos 70 do século passado,. reconhecida como um organismo vivo, Gaia, e pela ONU (no dia 22 de abril de 2009) aprovada verdadeiramente como Mãe-Terra, nos enviou um sinal e uma advertência: “parem de agredir todos os ecossistemas que me compõem; já não me concedem o tempo suficiente para repor o que me tiram durante um ano e de me regenerar”.

Como o paradigma vigente considera a Terra ainda como um mero meio de produção, num sentido utilitarista, não estão prestando atenção a suas advertências. Ela, como super-orgnismo vivo, nos dá sinais inequívocos, como agora,, com as grandes enchentes na Europa, o excessivo frio no hemisfério sul e a gama de vírus já enviados (zica, ebola, chikungunya e outros).

Como somos cabeças duras e vige uma clamorosa ausência de consciência ecológica, podemos ir ao encontro de um caminho sem retorno.

Curiosamente, como já foi comentado por outros, “os profetas do neoliberalismo estão se transformando em promotores da economia social  porque concebem, diante da catástrofe atual, que já não será possível fazer o mesmo que antes e que será necessário voltar aos imperativos sociais”. O pior que nos poderia acontecer é voltar ao antes, cheio de contradições perversas, inimigo da vida da natureza e indiferente ao destino das grandes maioria pobres e se armando até os dentes com armas de destruição em massa, absolutamente inúteis face aos vírus.

Temos que forçosamente mudar, superar os velhos soberanismos que tornava os outros países  até hostis ou submetidos à feroz competição. O vírus mostrou que não contam para nada os limites das nações. O que, realmente, conta é a solidariedade entre todos e o cuidado de uns com os outros e para com a natureza, para que, preservada, não nos envie vírus ainda piores. Agora é da nova era da Casa Comum dentro da qual estão as nações.

David Quamen, o grande especialista em vírus, deixou esta advertência: ou mudamos nossa relação para com a natureza sendo respeitosos, sinergéticos e cuidadosos, caso contrário ela nos enviará outros vírus, quem sabe um tão letal que nossas vacinas não poderão ataca-los e levarão grande parte da humanidade.

Ao não determos o aquecimento global e ao não mudarmos de paradigma para com a natureza, conheceremos dias piores. Se não podemos mais deter o aumento do aquecimento global, com a ciência e a técnica que possuímos, podemos pelo menos mitigar seus efeitos deletérios e salvar o máximo da imensa biodiversidade do planeta.

Como nunca antes na história, o destino comum está em nossas mãos: devemos escolher entre seguir a mesma rota que nos leva a um abismo ou mudar forçosamente e garantir um futuro para todos, mais frugal, mais solidário e mais cuidadoso para com a natureza e a Casa Comum.

Já há 30 anos repito esta lição e sinto-me um profeta no deserto. Mas cumpro o meu dever que é de todos os que despertaram um dia.Devemos  falar e agora já gritar.

Leonardo Boff ecofilósofo e escreveu Habitar a Terra: a via para a fraternidade universal a sair pela Vozes dentro de pouco; Covid-19, a Mãe Terra contra-ataque a Humanidade, Vozes 2020.

 

quinta-feira, 29 de julho de 2021

IMPLICAÇÕES PSICOSSOCIAIS DA TEOLOGIA MORAL

                                                            Frei Betto 


    Nos últimos anos, a psicologia e as demais ciências que tratam da mente e do espírito humanos passaram a ter influência decisiva na noção de pecado. Podemos considerá‑lo como um ato livre e consciente, praticado por uma pessoa responsável, em ofensa a Deus e ao próximo. Ou mesmo à natureza.


    A concepção de pecado atrelada a uma visão individua­lista, aliada a um moralismo desencarnado e a uma casuística policialesca, foi objeto da mais severa repulsa de Jesus. Os escribas e fariseus pagavam religiosamente os impostos previstos. Não tocavam nos objetos considerados impuros. Prescreviam a pena de morte para a mulher adúltera. No entanto, transgre­diam os pontos mais importantes da lei: a justiça, a miseri­córdia e a fidelidade (Mateus 23, 23).
    Por sua atitude amorosa, Jesus desafiava todos os falsos moralismos. Para os judeus, a mulher era um ser inferior ao homem, os samaritanos eram tidos como hereges e as prostitutas, apedrejadas em público. Mas, à beira do poço de Jacó, Jesus se abriu em longa conversa com uma mulher samaritana que já havia vivido com cinco maridos! (João 4, 1‑42).
    Na tentativa de fugir a essa casuística que, por tanto tempo, perturbou mentes delicadas e escrupulosas, os tratados de moral passaram a abordar a questão do pecado segundo a concepção conhecida por "ética de situação". Os atos da pessoa deixam de ser tomados isoladamente. Considera‑se agora o contexto em que ela vive, sua história pessoal, os fatores que a induziram a fazer isto ou aquilo, as consequências para si e para os outros. Um mesmo ato pode ser praticado por diferentes pessoas sem que, necessariamente, tenha o mesmo peso moral. Não se parte do ato em si, como se objetivamente ele fosse "bom" ou "mau", mas da situação concreta em que a pessoa foi levada a praticá‑lo.
    Nos últimos anos, a psicologia e as demais ciências que tratam da mente e do espírito humanos passaram a ter influência decisiva na noção de pecado. Podemos considerá‑lo como um ato livre e consciente, praticado por uma pessoa responsável, em ofensa a Deus e ao próximo. Ou mesmo à natureza.

Mas, quem é essa pessoa? A liberdade não é algo que a pessoa conquista ao completar 7, 14 ou 21 anos. Nenhuma idade, nem a da razão, determina o momento a partir do qual a pessoa se torna um ser plenamente responsável por todos os seus atos. A vida é um aprendizado de liberdade. É sempre inacabado, pois a pessoa vive também presa aos mecanismos de seu inconsciente, aos fatores biogenéticos de seu desenvolvimento, aos determinismos fisiológicos, psicológicos e sociais, dos quais nem tem consciência, porém moldam a sua maneira de pensar e viver.
    As ciências que têm por objeto a psique humana vieram em socorro da teologia moral apontar, lá no fundo do nosso inconsciente, a complexidade do ser humano. Essa complexidade não pode, contudo, ser justificada, em última instância, por fatores meramente psicológicos.

Experiências realizadas em hospitais psiquiátricos revelam que muitos desequilíbrios biopsíquicos têm sua origem nos desequilíbrios da própria ordem social. Quando um sistema social determina a discriminação entre os seus membros, fundada no antagonismo entre as classes, cria‑se um consenso ‑ para o qual não faltam "bases científicas" ‑ de que certos elementos são irremediavelmente desajustados e irrecuperáveis: os criminosos, os psicopatas, os homossexuais, os esquizofrênicos, as prostitutas, os neuróticos, os agressivos, os depressivos, enfim, todo o conjunto de "loucos" condenados a viver marginalizados e desprezados.
    Isso ocorre em menor escala, mas na mesma proporção discriminatória, entre os membros de uma família ou de um grupo específico que avaliam o comportamento de seus integrantes segundo o modelo ideologicamente padronizado adotado. Qualquer um que não se enquadre nesse modelo corre o risco de ser obrigado a suportá‑lo ao preço de graves conflitos internos e de tornar‑se suspeito de, no mínimo, estar doente. Assim, será convidado a submeter‑se a um tratamento para curar‑se de seus "desequilíbrios" e de suas "neuroses", a fim de readaptar‑se ao modelo que dita as regras de convívio e relacionamento entre os demais.
     Mas para Jesus essa gente “diferente” são os filhos e filhas preferidos de Deus. E devem ser amados assim como são amados por Deus.

 

Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual:freibetto.org

 Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio.  

 

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terça-feira, 27 de julho de 2021

CUBA SOB ATAQUE DA GUERRA HÍBRIDA

Marcelo Barros


 

A primeira coisa de Cuba que qualquer visitante que chega ao país pelo aeroporto José Martí de Havana pode ver é um imenso cartaz, no qual está escrito: “Benvindos a Cuba, primeiro território livre das Américas”.

De fato, antes da pandemia, milhões de visitantes e turistas passavam por Cuba para aproveitar a beleza da natureza, o calor das águas do Caribe e, principalmente, o encanto de um povo que, para nós, lembra em muitos aspectos a simpatia do povo baiano.

Quem visita o país se delicia com o jeito de ser cubano. Percebe o o nível de vida extremamente sóbrio e até pobre das pessoas. No entanto, ninguém encontra uma só criança de rua. Verifica a eficiência do atendimento de saúde gratuito e de alta qualidade, assim como o acesso à educação gratuita em todos os níveis; o que faz dos cubanos um dos povos mais cultos do mundo.

Isso não significa que o país seja um paraíso e não tenha problemas ou que o governo não tenha deficiências. São frequentes críticas à burocracia das instituições. Escritores e artistas sempre exigem maior liberdade de criação. Em tempos mais recentes, ao menos em parte, essas questões parecem mais superadas. Quem lê os romances do brilhante escritor Leonardo Padura e segue as aventuras do detetive Mario Conde, vê uma descrição ácida e crítica do funcionamento das instituições no país. E Padura não parece ter nenhum contratempo por criticar as estruturas do seu país.

A liberdade coletiva e a qualidade de vida dos cubanos têm preço pesado: o mais poderoso império do mundo não se conforma em, durante mais de sessenta anos, ser vencido pelo heroísmo de um povo pequeno e pobre.

Desde 1960, sucessivos governos dos Estados Unidos fizeram tudo para impedir o povo cubano manter o governo que melhor lhe convém. No início dos anos 1960, a invasão militar fracassou. O bloqueio econômico assassino, imposto por Washington e diversas vezes condenado pela ONU, dura mais de 60 anos. No entanto, não fez o povo se render. Desde o começo da pandemia, o bloqueio não permite que remédios básicos para a população desembarquem em Cuba e na Venezuela. Apesar disso, Cuba desenvolveu vacinas e não só tem cuidado do seu povo, como faz missões de solidariedade por todo o mundo.

Nesse momento, a chamada Guerra Híbrida torna tudo mais fácil para os inimigos da humanidade. Pagam-se mercenários cubanos para provocar agitações e se garante a imprensa para noticiar o levante popular.

No domingo, 11 de julho, houve um primeiro ensaio. E propagou-se saldo de pessoas mortas, feridas e, quem sabe, desaparecidas. As manifestações foram todas combinadas para explodirem na mesma hora em diversas cidades. Não conseguiram nenhuma fotografia de pessoas sendo espancadas por soldados. Ninguém apareceu com rosto sangrando. O presidente da República se locomoveu pelo país em diálogos diretos com os grupos manifestantes. Reconheceu a precariedade dos serviços elétricos que penaliza a todos. Falou das dificuldades econômicas pelas quais passa o país, sem o turismo que tinha antes da pandemia e sob o peso feroz do bloqueio internacional que tenta permanentemente estrangular a economia.

Como em todos os anos, neste 26 de julho, o povo cubano recorda o ataque do jovem Fidel Castro e seus companheiros ao quartel de Moncada, em 1953; fato que deu início à revolução libertadora.

Hoje, para toda a América Latina, a resistência de Cuba é mais heroica e cada dia mais importante. Atualmente o império é mais mortífero e bárbaro do que todos os quarteis de Moncada que a cada dia se recriam.

Para as pessoas que unem sua fé à vida e ao projeto de um mundo mais justo, a solidariedade ao povo cubano, ao povo venezuelano e a todos os povos do mundo sob ataque do império é questão de espiritualidade e caminho de fé.

  Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019Email: irmarcelobarros@uol.com.br 

  

domingo, 25 de julho de 2021

Pe JOSÉ OSCAR BEOZZO: CINCO PÃES E DOIS PEIXES

Nesse 17º Domingo do Tempo Comum, o evangelho lido nas comunidades católicas é João 6, 1 a 15, onde Jesus partilha os cinco pães e os dois peixes oferecidos por um menino.

Vamos ouvir o que Pe. José Oscar Beozzo tem a nos dizer sobre esse belíssimo trecho do evangelho de João?






MULHER NEGRA DE ONDE VEM?

 


Shirley Pinheiro 

 

Vem das lutas pela igualdade,

 das guerrilhas pela paridade.

Das lágrimas  contidas em busca de preservar sua vida.

Vem das fábricas, vem das lavouras, dos balcões, vem das escolas, das Universidades também.

Vem desbravando preconceito,

nunca teve outro  jeito!

Não  é  teu cabelo que te define,

Muito menos a cor escura da pele.

É  tua alma sonhadora,

Ferrenha  lutadora.

Buscando com unhas, dentes  e garras,

O espaço  que lhe  é  de direito.

Direito sim ,porque não!

Afinal antes de ser negra.

Você  e  eu ,somos seres  humanos.

Criado do mesmo barro e pelo mesmo Criador.

Viemos a este espaço  terrestre,

Pra ser feliz e,não  sentir dor.

No entanto vivemos na guerra insana e desumana,

Criado por aqueles  que se acham senhor.

A luta será  continua,  não nos deixaremos  ser vitimas,

Nem permitiremos  ter a vida ceifada.

Pois além  de sermos mulher,

 e ter a pele negra, carregamos

 nas nossas entranhas, a herança  das nossas ancestrais.

As negras, que nunca se deixaram morrer,

Lutaram para continuar a viver.

Através  de nós

através  de você.

Mulher negra!

 

Shirley Pinheiro  25/07/2019

 

Em homenagem a Mulher  Negra  e Caribenha através  de Tereza de Benguela.

 

*Arte Lana Furtado

sábado, 24 de julho de 2021

PLIM-PLIM: O GAY E O HOMOFÓBICO


Prof. Martinho Condini



O governador do Rio Grande do Sul, o senhor Eduardo Leite, “saiu do armário” ao assumir a sua homossexualidade (apesar de todo o Brasil, Uruguai e Argentina já saberem) no país que mais assassinatos cometem no mundo à comunidade LGBTTI (lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, travestis, trangêneros e intersexuais) e onde o mandatário maior da nação já se declarou HOMOFÓBICO. 

O senhor Eduardo Leite estratégica e maquiavelicamente preparou essa declaração e a deu em um programa de rede nacional “Conversa com Bial”. O senhor Eduardo Leite e a “Plim-Plim”, acreditam que a sociedade brasileira seja idiota? 

Nós não nos esquecemos que em 2018, mais precisamente no segundo turno das eleições presidenciais o senhor Eduardo Leite apoiou e continua apoiando o candidato: misógino, sexista, negacionista, miliciano e genocida, hoje presidente.

O senhor Eduardo Leite, governante de direita, apóia a agenda ultra neoliberal do ministro da economia e exerce papel de “capacho” desse presidente sevandija, que tem como baluartes a TORTURA e a HOMOFOBIA.

Senhor Eduardo Leite, me lembrei da história do lobo e o cordeiro. Com quais das peles o senhor estará vestido?

 A agenda identitária do seu governo, senhor Eduardo Leite até agora foi assumir a sua homossexualidade a um ano das prévias eleitorais para presidente. Faça-me um favor?  Será que o senhor está duvidando da capacidade intelectual das comunidades LGBTTI?  A quem o senhor quer convencer da sua “boa fé”?  

Senhor Eduardo Leite sua postura libertária diante da escolha sexual é legítima, mas a sua postura ética e moral em relação à classe em que está inserido é deplorável, repugnante e inaceitável.  

Por outro lado, a “Plim-Plim” e demais grandes empresas de comunicação de massa que se deram muito mal em apoiar a política ultra neoliberal desse governo, começam uma incessante busca de um candidato a presidência para “chamar de seu”. Querem uma terceira força, de preferência do campo de centro direita. Para eles a questão de gênero ou etnia não importa desde que essa terceira força defenda os seus interesses está tudo certo, tanto é que apoiaram quem apoiaram.

Não admitem a vitória de um governante de centro esquerda e muito menos de esquerda.  

Eles querem urgentemente encontrar alguém que derrote Lula! 

Poder ser Datena, Luciano Huck, Ratinho...ou qualquer outra coisa que possa surgir.

Diante deste contexto, o que nos resta é lutar para restabelecer um Estado de direito laico democrático que nos garanta não só a liberdade de expressão, mas a dignidade de vivermos em um país que volte a valorizar a educação, a ciência, a arte e a cultura. 

Só assim voltaremos a ser um país soberano.

Por isso, em 2022 precisamos eleger sim, um presidente do campo progressista, democrático e popular que conheça as necessidades do povo brasileiro. E tenha como prioridade uma agenda desenvolvimentista a fim de acabar com a brutal desigualdade social, fruto da histórica e estruturante supremacia branca, capitalista, judaico-cristã e racista que predomina em nosso país há mais de quinhentos anos. É preciso dar um basta nessa injusta co-relação de forças. 

Não é possível continuarmos vivendo em um país em que o lucro se sobreponha a melhoria nas condições de vida do nosso povo.  Enquanto não tivermos a maioria da população vivendo em condições dignas no que tange a moradia, educação, saúde, trabalho e laser, corremos o risco de reeleger o presidente desse desgoverno que tem como símbolo o “gesto de arminha com as mãos”, a cloroquina e o mais de meio milhão de mortos causados pela pandemia e como bordão a frase “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. O resultado esta aí!!!!! 


*  O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros 'Dom Helder Camara um modelo de esperança', 'Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo', 'Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o DVD ' Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro 'Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza'. Contato profcondini@gmail.com 


quinta-feira, 22 de julho de 2021

DEMOCRACIA CULTURAL

 Frei Betto



      (...)  A queda dos governos dos países socialistas do Leste europeu assinala, não o fim do socialismo, como propaga a mídia capitalista, mas sim da absolutização de sistemas ideológicos.

       O homem e a mulher são os únicos seres vivos que se contrapõem à natureza. Os demais, das abelhas arquitetas aos macacos africanos que protegem seus recursos de sobrevivência, são todos determinados pela natureza. Esse distanciamento humano frente ao mundo natural faz a realidade revestir-se de simbolismo e produz a emergência transcendental do imaginário. 

Do interesse pelo fogo produzido pelo relâmpago nasce o conhecimento que desperta a consciência. Voltada sobre si mesma, a consciência humana sabe que sabe, enquanto os animais sabem, mas ignoram a reflexão. Através do símbolo e do significado, o ser humano se relaciona com a natureza, consigo mesmo, com os semelhantes e com Deus.

       Nasce a cultura, o toque humano que faz do natural, arte. A vida social ganha contornos definidos e explicações categóricas. Do domínio das forças arbitrárias da natureza chega-se às armas que permitem a imposição de um grupo cultural sobre o outro. Porém, cultura é identidade e, portanto, resistência. Mesmo assim, a absolutização de sistemas ideológicos oferece o paraíso, induzindo o dominado a sentir-se excluído por não pensar pela cabeça alheia. 

No Brasil colônia, os métodos de catequese cristã introduziam entre os indígenas o vírus da desagregação e, hoje, os donos dos garimpos, das madeireiras e o governo perguntam perplexos por que os povos indígenas necessitam de tanta terra se nada produzem. Os neopentecostais atacam os umbandistas e certos setores da Igreja cristã olham com solene desprezo o candomblé, como se seus fiéis ainda estivessem naquele estágio primitivo da consciência religiosa que não lhes permite desfrutar a beleza do canto gregoriano ou a ortodoxia teológica dos livros de Ratzinger.

       A queda dos governos dos países socialistas do Leste europeu assinala, não o fim do socialismo, como propaga a mídia capitalista, mas sim da absolutização de sistemas ideológicos. Desabam com a herança estalinista todas as estratégias de hegemonização da cultura, e a própria ideia de "evolução cultural". Não há culturas superiores, há culturas distintas, social e historicamente complementares. Agonizam as versões totalizadoras em todos os terrenos da produção de sentido - político, econômico e religioso. 

Quem pretender ignorar os sinais dos tempos terá de apelar ao autoritarismo para infundir temor e terror. Sabemos agora que mesmo na América Latina não há uma cultura única, mas uma multiplicidade de culturas - indígena, negra, branca, sincrética - que se explicam por seus próprios fatores internos. Essa polissemia de sistemas de sentido é uma riqueza, embora ameace o poder daqueles que imaginavam restaurar a uniformização medieval.

       A mais de 500 anos da chegada de Colombo às Américas - uma invasão genocida que alguns chamam de "encontro de culturas" - convém relembrar esses conceitos antropológicos. E agora a democracia impregna também a cultura. Cada homem e mulher, grupo étnico ou racial, descobre que pode ser produtor do próprio sentido de sua vida. O difícil é respeitar isso como valor, sobretudo nós, cristãos, que ainda não sabemos distinguir Jesus Cristo do arcabouço judaico e greco-romano que o reveste e tanto favorece o eurocentrismo eclesiástico.

Felizmente, o próprio Jesus nos ensina a diferença entre imposição e revelação. Impõe-se pervertendo a natureza do poder (Mateus 23, 1-12). Mas revelação significa "tirar o véu": ser capaz de captar os fragmentos culturais de cada povo e reconhecer as primícias evangélicas aí contidas, como afirmou o Concílio Vaticano II. 

       Aliás, Deus não fala latim. Prefere a linguagem do amor e da justiça. E esse dialeto toda cultura incorpora e entende.

 

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

  

Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

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quarta-feira, 21 de julho de 2021

33º CONGRESSO DA SOTER DEBATE SOBRE A RESPONSABILIDADE DAS RELIGIÕES NA DEFESA DA LAICIDADE, DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS

 


*Matéria postada REVISTA IHU ON-LINE

Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER) celebrou de 12 a 16 de julho seu 33º Congresso Internacional, que teve como tema “Religião, Laicidade e Democracia: cenários e perspectivas”. Com cerca de 800 pessoas inscritas, conferencistas nacionais e internacionais e mais de 440 apresentações acadêmicas, o congresso tem sido um momento importante na reflexão sobre uma questão que cada vez cobra maior destaque na realidade brasileira e mundial.

Segundo Cesar Kuzma, presidente da SOTER, “tentamos trabalhar as urgências do nosso tempo no âmbito social, no âmbito político-democrático, na responsabilidade que toca às Igrejas cristãs e às religiões em geral da defesa da laicidade, na defesa da democracia, na defesa dos direitos humanos, apontando caminhos, apontando horizontes, apontando novas perspectivas”.

 

A reportagem é de Luis Miguel Modino.

 

O congresso partiu dos diferentes cenários em que a sociedade brasileira se encontra, agora marcados também “pela pandemia, pela destruição do estado democrático de direito, pela fragilidade nas nossas democracias, pela perda de direitos sociais e também humanos, pelo desmonte das políticas públicas e pelo grande desastre que vem ocorrendo também em nível ambiental”, segundo o presidente da SOTER.

Dentro dessa pluralidade de cenários, o 33º Congresso da SOTER foi um momento para refletir, que partiu da abordagem de Pedro Ribeiro de Oliveira, que buscou “apresentar-nos uma visão panorâmica no qual nós estamos inseridos”, segundo Kuzma. A palestra de Boaventura de Sousa Santos, que trabalhou a questão da laicidade e da democracia, mostrou a diferença entre os diferentes espaços, valorizando “a importância da Teologia da Libertação na América Latina, na luta histórica que ela teve na defesa da própria democracia”, afirma Kuzma.

Na leitura sobre os diferentes momentos, o teólogo fala sobre os aportes de Frei Betto e Jucimeri Isolda Silveira, destacando os direitos humanos, “que se tornam cada vez mais frágeis na atual conjuntura social que nós vivemos”. Ele destaca a celebração que aconteceu pelos 50 anos da Teologia da Libertação, que considera um momento brilhante, afirmando que a SOTER segue essa linha, e “tem na opção pelos pobres o grande enfoque da sua proposta e de seus objetivos”, insistindo em que “a linha libertadora faz parte da natureza da própria SOTER”, algo que foi feito de forma coletiva. Com a presença de diferentes instituições foi, segundo o presidente da SOTER, “um momento marcante, brilhante, que emocionou a todos”.  

A professora italiana Serena Noceti abordou a questão da responsabilidade das Igrejas cristãs na defesa do estado democrático, desde elementos da Fratelli tutti e o Conselho Mundial de Igrejas. Desde os aportes do Papa Francisco, foi refletido sobre a economia, com a presença de Ladislau Dowbor, e a ecologia, com a reflexão de Afonso Murad, perspectivas que segundo Kuzma, “se somam à questão da democracia, da laicidade, do direito, do bem comum, ou da Casa Comum, que é uma expressão que acabou fazendo parte dos nossos discursos”.


Congresso da SOTER foi momento para reconhecer com o prêmio João Batista Libânio, a trajetória da teóloga Ivone Gebara, valorizando, segundo o presidente da SOTER “uma caminhada de luta que não se faz sozinha, se faz de modo coletivo, se faz com outras pessoas”. Seguindo o tema do congresso, Cesar Kuzma insiste em que “dar o prêmio a Ivone, com a história que ela tem, com a dinâmica de espiritualidade com a qual ela vive, e na ternura de sua voz e pelo fato de ser mulher, isso foi algo muito emocionante e muito bonito”.




O congresso foi encerrado na sexta-feira com a palestra de Ivone Guevara, onde abordou a questão da responsabilidade das religiões no estado, para a defesa da laicidade a da democracia. A teóloga colocou a importância de as religiões caminhar em conjunto com a sociedade. Finalmente, Maria Isabel Varanda e Rudolf von Sinner, apontaram pistas, horizontes, fazendo uma releitura do evento e apontando possíveis caminhos, “sem a intenção de nos oferecer, mas convidando a um caminhar continuo, coletivo, em busca de novos horizontes, de novas perguntas, de novos espaços”, segundo o professor Kuzma.

Segundo o presidente da SOTER, “o congresso superou todas as expectativas”, inclusive em número de participantes. Ele destaca que o fato de ser virtual permitiu o acesso de pessoas de varias partes do Brasil, da América Latina e de outros países. Mesmo virtualmente, “conseguimos espaços onde a afetividade, a ternura, a humanidade, se fizesse presente”, afirmou Cesar Kuzma. Teve momentos para homenagear as vítimas da Covid-19 e a diretoria da SOTER emitiu uma nota por ocasião do Encerramento do 33º Congresso.

A nota manifesta “a nossa preocupação e o nosso repúdio em relação à deterioração da democracia no Brasil, que se traduz não só no ataque contínuo às Instituições Democráticas e ao Estado de Direito, mas também no aumento da repressão e da violência policial, no aprofundamento da desigualdade social e da fome, na destruição ambiental, na agressão aos povos indígenas, seus direitos e vidas, nos atos sistemáticos de racismo que revelam a condição do racismo estrutural presente em nossa sociedade, na afirmação do sexismo e no crescimento do feminicídio”.

Desde a SOTER é denunciado que “o negacionismo foi e é responsável por grande parte do número de mortos pela atual pandemia da COVID-19, que já ceifou mais de 530 mil vidas no Brasil”. Ao mesmo tempo, a nota insiste em que “este mesmo negacionismo agravou a crise econômica, levando a um enorme contingente de pessoas desempregadas e ao aumento da fome e da miséria”.

O texto condena que “neste contexto, as Religiões, sobretudo certas expressões do Cristianismo, nem sempre têm tido um papel profético, crítico e libertador”, denunciando que “ao contrário, alguns grupos têm instrumentalizado a Religião, negado o caráter laico do Estado e promovido, ou reforçado, a deterioração de nossa democracia em nome de Deus, inclusive afirmando e praticando a intolerância religiosa”.

Por isso, consideram urgente “reafirmar que as Religiões devem estar a serviço da vida e não da morte”. Nesse sentido, a diretoria da SOTER destaca que “o Cristianismo possui uma longa trajetória e, em nosso país, foi fundamental, juntamente com outras Tradições Religiosas, na luta pelos direitos humanos e pela redemocratização do Estado e da Sociedade”. Finalmente, conclamam “todas as lideranças religiosas a se colocarem na defesa incondicional da plena democracia, dos direitos humanos e da justiça social”.

 

*FONTE:http://www.ihu.unisinos.br/maisnoticias/noticias/78-noticias/611188-33-congresso-da-soter-debate-sobre-a-responsabilidade-das-religioes-na-defesa-da-laicidade-democracia-e-direitos-humanos 

 

terça-feira, 20 de julho de 2021

FALAR EM NOME DA VIDA

 Marcelo Barros


 

A vida é o que há de mais sagrado e está acima seja dos interesses econômicos, seja mesmo dos preceitos religiosos.

Após quase um ano e meio da Covid-19, já está evidente que Bolsonaro e seu governo colocaram a população brasileira para se contaminar pelo coronavírus e fizeram isso de propósito, cientes do risco à vida das pessoas. Durante meses e meses com o Brasil mergulhado na pandemia, Bolsonaro boicotou a estratégia nacional de vacinação. Apostou na infundada imunidade de rebanho por contágio. Nestes dias mais recentes, ainda em meio a toda a tragédia desta pandemia, sem usar máscara,  o presidente do Brasil passeia e promove “motociatas” com seus apoiadores por algumas capitais do país.  

A consciência da dignidade e da igualdade de todos os seres humanos, assim como a compreensão de uma cidadania universal é, de certa forma, recente. Para que tais conquistas possam ter ocorrido, foi importante uma evolução da cultura. Hegel dizia que nós não somos donos das nossas ideias. São as ideias que entram em nós e, então, têm um poder transformador. A luta pelas ideias está na base das grandes lutas emancipatórias da sociedade.

Uma das tragédias atuais é ver que muitas vezes, as pautas mais retrógradas e claramente contrárias ao interesse dos pobres chegam a ser apoiadas e defendidas até por parcelas mais pobres da população. Ao se deixar orientar por meios de comunicação, controlados pela elite, os pobres tendem a ser conservadores. Nos tempos antigos, as massas defendiam a escravidão e o racismo. Hoje, muitos brasileiros apoiam governos neofascistas. Revelam-se favoráveis à pena de morte, ao uso livre de armas de fogo e à violência policial contra pobres e negros.

Esta realidade só mudará quando a sociedade conseguir se organizar por grupos e comunidades que busquem compreender com mais profundidade a realidade social. Movimentos sociais e comunidades humanas de base são grupos que ajudam o povo a se tornar mais consciente de ser povo como conjunto unido. No mundo romano antigo, o latim fazia a distinção entre plebs (massa) e populus (povo organizado). O Concílio Vaticano II define que a Igreja é uma porção do povo de Deus (populus Dei) e não massa de fieis.

Infelizmente, na história, muitas vezes, Igrejas e religiões foram contrárias aos grandes movimentos de libertação e promoção humana. Nos séculos passados, muitos pastores e ministros cristãos defenderam a monarquia contra a república. Consideravam a superioridade masculina sobre as mulheres como vinda do próprio Deus. Eram contra a igualdade de gêneros e contra a liberdade de expressão e de religião. Atualmente, em todo o mundo, pastores e ministros ainda organizam cruzadas contra o direito das pessoas à diversidade sexual. Acima de tudo, acham que religião deve estar sempre ligada à direita política. Nos Estados Unidos, um presidente promove golpes agitações sociais em outro país, mantém um bloqueio contra Cuba que já dura mais de sessenta anos e decide o grau de tensão em países da Ásia. Se esse presidente se pronunciar contra o aborto e contra a união gay contará com o apoio explícito de muitos bispos, padres católicos e pastores evangélicos.

No Brasil, cristãos católicos e evangélicos continuam dando apoio apoio político ao presidente da República, em troca de benesses para as suas Igrejas. No evangelho, falou Jesus dos escribas e fariseus: vestem roupas religiosas, fazem longas orações, enquanto exploram as viúvas pobres (Mc 12, 39- 40). Hoje, esses doutores da  religião nem precisam explorar diretamente pobres e viúvas. Podem se beneficiar de verbas que vêm diretamente da exploração dos pobres. Para eles, mais vale uma boa reza do que a ética humana e social.  

Precisamos com urgência voltar ao evangelho de Jesus que afirmou: “O sábado foi feito para o ser humano e não o ser humano para o sábado”. Mesmo as leis mais sagradas devem servir à vida e à felicidade das pessoas. Ao afirmar isso, Jesus enfrenta a tensão entre pessoa e sociedade. Claramente, optou pelas pessoas. Revelou o amor divino aos pecadores públicos que eram discriminados. Paulo escreveu: “Onde está o Espírito Divino, aí há liberdade” (2 Cor 3, 17).