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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

A MADAME ESTÁ? (OU GEORGE FLOYD MORA AQUI)

 


 Maria Clara Lucchetti Bingemer


            Há poucos dias o Brasil celebrou mais uma vez o Dia da Consciência Negra.  Infelizmente a celebração foi marcada pelo brutal assassinato por espancamento de um cidadão negro chamado João Alberto Vieira Freitas em um supermercado Carrefour de Porto Alegre. Casado e pai de quatro filhos, João Alberto morava na Vila do IAPI, lugar onde passou sua infância a grande cantora Elis Regina. 

            Diante do corpo espancado até a morte de João Alberto, talvez Elis Regina tivesse dificuldade de cantar seu grande sucesso “Black is beautiful”, de Marcos Valle, que diz: “black beauty is so peaceful”.  Era tudo menos pacífica a cena que todas as emissoras do país mostraram, com dois homens jogando-o ao chão, espancando-o e esmagando seu corpo até tirar-lhe o hálito da vida.  Ainda houve filmagem e fotografias para caracterizar bem a crueldade do macabro espetáculo. 

            Mas parece que não há racismo no Brasil. Pelo menos é isso que dizem muitos. Vivemos uma democracia racial.  Não pesou nada o fato de João Alberto ser negro para que acontecesse o seu massacre.  De minha parte, porém, creio que houve sim, porque o racismo infelizmente está entranhado na sociedade brasileira e é perversamente estrutural. 

            João Alberto teria, segundo depoimentos, molestado uma mulher dentro do supermercado e por isso fora interpelado pelos seguranças.  Perdeu a calma e agrediu um deles com um soco. Deveria ter sido contido e até eventualmente conduzido à delegacia.  Mas não.  Sem chance de defesa, foi massacrado. Como era negro devia ser perigoso. Então a violência que caiu sobre ele foi mortal. A desproporção entre seu comportamento e o tratamento que recebeu estava em direta relação com sua raça e a cor de sua pele.  

            Acontece que João Alberto compartilha essa condição e essa negritude com uma parte esmagadora de todo o povo brasileiro. Muitos poucos de nós podemos dizer que em nossas veias não corre gota alguma de sangue negro.  A miscigenação do europeu com o negro africano povoou este país com todas as nuances de pardos, mulatos e mestiços.  E apesar disso o racismo ainda permanece vivo produzindo horrores como o deste último Dia da Consciência Negra. 

O racismo no Brasil é velado e por isso mesmo mais insidioso.  Penetra nas consciências e nas mentalidades, e passa a ser encarado com naturalidade.  Como natural é que aquela que chega convidada para um jantar em algum prédio de classe média seja mandada pelo porteiro para o elevador dos fundos e a entrada de serviço pelo fato de ser negra.  

Natural também é o fato de que as cidades brasileiras hajam construído para si um verdadeiro apartheid social, abrigando os brancos nas zonas chiques, elegantes, mais seguras e bem policiadas, e enviado os negros para as favelas, os mocambos, as comunidades construídas em encostas que caem sistematicamente em cada enchente e onde a polícia não é uma segurança, mas um perigo a mais.  

Faz parte das coisas naturais igualmente que jovens negros abaixo de trinta anos sejam sistematicamente investigados nos transportes públicos e nas ruas a partir de determinada hora.  E nessas circunstâncias muitas vezes sejam presos, espoliados de seus documentos ou agredidos fisicamente. São negros, boa coisa não devem estar tramando. 

Assim foi natural na história do Brasil que a mulher negra se responsabilizasse pelos serviços na casa grande, limpando, lavando, passando, cozinhando e, de volta à senzala atender desejos e necessidades do senhor e de sua legítima e biológica descendência. Assim foi natural que as mulheres negras criassem filhos além dos seus próprios, amamentando, trocando fraldas, acalentando, adormecendo, acordando, alimentando os filhos da família, sendo chamadas carinhosamente de “mães pretas”. A suplência do papel materno na verdade era da mãe biológica, porque quem fazia tudo que de uma mãe se espera era a mulher negra. 

Mas além do trabalho doméstico, há outros nichos que se reconhecem como lugares adequados aos negros: o esporte, sobretudo o futebol; o samba; o desfile da escola de samba, onde as mulatas brilham com sua beleza estonteando os turistas estrangeiros.  Ali estão em seu espaço e seu lugar.  Se aparecem em espaço alternativo, cuidado.  Pode acontecer-lhes algo parecido com o que se passou com João Alberto.

A grande socióloga Lélia Gonzalez escreveu brilhantemente a respeito de nosso racismo estrutural e velado.  Narrou que cansou de abrir a porta de sua casa e escutar a cordial pergunta do vendedor: “A madame está? ”  Passou a responder: “Saiu”. Mas continuou ouvindo essa e outras perguntas, como: “Você trabalha na televisão?”,  “Você é artista?”. Sabia o que estava por trás desse trabalho e dessa arte. 

Chegamos a um ponto em que é preciso ver claro que a madame saiu porque não há mais lugar para ela.  O sistema doméstico não pode continuar sendo a reprodução do sistema casa grande e senzala que tristemente definiu um perfil do Brasil. Não temos o direito de criticar qualquer outro país por delitos raciais, pretextando que aqui contamos com leis que protegem a população negra.  O racismo é doença nossa. E doença grave.  George Floyd mora aqui.  E hoje se chama João Alberto, assim como ontem foi João Pedro e Marielle Franco. E também não consegue respirar. 

 Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Mística e Testemunho em Koinonia” (Editora Paulus), entre outros livros 

 

Copyright 2020 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>

 

sábado, 28 de novembro de 2020

ADVENTO

 

  


Pe Fabio Potiguar dos Santos

 


PRIMEIRA E SEGUNDA VINDA DO SENHOR

E SUA VINDA INTERMEDIÁRIA

Nasci em Currais Novos, porta do Seridó potiguar. A padroeira da cidade é a mesma do sertão: Santana, esposa de Joaquim, mão de Maria e avó de Jesus.

A imagem barroca banhada a ouro trazida nos já idos 1808, retrata Santana com Maria menina em seus braços com um livro aberto nas mãos. Eu, menino danado e curioso, no meio da missa, puxando a saia de mamãe ou braço de papai, perguntava o que tinha escrito naquele livrinho. Multidão grande em frente a Matriz. Queria ver melhor. Papai me levantava bem alto  – me emociono agora nos braços  parrudos do meu pai -  e me dizia qualquer coisa para fazer abrir um sorriso largo em minha cara, um sorriso que somente um menino sabe dar , fazer brilhar os meus  olhos com um brilho que somente uma criança de cinco anos sabe olhar brilhando assim.  “O Reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira do baú coisas velhas e novas”. São palavras de Jesus. No baú da minha memória, lembrança nos braços de papai, arrancam lembranças perdidas, coisas antigas do tempo em que a criança era criança e, no meio dessas coisas perdidas me encontro menino e meu pai  um jovem pai. Coisas novas, sou criança.

Você pode está se perguntando: “E o advento, a imagem barroca banhada a ouro... e o livrinho?”  Desculpas por meus devaneios! Eles e as repetições fazem parte do meu estilo deselegante de escrever.

Só depois de mais um pouco de anos quando a gente vira coroinha e sobe nos altares para botar velas, flores e a santa no andor, eu fiquei conhecendo a frase: “Um dia a salvação virá”.

Santana e Joaquim, como judeus piedosos, transmitiam, como todos os pais aos seus filhos, a esperança de Israel: a vinda do Messias. Só Deus sabia que essa linda menina um dia seria a mãe do seu Filho. Deus quis também uma mulher. Um dia a menina-moça Maria recebe a visita de um anjo lhe anunciando como a escolhida para ser a mãe do Salvador. No princípio dos tempos o Espírito de Deus pairava sobre as águas e tudo foi criado, na plenitude dos tempos esse mesmo Espírito paira sobre as águas do ventre virginal de Maria e tudo é recriado. Criação e Nova Criação.

Advento é a preparação ao Natal. A Igreja durante quatro semanas nos mergulha no Mistério da Encarnação do Filho de Deus. Aquele que desceu do céu e veio a terra e se fez para sempre um de nós. Deus enviou seu Filho Amado para realizar uma Nova Criação antropológica e cósmica por meio de sua morte e ressurreição no poder amoroso do Espírito.  Essa foi a primeira vinda de Cristo. Fazendo memória celebrativa da primeira vinda de Cristo, a Igreja nos envolve também, na alegre esperança da sua Segunda vinda. Pois bem, se preparando no advento para celebrar no Natal, a primeira vinda de Cristo , nós nos preparamos para sua segunda vinda, quando voltará para plenificar a Nova Criação inaugurada na Páscoa-Pentecoste.

Primeira e Segunda vinda de Cristo.  Há todavia, uma vinda intermediária entre uma e outra. Todos os dias Jesus vem ao nosso encontro em cada pessoa: o pai, a mãe, o filho, o irmão, o marido, a esposa,  o colega de trabalho ou de escola e faculdade, o irmão na igreja  e principalmente no pobre, naquel que tem fome, sede, está nu, sem casa, doente ou na prisão ou ainda  carente de amor e de cuidados...  Jesus vem em cada momento de oração pessoal diária,  na leitura orante ou estudada da Palavra de Deus, na Liturgia das Horas, nos sacramentos...  Jesus vem bem especialmente no Culto Dominical evangélico e na Celebração da Missa, onde em torno da Mesa da Palavra e da Mesa Eucarística , damos por Ele, com Ele e Nele, na unidade do Espírito Santo, toda honra e toda glória enquanto  esperamos sua nova  vinda.

Deus nos ajude com a sua graça a vivermos um santo e abençoado Advento. Ele vem, “Tu vens numa manhã de domingo, eu já escuto os teus sinais. Tu vens, tu vens”.

 Padre Fabio Potiguar Santos Capelão das Fronteiras, membro da Comissão de Justiça e Paz e coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter- religioso da Arquidiocese de Olinda e Recife


 

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

A VIDA COMO CENTRO: A BIOCIVILIZAÇÃO NA PÓS–PANDEMIA

 

                                   Leonardo Boff

 


Na compreensão dos grandes cosmólogos que estudam o processo da cosmogênese e da biogênese, a culminância desse processo não se realiza no ser humano. A grande emergência é a vida em sua imensa diversidade e àquilo que lhe pertence essencialmente que é o cuidado. Sem o cuidado necessário nenhuma forma de vida subsistirá (cf. Boff, L., O cuidado necessário, Vozes, Petrópolis 2012).

É imperioso enfatizar: a culminância do processo cosmogênico não se dá no antropocentrismo, como se o ser humano fosse o centro de tudo e os demais seres só ganhariam singificado quando ordenados a ele e ao seu uso e desfrute. O maior evento da evolução é a irrupção da vida em todas as suas formas, também na forma humana consciente e livre.

O conhecido cosmólogo da Califórnia Brian Swimme junto com o antropólogo das culturas e teólogo Thomas Berry afirma em seu livro The Universe Story (1999): “Somos incapazes de nos libertar da convicção de que, como humanos, nós somos a glória e a coroa da comunidade terrestre e perceber que somos, isso sim, o componente mais destrutivo e perigoso dessa comunidade”. Esta constatação aponta para a atual crise ecológica generalizada afetando o inteiro planeta, a Terra.

Biólogos (Maturana, Wilson, de Duve, Capra, Prigogine) descrevem as condições dentro das quais a vida surgiu, a partir de um alto grau de complexidade e quando esta complexidade se encontrava fora de seu equilíbrio, em situação de  caos. Mas o caos não é apenas caótico. É também generativo. Esconde dentro de si novas ordens em gestação e várias outras complexidades, entre elas a vida humana.

Os cientistas evitam definir o que seja a vida. Constatam que representa a emergência mais surpreendente e misteriosa de todo o processo cosmogênico. Tentar definir a vida, reconhecia Max Plank, é tentar definir a nós mesmos, realidade que, em último termo, não sabemos definitivamente o que e quem somos. 

O que podemos afirmar seguramente é que a vida humana é um sub-capítulo do capítulo da vida. Vale enfatizar: a centralidade cabe à vida. A ela se ordena a infra-estrutura físico-química e ecológica da evolução que permitiu a imensa diversidade de vidas e  dentro delas, a vida humana, consciente, falante e cuidante.

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De mais a mais, somente 5% da vida é visível, os restantes 95% é invisível, compondo o universo dos micro-organismos (bactérias, fungos e virus) que operam no solo e no subsolo, garantindo as condições de emergência e manutenção da fertilidade e vitaldade da Mãe Terra.

Tenta-se entender a vida como auto-organização da matéria em altíssimo grau de interação com o universo, com a teia incomensurável de relações de todos com todos e com  tudo o mais que está emergindo em todas as partes do universo.  

Cosmólogos e biólogos sustentam: a vida comparece como a suprema expressão  da “Fonte Originária de todo o ser” ou “Daquele Ser que faz ser todos os seres”, o que  para a teologia representa a metáfora, talvez a mais adequada, para Deus. Deus é tudo isso e mundo mais. É Mistério em sua essência e também é mistério para nós. A vida  não vem de fora mas emerge do bojo do processo cosmogênico ao atingir um altíssimo grau de complexidade.

O prêmo Nobel de biologia, Christian de Duve, chega a afirmar que em qualquer lugar do universo quando ocorre tal nível de complexidade, a vida emerge como imperativo cósmico (Poiera vital:  a vida como imperativo cósmico,Rio de Janeiro 1997). Nesse sentido o universo estaria repleto de vida não somente na Terra.

A vida mostra uma unidade sagrada na diversidade de suas manifestações pois todos os seres vivos carregam o mesmo código genético de base que são os 20 aminoácidos e as quatro bases nitrogenadas, o que nos torna a todos parentes e irmãos e irmãs uns dos outros como o afirma a Carta da Terra e a Laudato Si do Papa Francisco. Cada ser possui um valor em si mesmo.

Cuidar da vida, fazer expandir a vida, entrar em comunhão e sinergia com toda a cadeia de vida,  celebrar a vida e acolher, agradecidos, a Fonte originária de toda a vida: eis  a missão singular e específica e o sentido do viver dos seres humanos sobre a Terra. Não é o chimpanzé, nosso primata mais próximo, nem o cavalo ou o colibri que cumprem esta missão consciente, mas é o ser humano. Isso não o faz o centro de tudo. Ele é a expressão da vida, dotada de consciência, capaz de captar o todo, sem deixar de sentir-se parte dele. Ele continua a ser Terra (Laudato Si,n.2), não fora e acima dos outros mas no meio dos outros e junto com os outros como irmão e irmã dentro da grande comunidade de vida. Assim prefere chamar o “meio ambiente” a Carta da Terra.

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Esta, a Terra, vem entendida como  Gaia, super-organism0 vivo que sistemicamente organiza todos os elementos e fatores para continuar e se reproduzir como viva e gerar a imensa diversidade de vidas. Nós humanos emergimos  como a porção de Gaia que no momento mais avançado de sua evolução/complexificação começou a sentir, a pensar, a amar, a  falar  e a venerar. Então irrompeu no processo evolucionário quando 99,99% estava tudo pronto, o ser humano, homem e mulher. Em outras palavras, a Terra não precisou do ser humano para gestar a imensa biodiversidade. Ao contrário foi ela que o gerou como expressão maior de si mesma.

A centralidade da vida implica uma biocivilização que,por sua vez, comporta concretamente assegurar os meios de vida para todos os organismos vivos e, no caso dos seres humano: alimentação, saúde, trabalho,  moradia,  segurança, educação e lazer. Se estandartisássemos para  toda a humanidade os avanços da tecnociência já alcançados, teríamos os meios para  todos gozarem dos serviços com qualidade que hoje somente setores privilegiados e opulentos têm acesso.

Na modernidade, o saber foi entendido como poder (Francis Bacon) a serviço da dominação de todos os demais seres, inclusive dos humanos e da acumulação de bens materiais de indivíduos ou de grupos com a exclusão de seus semelhantes, gestando assim um mundo de desigualdades, injusto e desumano.

Postulamos um poder a serviço da vida e das mudanças necessárias e exigidas pela vida. Por que não fazer uma moratória de investigação e de invenção em favor da democratização do saber e das invenções já acumuladas pela civilização para beneficiar a todos os seres humanos, começando pelos milhões e milhões destituídos da humanidade? São muitos que sugerem esta medida, a ser assumida por todos e, entre nós, proposta palo economista-ecologista Ladislau Dowbor da PUC0-SP.

Enquanto isso não ocorrer, viveremos tempos de grande barbárie e de sacrificação do sistema-vida, seja na natureza seja na sociedade humana mundial.

Este constitui o grande desafio para o século XXI, construir uma civilização cujo centro seja a vida. A economia e a política a serviço da vida em toda a sua diversidade. Ou optamos por esta via ou podemos nos autodestruir, pois construímos já os meios para isso ou podemos também começar, finalmente, a criar uma sociedade verdadeiramente justa e fraternal junto com toda a comunidade de vida, conscientes de nosso lugar no meio dos demais seres e da missão singular de cuidar e de guardar a herança sagrada recebida do universo ou de Deus (Gn 2,15).

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                                             ADENDO

O ano cósmico, o universo, a Terra e o ser humano

Tentemos imaginar que os 13.7 bilhões de anos,  idade do universo, sejam um único ano (apud Carl Sagan). Veremos como ao longo dos meses desse ano imaginário foram surgindo todos os seres até os últimos segundos do último minuto do último dia do ano.Qual é o lugar que nós ocupamos?

         A primeiro de janeiro ocorreu a Grande Explosão.

         A primeiro de março       surgiram  as estrelas      vermelhas

         A 8 de maio, a Via Láctea

         A 9 setembro, o Sol

         A 1 de outubro, a Terra

         A 29 de outubro, a vida

         A 21 de dezembro, os peixes

         A 28 de dezembro  às 8.00 horas, os mamíferos

         A 28 de dezembro às 18,00 horas, os pássaros

         A 31dezembro  às  17.00   horas   nasceram os                             antepassados pre-humanos

         A 31 de dezembro às 22.00 horas entra em cena            o ser                          humano primitivo, antropoide.

        A 31dezembro  às  23  horas,   58          minutos    e               10            segundos   surgiu   o  homem       sapiens            sapiens.

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        A 31 de dezembro às 23.00 horas, 59 minutos e                   56                 segundos nasceu Jesus Cristo

        A 31 de dezembro às 23.00 horas 59 minutos e                                  59,segundos  Cabral chegou ao Brasil

       A 31 de dezembro às 23 horas, 59 minutos e     59,54                   segundos,  se fez a Independência   do Brasil.

      A 31 de dezembro às 23  minutos e     59.59   segundos  nós            nascemos.

Somos quase nada. Mas por ínfimos que sejamos é através de nós, de nossos olhos,ouvidos, inteligênci a Terra contempla  a grandeur do universo, seus irmãos e irmãs cósmicos. Para isso todos os elementos durante todo o processo da evolução  se articularam de tal forma que a vida pudesse surgir  e nós pudéssemos estar aqui e falar disso tudo. Se tivesse havido alguma pequena modificação as estrelas ou não se teriam formado ou, formadas, não teriam explodido e assim  não teria havido o Sol, a Terra nem os 20 aminoácidos e as quatro bases nitrogenadas e nós não estaríamos aqui escrevendo sobre estas coisas.

Por esta razão testemunha o conhecido físico da Grã-Bretanha Freeman Dyson:” Quanto mais examino o universo e estudo os detalhes de sua arquitetura, tanto mais evidências encontro de que o universo, de alguma maneira, devia ter sabido que estávamos a caminho” (1979).

Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escritor e escreveu Covid-19:a Mãe Terra contra-ataca a humanidade, Vozes, 2020.

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

POR QUE ELEGER BOULOS E ERUNDINA

 

Frei Betto


 

       A cidade de São Paulo merece nova administração. Quem mora aqui como eu, há 44 anos, sabe como tem sido mal administrada desde 2017, quando passou a ser assumida pela dupla Doria-Covas. Tentou-se até mesmo cancelar as ciclovias e a exclusão de carros e ônibus na av. Paulista aos domingos, medidas adotadas pela administração Fernando Haddad. Felizmente a reação popular impediu.

       Não há rua ou avenida de São Paulo na qual se possa trafegar sem se deparar com inúmeras pessoas desamparadas, condenadas à mendicância, vítimas do desemprego e da falta de moradias. E há tantos buracos nas ruas que os taxistas costumam dizer que é para ninguém esquecer o nome do prefeito – covas. 

       A cidade é governada apenas para a parcela mais rica da população, que vive em bairros ajardinados e fortemente policiados. A periferia se encontra ao deus-dará, carente de saúde, educação, moradia decente e transporte público. São frequentes os incêndios em comunidades que moram embaixo de viadutos ou em terrenos cobiçados pela especulação imobiliária. 

       Boulos assumirá a prefeitura tendo como vice Luiza Erundina, que governou com êxito a cidade entre 1989-1992, e há 21 anos é deputada federal. Os dois se destacam pela integridade ética, capacidade administrativa e profunda sensibilidade social. Boulos abandonou o conforto da classe média (seus pais são médicos) para dedicar a vida aos sem-teto.

       Entre as medidas a serem tomadas por Boulos-Erundina, destacam-se o aumento do IPTU para mansões e da alíquota de ISS para bancos e instituições financeiras. Assim, a prefeitura terá mais recursos para aplicar em programas sociais voltados às famílias carentes e aos excluídos. 

       Serão mantidas linhas de ônibus 24h na periferia. Estudantes, desempregados, gestantes e mães com filhos até 2 anos terão direito a viajar sem pagar. Para combater a desigualdade social, será criada a Renda Solidária para garantir um valor de R$ 200 a R$ 400 a 3 milhões de pessoas que sobrevivem em extrema pobreza.

       Será revogada a reforma da Previdência municipal, aprovada em 2018, bem como restabelecida a paridade de remuneração entre ativos e aposentados. E haverá concurso público – e não apadrinhamento – para áreas da administração como saúde, educação, cultura e Guarda Civil Metropolitana. 

       O estádio do Pacaembu, em fase de privatização, será retomado pela prefeitura. 

       Esses são apenas alguns exemplos da boa administração que o município de São Paulo merece. 

       Dia 29 de novembro, domingo, vote 50 e eleja Guilherme Boulos e Luiza Erundina. 

       Vote com fé. Vote pelo povo paulistano! Vote 50!

 

 Frei Betto é escritor, autor de “Minha avó e seus mistérios” (Rocco), entre outros livros.

Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

E A EDUCAÇÃO, OH!

  



Prof. Martinho Condini

 

         Caras amigas e amigos, “Não há mais juventude que acredite em Deus, política, religião e família”, afirmou o ministro da Educação, Milton Ribeiro.

         Realmente seu ministro, num país como o Brasil fica muito difícil acreditar em política quando parte da sociedade elegeu um paraquedista (nos dois sentidos) cretino e boçal. Um vagabundo e desqualificado que está na política há 28 anos. E o que ele fez o que de bom para esse país como deputado e presidente?

         Lembrei, acabou com o horário de verão, mesmo assim, a controvérsias. 

         Dê longe, o mais desqualificado presidente que a nossa república já teve. Desde que tomou posse, além das pataquadas semanais, ainda não desceu do palanque, continua em campanha, agora para 2022.

         Mas se engana o ministro, há uma juventude periférica muito engajada politicamente no Brasil afora, sim, debatendo e discutindo questões pertinentes, como racismo, violência, descriminação, oportunidades de trabalho. Mas, em nosso país não se dá espaço para essa  juventude, a não ser quando é para informar sobre a violência que eles sofrem .

         Acreditar em religião com os atuais exemplos, fica muito difícil. Com tantos casos de corrupção de padre com suspeita de enriquecimento ilícito,  pastora com possibilidade de ser mandatária de  assassinato do marido e guia espiritual  maníacaco sexual.  Hoje, as verdadeiras lideranças religiosas de matriz cristã, africana, judaica, islã e outras,  não estão na mídia com seus “programas religiosos”  mostrando no vídeo os dados bancários da sua igreja, templo, seja lá o que for, para seus seguidores comprarem seu pedacinho no céu.  Estes estão fazendo trabalho sério e com certeza, com a participação de muitos jovens.  

         Em relação à família, o ministro deve estar pensando na configuração familiar tradicional.

         Hoje, nós temos várias possibilidades de constituição de família. Afirmar que o jovem não acredita mais na família, cabe a pergunta, qual família?.  O que nós temos que entender, é que hoje há liberdade para as pessoas constituírem a família que ela acredita ser a ideal para ela, seja hetero,homoafetiva e outras.   

         Quanto à juventude não acreditar mais em Deus, se essa afirmação estivesse correta qual seria o problema? Em pleno século XXI, a juventude tem a liberdade de acreditar em Deus da maneira que lhe convém ou não acreditar. Acho que mais uma vez o ministro esteja pensando em relação à juventude não estar acreditando em Deus da maneira que ele ou sua religião quisessem que eles acreditassem. Vamos combinar, vivemos numa sociedade plural culturalmente, onde as pessoas, jovens, adultos, idosos, homens ou mulheres têm a liberdade de crer ou não acreditar em algo do plano espiritual.

         Penso que o ministro da educação deveria estar mais preocupado em fazer com que esse desgoverno ao qual ele pertence tivesse uma política de Estado para a Educação em todos os níveis – do infantil ao superior – como também para a pesquisa científica e a vida funcional de professoras e professores. Chega de discursos e falas puritanas e moralistas apenas para encobrir a ineficiência desse desgoverno.   

O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros 'Dom Helder Camara um modelo de esperança', 'Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo', 'Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o DVD ' Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro 'Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza'. Contato profcondini@gmail.com          

terça-feira, 24 de novembro de 2020

COMO DAR GRAÇAS E ESPERAR

 



Marcelo Barros

No Brasil, o dia de ação de graças, instituído pelo governo brasileiro, não tem a mesma importância que tem nos Estados Unidos. Lá a data é celebrada desde o século XVII e é feriado. A cada ano, governo e sociedade consagra a quarta quinta-feira de novembro para agradecer a Deus as suas vitórias. O agricultor agradece a Deus a boa colheita; assim como o comerciante,  a prosperidade do comércio. Quem ganhou nas recentes eleições deve estar agradecendo a vitória. A ação de graças pode ser coletiva, mas por vitórias individuais ou de grupos que se sentem protegidos. Pouco importam os outros. Em meio a uma sociedade de milhões de pessoas que não garantem nem o pão nosso de cada dia, alguém sai às ruas com um carro de luxo no qual está escrito: Este carro foi Jesus que me deu. Os mais bem sucedidos agradecem a Deus os seus ganhos e convencem os que perderam que, se não ganharam foi porque não mereciam. Nos séculos passados, os senhores agradeciam pela quantidade de negros que tinham conseguido comprar e pelos territórios indígenas que tinham roubado das tribos originais. Até hoje, esta ação de graças está expressa nas palavras escrita nas células do dólar e reproduzida em alguns bancos e estabelecimentos comerciais: “Nós confiamos em Deus”. 

Para quem tem algum senso crítico, esta religião civil tem pouco a ver com o evangelho. Por isso, no nome do mesmo Jesus, irmãos e irmãs de várias Igrejas combatem o armamentismo espalhado pelo país, o imperialismo do governo e a falsa ética cristã da sociedade dominante.

No Brasil, em 1965, um ano depois do golpe militar pelo qual tomou o governo, o presidente Castelo Branco determinou a celebração nacional do dia de ação de graças, na mesma data dos Estados Unidos e encarregou o Ministério da Justiça de coordenar esta celebração. 

Um Deus que legitima iniquidade não é o Deus de Jesus. Conforme a Bíblia, “oferecer a Deus orações e ofertas baseadas em injustiças, é como tirar a vida de um filho imaginando que assim se agradaria ao pai” (Eclo 34, 18 ss).

É verdade que 2020 tem sido um ano de muitos desafios e de imensos sofrimentos para toda a sociedade. Como o papa Francisco chamou a atenção em sua carta encíclica Somos todos irmãos e irmãs, a pandemia pôde ceifar mais vidas e trazer mais sofrimentos porque a maioria dos países tinha desarticulado o seu sistema público de saúde e a solidariedade internacional quase não funcionou. O vírus contagia, por igual a pobres e ricos. No entanto, encontra mais vítimas entre as pessoas que vivem amontoadas em habitações irregulares, sem saneamento básico, sem acesso à água potável e sem condições mínimas de se protegerem. 

De todo modo, temos muitos motivos para dar graças e para reconhecer a ação divina atuando na nossa vida. A ação de graças é boa e deve ser uma atitude permanente de quem crê, mas se nos deixamos realmente mover pelas orientações de amor do Espírito de Deus. Podemos agradecer a resistência cotidiana do nosso povo, os gestos e manifestações de solidariedade que crescem nas periferias e nos ambientes humanos mais desafiadores. Podemos agradecer o fato de que ainda quando a realidade parece sem saída, optamos sempre por alimentar a esperança.  

Quem procura ligar fé e vida aprende a discernir nos acontecimentos do dia a dia os sinais da presença íntima e discreta do Espírito que atua através das pessoas que aceitam ser instrumentos da atuação divina. Mesmo no meio das situações mais adversas, é possível esperar contra tudo o que seria a expectativa normal. A realidade é, de fato, problemática. No entanto, optamos por crer. Por isso vivemos a esperança da realização do projeto divino no mundo e ninguém poderá nos roubar a confiança de que o reino de Deus virá. Isso se concretizará aqui e agora, no fato de que outro mundo será, sim, possível. Conforme o apóstolo, essa esperança tem três características: não se corrompe, não se desgasta, nem se dilui (1 Pd 1, 3- 12). Ela nos convoca a nos manter unidos/as em comunidades e a antecipar nos sinais da celebração litúrgica aquilo que queremos viver no dia a dia do mundo: a comunhão.

 A cada ano, quatro semanas antes do Natal, portanto, a partir do próximo domingo, as Igrejas cristãs mais antigas começam um novo ciclo de celebrações que formam o chamado “ano litúrgico”, com o tempo chamado “Advento”. Seu objetivo é preparar a festa do Natal e realimentar nas pessoas a esperança da realização do projeto divino de paz e justiça eco-social aqui e agora.  


 Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br

 

 

sábado, 21 de novembro de 2020

AS RELIGIÕES E OS VALORES ÉTICOS DE BASE COMUM


Pe Fabio Potiguar dos Santos


 

O diálogo inter-religioso é um imperativo para todas as expressões religiosas do mundo.  Seja para conservar autenticamente a proposta de cada uma das religiões como espaço do encontro da pessoa com Deus ou o sagrado, consigo mesmo, com todas as mulheres e homens – especialmente os irmãos e irmãs que compartilham a mesma fé e vivência – e com o cosmos.

 

Encontro este norteado pelos princípios místicos, éticos e morais; bem como para ser no mundo uma presença e instrumento de promoção da dignidade da pessoa humana, da justiça, o cuidado com a Casa Comum, da fraternidade e da paz. Abraço do bem com o belo, comunhão ética e estética.

 

As religiões são assim, lugares do encontro do homem com Deus, com os seus companheiros de humanidade e uma relação de alteridade com o meio ambiente. Individual e coletivamente os seus membros deverão viver e celebrar os seus mistérios e o que lhes foi revelado dentro de seus próprios espaços sagrados no santuário do coração e da consciência e naqueles construídos como o lugar do culto. Deste modo, respeitadas todas as especificidades litúrgicas, particularidades morais e singularidade doutrinal, sem perder e anular aquilo que lhe é próprio, em meio a poucas ou muitas divergências, cada religião tem o compromisso – para apresentar-se à sociedade como boa e verdadeira – do diálogo e de ações conjuntas com as demais, a partir do ponto de convergência e matriz de todas elas que são, sem sombra de dúvidas, Os valores éticos comuns de base,como a mística, o amor, a felicidade, a justiça social, a paz nos corações e no mundo.

 

Nesta crise mundial de valores as religiões desempenham um papel, intrínseco e obrigatório de ser no mundo um lugar do encontro com uma orientação básica,  quando as mais diversas expressões de fé se reúnem para apresentar a imagem de Deus ou do sagrado, e não sua perversa caricatura, apresentar aqueles princípios milenares acima mencionados - nem alienados nem alienantes -  ao mesmo tempo tão contemporâneo e ainda a partir de suas fontes mostram-nos o verdadeiro rosto da pessoa humana, onde o homem torna-se mais homem e a mulher mais mulher, enfim, a pessoa humana mais pessoa e mais humana; Repito, ínsito e teimo: as religiões desempenham um papel, intrínseco e obrigatório,  -  de não obstante todas as suas contradições e apesar de todas as grandes objeções postas legitimamente pelos crentes com autocrítica aguçada, os materialistas históricos, os ateus e agnósticos por razões ideológicas, científicas, filosóficas, psicológicas e outras -  de ser no mundo um lugar do encontro com uma orientação básica, como diria Hans Küng, para as grandes perguntas sobre o homem e a mulher: de onde, porquê e para quê – uma orientação básica para a vida individual e social. Sem negar a ciência, mas dialogando com ela, afirma ainda o teólogo suíço, as religiões podem apresentar sem equívocos, não um Deus contra a humanidade, mas sim como um Deus a favor da humanidade.

 Podemos a partir dessas quatro premissas da religião como possibilidade do encontro da pessoa com Deus, consigo, com os outros e o cosmos, afirmar a exigência de todas elas reunidas, ser no mundo,  um importante instrumento, em permanente diálogo com outros protagonistas, através do que convencionamos chamar de Diálogo Inter-religioso, para movimentar as pessoas e o mundo na busca de uma ética mundial (respeitadas toda diversidade cultural e geográfica) e na práxis da fraternidade, da justiça e da paz.

 Padre Fabio Potiguar Santos Capelão das Fronteiras, membro da Comissão de Justiça e Paz e coordenador da Comissão para o Ecumenismo e o Diálogo Inter- religioso da Arquidiocese de Olinda e Recife

 

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

LAMENTO DE CATIVEIRO E DE LIBERTAÇÃO: DIA DO ASSASSINATO DO NEGRO JOÃO ALBERTO FREITAS EM PORTO ALEGRE, NO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA


                         

                                             Leonardo Boff


Lamento de cativeiro e de libertação

 

Neste dia, 20 de novembro de 2020, quando celebramos o dia da consciência negra, dia de reflexão contra o racismo e de reconhecimento da dignidade da população negra no Brasil (mais da metade da população), foi covardemente assassinado, a pancadas e sufocado até à morte, o negro João Alberto Freitas, de 40 anos, por dois seguranças e um policial num Carrefour de Porto Alegre. As cenas mostram inominável brutalidade e covardia e revelam todo o racismo presente em setores da sociedade e o quanto desumandos e cruéis podemos ser.

Em homenagem a João Alberto Freitas republico um texto lançado tempos atrás mas que guarda permanente atualidade

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A Paixão de Cristo continua pelos séculos afora no corpo dos crucificados. Jesus agonizará até o fim do mundo, enquanto houver um único de seus irmãos e irmãs que esteja ainda pendendo de alguma cruz, à semelhança dos bodhisatwas budistas (os iluminados) que param no umbral do Nirvana para retornarem ao mundo da dor –samsara – em solidariedade com quem sofre, pessoas, animais e plantas. Nesta convinção, a Igreja Católica, na liturgia da Sexta-feira Santa, coloca na boca do Cristo estas palavras pungentes:

”Que te fiz, meu povo eleito? Dize em que te contristei! Que mais podia ter feito, em que foi que te faltei? Eu te fiz sair do Egito, com maná de alimentei. Preparei-te bela terrra, tu, a cruz para o teu rei”.

Celebrando a abolição da escravatura a 13 de maio de 1888, nos damos conta de que ela não foi completada ainda. A paixão de Cristo continua na paixão do povo negro. Falta a segunda abolição, da miséria e da fome. Ouvem-se ainda os ecos dos lamentos de cativeiro e de libertação, vindos das senzalas, hoje das favelas ao redor de nossas cidades. A população negra ainda nos fala em forma de lamento:

“Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!

Eu te inspirei a música carregada de banzo e o ritmo contagiante. Eu te ensinei como usar o bumbo, a cuica e o atabaque. Fui eu que te dei o rock e a ginga do samba. E tu tomaste do que era meu, fizeste nome e renome, acumulaste dinheiro com tuas composições e nada me devolveste.

Eu desci os morros, te mostrei um mundo de sonhos, de uma fraternidade sem barreiras.Eu criei mil fantasias multicores e te preparei a maior festa do mundo: dancei o carnavalpara ti. E tu te alegraste e me aplaudiste de pé. Mas logo, logo, me esqueceste, reenviando-me ao morro, à favela, à realidade nua e crua do desemprego, da fome e da opressão.

Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!

Eu te dei em herança o prato do dia-a-dia, o feijão e o arroz. Dos restos que recebia, fiz a jeijoada, o vatapá, o efó e o acarajé: a cozinha típica do Brasil. E tu me deixas passar fome. E permites que minhas crianças morram famintas ou que seus cérebros sejam irremediavelmente afetados, infantilizando-as para sempre.

Eu fui arrancado violentamente de minha pátria africana. Conheci o navio-fantasma dos negreiros. Fui feito coisa, peça, escravo. Fui a mãe-preta para teus fihos. Cultivei os campos, plantei o fumo e a cana. Fiz todos os trabalhos. Fui eu que construi a belas igrejas que todos admiram e os palácios que os donos de escravos habitavam. E tu me chamas de preguiçoso e me prendes por vadiagem. Por causa da cor da minha pele me discriminas e me tratas ainda como se continuasse escravo.

Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo:que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!

Eu soube resistir, consegui fugir e fundar quilombos: sociedades fraternais, sem escravos, de gente pobre mas livre, negros, mestiços e brancos. Eu transmiti apesar do açoite em minhas costas, a cordialidade e a doçura à alma brasileira. E tu enviaste o capitão do moto para me caçar como bicho, arrasaste meus quilombos e ainda hoje impedes que a abolição da miséria que escraviza, seja para sempre verdade cotidiana e efetiva.

Eu te mostrei o que significa ser templo vivo de Deus. E, por isso, como sentir Deus no corpo cheio de axé e celebrá-lo no ritmo, na dança e nas comidas. E tu reprimiste minhas religiões chamando-as de ritos afro-brasileiros ou de simples folclore. Invadiste meus terreiros, jogando sal e destruindo nossos altares. Não raro, fizeste da macumba caso de polícia. A maioria dos jovens assassinados nas periferias, na idade entre 18 e 24 anos são negros, pelo fato de serem negros ou suspeitos de estarem a serviço das máfias da droga. A maioria deles são simples trabalhadores.

Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo:que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!

Quando com muito esforço e sacrifício consegui ascender um pouco na vida, ganhando um salário suado, comprando minha casinha, educando meus filhos, cantando o meu samba, torcendo pelo meu time de estimação e podendo tomar no fim de semana uma cervejinha com os amigos, tu dizes que sou um negro de alma branca diminuindo assim o valor de nossa alma de negros dignos e trabalhadores. E nos concursos em igual condição quase sempre tu decides em favor de um branco.

E quando se pensaram políticas que reparassem a perversidade histórica, permitindo-me o que sempre me negaste, estudar e me formar nas universidades e nas escolas técnicas assim melhorar minha vida e de minha família, a maioria dos teus grita: é contra a constituição, é uma discriminação, é uma injustiça social.

Meu irmão branco, minha irmã branca, meu povo: Que te fiz eu e em que te contristei? O que fizeste com meu irmão João Alberto Freitas, covardemente assassinado a pancadas por dois seguranças e um policial num Carrefour de Porto Alegre-RS. Responde-me!”

Com muito axé e amorosidade

Leonardo Boff teólogo, filósofo e escritor

 

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

POR JUSTA REFORMA TRIBUTÁRIA

 

Frei Betto


        Se a sociedade não se mobilizar, a reforma tributária proposta por Bolsonaro-Guedes promete tirar, a cada ano, R$ 32 bilhões dos trabalhadores com carteira assinada ao diminuir, de 8% para 6%, a contribuição patronal para o FGTS. (…)   É hora de o Brasil reagir. Deixar a banda ou a boiada passar é enfiar o pescoço (e o bolso) na guilhotina.

 

       A pandemia não apenas provocou crise sanitária no Brasil, mas aprofundou também a social. A pobreza aumenta. Dados divulgados pelo IBGE em 12/11 revelam que, em 2019, 51,7 milhões de brasileiros viviam na pobreza. Na extrema pobreza se encontravam 13,6 milhões de pessoas, com renda per capita inferior a R$ 151 mensais. Somos o nono país mais desigual do mundo.

       O governo não tem política econômica, a inflação está de volta, a precarização do trabalho e a perda de empregos causam redução de renda e ampliam a miséria. Nem são precisos dados do IBGE. Basta circular pelas cidades e se deparar com o crescente número de pessoas desamparadas.

       Hoje, em nosso país, 45,3 milhões de pessoas vivem em domicílios sem banheiro; 11 milhões dormem  com mais de três pessoas no mesmo quarto; 53 milhões não dispõem de saneamento básico; e 76 milhões ganham, no máximo, R$ 534 por mês. Dados dos indicadores sociais do IBGE/2019. 

       Honra e mérito a Eduardo Suplicy em sua luta incansável, há décadas, em prol da renda básica da cidadania, viável até mesmo como medida global. Se dividirmos o PIB Mundial (calculado em cerca de US$ 84 trilhões) pelos 7,2 bilhões de habitantes do planeta, chegaremos ao valor per capita de US$ 11.667,00. 

       É possível assegurar a cada brasileiro uma renda básica mensal? Sim, solução existe; não há é vontade política de implementá-la: tributar grandes fortunas, altos rendimentos, e grandes propriedades urbanas e rurais.

       Segundo Maria Regina Paiva Duarte, diretora do Instituto Justiça Fiscal, uma reforma tributária solidária, que taxe grandes fortunas e acabe com a desoneração a megaempresas, geraria justiça fiscal e receita anual de R$ 270 bilhões ao país, quantia que poderia ser revertida para a renda básica.

       De acordo com a revista Forbes, em 2012 o Brasil tinha 74 bilionários com patrimônio declarado de R$ 346 bilhões; em 2019, eram 206 com mais de R$ 1,2 trilhão. Os 10% mais ricos da população concentram em mãos 43% da riqueza nacional, enquanto os 10% mais pobres apenas 1%. Se esses bilionários forem tributados conforme sua capacidade de contribuir, esses recursos poderiam ser deslocados para políticas públicas de redução de desigualdade.

       Dados publicados pela Receita Federal, referentes às declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas de 2018, mostram que somente 0,2% dos contribuintes (60 mil pessoas) declarou bens acima de R$ 10 milhões. Estimativa conservadora indica que, aplicado o imposto apenas sobre a riqueza que ultrapassar esse limite, seria possível arrecadar aproximadamente R$ 40 bilhões ao ano.

       Outra medida que pode gerar recursos e contribuir para reduzir a injustiça tributária é modificar as faixas de alíquotas da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, introduzindo alíquotas de 35%, 40% e 45% para rendas superiores a 40, 80 e 100 salários mínimos mensais, e aumentar o limite inferior de isenção de 2 para 3 salários mínimos mensais, desonerando mais de 10 milhões de contribuintes.

       A injustiça tributária no Brasil precisa ser corrigida, o que poderia ser feito com a isenção de impostos sobre lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a seus sócios, que vigora desde 1995. Para se ter uma ideia do que esta prática resulta, quem ganha mais de R$ 300 mil por mês tem 70% de sua renda livre de impostos. E a maior parte das rendas muito altas decorre de lucros e dividendos distribuídos. É preciso acabar com essa desoneração, que só existe no Brasil e na Estônia. Esses rendimentos precisam ser submetidos à tabela do imposto de renda de pessoas físicas por isonomia de tratamento com rendimentos assalariados. É uma óbvia questão de justiça.

       Duas outras medidas seriam a criação de uma contribuição social sobre rendas altas, de 10%, com incidência imediata sobre os rendimentos das pessoas físicas que ultrapassarem R$ 600 mil mensais, e o aumento da alíquota máxima do imposto sobre heranças e doações para 30%.

       Os valores estimados de arrecadação com a adoção de todas essas medidas somariam R$ 270 bilhões. Uma tributação progressiva e, portanto, mais justa. Focar a diminuição da desigualdade apenas nos gastos com os mais pobres, como o Bolsa Família e o auxílio emergencial, revelou-se insuficiente nos últimos anos, além de não enfrentar a escandalosa concentração de renda e riqueza em nosso país.

       Se a sociedade não se mobilizar, a reforma tributária proposta por Bolsonaro-Guedes promete tirar, a cada ano, R$ 32 bilhões dos trabalhadores com carteira assinada ao diminuir, de 8% para 6%, a contribuição patronal para o FGTS. 

       Propõe ainda acabar com as deduções no imposto de renda com despesas médicas e de educação, para o governo abocanhar, por ano, mais R$ 20 bilhões. 

       O governo pretende também substituir o PIS/Cofins pelo CBS (Contribuições sobre Operações com Bens e Serviços), o que aumentará a carga tributária da classe média, pois irá onerar sobretudo quem paga escolas e cursos, e profissionais liberais em geral, como terapeutas, advogados, arquitetos, e os que trabalham na área da saúde. 

       E uma nova CPMF haverá de reduzir o poder de compra do brasileiro e o rendimento das aplicações financeiras. Em 2019, a Receita Federal estimou que os 12,9 milhões de declarantes do imposto de renda deixaram de pagar R$ 4,6 bilhões devido à dedução com instrução, e outros R$ 15,5 bilhões com a dedução de despesas de saúde. 

       É hora de o Brasil reagir. Deixar a banda ou a boiada passar é enfiar o pescoço (e o bolso) na guilhotina.

 

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de quarentena” (Rocco), entre outros livros.

 Frei Betto é autor de 69 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

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