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sexta-feira, 5 de maio de 2023

Princípio-bondade: um projeto de vida

                                        Leonardo Boff


Em termos de ética, não se deve ajuizar os atos apenas tomados em si mesmos. Eles remetem a um projeto de fundo. São  concretizações desse projeto fundamental.

Todo ser humano de forma explícita ou implícita é orientado por uma decisão básica. É ela que confere valor ético e moral aos atos que pavimentam a sua vida. Portanto, é esse projeto fundamental que deve ser tomado em conta e ajuizá-lo se é bom ou mau. Como ambos sempre vem mesclados, qual é o dominante que se traduz por atos que definem uma direção na vida. Preservada fica a constatação de que bem e mal sempre andam juntos. Dizendo em outras palavras: a realidade sempre é ambigua e acolitada pelo bem e pelo mal. Nunca há somente o bem de um lado e do outro, o mal.

A razão disso reside no fato de que nossa condição humana, por criação e não por deficiênca, é sempre sapiente e demente, sombria e luminosa, com pulsões de vida e com pulsões de morte. E isso simultaneamente, sem podernos separar, como diz o Evangelho, o joio do trigo.

Não obstante esta ambiguidade, o que conta mesmo é a dimensão predominante, se luminosa ou sombria, se bondosa ou maldosa. É aqui que se funda o projeto fundamental da vida. Ele define a direção e faz um  caminho caminhando. Esse caminho pode conhecer desvios, pois é assim a condição ambigua humana, mas sempre pode voltar à direção definida como fundamental.

Os atos ganham valor ético e moral a partir desse projeto fundamental. É ele que se afirma diante do tribunal da consciência, e para pessoas religiosas, é ele que é julgado por Aquele que conhece nossas intenções mais secretas e confere o corresponde valor ao projeto fundamental.

Sejamos concretos: alguém se põe na cabeça que   quer ser, a todo custo.rico.Todos os meios para tal projeto são tidos por válidos: esperteza,enganações, rupturas de contratos, golpes financeiros e apropiando-se  de verbas públicas, falsificando dados, aumentndo-lhes o valor real e fazendo as obras sem a qualidade exigida. Seu projeto é acumular bens e ser rico. É o princípio-maldade, mesmo que aqui e acolá faça algum bem e quando é muito rico, ajude até a projetos beneficentes. Mas sempre que não comprometam seu projeto básico de ser rico.

Outro se propõe como projeto fundamental ser sempre bom, procurar a bondade nas pessoas e tentar que seus atos se alinhem nesta direção de bondade. Como é humano, nele também pode haver atos maus. São desvios do projeto mas não são de tal envergadura que destruam o projeto fundamental de ser bom. Dá-se conta de seus atos maldosos, corrige-se, pede perdão e retoma o caminho de vida definido: procurar ser bom. Isso implica sempre ser, cada dia, melhor e nunca desistir face às dificuldades e quedas pessoais. O decisivo é reassumir o princípio-bondade que sempre pode crescer indefinidamente. Ninguém é bom até certo ponto e depois pára por estimar que atingiu o seu fim. A bondade bem como outros valores positivos não conhecem limitações.

Em nosso país temos vivido, incluindo multidões, sob o princípio-maldade. A partir desse princípio tudo valia:a mentira, as fake news,a calúnia e a destruição de biografias que, notoriamente, eram boas. Foram usadas de forma abusiva as mídias digitais, inspiradas no princípio-maldade. Em razão disso, milhares foram vitimados pelo Covid-19 quando poderiam ter sido salvos. Indígenas,como os yanomami,foram tidos como sub-humanos e,intencionalmente, abandonados à própria sorte. Nesses fatídicos anos de vigência do princípio-maldade mais de 500 crianças yanomai morreram por fome e doenças derivadas da fome. Desmontaram-se as principais instituições deste país como a saúde, a educação, a ciência e o cuidado da natureza. Por fim de forma insidiosa tentou-se um golpe de estado visando destruir a democracia e impor um regime ditatorial, culturalmente retrógrado e eticamente perverso por claramente exaltar a tortura.

Neles havia também o princípio-bondade mas foi recalcado ou coberto de cinzas por atos maldosos que impediam sua vigência, sem, contudo, nunca destrui-lo totalmente porque pertence à essência do humano.

Mas o princípio-bondade, no final das contas, sempre acaba triunfando. A chama sagrada que arde dentro de cada um, jamais pode ser apagada. É ela que sustenta a resistência, inflama a crítica e confere a força invencível do justo e do reto. À brutalidade do princípio-maldade, se impôs resolutamente o princípio-bondade que vinha sob o signo da democracia, do estado de direito e do respeito aos valores fundamentais do cidadão.

Apesar de todas as artimanhas, violências, atentados, ameaças e uso vergonhoso dos aparatos de estado, comprando literalmente a vontade das pessoas ou impedindo-as de  manifestar seu voto, os que se orientavam pelo princípio-maldade, foram derrotados. Mas  jamais até hoje reconhecerem  a derrota. Eles continuam sua ação destrutiva que hoje ganhou dimensões planetárias com o ascenso da extrema-direita. Mas devem ser contidos e ganhá-los pelo despertar do princípio-bondade que se encontra neles. Eles, julgados e até punidos, terão que aprender a bondade da vida e o bem de todo um povo e dar a sua contribuição.

Na história conhecemos tragédias dos que se aferraram ao princípio-maldade a ponto de darem fim à sua própria vida, ao invés de, humildemente, resgatarem o princípio-bondade e sua humanidade mais profunda.

Talvez inspira-nos, neste final, as palavra poéticas de um autor anônimo por volta dos anos 900 e cantado na festa cristã de Pentecostes. Refere-se ao Espírito que sempre age na natureza e na história:

“Lava o que é sórdido/Irriga o que é árido/Sana o que é doente.

Dobra o que é rígido/Aquece o que é gélido/Guia o desorientado”

Leonardo Boff escreveu O Espírito Santo: fogo interior, doador de vida e pai dos pobres,Vozes 2013.

 

quarta-feira, 3 de maio de 2023

POR QUE O MST ASSUSTA TANTO?

 Frei Betto 


 

       O MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), que vi nascer e ao qual permaneço vinculado, é o mais popular, combativo e democrático movimento popular do Brasil. Congrega, hoje, cerca de 500 mil famílias assentadas e 100 mil acampadas. Luta por um direito elementar, jamais efetivado no Brasil, um país de dimensões continentais e onde há muita gente sem terra e muita terra sem gente – a reforma agrária.

       É, no mínimo, uma vergonha constatar que no século XXI os únicos países que não fizeram reforma agrária na América Latina foram Brasil, Argentina e Uruguai. O modelo de propriedade da terra que ainda perdura em nosso país é o das capitanias hereditárias. E a relação de muitos proprietários de terras com seus empregados pouco difere dos tempos de escravidão.

       Nascido em 1984 e prestes a completar 40 anos em 2024, o MST sabe, desde seus primórdios, que governo é como feijão, só funciona na panela de pressão... Ainda que tenha contribuído decisivamente para eleger Lula presidente, o MST jamais se deixou cooptar pelo governo. Mantém a sua autonomia e sabe muito bem que a relação de governo com movimentos sociais não pode ser de “correia de transmissão” e, sim, de representação das bases sociais junto às instâncias governamentais. Muitos políticos enchem a boca com a palavra “democracia”, mas temem que passe de mera retórica para ser, de fato, um governo cujo principal protagonista é o povo organizado.

       O MST se destaca também pelo cuidado que dedica à formação política de seus militantes, o que muitos movimentos e partidos de esquerda negligenciam. Os sem-terra mantêm, inclusive, um espaço próprio para o trabalho pedagógico, a Escola Florestan Fernandes, em Guararema (SP). E em todos os eventos que promove, o movimento valoriza a “mística”, ou seja, atividades lúdicas (cantos, hinos, painéis etc.) e símbolos (fotos, artesanato etc.) de caráter emulador. 

 

       O MST segue rigorosamente os ditames da Constituição Cidadã de 1988. A Carta defende o uso social da terra, que deve respeitar o meio ambiente e ser produtiva. E exige algo ainda em compasso de espera e imprescindível se o Brasil quiser alcançar o desenvolvimento sustentável e abandonar sua submissão aos ditames das nações metropolitanas, que nos impõem a mera condição de exportadores de produtos primários, hoje elegantemente chamados de “commodities”...

       Ocupação não é invasão. Jamais o MST ocupa terras produtivas. Hoje, o movimento é o maior produtor de arroz orgânico na América Latina e defende a Reforma Agrária Agroecológica, capaz de facilitar o acesso à terra como direito humano; produzir alimento saudável e sustentável para toda a sociedade brasileira; oferecer ao mercado  alimentos salubres e livres de agrotóxicos; valorizar o papel da mulher trabalhadora do campo; expandir o número de cooperativas de agroecologia; e ampliar a soberania e a biodiversidade alimentares no combate à fome e à insegurança alimentar. 

       A campanha do “Abril Vermelho” não usa o adjetivo como evocação da cor preferida dos símbolos comunistas (e, também, das vestes solenes dos cardeais), como querem interpretar os detratores do MST. É, sim, a cor do sangue dos 19 sem-terra cruelmente assassinados pela Polícia Militar em Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, a 17 de abril de 1996. Sete vítimas foram mortas por foices e facões, e os demais por tiros à queima-roupa. 

       Cerca de 100 mil famílias aguardam assentamento no Brasil. E é no mínimo um desserviço o agronegócio promover o desmatamento de nossas florestas para expandir a fronteira agrícola, usufruir de isenção fiscal na exportação de seus produtos e concentrar sua produção em apenas cinco mercadorias: soja, milho, trigo, arroz e carne, controladas por grandes empresas transnacionais. 

       A fome cresce no mundo. Já são quase 1 bilhão de pessoas afetadas. E isso não resulta da falta de alimentos. O planeta produz o suficiente para alimentar 12 bilhões de bocas. Resulta da falta de justiça. No sistema capitalista, o faminto morre na calçada à porta do supermercado. Porque o alimento tem valor de troca e não de uso. Ora, enquanto a produção alimentar não seguir os padrões agroecológicos e a terra e a água, recursos naturais limitados, não forem considerados patrimônios da humanidade, a desigualdade tende a se agravar e, com ela, toda sorte de conflitos. Paz rima com pão.

       O MST assusta tanto porque luta para que o Brasil, uma das nações mais ricas do mundo, e que figura entre as cindo maiores produtoras de alimentos, deixe de ser um país periférico, colonizado, marcado por abissal desigualdade social. 

       Tomara que, um dia, nunca mais se torne realidade os versos cantados por João Cabral de Melo Neto em “Funeral de um lavrador”: “Não é cova grande / É cova medida / É a terra que querias / Ver dividida”. 

 

Frei Betto é escritor, autor de “O marxismo ainda é útil?” (Cortez), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

 

terça-feira, 2 de maio de 2023

Convite para um Mutirão da Profecia

 Marcelo Barros


No mundo, o Brasil continua sendo um dos países campeões em desigualdade social. Neste panorama, muitos ministros e grupos pentecostais, evangélicos e católicos dão testemunho de um Deus que não é Amor e legitima o ódio, a violência e as discriminações sociais.  As pesquisas revelam que entre os dez brasileiros mais ricos do mundo, dois se dizem pastores de Igrejas cristãs.

Infelizmente, alguns grupos católicos e evangélicos, inclusive parte do clero e de pastores não ligam a fé com a justiça e apoiam políticas contrárias aos direitos da população mais pobre. Nas paróquias e comunidades locais, promovem um tipo de devocionalismo superficial de caráter espiritualista, que parece inocente, mas encobre um ritualismo religioso que tenta abafar a profecia da fé e legitimar a sociedade injusta e desumana.

Diante disso, é bom recordar a proposta que, em 1968, os bispos católicos da América Latina afirmaram: “Que se apresente cada vez mais nítido, na América Latina, o rosto de uma Igreja pobre, missionária e pascal, desligada de todo poder temporal e corajosamente comprometida na libertação de cada ser humano e de toda a humanidade” (Medellin. 5, 15).

Atualmente, não basta mais que nossas Igrejas falem em “pastoral da dimensão sócio-transformadora da fé, até porque, se a fé cristã vem de Jesus, o modo dele viver a fé tem a profecia como eixo fundamental e estruturante de toda a sua vida e sua ação. Para reafirmar isso, em várias regiões do Brasil, cristãos e cristãs de várias Igrejas se mobilizam e convidam pessoas de todas as religiões para, juntos, renovar o compromisso das Igrejas e religiões com a libertação de toda a humanidade e da mãe-Terra. 

Há quase 60 anos, durante o Concílio Vaticano II, um grupo de bispos católicos assumiram um compromisso de assumirem a pobreza evangélica e a comunhão com os pobres como estilo de vida e jeito de ser da Igreja. Em 2019, em Roma, durante o Sínodo para a Amazônia, bispos, padres, missionários e pastores evangélicos, junto com representantes dos povos originários renovaram esse mesmo compromisso de comunhão com os pobres e “por uma Igreja com rosto amazônico, pobre e servidora, profética e samaritana”.

Em nossos dias, essa proposta se atualiza pelo convite a um mutirão da profecia. Até o dia 7 de setembro, dia nacional do Grito dos Excluídos, os grupos cristãos e até núcleos ligados a outras expressões de fé são convidados a expressar, do modo que quiserem e da forma que desejarem, o caráter profético da sua espiritualidade. O importante é que renovem sua aliança com as categorias mais pobres de nossa população e com o cuidado com a mãe-Terra e com a Ecologia Integral. 

 

PALAVRAS DE PEDRO: Carta de Dom Pedro Casaldáliga

 



 

Camaradas do MST

Unimo-nos a todos os presentes para comemorar o trigésimo aniversário do MST e do décimo aniversário da Escola Nacional Florestan Fernandes.

Você faz uma lembrança, que é um gesto essencial para trilhar o caminho da história, assumiu de forma responsável e auto-crítica. Nós nos reunimos estes 30 anos de desafios do MST, vitórias, fracassos, testemunhas de tantos irmãos e irmãs que têm dado, com a experiência da vida cotidiana e com um gesto de "amor maior", um passo decisivo para a sociedade alternativa da qual nós sonhar.

É hora de pegar a bandeira de um MST apaixonado e na companhia de forças políticas, sociais e culturais que absorvem o conselho do sertão

Você sabe que o "essencial é a travessia."

Com uma esperança inabalável sabemos que são superados por uma causa invencível.

Eu peço para você, para todos os que estão no caminho, a bênção do Deus de Deus da Terra, de Vida e do Amor.

 

Pedro Casaldáliga, São Félix do Araguaia, 20 de janeiro de 2015

#Casaldàliga!

#PedroCasaldáligaPresente!

#PereCasaldàliga

#NãoQueremosGuerraQueremosPaz!

#euapoiooMST

#ReformaAgráriaJá

#VivaOMST

#TôComMST

segunda-feira, 1 de maio de 2023

O trabalho é nosso


Luiz Carlos Bezerra  




 

O trabalho dignifica a pessoa

Ele é produção  que nos afeiçoa

Sua força e seu poder nos fazem bem.

Deus nos faz  um ser de grande potência

Ninguém possui a mesma equivalência

De dar  inteligência a ninguém

 

Se nossa produção é dom Deus

Se é obra criadora do divino

Devem os trabalhadores de Zeus

Verem que o trabalho traça o destino

 

Quando um trabalhador fica sozinho

Seu clamor por justiça vem do ninho,

Se transforma em cadeia pessoal,

Suspende nossa cadeia vital,

E nos torna um produtor marginal,

Pobre em relação interpessoal

 

O poder do dono do capital,

Um egotista e explorador-brutal

Do valor do trabalho se apodera

Empobrece a classe trabalhadora

Mas não  tira nossa ação produtora

Nem a nossa luta libertadora

 

Recife, 01 de maio de 2023.


 

Dia de luta e resistência da classe trabalhadores . Celebremos