O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

FELIZ ANO-NOVO


Por Frei Betto



Por que desejar Feliz Ano-Novo se há tanta infelicidade à nossa volta? Será feliz o próximo ano para sírios e iraquianos, e os soldados usamericanos sob ordens de um presidente que qualifica de “justas” guerras de ocupações genocidas? Serão felizes as crianças africanas reduzidas a esqueletos de olhos perplexos pela tortura da fome? Seremos todos felizes, conscientes dos fracassos da conferência do clima em Paris por empresas e governos que salvam a lucratividade e comprometem a sustentabilidade?

 O que é felicidade? Segundo Aristóteles, é o bem maior que todos almejamos. E alertou meu confrade Tomás de Aquino: mesmo ao praticarmos o mal. De Hitler a madre Teresa de Calcutá, todos buscam, em tudo que fazem, a própria felicidade.

  A diferença reside na equação egoísmo/altruísmo. Hitler pensava em suas hediondas ambições de poder. Madre Teresa, na felicidade daqueles que Frantz Fanon denominou “condenados da Terra”.

A felicidade, o bem mais ambicionado, não figura nas ofertas do mercado. Não se pode comprá-la, há que conquistá-la. A publicidade empenha-se em nos convencer de que resulta da soma dos prazeres. Para Roland Barthes, o prazer é “a grande aventura do desejo”. 

 Estimulado pela propaganda, nosso desejo exila-se nos objetos de consumo. Vestir esta grife, possuir aquele carro, morar neste condomínio de luxo – reza a publicidade – nos fará felizes.

 Desejar Feliz Ano-Novo é esperar que o outro seja feliz. E desejar que também faça os outros felizes. O pecuarista que não banca assistência médico-hospitalar para seus peões e gasta fortunas com veterinários para tartar de seu rebanho espera que o próximo tenha também um Feliz Ano-Novo? Na contramão do consumismo, Jung dava razão a são João da Cruz: o desejo busca, sim, a felicidade, “a vida em plenitude” manifestada por Jesus, mas ela não se encontra nos bens finitos ofertados pelo mercado. Como enfatizava o professor Milton Santos, acha-se nos bens infinitos.

A arte da verdadeira felicidade consiste em canalizar o desejo para dentro de si e, a partir da subjetividade impregnada de valores, imprimir sentido à existência. Assim, consegue-se ser feliz mesmo quando há sofrimento. Trata-se de uma aventura espiritual. Ser capaz de garimpar as várias camadas que encobrem o nosso ego.

 Porém, ao mergulhar nas obscuras sendas da vida interior, guiados pela fé e/ou pela meditação, tropeçamos nas próprias emoções, em especial naquelas que traem a nossa razão: somos ofensivos com quem amamos; rudes com quem nos trata com delicadeza; egoístas com quem é generoso conosco; prepotentes com quem nos acolhe em solícita gratuidade. Se logramos mergulhar mais fundo, além da razão egótica e dos sentimentos possessivos, então nos aproximamos da fonte da felicidade, escondida atrás do ego. Ao percorrer as veredas abissais que nos conduzem a ela, os momentos de alegria se consubstanciam em estado de espírito. Como no amor.

 Feliz Ano-Novo é, portanto, um voto de emulação espiritual. Claro, muitas outras conquistas podem nos dar prazer e alegre sensação de vitória. Mas não são o suficiente para nos fazer felizes. Melhor seria um mundo sem miséria, desigualdade, degradação ambiental, políticos corruptos!

Essa infeliz realidade que nos circunda, e da qual somos responsáveis por opção ou omissão, constitui um gritante apelo para nos engajarmos na busca de “um outro mundo possível”. Contudo, ainda não será o Feliz Ano-Novo. 
O ano será novo se, em nós e à nossa volta, superarmos o velho. E velho é tudo aquilo que já não contribui para tornar a felicidade um direito de todos. À luz de um novo marco civilizatório há que superar o modelo produtivista-consumista e introduzir, no lugar do PIB, a FIB (Felicidade Interna Bruta), fundada em uma economia solidária.

  Se o novo se fizer advento em nossa vida espiritual, então com certeza teremos, sem milagres ou mágicas, um Feliz Ano-Novo, ainda que o mundo prossiga conflitivo; a crueldade, travestida de doces princípios; o ódio, disfarçado de discurso amoroso.

 A diferença é que estaremos conscientes de que, para se ter um Feliz Ano-Novo, é preciso abraçar um processo ressurrecional: engravidar de si mesmo, virar-se pelo avesso e deixar o pessimismo para dias melhores.


Frei Betto é escritor, autor do romance “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
 Copyright 2015 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com
  http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.

Você acaba de ler este artigo de Frei Betto e poderá receber todos os textos escritos por ele - em português, espanhol ou inglês - mediante assinatura anual via mhgpal@gmail.com

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

FELIZ ANO NOVO PARA O POVO BRASILEIRO


Por Marcelo Barros


Os votos de feliz ano novo que, nesses dias, costumamos dar uns aos outros, dificilmente se tornarão reais, se o Brasil não conseguir superar a crise social, política, econômica, ecológica e cultural que  o ameaça. Esperamos que nesse ano que passou, nossa presidenta tenha aprendido que governo não é instrumento musical que se pega com a mão esquerda e se toca com a direita. Quem vem da esquerda e faz isso corre o risco de ser abandonada pela esquerda que a apoiou. Ao mesmo tempo, mesmo com todos os seus agrados, não consegue conquistar a direita que jamais aceita perder o poder. 

No caso da elite brasileira, por sua natureza, essencialmente, depredadora, sempre rejeitará qualquer pessoa que vier de uma tradição mais popular. Mesmo sem ter muitas perspectivas pela frente, os movimentos sociais e as pessoas mais conscientes sabem que solução nenhuma virá do impedimento da presidente, nem da substituição do governo por algum ato induzido de renúncia. Mesmo se a presidente continuar incapaz de dialogar, as alternativas legais não parecem melhores. Se quisermos mudanças reais para melhor, teremos de fazer um trabalho imenso nesse ano novo. Uma luta maior do que a do pequeno Davi contra o gigante Golias. No nosso caso, se trata de vencer os grandes meios de comunicação, dominados pela elite. O Congresso Nacional é formado por uma maioria de parlamentares que tiveram suas campanhas financiadas por grandes empresas. Eles só participarão em um projeto de Brasil justo e verdadeiramente democrático se forem pressionados pelos movimentos sociais e pelas manifestações de massa. É urgente retomarmos a luta por uma verdadeira reforma política. Ela deveria ser feita por uma Constituinte exclusiva e soberana, eleita para isso pelo povo. No entanto, na atual conjuntura, isso é impossível. 

Quando era possível, os governantes do momento, seja Lula, seja Dilma, não deram o apoio necessário a essa causa. Agora, só um milagre. Esse milagre é possível e depende de nós. Temos de recomeçar o trabalho de formiguinha e ajudar a sociedade a se dar conta de que o clamor do povo organizado será capaz de exigir as transformações das quais o Brasil precisa.

Para esse 1o de janeiro de 2016, o papa Francisco escolheu como tema para o 49o Dia Mundial da Paz o lema: “Vence a indiferença e conquista a paz”. Se aplicarmos isso à realidade brasileira, compreenderemos que temos de vencer a inércia e o acomodamento de quem pensa que não pode mudar a situação e confiar novamente na força do povo organizado que não tem poder de lei, mas pode fazer pressão e criar as condições para a mudança que a tradição bíblica chama de paz, justiça e verdade.

O nosso voto de feliz ano novo não será o do comércio que propõe prosperidade. Preferimos felicidade para todos . Ela nos vem da promessa de um mundo novo e uma terra renovada. Essa palavra nos vem de Deus. Como diz a Bíblia, é como uma espada de dois gumes que penetra até as entranhas (Hb 4). “É como a chuva que cai, molha a terra. E não volta ao céu sem ter cumprido sua missão de fecundar e produzir o grão” (Is 55). Desejar feliz ano novo não garante força para transformar organizações e sistemas do mundo. No entanto, podemos colaborar para que ocorram as condições necessárias para as mudanças. Então, expresse para os seus e para todos o desejo de um feliz ano novo que seja não apenas para os seus familiares e amigos e sim para toda a humanidade. No Brasil, desejar feliz ano novo pede de nós um verdadeiro compromisso social, solidário e renovador. Então se tornarão verdadeiras em sua vida, as palavras de uma antiga bênção celta: “O vento sopre suave em teus ombros. Que o sol brilhe suavemente sobre o teu rosto, as chuvas caiam serenas onde vives. E até que eu te encontre de novo, Deus te guarde na palma de sua mão”.


Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

A MISERICÓRDIA COMO CHAVE DO MISTÉRIO DE JESUS

    por Maria Clara Lucchetti Bingemer

                                                     


            A revelação da misericórdia de Deus na Sagrada Escritura atinge seu clímax na encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Ele é o pleno cumprimento das promessas de Deus e é a própria misericórdia de Deus sob forma humana, andando pelos caminhos de terra da humanidade.

Grandes teólogos da atualidade constroem toda a sua teologia e sua reflexão sobre o mistério de Jesus Cristo através das chaves da misericórdia e da compaixão. No Novo Testamento, portanto, as narrativas sobre Jesus de Nazaré, reconhecido e proclamado como o Cristo, o Ungido de Deus, apontam para uma responsabilidade global de todos aqueles e aquelas que se dispõem a segui-lo e servi-lo.  No entanto, a universalidade de tal responsabilidade não se revela apenas nem mesmo principalmente com respeito ao pecado do mundo.  E sim sobre o sofrimento no mundo.  O primeiro olhar de Jesus não se dirige ao pecado, mas ao sofrimento dos outros.

Por isso, é um olhar essencialmente “misericordioso” e não julgador.  Aí reside sua força infinita.  É um olhar inclusivo, que abraça todos os que padecem alguma pobreza, ou indigência, a falta de algo vital que lhes dê plenitude em sua existência.  Sob o abrigo protetor desta misericórdia entram os pobres, os doentes, as mulheres, as crianças, os marginalizados por qualquer motivo da vida social, política e religiosa.

Esse que as nações esperavam não nasce em berço real, mas na pobreza de uma manjedoura, de pais migrantes e que não têm lugar onde dormir, tendo que vir à luz em um estábulo de animais. Os Evangelhos de Mateus e Lucas descrevem seu nascimento testemunhado por pobres pastores e por desconhecidos estrangeiros vindos do Oriente.  Ainda pequeno será perseguido juntamente com todas os outros bebês de sua idade pelo rei Herodes, que temia seu poder e realeza.  Viveu como refugiado no Egito e aprendeu o ofício de carpinteiro com José, seu pai.  Cresceu ao lado dos pais até o dia em que se manifesta a Israel promulgando um novo estilo de vida.

Qual a novidade que traz este Nazareno? É aquela que diz que a misericórdia e a compaixão passam adiante da lei.  Ao mesmo tempo em que ia à sinagoga, guardava o sábado e cumpria os preceitos de seu povo, Jesus nunca hesitou em romper com essa lei quando o sofrimento do outro assim o exigia: tocou leprosos, curou intencionalmente no sábado, durante o repouso sagrado judeu; tocou cadáveres, não temendo a impureza.  Mais ainda: defendeu seus discípulos quando comiam junto com ele em companhia de pecadores e não crentes, e não insistia em que praticassem as infinitas abluções da pureza ritual.
Jesus não temia tocar as pessoas.  Curou muitas tocando-as e trazendo-as de volta à saúde, à vida e à salvação.  Seu amor pelos pobres inclinou-o instintivamente para aqueles que são mais feridos pelo sofrimento, agredidos em sua dignidade fundamental de pessoas e impedidos de erguer-se e alcançar a plena estatura de filhos de Deus.  Os pobres em seus mais diversos matizes - doença, pecado, idade, sexo, condição social – são os preferidos de seu coração. 

Assim fazendo manifesta a misericórdia infinita do coração do Pai.  Longe de ser uma exclusão, essa predileção pelos oprimidos de toda sorte é um sinal de totalidade.  Sobre os pobres descansa, inteira, a bem-aventurança divina.  Deles e delas é, antes de todos os demais, o Reino de Deus em plenitude, não apesar de sua pobreza, mas por causa dela, que toca o coração de Deus e o faz vibrar de amorosa compaixão e misericórdia.

Além de praticar a misericórdia, Jesus anunciou com toda a sua vida a misericórdia do Deus de Abrãao, Isaac e Jacó, que ele chama de Pai.  Trata-se de um Deus que se rege pela Graça e não pelo mérito.  Um Deus que prefere o publicano pecador  arrependido do que o orgulhoso fariseu que, diante do Senhor, desfia seu currículo e seus méritos. Um Deus que no banquete do fariseu Simão valoriza o gesto da mulher de má vida, que rompe todas as prescrições rituais para mostrar seu imenso amor lavando-lhe os pés com suas lágrimas, enxugando-os com seus cabelos e derramando precioso perfume sobre os mesmos. É o Deus que valoriza e elogia o comportamento do samaritano idólatra contra o levita e o sacerdote guardiães da lei, apenas porque soube parar e atender o ferido à beira do caminho.  É o Deus Pai de misericórdia e gratuidade, que dá festa e mata novilho gordo para celebrar a volta do filho que se foi e gastou todos os seus bens.

A misericórdia de Deus revelada em Jesus é a chave para entender esse imenso e infinito mistério que celebramos no Natal: um Deus que se faz humano; que assume a carne pecadora e mortal para revelar-nos o caminho da verdadeira vida.  Uma criança que nasce perigosamente nas periferias do mundo e que carrega consigo todo o imenso segredo da vida e da morte, da salvação e da perdição.  Um inocente e indefeso bebê, que entra na vida exposto aos riscos constantes e enormes de nascer, viver e morrer.  E tudo isso por pura misericórdia.  Como bem diz o Canto de Natal, diante deste mistério: “Vinde, adoremos!”

 Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
  A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc) 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

RECEITA DE NATAL


 Por Frei Betto


      Há certa doçura na festa de Natal: o reencontro familiar; a alegre expectativa das crianças; a mesa farta (para quem pode); a celebração do nascimento de Jesus (para quem crê); o recesso no trabalho. E algo arde no coração como pimenta braba: o presente compulsório; o consumismo papainoélico; a crise brasileira; a violência global. Tempo de doçuras entremeado de amarguras.


      Somos todos feitos do imponderável. De “insustentável leveza do ser”. Embora, por vezes, sentimentos negativos nos fazem pesar toneladas. Como reza a ciência, tudo é energia condensada. Nossas células são feitas de moléculas filhas de átomos que abrigam o baile quântico de partículas elementares. No sistema solar, cabrochas planetárias rodopiam em torno da própria cintura e, anualmente, circundam o Mestre Sol. E todo o Universo dança ao som da sinfonia cósmica. No céu, os enfeites de Natal nunca somem. Mas nem sempre há brilho em nossos olhos.


      Em tudo a fantasia nos precede. Daí a ânsia em desembrulhar presentes de Natal. O que sairá desse pacote? A força da ficção na literatura e no cinema. O Papai Noel antitropical vara a noite estrelada em seu trenó puxado por renas. Da casa em que habitamos à roupa que vestimos, do design da tela do computador à diagramação da página do jornal, tudo se fez, primeiro, antes de se tornar realidade, fantasia na mente criativa. Por isso, nunca morre o menino que um dia fomos. O mundo seria insuportavelmente asfixiante sem a beleza da fantasia.


      Natal é época de deixar a fantasia solta. Não a que encobre o corpo, reservada ao Carnaval. Mas a que inebria a alma. Livrá-la de tudo que a polui: ressentimentos, mágoas, invejas. Sintonizá-la com os valores encarnados pelo Menino Jesus – Deus entre nós. Sobretudo, fazer-se presente em vidas repletas de ausências: de saúde, de dignidade, de liberdade, de afeto, de autoestima.


      O presépio em família, recoberto de lirismo, sublima o relato bíblico que enfeixa tantos fatores infelizmente atuais: Maria e José, recusados na casa da família, ocupam um pasto na periferia de Belém; Herodes manda degolar todos os bebês da cidade; para fugir da opressão, Maria, José e o Menino emigram para o Egito. Deus presente na conflitividade humana.


      Celebrar o nascimento de Jesus é, no mínimo, renascer com ele. Deixar morrer o egoísmo que nos impregna e fazer emergir todas as boas energias que fazem do amor a matéria - prima e última - de todo programa centrado no advento de novas relações, pessoais e sociais.


      Há que escolher entre Herodes e o Menino. Entre Dionísio e o Menino. Para se fazer uma festa, a receita é simples: convidar um punhado de gente, misturar em torno de uma grande mesa, acrescentar bebida e comida sem sabor de comunhão. Agitar com bastante música, rechear com muitos presentes, e servir como se fosse Natal.


      Já a receita para se fazer um Natal requer reunir um grupo de irmãos e irmãs, ligados pela mesma fé, unidos em uma única esperança. Adicionar Cristo e deixar fermentar até nascer o homem e a mulher novos. Servir evangelicamente a quem tem fome e sede de justiça.


      Como os pastores de Belém, devemos dar glória a Deus, que habita o recôndito de nossos corações, na esperança de que esta menina tão bela e frágil, a democracia brasileira, não seja sacrificada pelos acordos oportunistas de Herodes.


      Feliz Natal, Brasil.

Frei Betto é escritor, autor de “Fome de Deus” (Paralela), entre outros livros.
  

  http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.
 Copyright 2015 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com

 Você acaba de ler este artigo de Frei Betto e poderá receber todos os textos escritos por ele - em português, espanhol ou inglês - mediante assinatura anual via mhgpal@gmail.com

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

PRESÉPIOS


Por Goretti Santos


Quantos presépios cabem dentro de você?

Quantos meninos Jesus?

Quantos risos de criança para espantar teus velhos medos e trazer de volta a confiança?

Quanto de doçura, cabe dentro de você?

Para tornar a vida em volta mais leve!

Quantos presépios cabem dentro de você?

Quantos meninos Jesus você deixa nascer?

Quantas dores você deixa ele abraçar e abrandar?

Quantos irmãos você deixa ele encontrar e encantar?

Quantos presépios cabem dentro de você?

Quantos meninos Jesus você deixa nascer e crescer?

Para que seja visualizado, em você, Sua Misericórdia, Sua Compaixão, Se Infinito Amor e Humor!

Quantos presépios cabem dentro de você?

E com quantos Jesus você se dispõe a brincar, a rir, a amar,

A crescer...


Natal 2015

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

NATAL DO CRISTO CÓSMICO


Por Marcelo Barros


Nesses dias, as comunidades cristãs e o mundo já estão no clima da festa de Natal. Até a vigília da festa no dia 24, a liturgia antiga da Igreja nos convida a pedir a vinda, não apenas do menino que, um dia, Jesus foi, mas do Cristo atual, ressuscitado e que se manifesta vivo como energia de renovação para o planeta Terra. Em suas cartas, o apóstolo Paulo escreve sobre o Cristo: “Ele sujeitará a si todas as coisas. Tudo o que existe no universo tem sua subsistência nele (no Cristo). Ele recapitula tudo o que existe (Col 1, 15 – 22). Sua ressurreição inaugurou uma “criação nova” como parto de um universo reconciliado (Gl 6, 2 e 2 Cor 5, 14 ss).

A conclusão disso é que o Natal não deve ser apenas uma recordação nostálgica, como se se tratasse de um simples aniversário do nascimento de Jesus. Essa festa do 25 de dezembro foi criada no século IV. Quando os antigos romanos celebravam o solstício do inverno, os cristãos quiseram lembrar que o Cristo é o sol da justiça que vem do alto para renovar nossas vidas. Nos primeiros tempos, o nome da festa do Natal era “A Páscoa do novo Nascimento”. Assim, os antigos cristãos afirmavam que o Natal celebra uma manifestação do Cristo Ressuscitado. Até hoje, em algumas Igrejas Orientais, se chama a festa de “Teofania”, manifestação divina. E, tanto no Oriente, como no Ocidente, no dia 06 de janeiro se celebra a Epifania, a manifestação do Cristo em nossa carne.

A cada ano, falamos de uma nova vinda porque os efeitos de sua ressurreição em todo o universo ainda não são visíveis. Sua manifestação é um processo no qual Deus quer que participemos como testemunhas e instrumentos de sua presença amorosa no universo. Em cada Natal, pedimos que essa realidade nova do universo cristificado, (ou seja, totalmente assumido pela presença do Cristo ressuscitado) se manifeste logo e de forma total. Apesar de que o nosso mundo parece cada vez mais doente e dividido, celebramos a confiança de que a manifestação do Cristo Cósmico venha salvar a nós e ao universo.

Nesse mês de dezembro, por ocasião da Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, todas as grandes religiões do mundo se mostraram conscientes da sua responsabilidade para salvar o planeta Terra da ambição humana que o condena à morte.

Há poucos dias, as comunidades judaicas celebraram a festa de Hanuká. Antigamente, nessa festa, se acendiam as lâmpadas do templo. Atualmente, não existe mais o templo de Jerusalém e não se podem mais acender suas lâmpadas para trazer luz à escuridão do inverno. Agora, o templo de Deus é o universo. Então, as luzes de Hanuká são acesas nas casas judaicas para iluminar a humanidade e libertar o mundo da escuridão do desamor e da indiferença.

Na Amazônia, o povo Yanomami tenta escutar de novo os Xamãs que fazem ressuscitar os cânticos dos Xariris, espíritos da floresta que é viva. Ela está ferida pelas queimadas provocadas pelos fazendeiros. Ela é destruída pelas máquinas dos garimpos e das mineradoras que provocam destruições e podem ocasionar desastres como o de Mariana.


É importante que as comunidades cristãs liguem essa celebração do Natal com o cuidado da terra, da água e de toda a natureza. Hoje, o universo é o verdadeiro presépio do Cristo Cósmico. Embora de forma ainda invisível, ele  vem, hoje a esse mundo. A liturgia dos últimos dias antes do Natal invoca Jesus como Salvador para o mundo de hoje. Com sua profunda formação litúrgica e grande sensibilidade artística, Reginaldo Veloso traduziu de forma adaptada as invocações das antífonas Ó. A cada dia, uma nova invocação chama o Cristo Ressuscitado, um dia como Libertação, no outro como Sabedoria. Um dia, o contempla como nova Sarça Ardente, na qual Deus se revela aos Moisés de hoje. Finalmente, ele é chamado de Emanuel, presença divina no meio de nós. Todos os dias, a versão das comunidades  conclui com um refrão que canta: “Vem, ó filho de Maria, vem trazer-nos alegria. Quanta sede, quanta espera, quando chega, quando chega aquele dia?”    

Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.  

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

NATAL: SEMPRE QUE NASCE UMA CRIANÇA É SINAL DE QUE DEUS AINDA ACREDITA NO SER HUMANO

por Leonardo Boff


Estamos na época de Natal mas a aura não é natalina, é antes de sexta-feira santa. Tantas são as crises, os atentados terroristas, as guerras que, juntas, as potências belicistas e militaristas (USA, França, Inglaterra, Russa e Alemanha) conduzem contra o Estado Islâmico, destruindo praticamente a Síria com uma espantosa mortandade de civis e de crianças como a própria imprensa tem mostrado, a atmosfera contaminada por rancores e espírito de vindita na política brasileira, sem falar dos níveis astronômicos de corrupção: tudo isso apaga as luzes natalinas e amortecem os pinheirinhos que deveriam criar uma atmosfera de alegria e de inocência infantil que ainda persiste em cada pessoa humana.

Quem pôde assistir o filme Crianças Invisíveis, em sete cenas diferentes, dirigido por diretores renomados como Spike Lee, Katia Lund, John Woo entre outros, pode se dar conta da vida destruída de crianças, de várias partes do mundo, condenadas a viver do lixo e no lixo; e ainda assim há cenas comovedoras de camaradagem, de pequenas alegrias nos olhos tristes e de solidariedade entre elas.

E pensar que são milhões hoje no mundo e que o próprio menino Jesus, segundo os textos bíblicos, nasceu fora de casa, numa mangedoura de animais porque não havia lugar para Maria, em serviço de parto, em nenhuma estalagem de Belém. Ele se misturou com o destino de todas estas crianças maltratadas pela nossa insensibilidade.

Mais tarde, esse mesmo Jesus, já adulto dirá:”quem receber esses meus irmãos e irmãs menores é a mim que recebe”. O Natal se realiza quando ocorre esse acolhimento como aquele que o Padre Lancelotti organiza em São Paulo para centenas de crianças de rua sob um viaduto e que contou, por anos, com a presença do Presidente Lula.
No meio desta desgraceira toda, no mundo e no Brasil, me vem à mente o pedaço de madeira com uma inscrição em pirografia que um internado num hospital psiquiátrico em Minas Gerais me entregou por ocasião de uma visita que fiz por lá para animar os atendentes. Lá estava escrito: ”Sempre que nasce uma criança é sinal de que Deus ainda acredita no ser humano”.

Poderá haver ato de fé e de esperança maior que este? Em algumas culturas de África se diz que Deus está de uma forma toda especial presente nos assim chamados por nós de “loucos”. Por isso eles são adotados por todos e todos cuidam deles como se fossem um irmão ou uma irmã. Por isso são integrados e vivem pacificamente. Nossa cultura os isola e não se reconhece neles.

O Natal deste ano nos remete à essa humanidade ofendida e a todas as crianças invisíveis cujos padecimentos são como os do menino Jesus que, certamente, no severo inverno dos campos de Belém, tiritava na mangedoura. Segundo lenda antiga, foi aquecido pelo bafo de dois velhos cavalos que como prêmio ganharam, depois, plena vitalidade.
Vale lembrar o significado religioso do Natal: Deus não é um velho barbudo, de olhos penetrantes e juiz implacável de todos os nossos atos. É uma criança. E como criança não julga ninguém. Quer apenas conviver e ser acarinhado. Da mengedoura nos vem esta voz: ”Oh, criatura humana, não tenhas medo de Deus. Não vês que sua mãe enfaixou seu bracinhos? Ele não ameaça ninguém. Mais que ajudar, ele precisa ser ajudado e carregado no colo”.

Ninguém melhor que Fernando Pessoa entendeu o significado humano e verdadeiro do menino Jesus:

”Ele é a Eterna Criança, o Deus que faltava. Ele é humano que é natural. Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda certeza que ele é o Menino Jesus verdadeiro. É a criança tão humana que é divina. Damo-nos tão bem um com o outro, na companhia de tudo, que nunca pensamos um no outro…Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno. Pega-me tu ao colo e leva-me para dentro de tua casa. Despe o meu ser cansado e humano. E deita-me na cama. E conta-me histórias, caso eu acorde, para eu tornar a adormecer. E dá-me sonhos teus para eu brincar até que nasça qualquer dia que tu sabes qual é”.

Dá para conter a emoção diante de tanta beleza? Por causa disso, vale ainda, apesar dos pesares, celebrar discretamente o Natal.

Por fim tem alto significado esta última mensagem singela  e encantadora: “Todo menino quer ser homem. Todo homem quer ser rei. Todo rei quer ser “deus”. Só Deus quis ser menino”.

Abracemo-nos mutuamente, como quem abraça a Criança divina (o puer aeternus) que se esconde em nós e que nunca nos abandonou.

E que o Natal seja ainda uma festa discretamente feliz.

Leonardo Boff escreveu O Natal, a bondade e a jovialidade de nosso Deus,Vozes,Petrópolis 2003.


terça-feira, 8 de dezembro de 2015

DIREITOS HUMANOS E DO UNIVERSO

Por Marcelo Barros


A convivência social e política se apoia na consciência de que todas as pessoas têm direitos invioláveis que, sob nenhuma condição, podem ser desrespeitados. Nessa quinta feira, a humanidade celebra mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinado pelos 190 países da ONU no dia 10 de dezembro de 1948. Infelizmente, grande parte da humanidade ainda não se convenceu de que, cada vez que se desrespeita o direito de uma pessoa humana, seja ela quem for, é toda humanidade que é atingida e desrespeitada. Comumente, a sociedade dominante apresenta os Direitos Humanos apenas como campo de inviolabilidade individual. Nele se destacam os direitos liberais de ir, vir, comprar e consumir. Nas últimas décadas, quem mais invoca a Declaração dos Direitos Humanos são os impérios ocidentais. Eles insistem nesses direitos individuais, mas, para tê-los o passaporte necessário é o dinheiro. Nessa sociedade, a pessoa só é cidadã se puder ganhar e consumir. Ao mesmo tempo que prega direitos individuais para ganhar mais dinheiro, governos de potências que se dizem democráticas têm invadido países, torturado e assassinado pessoas, além de destruir civilizações e culturas humanas, como ocorreu recentemente com templos milenares no Paquistão e monumentos culturais no Golfo Pérsico e em todo o Oriente Médio. Povos pobres da América Latina e da África testemunham que, desde tempos coloniais, governos ocidentais, ditos democráticos e civilizados violam a justiça internacional e patrocinam golpes. Financiam os piores partidos políticos, sempre à sombra dos direitos humanos e até em nome da civilização cristã. O resultado disso é o que vemos todos os dias nos jornais: países destruídos pela ambição imperial, milhares e milhares de migrantes tentando sobreviver em outros países e grupos radicais que respondem à violência do Império com o terrorismo fundamentalista. No fundo, o que os grupos terroristas conseguem é apenas dar uma aparência de legitimidade às guerras que agora se declaram contra os terroristas. Pouco adiantou que, já no seu tempo, o Mahatma Gandhi lembrava aos impérios que, se cumprirmos a lei do “olho por olho, dente por dente”, acabaremos todos cegos e desdentados.

As antigas civilizações da Ásia, Oceania e África, assim como as comunidades índias e afrodescendentes da América insistem que os direitos não são apenas individuais e sim comunitários e coletivos. Existem os direitos de cada pessoa e direitos que são comunitários como o direito dos índios ao seu território, o direito de todo ser vivo à água potável para beber e viver, o direito ao ar puro para respirar e assim por diante. 

O amor incondicional e solidário nos leva a assumir a responsabilidade ética pelos mais frágeis e marginalizados. E além de nos solidarizar à luta dos lavradores, índios, negros, mulheres oprimidas e todas as categorias, de alguma forma, vítimas da sociedade excludente, essa solidariedade nos leva a um novo modo de pensar e viver a relação com a Terra, a água, a natureza, os animais e todo ser vivo.  Também, a Terra, as águas, os animais e as plantas precisam ser cuidados e defendidos. Não podemos tratá-los como se fossem meras mercadorias. Conosco eles formam uma grande teia de relação que é como uma comunidade: a comunhão da vida. Esse modo de viver e compreender a vida e os direitos humanos faz parte de uma cultura amorosa que chamamos de Espiritualidade integral ou cósmica.

Ao privilegiarem a relação amorosa com a terra, a cura das doenças e o equilíbrio da vida, as tradições indígenas e afro-descendentes revelam a mesma raiz ética e espiritual.  De uma forma ou outra, todas as religiões reconhecem: o divino só pode ser encontrado realmente no humano. A espiritualidade, seja religiosa ou não, faz da defesa dos direitos do ser humano e da natureza um método de intimidade com o Divino, presente no mundo. No século II, Irineu, pastor da Igreja de Lyon, ensinava: “Como você poderá divinizar-se se ainda nem se tornou humano? Antes de tudo, garanta a condição de ser humano e, assim, poderá participar da glória divina”. A mística francesa Simone Weil afirmava: “Eu reconheço quem é de Deus não quando me fala de Deus, mas pelo seu modo de tratar as outras pessoas”.



Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
Postado p 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

UM ETICAMENTE DESQUALIFICADO MANDA A JULGAMENTO UMA MULHER ÍNTEGRA E ÉTICA

por Leonardo Boff



O Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é acusado de graves atos delituosos: de beneficiário do Lava-Jato, de contas não declaradas na Suiça, de mentiras deslavadas como a última numa entrevista coletiva ao declarar que o Deputado André Moura fora levado pelo Chefe da Casa Civil Jacques Wagner a falar com a Presidenta Dilma Rousseff para barganhar a aprovação da CPMF em troca da rejeição da admissibilidade de um processo contra ele no Conselho de Ética. Repetidamente afirmou que a Presidenta em seu pronunciamento mentiu à nação ao afirmar que jamais se submeteria à alguma barganha política.

Quem mentiu não foi a Presidenta, mas o deputado Eduardo Cunha. Seu incondicional aliado, o deputado André Moura, não esteve barganhando com a Presidenta Dilma, como o testemunhou o ministro Jacques Wagner. Vale enfatizar: quem mentiu ao público brasileiro foi Euclides Cunha. Imitando Fernando Pessoa diria: Ele, mentiroso, mente tão perfeitamente que não parece mentira as mentiras que repete sempre.

É mentira que seu julgamento foi estritamente técnico. Pode ser técnico em seu texto, mas é mentiroso em seu contexto. O técnico nunca existe isolado, sem estar ligado a um tempo e a um interesse. É o que nos ensinam os filósofos críticos. Ele deslanchou o processo de impeachment contra a Presidenta exatamente no momento em que, apesar de todas as pressões e chantagens sobre o Conselho de Ética,soube que na votação perderia pois os três representantes do PT acolheriam a aceitação de um processo contra ele, o que poderia, depois, significar a sua condenação.

O que fez, foi um ato de vindita reles de quem perdeu a noção da gravidade e das consequências de seu ato rancoroso.

É vergonhoso que a Câmara seja presidida por uma pessoa sem qualquer vinculação com a verdade e com o que é reto e decente. Manipula, pressiona deputados, cria obstáculos para o Conselho de Ética. Mais vergonhoso ainda é ele, cinicamente, presidir uma sessão na qual se decide a aceitação do impedimento de uma pessoa corretíssima e irreprochável como é a Presidenta Dilma Rousseff.

Se Kant ensinava que a boa vontade é o único valor sem nenhum defeito, porque se tivesse um defeito, a boa vontade não seria boa, então Eduardo Cunha encarna o contrário, a má vontade, como o pior dos vícios porque contamina todos os demais atos, arquitetados para tirar vantagens pessoais ou prejudicar os outros.

Seu ato irresponsável pode lançar a nação em um grave retrocesso, abalando a jovem democracia, que, com vítimas e sangue, foi duramente conquistada. Não podemos aceitar que um delinquente político, destituído de sentido democrático e de apreço ao povo brasileiro, nos imponha mais este sacrifício.

Faço um apelo explícito ao Procurador Geral da República, ao Dr. Rodrigo Janot e a todo o Supremo Tribunal Federal: pesem, sotopesem e considerem as muitas acusações pendentes contra Eduardo Cunha nas áreas da Justiça. Estimo que há suficientes razões para afastá-lo da Presidência da Câmara e que venha a responder judicialmente por seus atos.

A missão desta mais alta instância da República, assim estimo, não se restringe à salvaguarda da constituição e à correta interpretação de seus artigos, mas junto a isso, zelar pela moralidade pública, quando esta, gravemente ferida, pode constituir uma ameaça à ordem democrática e, eventualmente, levar o país a um golpe contra a democracia.

Mais que outros cidadãos, são suas excelências, os principais cuidadores da sanidade da política e da salvaguarda da ordem democrática num Estado de direito, sem a qual mergulharíamos num caos com consequências políticas imprevisíveis. O Brasil clama pela atuação corajosa e decidida de vossas excelências, como ultimamente, tem demostrando exemplarmente.

Leonardo Boff, ex-professor de ética da UERJ


sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

ABRINDO AS PORTAS À MISERICÓRDIA


 Por Maria Clara Lucchetti Bingemer



Desde o momento em que foi eleito e apareceu no balcão do Vaticano diante de uma Praça São Pedro cheia de fiéis expectantes e atentos, o Papa Francisco tem adotado uma pedagogia que une gesto e palavra com vistas a uma comunicação mais completa com seu povo. Esta tem sido uma marca em seu pontificado e na sempre maior e mais bem sucedida comunicação que sua pessoa instaurou não apenas com sua grei de Roma, ou mesmo com os fiéis católicos do mundo inteiro, mas com todas as pessoas que cruzam seu caminho e desejam ouvi-lo.

Ao mesmo tempo em que diz palavras bem diretas e claras, no intento de comunicar uma mensagem ou uma ideia-força, faz gestos.  Gestos potentes e grávidos de sentido que, juntamente com a palavra ou mesmo sem ser dela seguidos, transmitem algo que considera importante no seu esforço incansável de levar o Evangelho e sua alegria a toda criatura. 

Nesta chave, parece-me, deve ser interpretado seu gesto de abrir a Porta Santa do Ano da Misericórdia em Bangui, na África, antes mesmo de fazê-lo em Roma, sede central do Cristianismo.  O Santo Padre declarou Bangui a capital espiritual do mundo no dia 29 de novembro, dando  início ao Jubileu da Misericórdia a partir daquela cidade.

Por que desejou Francisco que o Ano Santo da Misericórdia, sobre o qual tanto tem insistido, a ponto de promulgar uma Bula, convocar toda a Igreja para celebrá-lo especialmente e enfatizar a importância desta bem aventurança (Sede misericordiosos!) como uma imitação do mesmo Deus, rico em misericórdia, e de seu Filho Jesus Cristo, rosto da misericórdia no mundo, tivesse um início solene na periferia do mundo?

O desejo e o gesto estão em plena coerência e harmonia com o significado da palavra e do evento.  A palavra misericórdia, em latim, quer dizer “compaixão (cordis) pelos pobres (miseri)”.  Trata-se de deixar mover o coração por toda e qualquer dor, infelicidade, pobreza ou diminuição sofrida pelos seres humanos.  E que lugar mais adequado para dar início a este movimento senão a sofrida África, continente sacrificado e riscado do mapa das grandes potências, onde gerações inteiras perecem sob o flagelo da fome, ou da guerra, ou das tiranias e ditaduras opressoras.  E mais recentemente devido aos ataques de movimentos radicais como o Estado Islâmico.

Ao convocar toda a Igreja a voltar o coração aos pobres, e fazendo-o a partir do lugar dos mais pobres em todo o globo terrestre, está o Pontífice sublinhando com este gesto todo o trabalho prévio que fez antecedendo-o: a escrita de uma bula, numerosas alusões em suas homilias e catequeses semanais, múltiplas declarações em entrevistas e diálogos com cristãos ou pessoas de outras religiões ou ideologias. 

Da mesma forma, o fato de a abertura da Porta da Misericórdia ter tido lugar ao final do Ano Litúrgico, quando toda a Igreja se prepara para celebrar o tempo do Advento que antecede a chegada de Jesus, o Verbo Encarnado e rosto vivo da misericórdia do Pai não é alheio às intenções do Papa.  Pretende ele que todo este tempo – que é de conversão e renovação interior – seja vivido com olhos e coração voltados para a misericórdia, outro nome de Deus que deve estar no centro da vida de cada fiel, de cada cristão, de cada pessoa reta e de boa vontade.
O Deus da Revelação judaico-cristã é misericordioso por excelência.  Prefere a misericórdia ao sacrifício.  Suas entranhas misericordiosas se contorcem de preocupação e angústia ao ver seus filhos sofrendo por falta do necessário, por ameaças à segurança e à vida, por opressão e cerceamento da liberdade.  É um Deus que “desce” ao encontro de seu povo que geme cativo, porque ouviu seus clamores e não suporta ouvi-lo gemendo sob dura opressão no Egito.  É um Deus que acompanha o povo por toda parte, indo inclusive ao exílio, sempre com a misericórdia à sua frente, e ensinando que ela deve reger a vida inteira daquele ou daquela que ama o Senhor.

Em Jesus de Nazaré essa revelação se radicaliza.  O Filho de Deus, Verbo Encarnado, mostra o rosto de um Deus misericordioso e inclusivo, que “prefere” as prostitutas e os publicanos e senta-se à mesa com os pecadores para as refeições que prefiguram o banquete do último dia, quando seu Pai se sentará à mesa e celebrará com seu povo.
O Deus que Jesus apresenta com suas palavras mas sobretudo com seus gestos é um Deus de graça, de misericórdia e não de méritos que quer fazer sentir a todos seu amor, que é mais importante até mesmo que a Lei e o sábado, e toda e qualquer instituição.  Um Deus que deseja ser imitado nesta misericórdia infinita, que pode ser apalpada na vida e no coração de seu Filho Jesus de Nazaré.

E o objeto prioritário desta misericórdia são os pobres, os infelizes, as vítimas de todos os rostos e perfis.  Aqueles que sofrem por culpa própria ou sobretudo por injustiça alheia.  Todos aqueles que têm suas vidas agredidas pela injustiça, pelo mal em todas as suas formas.  O Espírito que sopra desde a África, com a abertura da Porta Santa nos abre então a porta para palmilhar a estrada do Advento até o Natal e a chegada do Menino.

O convite é claro: abrir as portas à misericórdia para acolher esta Criança inocente, indefesa, mansa e misericordiosa.  Só ela poderá nos fazer passar de uma lógica de méritos para uma lógica de graça; de uma justiça retributiva para uma justiça restaurativa; do cálculo das relações simétricas para a ausência de limites das relações amorosas.  Vem, Senhor Jesus!

Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio

  A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc) 

 Copyright 2015 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização.
Contato: agape@puc-rio.br>