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domingo, 13 de maio de 2012

HOMENAGEM ÀS MÃES











por Marieta Borges









Não importa a idade que ela tenha...
Pode ser uma mãe-jovem,
uma mãe-de-meia idade
ou mesmo uma mãe-idosa, talvez já experimentando
a multiplicação da vida em netos, bisnetos...

 Não importa – talvez – como foi a sua vida:
se pontuada de facilidades materiais
ou duramente enfrentada,
nas lutas de cada dia,
nas horas de entrega absoluta,
para suprir a família de bens necessários...
  
Ter sido mãe, um dia, é o que importa!
Não há recompensa material
que se coloque acima do que é,
para uma mãe – qualquer mãe –
saber-se alvo de pensamentos positivos,
de presenças revigorantes, de carinhos inesperados!
  
Feliz daquele
que ainda tem uma mãe para tocar,
para afagar, para preocupar-se com ela...
Porque quando elas vão-se embora,
o vazio que fica é eterno e
nunca mais será preenchido!

 Mães de todo mundo:
que Deus as abençoe, como o fez, um dia,
dando-lhes o privilégio da maternidade,
o merecido apoio dos filhos acolhidos,
a coragem de um dia, dizer SIM
à missão que mereceu receber!

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Feliz “DIA DAS MÃES

REPENSANDO A COMPAIXÃO





por Maria Clara Lucchetti Bingerman



  

          A palavra compaixão talvez seja uma das menos entendidas de todas as línguas.  Normalmente é associada à pena, piedade, comiseração.  Ora, não há nada mais alheio ao sentido visceral dessa palavra forte e ardente – compaixão – do que essas edulcoradas e humilhantes definições.

          Compaixão é sofrer com, padecer solidariamente e em comunhão.  Tem a ver com justiça e restaurar dignidades atingidas e cruelmente vulneradas. Compaixão é o sentimento que caracteriza o ser humano diante de seus irmãos em humanidade que se encontram desumanizados pela pobreza, a violência e a opressão.  É o que move o coração dos justos diante da iniquidade e do sofrimento do outro.  É o que enche de desejo de comungar com a dor do outro e fazê-la sua.

Perante as vítimas inocentes da  injustiça, dentro de um ambiente de globalização e pluralismo como é o nosso hoje, existirá   um critério de entendimento e convivência irrevogavelmente reconhecido e vinculante para todos e, neste sentido, capaz de ser reconhecido como verdadeiro? Parece-me ser compaixão a palavra-chave para encontrar a resposta. Pois ela é capaz de suscitar a memória subversiva das vítimas para fazê-las de novo ativas na história.

          É  este conceito-atitude que procura exprimir a necessidade de o cristianismo abandonar a sua ameaçadora autoprivatização acomodada.  Compassio não é um sentimento a partir de cima ou de fora, mas a percepção do sofrimento alheio, no qual se toma parte e que eticamente obriga. Para esta compaixão, vale o imperativo categórico: “para, escuta e olha”.

          A compaixão é a capacidade de partilhar o sofrimento do outro. Com efeito, o mais terrível do sofrimento não é tanto ele em si, mas a solidão que nele se experimenta. Por isso alguns teólogos contemporâneos tratam de elaborar uma memoria passionis (memória da paixão)  como categoria de base de uma teologia em espaço público. Trata-se de recordar – lembrar com o coração - os sofrimentos dos outros; fazer  um rememorar público do sofrimento alheio, incorporado de tal maneira ao uso público da razão que a esta imprima um selo.

A compaixão parte, portando, da universalidade da experiência do sofrimento. A partir daí entende a teologia contemporânea a necessidade de uma nova teologia política que contribua vigorosamente para uma Igreja compassiva, funcionando a “memoria passionis” como recordação provocadora que fundamenta uma nova ética.

          Os que sofrem, as vítimas de todo tipo, teriam então uma autoridade. E esta autoridade seria a autoridade interior de um ethos global, de uma moral mundial, que obrigaria todos os homens anteriormente a qualquer ideologia, a qualquer entendimento. Uma moral que,  por conseguinte,  não pode ser posta de lado ou relativizada por nenhuma cultura e por nenhuma religião, ou igreja. Toda verdadeira mística, hoje, sobretudo após Auschwitz, não pode não ser inspirada por esse ethos.  E uma política inspirada por este ethos seria mais e diferente de uma pura executora das orientações do mercado, da técnica e de suas opressões objetivas em nossos tempos de globalização.  Seria, portanto, mais humanizante e libertadora.      

          Aquilo que a teologia política explicitará na Europa do pós-guerra, que a teologia da libertação tematizará na América  Latina a partir dos anos 1970, muitos já o viviam e o vivem em suas vidas e experiências espirituais, explicitando-o em sua práxis. Referimo-nos aqui a fenômenos como o dos padres operários, na Europa dos anos 1950; a pessoas como Madeleine Delbrel, apóstola das ruas de Paris; a Simone Weil, filósofa agnóstica que a partir da dureza do trabalho da fábrica vivido em seu corpo encontra a Deus e a Jesus Cristo, já nos anos 1930, antes mesmo dos horrores da guerra. E a tantos outros e outras que já viviam e narravam o que a teologia posteriormente elaborou em estilo articulado e rigoroso.

          É  possível, portanto, afirmar que o critério universal da condição humana se encontra na interpelação feita pela pobreza e a dor do outro e pela compaixão que ela origina.  Todo este movimento não é apenas ético, mas também místico - ou melhor, é místico porque ético e vice-versa -  uma vez que na Revelação bíblica e no Cristianismo ambas as coisas não se dissociam. Só encontrando aí sua fonte de inspiração primeira e iniludível pode a Teologia não ser infiel à sua identidade e à sua missão.

     Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).

O CAMPO FLORESCE





por Marcelo Barros







O mundo saúda o desenvolvimento econômico do Brasil, hoje, país emergente e respeitado internacionalmente. Entretanto, organismos internacionais reconhecem que uma das lacunas mais graves desse desenvolvimento é a falta de uma política agrícola voltada para o povo brasileiro e de uma justiça no campo. Há 16 anos, em Eldorado de Carajás, no sul do Pará, 155 policiais militares abriam fogo contra 1500 pessoas, homens, mulheres e crianças, acampados pacificamente nas margens de uma rodovia. Assassinaram 19 lavradores e deixaram inúmeros feridos e mutilados. Até hoje, ninguém foi punido por esse crime. Tantos anos depois que o presidente da República, ainda Fernando Henrique Cardoso, estabeleceu o 17 de abril, como dia internacional da luta pela terra, a realidade dos lavradores no Brasil continua ignorada e incompreendida. A violência contra os sem-terra continua. Nesse último mês, somente em Pernambuco, foram assassinados dois lavradores sem terra: no dia 23 de março, Antônio Tiningo e já em abril (02), Pedro Bruno. Ambos vítimas da ferocidade da concentração da terra e da insensibilidade de senhores que se sentem ainda donos de escravos no campo. Jaime Amorim, membro da coordenação do MST em Pernambuco, afirma: “O latifúndio é essencialmente violento e impede as pessoas de viver e trabalhar no campo. O que ocorreu em Carajás nos dá força e clareza para lutar, pois enquanto houver concentração da terra, a desigualdade, a violência e a falta de democracia no Campo vão continuar”. Para Dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás e co-fundador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), é importante esse dia em memória dos mártires de Eldorado de Carajás. Ele declara: “esse dia lembra a força da caminhada dos trabalhadores do campo, que se arrasta desde os tempos de Zumbi dos Palmares até hoje na história do Brasil. A luta pela reforma agrária não é questão de conseguir apenas um pedaço de chão, mas de mudar nosso país. A luta é profunda, ampla e de mudanças”.
Um dos grandes desafios dos lavradores no campo é que sua caminhada pacífica e justa seja compreendida e apoiada por toda a sociedade civil do país. Sem dúvida, no mundo inteiro, de todos os movimentos sociais, o MST (Movimento dos trabalhadores sem terra) é o que mais conta com o reconhecimento internacional e recebeu diversos prêmios importantes de organizações e instituições reconhecidas no mundo. Entretanto, no Brasil, a maioria dos meios de comunicação social não permite que a sociedade civil conheça melhor os movimentos no campo e saiba realmente o que de fato está acontecendo e que sua luta é em benefício de todo o povo brasileiro e da justiça na terra.
No evangelho, Jesus compara o projeto divino no mundo com um pobre lavrador que joga a semente no campo e depois deve confiar no tempo e na força intrínseca da vida, contida na pequenina e frágil semente. “Depois que ele semeia, quer durma ou levante, a semente germina e cresce, sem que ele saiba como” (Mc 4, 23- 26). Essa esperança teimosa é o que tem mantido firmes as comunidades de lavradores sem terra na luta pela justiça e liberdade. Que todos nós vivamos a alegria de participar com eles desse caminho pascal. 

A FACE NAZISTA DA DITADURA BRASILEIRA





por Frei Betto







A notícia é estarrecedora: militantes políticos  envolvidos no combate à ditadura militar tiveram seus corpos incinerados no  forno de uma usina de cana de açúcar em Campos dos Goytacazes, no norte do  estado do Rio de Janeiro, entre 1970 e 1980.

O regime militar, que governou o Brasil entre 1964 e  1985, merece, agora, ser comparado ao nazismo.

A revelação é do ex-delegado do DOPS (polícia  política) do Espírito Santo, Cláudio Guerra, hoje com 71 anos.

Segundo seu depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e  Rogério Medeiros, no livro “Memórias de uma guerra suja” (Topbooks), no forno  da usina Cambahyba - de propriedade de Heli Ribeiro Gomes, ex-vice-governador  do Rio de Janeiro entre 1967 e 1971, já falecido -, foram incinerados Davi  Capistrano, o casal Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva, João Batista Rita,  Joaquim Pires Cerveira, João Massena Melo, José Roman, Luiz Ignácio Maranhão  Filho, Eduardo Collier Filho e Fernando Augusto Santa Cruz  Oliveira.

Os militantes teriam sido retirados de  órgãos de repressão de São Paulo – DEOPS e DOI-CODI – e do centro clandestino  de tortura e assassinato conhecido como Casa da Morte, em Petrópolis.

Cláudio Guerra acrescenta às suas denúncias que o  coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, um dos mais notórios torturadores de  São Paulo, teria participado, em 1981, do atentado no Riocentro, na capital  carioca, na véspera do feriado de 1º. de Maio.

Se a bomba levada pelos oficiais do Exército não  tivesse estourado no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário,  ceifando-lhe a vida, centenas de pessoas que assistiam a um show de música  popular teriam sido mortas ou feridas.

O objetivo da repressão era culpar os “terroristas”  pelo hediondo crime e, assim, justificar a ação perversa da ditadura.

Guerra aponta ainda os agentes que teriam participado,  em 1979, da Chacina da Lapa, na capital paulista, quando três dirigentes do  PCdoB foram executados. Acrescenta que a “comunidade de informação”, como eram  conhecidos os serviços secretos da ditadura, espalhou panfletos da candidatura  Lula à Presidência da República no local em que ficou retido o empresário  Abílio Diniz, vítima de um sequestro em 1989, em São Paulo, de modo a tentar  envolver o PT.

Uma das revelações mais bombásticas de  Cláudio Guerra é sobre o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o mais impiedoso  torturador e assassino da regime militar, morto em 1979 por afogamento. Tido  até agora como um acidente, segundo o ex-delegado, teria sido  “queima de  arquivo”, crime praticado pelo CENIMAR, o serviço secreto da  Marinha.

Guerra assume ter assassinado o militante  Nestor Veras, em 1975, alegando que apenas deu “o tiro de misericórdia” porque  ele havia sido “muito torturado e estava moribundo”.

Das notícias da repressão há sempre que desconfiar.  Guerra fala a verdade ou mente? Tudo indica que o ex-delegado, agora  travestido de pastor adventista, não se limitou, na prática de crimes, à  repressão política. Em 1982, a Justiça o condenou a 42 anos de prisão pela  morte de um bicheiro, dos quais cumpriu 10 anos. Em seguida mereceu 18 anos de  condenação por assassinar sua mulher, Rosa Maria Cleto, com 19 tiros, e a  cunhada, no lixão de Cariacica, em 1980.

Ele alega inocência nos três casos, embora admita que  matou o tenente Odilon Carlos de Souza, a quem acusa de ter liquidado sua  mulher Rosa.

Espera-se que a presidente Dilma anuncie,  o quanto antes, os nomes dos sete integrantes da Comissão da Verdade, que  deverá apurar crimes e criminosos da ditadura. E investigar as denúncias do  policial capixaba. Infelizmente a comissão ainda não será da Verdade e da  Justiça.

O Brasil é o único país da América Latina  que se recusa a punir aqueles que cometeram crimes em nome do Estado, entre  1964 e 1985. O pretexto é a esdrúxula Lei da Anistia, consagrada pelo STF, que  pretende tornar inimputáveis algozes do regime militar.

Ora, como anistiar quem nunca foi julgado e punido?  Nós, as vítimas, sofremos prisões, torturas, exílios, banimentos, assassinatos  e desaparecimentos. E os que provocaram tudo isso merecem o prêmio de uma lei  injusta e permanecer imunes e impunes como se nada houvessem  feito?

O nazismo foi derrotado há quase 70 anos,  e ainda hoje novas revelações vêm à tona. Enganam-se os que julgam que a Lei  da Anistia, o silêncio das Forças Armadas e a leniência dos três poderes da  República haverão de transformar a anistia em amnésia. Como afirmou Walter  Benjamin, a memória das vítimas jamais se apaga.


Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando –  nos cárceres da ditadura militar brasileira”(Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org <http://www.freibetto.org>  Twitter:@freibetto.

Copyright 2012 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br

MELHORAS AO MODELO VIGENTE DE SUSTENTABILIDADE?


por Leonardo Boff




Para ser sustentável o desenvolvimento há de ser economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto. Já submetemos à crítica este modelo standard. Mas devemos ser justos. Houve analistas e pensadores que se deram conta das insuficiências deste tripé. Acrescentaram-lhes outras pilastras complementares. Vejamos algumas delas.
Gestão da mente sustentável: Para que exista  um desenvolvimento sustentável importa previamente construir  novo design mental, chamado por seu formulador, o Prof. Evandro Vieira Ouriques, da Escola de Comunicação do Universidade Federal do Rio de Janeiro, de gestão da mente sustentável. Tenta resgatar o valor da razão sensível pela qual o ser humano se  sente parte da natureza, se impõe um autocontrole para superar a compulsão ao produtivismo e ao consumismo. Visa a um desenvolvimento integral e não só econômico, o que envolve dimensões do humano. É um avanço inegável. Melhor seria se entendesse Terra-Humanidade-Desenvolvimento como um único e grande sistema interconectado, fundando um novo paradigma.       
Generosidade: Rogério Ruschel, editor da revista eletrônica Business do Bem, acrescentou uma outra pilastra: a categoria ética da generosidade. Esta se funda num dado antropológico básico: o ser humano não é apenas egoísta buscando seu bem particular, mas é muito mais um ser social que coloca os bens comuns acima dos particulares ou os interesses dos outros no mesmo nível de seus próprios. Generoso é aquele que comparte, que distribui conhecimentos e experiências sem esperar nada em troca. Uma sociedade é humana quando além da justiça necessária incorpora a generosidade e o espírito de cooperação de seus cidadãos.
Para Ruschel a generosidade se opõe frontalmente ao lema básico do capital especultativo do greed is good, isto é, boa é a ganância. Ela não é boa  mas perversa, porque quase afundou todo o sistema econômico mundial. Na generosidade há algo de verdadeiro porque especificamente humano. Na feliz metáfora do jornalista Marcondes da ONG Envolverde há que se distinguir a generosidade da simples filantropia, da responsabilidade social  e da sustentabilidade. A primeira, dá o peixe ao faminto; a responsabilidade social, ensina a pescar; a sustentabilidade preserva o  rio que permite pescar e com o peixe matar a fome. Entretanto, parece-nos, que somente ela é insuficiente. Demanda outras dimensões como a superação da desigualdade, a forma de consumo e a atenção à comunidade de vida que precisa também ser alimentada e preservada.
          A Cultura: Em 2001 o australiano John Hawkes lançou “o quarto pilar da sustentabilidade: a função essencial da cultura no planejamento público”. No Brasil foi mérito de Ana Carla Fonseca Reis, fundadora da empresa “Garimpo de Soluções” e autora do livro Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável de tê-la assumido, difundindo-a  em muitos  cursos e palestras. Este dado da cultura é fundamental, porque encerra princípios e valores ausentes no conceito standard de sustentabilidade. Favorece o cultivo das dimensões tipicamente humanas como a coesão social,  a arte, a religião, a criatividade e as ciências. Deixa para trás a obsessão pelo lucro e pelo crescimento material e abre espaço para uma forma de habitar a Terra que condiz melhor com a lógica da natureza. Ocorre que esta dimensão da cultura foi sequestrada pelos interesses comerciais. Só será realmente eficaz quando, libertada, fundar uma relação criativa com a natureza.
         A neuroplasticidade do cérebro: Cientistas se dão conta de que a estrutura neural do cérebro é extremamente plástica. Através de comportamentos críticos ao sistema consumista, se podem gerar hábitos de moderação e respeitadores dos ciclos da natureza. O cérebro coevolui consonante a evolução exterior, dando-se ai uma relação de interdependência.
Por fim, o Cuidado essencial: eu mesmo desenvolvi a categoria “cuidado” como essencial para a sustentabilidade. Entendo o cuidado exposto em dois textos – Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela Terra (1999) e O cuidado necessário (2012) como uma constante cosmológica e biológica.Detalhes podem ser lidos nos livros referidos.
Nesta fase de busca de formas mais adequadas para garantir a vitalidade da Terra e o futuro de nossa espécie, toda contribuição é benvinda e sempre traz alguma luz.

terça-feira, 8 de maio de 2012

O TRABALHO E A NOVA GEOGRAFIA



por Maria Clara



                      O Dia do Trabalho é ocasião sempre propícia para repensar a realidade do mundo e da sociedade em que se vive.  O trabalho é um elemento essencial na vida humana.  Pelo seu excesso, pela sua falta, pelo seu exercício, o ser humano se autocompreende e capta o sentido de seu papel no mundo.

            É por isso que celebrar o Dia do Trabalho, no último 1 de maio, em meio a tantas e tão aceleradas mudanças que acontecem sem cessar ao nosso redor, nos obrigam a repensar a situação e a configuração da condição humana que é a nossa hoje em dia.

            Quando caíram as utopias no ano de 1989, falou-se em “fim da história”.  Hoje se fala já do “fim da geografia”, sobretudo  para significar uma geografia que começa a ser reconfigurada e assiste ao final das fronteiras, graças, sobretudo, aos fenômenos da globalização e das migrações que redesenham as mesmas.

           Economicamente, esta nova geografia do mundo está longe de ser polarizada em termos Sul-Sul, ou tampouco Leste-Oeste, marca principal dos tempos da guerra fria; ou mesmo Norte-Sul, no sentido do velho paradigma das relações de dependência centro-periferia. A globalização vem se encarregando de transformar todas as formas de compartimentalização hemisférica, continental ou mesmo sub-regional do mundo. Ou seja, a geografia econômica tende a ignorar as geografias física e humana. Por exemplo, os “outsourcing” de contadores, engenheiros e os "call centers" na Índia redesenham o mapa do trabalho, que não mais pode ser entendido como antes.

            Um choque está, portanto, acontecendo entre o desenvolvimento desnorteado das forças produtivas da indústria e as relações de produção criadas para regularizá-las. A reconfiguração que isto provoca sobre o trabalho afeta a maneira mesmo de conceber esta categoria e do ser humano poder inserir-se nela.

            As migrações internacionais, atualmente, constituem um espelho das assimetrias das relações socioeconômicas vigentes em nível planetário. São termômetros que apontam para as contradições das relações internacionais e da globalização neoliberal. Tomando por base o referencial demográfico, vê-se que os deslocamentos migratórios fazem parte da natureza humana, mas são estimulados, quando não forçados, nos dias de hoje, pelo advento da tecnologia e pelo impacto da problemática econômica, nesta lógica inversa de sua preponderância em relação ao ser humano.

         A intensidade e a complexidade da mobilidade humana contemporânea trazem sérias interrogações em relação a suas causas. Trata-se de um fenômeno “espontâneo” ou “induzido”? Estamos diante de migrações “voluntárias” ou “forçadas”? Na realidade, tem-se a impressão de que a emigração maciça para os países do Norte do Mundo, antes que consequência da livre escolha de indivíduos, decorre diretamente da crise do atual modelo de globalização neoliberal que concentra as riquezas e subordina o capital produtivo e gerador de empregos ao capital especulativo financeiro. As pessoas emigram fundamentalmente em busca de trabalho e sustento que não encontram em sua região de origem.

      Neste novo panorama geográfico humano, a metáfora que parece mais adequada é a da esperança de chegar à terra prometida que teleologicamente fez da aventura de Abraão algo bem diferente do eterno retorno à Ithaca de Ulisses.  Os milhares de latinos que cruzam diariamente a fronteira americana ou as centenas de africanos que desembarcam nas costas mediterrâneas trazem consigo um sonho: o sonho americano, ou o trabalho em um país europeu desenvolvido.  Em suma, algo que para eles e elas é a terra prometida, com diversos componentes e elementos: trabalho, vida melhor para os filhos e descendentes etc.

      Aí se apóia o sonho moderno, a esperança moderna: chegar à terra prometida e ser parte de seu processo, trazendo junto consigo o sentimento de culpa e a sensação de fracasso de não andar suficientemente rápido. Esta culpa angustia e tritura interiormente, mas igualmente protege a esperança da frustração de ver que finalmente se apoiava sobre um sonho não real.  Por isso, a culpa nunca desaparece e mantém o ser humano em movimento. O que o espera, porém, não é a gratificação adiada, mas a impossibilidade de ser gratificado.

      Contando com meios extremamente avançados e sofisticados, o trabalho humano hoje em dia carrega em si, no entanto, muito de escravidão.  Todos os esforços para repensar essa situação e tratar de transformá-la são missão iniludível para as novas gerações.

    Maria Clara Bingemer
, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre  ética,   mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.  

Copyright 2012 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

A MÃE DE TODOS NÓS



por Marcelo Barros



A ONU consagrou o 22 de abril como dia internacional da Terra. Normalmente os dias consagrados pela ONU são para categorias de pessoas ou para desafios da nossa civilização. Não existe dia de objetos ou mercadorias. Ao consagrar um dia à terra, a ONU parece deixar claro que a terra e os bens naturais são mais do que mercadorias e não podem ser objeto de compra e venda. É urgente insistir nisso porque, segundo Ricardo Abramovay, professor da USP, “a extração de recursos da superfície terrestre cresceu oito vezes durante o século XX e atingiu um total de 60 bilhões de toneladas anuais, a partir apenas do peso físico de quatro elementos: minérios, materiais de construção, combustíveis fósseis e biomassa” (citado por Washington Novaes, O Estado de S.Paulo, 6ª f., 13?04/ 2012). Essa atenção da ONU à Terra se liga a um movimento mundial que elaborou “a Carta da Terra”, documento coletivo que enuncia, como que, direitos da Terra que devem ser sempre respeitados, para que se garanta a comunidade da vida no planeta. Ao consagrar esse dia à Mãe Terra, a assembleia da ONU fez muita gente pensar: através desse gesto as Nações Unidas aderiram às expressões religiosas das culturas indígenas. Estas olham a Terra como mãe carinhosa que permanentemente cuida da vida de todo ser vivo. Nos países andinos, os índios não bebem vinho ou água sem derramar um gole por terra como brinde à Pacha Mama. Nas últimas décadas, a partir dos trabalhos do cientista James Lovelook, a própria ciência começou a ver a Terra como um organismo vivo e inteligente que reage ao meio ambiente e cria condições propícias para a vida. Leonardo Boff fala da terra como Gaia, nome com a qual os antigos gregos denominavam como deusa a mãe Terra. Não se trata de propor uma volta à religião antiga, mas de resgatar uma cultura amorosa e de respeito ao nosso planeta e a tudo o que o envolve. 

No decorrer dos tempos, em várias partes do mundo, o culto a Maria, mãe de Jesus, assumiu elementos e aspectos de antigos cultos de adoração à deusa que, com nomes e atribuições diferentes, significava a Mãe Terra. No México, a devoção a Nossa Senhora de Guadalupe, na Bolívia, Nossa Senhora de Copacabana e no Brasil, Aparecida e outros santuários, mostram esse enraizamento do culto mariano nas tradições pré-cristãs da veneração à Mãe Terra. Em todos os lugares, histórias sobre aparições de imagens de Maria originam templos e lugares de culto. São elementos comuns aos antigos cultos à Mãe Terra. Irmãos evangélicos têm visto nesses costumes um risco de idolatria. De fato, conforme a fé cristã, o único Salvador é Jesus e só ele pode ser objeto de adoração e culto. A Igreja Católica, em sua liturgia, só dirige orações a Deus Pai, por meio de Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Na liturgia católica, não há preces diretamente dirigidas a Maria ou aos santos. Entretanto, a tradição católica faz uma distinção entre adorar e venerar e aceita o culto dos santos como recordação das maravilhas que Deus faz no meio da humanidade e como exemplo para nossas vidas.  

De fato, Deus é amor e sempre se revelou contente quando as pessoas veem na Terra e em todos os seres vivos sinais e sacramentos de sua presença. Conforme a Bíblia, quando se revela a Moisés, na sarça ardente para fazer uma aliança com o povo (Ex 3), a primeira palavra que Deus diz a Moisés é: “tira as sandálias dos teus pés, porque essa terra é santa”. Do mesmo modo, o último livro da Bíblia cristã, o Apocalipse, narra que quando a Mulher, símbolo da comunidade messiânica e de toda a humanidade é perseguida pelo Inimigo, quem a acolhe e a protege é a terra (Ap 12). 

Em uma sociedade que vê tudo como mercadoria e perdeu a consciência da dignidade da terra, seria importante que, em todas as Igrejas, a espiritualidade cristã resgatasse essa dimensão ecológica de comunhão com a terra e a natureza. O povo católico que gosta de venerar a Maria é chamado a ver na Terra um sinal da presença protetora da mãe do céu, que por sua vez é para todos os cristãos um sinal do Criador. Sem confusão, nem risco de idolatria, tanto a mãe terra como a figura de Maria, mãe de Jesus são como um grande sinal do amor divino por nós e cuidando da terra nós estamos contemplando e acariciando uma manifestação de Deus.  

SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃO




por Leonardo Boff



A sustentabilidade, um dos temas entrais da Rio+20, não acontece mecanicamente. Resulta de um processo de educação pela qual o ser humano redefine o feixe de relações que entretém com o Universo, com a Terra, com a natureza, com a sociedade e consigo mesmo dentro dos critérios de equilíbrio ecológico, de respeito e amor à Terra e à comunidade de vida, de solidariedade para com as gerações futuras e da construção de  uma democracia sócio-ecológica sem fim.
Estou convencido de que somente uma processo generalizado de educação pode criar novas mentes e novos corações, como pedia a Carta da Terra, capazes de fazer a revolução paradigmática exigida pelo risco global sob o qual vivemos. Como repetia com freqüência Paulo Freire:”a educação não muda o mundo mas muda as pessoas que vão mudar o mundo”. Agora todas as pessoas são urgidas a mudar. Não temos outra alternativa: ou mudamos ou conheceremos a escuridão.
Não cabe aqui abordar a educação em seus múltiplos aspectos tão bem formulados em 1996 pela UNESCO: aprender a conhecer, a fazer, a ser e a viver juntos; eu acrescentaria aprender a cuidar da Mãe Terra e de todos os seres.
Mas este tipo de educação é ainda insuficiente. A  situação mudada do mundo exige que tudo seja ecologizado, isto é, cada saber deve prestar a sua colaboração a fim de proteger a Terra, salvar a vida humana e o nosso projeto planetário. Portanto, o momento ecológico deve  atravessar todos os saberes.
A 20 de dezembro de 2002 a ONU aprovou uma resolução proclamando os anos de 2005-2014 a Década da educação para o desenvolvimento sustentável. Neste documento se definem 15 perspectivas estratégicas em vista de uma educação para  sustentabilidade. Referiremos algumas:
Perspectivas socioculturais que incluem: direitos humanos, paz e segurança; igualdade entre os sexos; diversidade cultural e compreensão intercultural; saúde; AIDS; governança global.
Perspectivas ambientais que comportam: recursos naturais (água, energia, agricultura e    biodiversidade); mudanças climáticas; desenvolvimento rural; urbanização sustentável; prevenção e mitigação de catástrofes.
Perspectivas econômicas que visam: a redução da pobreza e da miséria; a responsabilidade e a prestação de contas das empresas.
Como se depreende, o momento ecológico está presente em todas as disciplinas: caso contrário não se alcança uma sustentabilidade generalizada. Depois que irrompeu o paradigma ecológico, nos conscientizamos do fato de que todos somos ecodependentes. Participamos de uma comunidade de interesses com os demais seres vivos que conosco compartem a biosfera. O interesse comum básico é manter as condições para a continuidade da vida e da própria Terra, tida como  Gaia. É o fim último da sustentabilidade.      
A partir de agora a educação deve impreterivelmente incluir as quatro grandes tendências da ecologia: a ambiental, a social, a mental e a integral ou profunda (aquela que discute nosso lugar na natureza). Mais e mais se impõem entre os educadores esta perspectiva: educar para o bem viver  que é a arte de viver em harmonia com a natureza e propor-se repartir equitativamente com os demais seres humanos  os recursos da cultura e do desenvolvimento sustentável.
Precisamos estar conscientes de que não se trata apenas de introduzir corretivos ao sistema que criou a atual crise ecológica mas de educar para sua transformação. Isto implica superar a visão reducionista e mecanicista ainda imperante e assumir a cultura da complexidade. Ela nos permite ver as interrelações do mundo vivo e as ecodependências do ser humano. Tal verificação exige tratar as questões ambientais de forma global e integrada. Deste tipo de educação se deriva a dimensão ética de responsabilidade e de cuidado pelo futuro comum da Terra e da humanidade. Faz descobrir o ser humano como o cuidador de nossa Casa Comum e o guardião de todos seres. Queremos que a  democracia sem fim (Boaventura de Souza Santos) assuma as características socioecológicas pois só assim será adequada à era ecozóica e responderá às demandas do novo paradigma. Ser humano, Terra e natureza se pertencem mutuamente. Por isso é possível forjar  um caminho de convivência pacífica. É o desafio  da educação.

A TERCEIRA CRISE DO CAPITALISMO



por Frei Betto



    A atual crise econômica  do capitalismo manifestou seus primeiros sinais nos EUA em 2007 e já faz  despontar no Brasil sinais de incertezas.

       O sistema é um gato  de sete fôlegos. No século passado, enfrentou duas grandes crises. A  primeira, no início do século XX, nos primórdios do imperialismo, ao passar  do laissez-faire (liberalismo econômico) à concentração do capital  por parte dos monopólios. A guerra econômica por conquista de mercados  ensejou a bélica: a Primeira Guerra Mundial. Resultou numa “saída” à  esquerda: a Revolução Russa de 1917.

       Em 1929, nova crise,  a Grande Depressão. Da noite para o dia milhares de pessoas perderam seus  empregos, a Bolsa de Nova York quebrou, a recessão se estendeu por longo  período, com reflexos em todo o mundo. Desta vez a “saída” veio pela  direita: o nazismo. E, em consequência, a Segunda Guerra Mundial.

       E agora,  José?

       Essa terceira  crise difere das anteriores. E surpreende em alguns aspectos: os países que  antes compunham a periferia do sistema (Brasil, China, Índia, Indonésia),  por enquanto estão melhor que os metropolitanos. Neste ano, o crescimento  dos países latino-americanos deve superar o dos EUA e da Europa. Deste lado  do mundo são melhores as condições para o crescimento da economia: salários  em elevação, desemprego em queda, crédito farto e redução das taxas de  juros.  

       Nos países  ricos se acentuam o déficit fiscal, o desemprego (24,3 milhões de  desempregados na União Europeia), o endividamento dos Estados. E, na Europa,  parece que a história – para quem já viu este filme na América Latina – está  sendo rebobinada: o FMI passa a administrar as finanças dos países, intervém  na Grécia e na Itália e, em breve, em Portugal, e a Alemanha consegue, como  credora, o que Hitler tentou pelas armas – impor aos países da zona do euro  as regras do  jogo.

       Até agora não  há saída para esta terceira crise. Todas as medidas tomadas pelos EUA são  paliativas e a Europa não vê luz no fim do túnel. E tudo pode se agravar com  a já anunciada desaceleração do crescimento de China e consequente redução  de suas importações. Para a economia brasileira será  drástico.

       O comércio  mundial já despencou 20%. Há progressiva desindustrialização da economia,  que já afeta o Brasil. O que sustenta, por enquanto, o lucro das empresas é  que elas operam, hoje, tanto na produção quanto na especulação. E, via  bancos, promovem a financeirização do consumo. Haja crédito! Até que a bolha  estoure e a inadimplência se propague como  peste.

       A “saída”  dessa terceira crise será pela esquerda ou pela direita? Temo que a  humanidade esteja sob dois graves riscos. O primeiro, já é óbvio: as  mudanças climáticas. Produzidas inclusive pela perda do valor de uso dos  alimentos, agora sujeitos ao valor de compra estabelecido pelo mercado  financeiro.

       Há uma  crescente reprimarização das economias dos chamados emergentes. Países, como  o Brasil, regridem no tempo e voltam a depender das exportações de  commodities (produtos agrícolas, petróleo e minério de ferro, cujos preços  são determinados pelas transnacionais e pelo mercado financeiro).

       Neste esquema  global, diante do poder das gigantescas corporações transnacionais, que  controlam das sementes transgênicas aos venenos agrícolas, o latifúndio  brasileiro passa a ser o elo mais  fraco.

       O segundo  risco é a guerra nuclear. As duas crises anteriores tiveram nas grandes  guerras suas válvulas de escape. Diante do desemprego massivo, nada como a  indústria bélica para empregar trabalhadores desocupados. Hoje, milhares de  artefatos nucleares estão estocados mundo afora. E há inclusive minibombas  nucleares, com precisão para destruições localizadas, como em Hiroshima e  Nagasaki.

       É hora de  rejeitar a antecipação do apocalipse e reagir. Buscar uma saída ao sistema  capitalista, intrinsecamente perverso, a ponto de destinar trilhões para  salvar o mercado financeiro e dar as costas aos bilhões de serem humanos que  padecem entre a pobreza e a miséria.

       Resta, pois,  organizar a esperança e criar, a partir de ampla mobilização, alternativas  viáveis que conduzam a humanidade, como se reza na celebração eucarística,  “a repartir os bens da Terra e os frutos do trabalho  humano”.

 

 Frei Betto é escritor,  autor, em parceria com Marcelo Gleiser, de “Conversa sobre  a fé e a ciência” (Agir), entre outros livros.