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terça-feira, 30 de abril de 2013

Papa Francisco e a Teologia da Libertação




Por LEONARDO BOFF

Muitos se tem perguntado que pelo fato de o atual Papa Francisco provir da América Latina, seja um adepto da teologia da libertação. Esta questão é  irrelevante. O importante não é ser da teologia da libertação, mas da libertação dos oprimidos, dos  pobres e injustiçados. E isso ele o é com indubitável claridade.
Este, na verdade, sempre foi o propósito da teologia da libertação. Primeiramente vem a libertação concreta da fome, damiséria, da degradação moral e da ruptura com Deus. Esta realidade pertence aos bens do Reino de Deus e estava nos propôsitos de Jesus. Depois, em segundo lugar, vem a reflexão sobre este dado real: em que medida aí se realiza antecipatoriamente o Reino de Deus e de que forma o cristianismo, com o potencial espiritual herdado de Jesus, pode colaborar, junto com outros grupos humanitários, nesta libertação ncessária.
Esta reflexão posterior, chamada de teologia, pode existir ou não pois pode não haver pessoas que tenham condições de exrcer esta tarefa. O  decisivo é que o fato da libertação real ocorra.  Mas sempre haverá espíritos atentos que ouvirão o grito do oprimido e da Terra devastada e que se perguntarão: com aquilo que aprendemos de Jesus, dos Apóstolos e da doutrina cristã de tantos séculos, como podemos dar a nossa contribuição ao processo de libertação? Foi o que realizou toda uma geração de cristãos, de cardeais a leigos e a leigas a partir dos anos 60 do século passado. Continua até os dias de hoje, pois os pobres não cessam de crescer e seu grito já se transformou num clamor.
     Ora, o Papa Francisco fez esta opção pelos pobres, viveu e vive pobremente em solidariedade a eles e o disse claramente numa de suas primeiras intervenções:”Como gostaria uma Igreja pobre para os pobres”. Neste sentido, o Papa Francisco, está realizando a intuição primordial da Teologia da Libertação e secundando sua marca registrada: a opção preferencial pelos pobres, contra a pobreza e a favor da vida e da justiça.

      Esta opção não é para ele apenas discurso mas opção de vida e de espiritualidade. Por causa dos pobres, tem se indisposto com a presidenta Cristina Kirchner pois cobrou de seu governo mais empenho político para a superação dos problemas sociais que, analiticamete se chamam desigualdades, eticamente, representam injustiças e teologicamente  constituem um pecado social que afeta diretamente ao Deus vivo que biblicamente mostrou estar sempre do lado dos que menos vida tem e são injustiçados. 
     Em 1990 havia na Argentina 4% de pobres.Hoje, dada a voracidade do  capital nacional e internacional, se elevam a 30%. Estes não são apenas números. Para uma pessoa sensível e espiritual como o bispo de Roma Francisco, tal fato representa uma via-sacra de sofrimentos, lágrimas de crianças famintas e desespero de paisdesempregados. Isso faz-me lembrar uma frase de Dostoiewski: ”Todo o progresso do mundo não vale o choro de uma criança faminta.” 
     Esta pobreza, tem insistido com firmeza o Papa Francisco: não se supera pela filantropia mas por políticas públicas para que devolvam dignidade aos oprimidos e os tornecidadãos autônomos e participativos.
     Não importa que o Papa Francisco não use a expressão “teologia da libertação”. O importante mesmo é que ele fala e age na forma de libertação.
É até bom que o Papa não se filie a nenhum tipo de teologia,  como a da libertação ou de qualquer outra. Seus dois antecessores assumiram certo tipo de  teologia que estava em suas cabeças e se apresentava como expressões do magistério papal. Em nome disso se fizeram condenações de não poucos teólogos e teólogas. 
     Está comprovado historicamente que a categoria “magistério” atribuída aos Papas é uma criação recente. Começou a ser empregada pelos Papas Gregório XVI (1765-1846) e por Pio X (1835-1914) e se fez comum com Pio XII (1876-1958).  Antes “magistério” era  constituído pelos doutores em teologia e não pelos bispos e pelo Papa. Estes são mestres da fé. Os teólogos são mestres da inteligência da fé. Portanto, aos bispos e Papas não cabia fazer teologia: mas testemunhar oficialmente e garantir zelosamente a fé crista. Aos teólogos e teólogas cabia e cabe aprofundar este testemunho com os instrumentos intelectuais oferecidos pela cultura em presença. Quando Papas se põem a fazer teologia, como ocorreu recentemente, não se sabe se falam como Papas ou como teólogos. Cria-se grande confusão na Igreja; perde-se a liberdade de investigação e o diálogo com os vários saberes.
     Graças a Deus que o Papa Francisco explicitamente se apresenta como Pastor e não como Doutor e Teólogo mesmo que fosse da libertação. Assim é mais livre para falar a partir do evangelho, de sua inteligência emocional e espiritual, com o coração aberto e sensível, em sintonia com o mundo hoje planetizado. Que o Papa deixe aos tólogos fazer teologia e ele presida a Igreja no amor e na esperança. Papa Francisco: coloque a teologia em tom menor para que a libertação ressoe em tom maior: consolação para os oprimidos e interpelação às consciências dos poderosos. Portanto, menos teologia e mais libertação.
Leonardo Boff é autor de Teologia do cativeiro e da libertação, Vozes 2013.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

BOSTON: UM LUGAR DE PROPORÇÕES GLOBAIS



Por MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER


          Ao saber da notícia, a pergunta que me vem é: “Outra vez?” “De novo? “   Realmente é uma sensação horrível de “déjà vu”, de repetição banal e enfadonha o fato de que uma vez mais armas de fogo, explosivos ou qualquer outro artefato e material mortífero detonaram várias vidas inocentes em um lugar aparentemente seguro e feito para o esporte e a diversão.
         Agora foi no meio de uma maratona, competição esportiva para a qual jovens, adultos e até idosos se preparam durante meses e que é assistida por centenas de pessoas.  Quantas vezes já não acompanhei marido,  filhos, amigos em maratonas ou meias maratonas, ou triatlo, ou outras quaisquer competições esportivas? É belo ver aquelas roupas coloridas, o esforço dos atletas, a alegria na reta final, os abraços, os risos. Custa imaginar que em meio a este cenário de vida de repente ocorram explosões e voem estilhaços.  Pessoas percam a vida, outras tenham membros amputados, a saúde permanentemente abalada, e vejam esfumar-se para sempre a tranquilidade e a alegria de viver.
          Desta vez foi na chegada da maratona de Boston.  Outro dia foi numa escola primária.  E antes em um cinema, em dia de estreia.  E antes ainda em um shopping.  E numa universidade, numa lanchonete, em uma colônia de férias.  Em suma, nos lugares mais improváveis e não compatíveis com violência e morte, estas sombrias e indesejadas presenças teimaram em fazer-se visíveis, matando e destruindo.
          Não se pode mais dizer que é aqui ou ali.  O tradicional preconceito que localizava a violência e o medo em lugares mais pobres e periféricos está cabalmente desmentido.  O lugar do terror e do medo agora é qualquer lugar, em qualquer latitude, a qualquer hora e em qualquer circunstância.  Nem o lazer está a salvo.  Nem o esporte.  Qualquer lugar é lugar e qualquer hora é hora para que exploda repentinamente a morte, vinda não se sabe de onde, com sua pérfida e traiçoeira imprevisibilidade.
          Agora estamos na etapa de caçar os culpados e usar de todos os meios para deles obter informações que levem a alguma rede terrorista internacional, de preferência islâmica.  Os dois irmãos chechenos passaram a ocupar o foco do noticiário internacional . A morte do primeiro faz com que só reste um, que no momento se encontra impossibilitado de comunicar-se.
           Até agora, as informações obtidas mostravam os dois irmãos como pessoas normais e pacíficas.  O falecido era casado e tinha uma filha de três anos, da qual se ocupava desveladamente, enquanto a mulher ia trabalhar. O mais jovem é descrito pelo pai como “um anjinho”.  Estudante aplicado, de hábitos tranquilos, nada levava a crer que juntamente com o irmão poderia explodir bombas confeccionadas artesanalmente em meio a um evento público, matando a torto e a direito crianças, jovens e adultos para eles desconhecidos.
          Talvez se descubra algo durante os interrogatórios a que está sendo submetido o jovem suspeito no hospital onde está internado sob vigilância que reduza a tensão da opinião pública por algum tempo.  Ele será preso, condenado à prisão perpétua ou talvez até mesmo à pena capital.  Todos respirarão aliviados...até que...daqui a algum tempo, em um parque de diversões, ou em uma lanchonete ou em algum evento de grandes proporções aconteça de novo.  A violência entrará anônima e destruidora, não deixando pedra sobre pedra.  E a perplexidade tomará conta de todos.  E mais uma vez ninguém entenderá.
          O que mais aterroriza é que não parece haver para onde fugir.  Não acontece só aqui ou lá; ou nesta circunstância e não naquela.  Boston é um lugar de dimensões globais.  Assim como o foi Nova York, ou a Dinamarca, ou o trem de Londres e de Madri.  Ou, entre nós, o colégio de Realengo.  Onde acontecerá da próxima vez?  Não se sabe nem se imagina, mas se teme.
          Solução prática e eficiente não há.  É como tratar de apanhar entre as mãos um tufão impetuoso que arrasta casas e plantações.  Ou como tentar segurar entre os dedos uma enguia que escorrega e escapa. Em todo caso, o que parece claro é que o revide, a revanche, a violência que contra-ataca a violência não estão resolvendo muita coisa.  Qual cogumelo que se autorreproduz, ela cresce e alcança mais longe e mais cruelmente.
          Talvez a única coisa a fazer seria trabalhar pedagogicamente as novas gerações, para que tomem consciência do planeta que lhes estamos legando: um espaço muito difícil de viver.  Quem sabe não se consegue despertar nelas um desejo ardente de fazer com que seja diferente?  Quem sabe os meninos e meninas de hoje, adultos de amanhã, não poderão desejar e empregar o melhor de suas forças para construir um mundo diferente daquele que Tamerlan e Dzokhar Tzarnaev quiseram explodir com suas bombas? Enquanto este processo não começar a ser construído, viver se tornará cada vez mais perigoso...e mortalmente improvável.

 Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio,   é autora de “Crônicas de cá e de lá” (editora Subiaco), que  pode ser  encomendado diretamente à escritora pelo e-mail –  agape@puc-rio.br – R$ 20,00


Copyright 2013 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

quinta-feira, 25 de abril de 2013

PRODUÇÃO DE SENTIDO




Por FREI BETTO

     Muitos pais se queixam do desinteresse dos filhos por causas altruístas, solidárias, sustentáveis. Guardam a impressão de que parcela considerável da juventude busca apenas riqueza, beleza e poder. Já não se espelha em líderes voltados às causas sociais, ao ideal de um mundo melhor, como Gandhi, Luther King, Che Guevara e Mandela.
    O que falta à nova geração? Faltam instituições produtoras de sentido. Há que imprimir sentido à vida. Minha geração, a que fez 20 anos de idade na década de 1960, tinha como produtores de sentido Igrejas, movimentos sociais e organizações políticas.

     A Igreja Católica, renovada pelo Concílio Vaticano II, suscitava militantes, imbuídos de fé e idealismo, por meio da Ação Católica e da Pastoral de Juventude. Queríamos ser homens e mulheres novos. E criar uma nova sociedade, fundada na ética pessoal e na justiça social.
     Os movimentos sociais, como a alfabetização pelo método Paulo Freire, nos desacomodavam, impeliam-nos ao encontro das camadas mais pobres da população, educavam a nossa sensibilidade para a dor alheia causada por estruturas injustas.

     As organizações políticas, quase todas clandestinas sob a ditadura, incutiam-nos consciência crítica, e certo espírito heroico que nos destemia frente aos riscos de combater o regime militar e a ingerência do imperialismo usamericano na América Latina.

     Quais são, hoje, as instituições produtoras de sentido? Onde adquirir uma visão de mundo que destoe dessa mundividência neoliberal centrada no monoteísmo do mercado? Por que a arte é encarada como mera mercadoria, seja na produção ou no consumo, e não como criação capaz de suscitar em nossa subjetividade valores éticos, perspectiva crítica e apetite estético?

     As novas tecnologias de comunicação provocam a explosão de redes sociais que, de fato, são virtuais. E esgarçam as redes verdadeiramente sociais, como sindicatos, grêmios, associações, grupos políticos, que aproximavam as pessoas fisicamente, incutiam cumplicidade e as congregavam em diferentes modalidades de militância.

     Agora, a troca de informações e opiniões supera o intercâmbio de formação e as propostas de mobilização. Os megarrelatos estão em crise, e há pouco interesse pelas fontes de pensamento crítico, como o marxismo e a teologia da libertação.

     No entanto, como se dizia outrora, nunca as condições objetivas foram tão favoráveis para operar mudanças estruturais. O capitalismo está em crise, a desigualdade social no mundo é alarmante, os povos árabes se rebelam, a Europa se defronta com 25 milhões de desempregados, enquanto na América Latina cresce o número de governos progressistas, emancipados das garras do Tio Sam e suficientemente independentes, a ponto de eleger Cuba para presidir a Celac (Comunidade do Estados Latino-Americanos e Caribenhos).
     Vigora atualmente um descompasso entre o que se vê e o que se quer. Há uma multidão de jovens que deseja apenas um lugar ao sol sem, contudo, se dar conta das espessas sombras que lhes fecham o horizonte.

     Quando não se quer mudar o mundo, privatiza-se o sonho modificando o cabelo, a roupa, a aparência. Quando não se ousa pichar muros, faz-se tatuagem para marcar no corpo sua escala de valores. Quando não se injeta utopia na veia, corre-se o risco de injetar drogas.

     Não fomos criados para ser carneiros em um imenso rebanho retido no curral do mercado. Fomos criados para ser protagonistas, inventores, criadores e revolucionários. 

     Quando Hércules haverá de arrebentar as correntes de Prometeu e evitar que o consumismo prossiga lhe comendo o fígado? “Prometeu fez com que esperanças cegas vivam nos corações dos homens”, escreveu Ésquilo. De onde beber esperanças lúcidas se as fontes de sentido parecem ressecadas?
     Parecem, mas não desaparecem. As fontes estão aí, a olhos vistos: a espiritualidade, os movimentos sociais, a luta pela preservação ambiental, a defesa dos direitos humanos, a busca de outros mundos possíveis.

Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.
  http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.
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quarta-feira, 24 de abril de 2013

O julgamento de Deus



Por MARCELO BARROS

A maioria da sociedade civil brasileira estranha que o deputado posto na coordenação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal manifeste opiniões preconceituosas que não contribuem com os direitos humanos, principalmente de grupos minoritários e vítimas de discriminação social. O Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de assassinatos homofóbicos. Contabiliza 44% das ocorrências no globo. De 2007 a 2012, calculam-se em 1.341 homicídios contra a população LGBT. O Disque 100 recebe por dia, em média, oito denúncias de violência contra homossexuais. Em 2012, no país, foram registrados  338 assassinatos de gays, travestis e lésbicas, sem falar nos casos não denunciados. Nesse contexto, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados tem como coordenador alguém cujas posições públicas contribuem para reforçar preconceitos. O mais grave de tudo não é o deputado Marco Feliciano afirmar que Deus, pessoalmente, é o mandante do assassinato de John Lemmon ou é o responsável pelo acidente que vitimou o grupo Mamonas Assassinas, nem que tornou os negros amaldiçoados por serem filhos de Cam, o filho rebelde de Noé.  
Ao afirmar isso como quem defende o direito de Deus ser cruel, desumano e despótico, ele põe em julgamento não as categorias e pessoas que ele discrimina e sim o próprio Deus. Deus é o réu em um julgamento no qual quem o diz defender, verdadeiramente o acusa e quem não fala em Deus parece mais ser seu representante. Por isso, as posições do deputado Feliciano nos desafiam não apenas a protestar contra o pensamento que consideramos absurdo em alguém que se diz cristão, mas a nos preocupar com o fato de que esse tipo de visão é muito comum entre os cristãos e tem muitos seguidores entre pastores e fiéis em todas as Igrejas. Na semana passada, em um grande evento de uma Igreja pentecostal em Brasília, o pastor Feliciano foi aplaudido de pé por 40 mil pessoas. Infelizmente muitos pastores pentecostais, evangélicos e mesmo alguns prelados católicos não se pronunciam tão explicitamente, mas pensam do mesmo modo sobre Deus, sobre a sociedade e sobre a vida. Não são poucos os padres e bispos católicos, assim como pastores evangélicos de Igrejas históricas com as mesmas posições homofóbicas, discriminatórias e intolerantes do pastor Feliciano. Há poucos anos, depois do terremoto do Haiti, um pastor foi à televisão e declarou que aquilo aconteceu como castigo do Deus porque os haitianos adoram deuses africanos. No Brasil, há alguns anos, um cardeal declarou que a Aids é um castigo de Deus para a humanidade pecadora.  Ao nos deparar com essa interpretação fundamentalista da fé, podemos compreender a posição de Richard Dawkins, filósofo ateu, que afirmou: “Encher o mundo com religião e principalmente com religiões monoteístas equivale a espalhar pelas estradas pistolas carregadas. Não se surpreendam se elas forem usadas”.  E assim, se tornam compreensíveis cruzadas, tribunais de inquisição, caça às bruxas e perseguições de hereges. E os fiéis continuam contentes ao ler ao pé da letra que o Deus da Bíblia libertou os hebreus e afogou os egípcios no Mar Vermelho, mandou matar todos os cananeus, habitantes da terra, invadida pelo povo de Deus e inspirou o salmo que diz: “Podem cair mil à tua direita, dez mil à tua esquerda, fiques tranquilo que nada te acontecerá” (Sl 91). Esse modo pouco amoroso de compreender a fé ensina que existe inferno e diz que Deus amou Jacó e rejeitou Esaú.
Graças a Deus, cada vez mais cresce o número de cristãos que reconhecem a Bíblia como escritura de uma palavra divina, mas a partir de uma cultura humana e condicionada por elementos que temos de ser capazes de criticar e transformar. A própria revelação divina se deu em um processo evolutivo. A compreensão do patriarca Abraão de que Deus o mandava matar o seu filho Isaac, se transformou muito no decorrer da Bíblia. Evoluiu até Jesus revelar a Deus como Paizinho que “faz o sol nascer sobre os bons e sobre os maus e chover sobre os justos e os injustos” (Cf. Mt 5, 45). Roger Schutz, fundador da comunidade ecumênica de Taizé, resumiu: “Se é Deus, ele só pode amar!”. Um deus cruel e impiedoso que castiga e discrimina pessoas é um ídolo e não o Deus de Jesus Cristo. Um Deus menos humano e menos bondoso do que qualquer pessoa razoável do nosso tempo é um divisor (em grego, diabolos) e não o Deus do qual João escreveu: “Deus é amor, quem vive o amor, vive em Deus e Deus vive nessa pessoa” (1 Jo 4, 16). 

 Marcelo Barros, monge beneditino e peregrino de Deus