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sexta-feira, 26 de abril de 2013

BOSTON: UM LUGAR DE PROPORÇÕES GLOBAIS



Por MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER


          Ao saber da notícia, a pergunta que me vem é: “Outra vez?” “De novo? “   Realmente é uma sensação horrível de “déjà vu”, de repetição banal e enfadonha o fato de que uma vez mais armas de fogo, explosivos ou qualquer outro artefato e material mortífero detonaram várias vidas inocentes em um lugar aparentemente seguro e feito para o esporte e a diversão.
         Agora foi no meio de uma maratona, competição esportiva para a qual jovens, adultos e até idosos se preparam durante meses e que é assistida por centenas de pessoas.  Quantas vezes já não acompanhei marido,  filhos, amigos em maratonas ou meias maratonas, ou triatlo, ou outras quaisquer competições esportivas? É belo ver aquelas roupas coloridas, o esforço dos atletas, a alegria na reta final, os abraços, os risos. Custa imaginar que em meio a este cenário de vida de repente ocorram explosões e voem estilhaços.  Pessoas percam a vida, outras tenham membros amputados, a saúde permanentemente abalada, e vejam esfumar-se para sempre a tranquilidade e a alegria de viver.
          Desta vez foi na chegada da maratona de Boston.  Outro dia foi numa escola primária.  E antes em um cinema, em dia de estreia.  E antes ainda em um shopping.  E numa universidade, numa lanchonete, em uma colônia de férias.  Em suma, nos lugares mais improváveis e não compatíveis com violência e morte, estas sombrias e indesejadas presenças teimaram em fazer-se visíveis, matando e destruindo.
          Não se pode mais dizer que é aqui ou ali.  O tradicional preconceito que localizava a violência e o medo em lugares mais pobres e periféricos está cabalmente desmentido.  O lugar do terror e do medo agora é qualquer lugar, em qualquer latitude, a qualquer hora e em qualquer circunstância.  Nem o lazer está a salvo.  Nem o esporte.  Qualquer lugar é lugar e qualquer hora é hora para que exploda repentinamente a morte, vinda não se sabe de onde, com sua pérfida e traiçoeira imprevisibilidade.
          Agora estamos na etapa de caçar os culpados e usar de todos os meios para deles obter informações que levem a alguma rede terrorista internacional, de preferência islâmica.  Os dois irmãos chechenos passaram a ocupar o foco do noticiário internacional . A morte do primeiro faz com que só reste um, que no momento se encontra impossibilitado de comunicar-se.
           Até agora, as informações obtidas mostravam os dois irmãos como pessoas normais e pacíficas.  O falecido era casado e tinha uma filha de três anos, da qual se ocupava desveladamente, enquanto a mulher ia trabalhar. O mais jovem é descrito pelo pai como “um anjinho”.  Estudante aplicado, de hábitos tranquilos, nada levava a crer que juntamente com o irmão poderia explodir bombas confeccionadas artesanalmente em meio a um evento público, matando a torto e a direito crianças, jovens e adultos para eles desconhecidos.
          Talvez se descubra algo durante os interrogatórios a que está sendo submetido o jovem suspeito no hospital onde está internado sob vigilância que reduza a tensão da opinião pública por algum tempo.  Ele será preso, condenado à prisão perpétua ou talvez até mesmo à pena capital.  Todos respirarão aliviados...até que...daqui a algum tempo, em um parque de diversões, ou em uma lanchonete ou em algum evento de grandes proporções aconteça de novo.  A violência entrará anônima e destruidora, não deixando pedra sobre pedra.  E a perplexidade tomará conta de todos.  E mais uma vez ninguém entenderá.
          O que mais aterroriza é que não parece haver para onde fugir.  Não acontece só aqui ou lá; ou nesta circunstância e não naquela.  Boston é um lugar de dimensões globais.  Assim como o foi Nova York, ou a Dinamarca, ou o trem de Londres e de Madri.  Ou, entre nós, o colégio de Realengo.  Onde acontecerá da próxima vez?  Não se sabe nem se imagina, mas se teme.
          Solução prática e eficiente não há.  É como tratar de apanhar entre as mãos um tufão impetuoso que arrasta casas e plantações.  Ou como tentar segurar entre os dedos uma enguia que escorrega e escapa. Em todo caso, o que parece claro é que o revide, a revanche, a violência que contra-ataca a violência não estão resolvendo muita coisa.  Qual cogumelo que se autorreproduz, ela cresce e alcança mais longe e mais cruelmente.
          Talvez a única coisa a fazer seria trabalhar pedagogicamente as novas gerações, para que tomem consciência do planeta que lhes estamos legando: um espaço muito difícil de viver.  Quem sabe não se consegue despertar nelas um desejo ardente de fazer com que seja diferente?  Quem sabe os meninos e meninas de hoje, adultos de amanhã, não poderão desejar e empregar o melhor de suas forças para construir um mundo diferente daquele que Tamerlan e Dzokhar Tzarnaev quiseram explodir com suas bombas? Enquanto este processo não começar a ser construído, viver se tornará cada vez mais perigoso...e mortalmente improvável.

 Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio,   é autora de “Crônicas de cá e de lá” (editora Subiaco), que  pode ser  encomendado diretamente à escritora pelo e-mail –  agape@puc-rio.br – R$ 20,00


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