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quarta-feira, 3 de abril de 2013

Bancada evangélica? O que é isto, gente?



Por JURACY ANDRADE



Apesar de constituições descartáveis fabricadas por maioria de profissionais da malandragem política, de proclamações de republicanismo acendrado, etc., continuamos vítimas da mistura e confusão entre religião e política, religião e Estado e governo, da intolerância de alguns religiosos que transformam suas igrejas em partidos políticos, seus púlpitos em palanques para galgar o excelente emprego que é ser congressista neste país. Não bastaram, para se atingir o real progresso de um Estado laico, o Renascimento, o Iluminismo, a Revolução Francesa. E já estamos no século 21, não é, gente? Mas ainda há muitos saudosos do tempo do padroado, quando a confirmação de bispos dependia da anuência do imperador, quando a Igreja Católica Romana gozava de amplos privilégios, chamavam-se os protestantes de bodes, samba e candomblé eram mantidos a respeitável distância.



     Martinho Lutero foi um grande reformador e a ele se deve a quebra do monopólio do catolicismo e do papado no Ocidente. Mas acredito que ele cometeu um erro básico ao pregar o livre exame dos textos sacros da Bíblia. Inconformado com a interpretação exclusiva que se arrogavam os donos da Igreja Romana (que, aliás, não encorajavam os fieis a ler os textos sagrados), ele partiu para o extremo oposto. Fez tábula rasa da tradição apostólica. Segundo Alister McGrath, em sua obra A revolução protestante (Editora Palavra), a ideia, no cerne da Reforma do século 16, é que a Bíblia pode ser entendida por todos os cristãos e que todos eles têm o direito de interpretá-la e de insistir que suas percepções sejam levadas a sério. Mas essa afirmação de democracia espiritual acabou por liberar forças que ameaçavam desestabilizar a Igreja, levando à cisão e à formação de grupos dissidentes. Isso se provou incontrolável, conforme esse autor.



     Ele prossegue se indagando: quem tem autoridade para definir a fé da religião?  instituições ou os indivíduos? Quem tem o direito de interpretar seu documento fundamental, a Bíblia? E prossegue: “A erupção da Guerra dos Camponeses, em 1525, deixou perfeitamente claro para Lutero que essa nova abordagem era perigosa e, em última instância, incontrolável. Se cada indivíduo pudesse interpretar a Bíblia conforme sua vontade, o resultado só poderia ser a anarquia e o individualismo religioso radical. Tarde demais. Lutero tentou controlar o movimento, enfatizando a importância dos líderes religiosos autorizados, como ele mesmo, e das instituições na interpretação da Bíblia. Mas quem, perguntavam seus críticos, havia ‘autorizado’ essas chamadas autoridades?”



     Essa livre interpretação radical levou a aberrações como você deixar morrer um filho porque a transfusão de sangue é proibida. Como já levara a Igreja pré-Reforma a monstruosidades como as Cruzadas e a Inquisição. Mas essa introdução é para chegarmos à “bancada evangélica” que pretendem constituir no Congresso Nacional 68 deputados e três senadores de diversas denominações protestantes (partidos são apenas biombos para eles), como Assembleia de Deus, Batista, Presbiteriana, Universal Quadrangular, Internacional e outras digamos “menos votadas”. Toda pessoa tem direito de professar sua religião e felizmente isso já é hoje bastante respeitado em nosso país. Mas, num Estado pretensamente laico, o cara não pode se apresentar ao eleitorado como candidato porque pertence a tal religião, porque é pastor ou adepto de tal igreja, porque faz suas orações na sinagoga, na mesquita etc.



     Essa vinculação político-religiosa foi expressamente combatida por Jesus Cristo, cuja paixão, morte e ressurreição estamos celebrando neste final de março. Nos primeiros três séculos de prática cristã, essa novidade (pois a praxe eram religiões tribais ou estatais) foi respeitada. Mas tudo foi melado quando o imperador romano Constantino, preocupado com a decadência do Império Romano, resolveu cooptar o cristianismo e dele fazer a religião oficial dos seus domínios. Foi o que de pior poderia acontecer à pureza e novidade do cristianismo. Bispos se tornaram nobres do Império e faziam parte da corte imperial. E, finalmente, o bispo de Roma decidiu, face à transferência da sede do Império para Constantinopla, ser o novo imperador criando a instituição do papado, que nada tem com o Evangelho e a tradição.



     O livre exame radical leva uma pessoa como Edir Macedo a se proclamar bispo, dizer-se inspirado por uma revelação (ver na sua biografia oficial) e pregar uma estranha teologia da prosperidade. Mas o radicalismo não é privilégio das confissões protestantes (que hoje preferem se dizer evangélicas; um duvidoso monopólio). Apesar de na contramão da lei, escolas públicas obrigam alunos a orar e cantar músicas católicas e a um compulsório ensino religioso (que, na verdade, é facultativo). Será que não se percebe que um Estado realmente laico é o melhor para qualquer religião ou espiritualidade?



     PS – Salve o papa Francisco, que fala e age como cristão. Se ele fizer uma limpeza na imundície da Cúria Romana, será um início de caminho para a volta ao cristianismo dos Atos dos Apóstolos. Acredito em Pérez Esquivel, combatente antiditadura, o qual garante que o então cardeal Bergoglio (hoje papa Francisco) não entregou ninguém aos gorilas argentinos.





Juracy Andrade é jornalista, com formação em filosofia e teologia

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