O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Tempo e maturidade



Por MARIA CLARA LUCHETTI BINGEMER

Às vezes é difícil explicar a meus alunos mais novos em que consiste a sabedoria.  Os livros sapienciais da Bíblia Judaica oferecem-nos um perfil do sábio como aquele que chegou a um ponto de maturidade na vida.  Isso significa que já tem um conhecimento razoável do que é transformável e do que é inevitável.  Sabe conviver com situações-limite e entende  dever suportá-las, pois não está a seu alcance algo fazer para mudá-las.
          Sua sabedoria consiste em aprender com a situação que lhe é dado viver naquele momento.  Ou reler experiências do passado e fazer sobre elas novas sínteses que lhe propiciem igualmente fecundo aprendizado para sua vida no presente.  E este aprendizado é o que de melhor pode legar àqueles que agora vivem sua juventude e se encontram diante de um futuro longo e fascinante.

         Assim é que a maturidade permite olhar para trás e aprender com os acertos.  E também – e talvez principalmente – com os erros. O que foi feito e não deveria; o que foi experimentado e não acrescentou; decisões que não levaram aonde se esperava...tudo isso pode ser resgatado e reciclado em fecunda aprendizagem, que ajudará o próprio e a outros a trilhar caminho melhor e mais largo. 

          Essa reflexão me vem não apenas pela experiência de avançar nos anos.  Mas também e não menos de observar certas situações que comprovam aquilo que acima afirmo.  Por exemplo, a discussão sobre a participação ou não do papa Francisco, então Jorge Bergoglio, na ditadura argentina. A mídia trouxe à luz dúvidas, ambiguidades a esse respeito e jogou a questão no ar.

          Acompanhando as notícias que vêm saindo, vai-se constatando que, quatro décadas depois, o então provincial dos jesuítas na Argentina, Jorge Bergoglio apresenta um perfil de alguém que ajudou a quem necessitava de abrigo e proteção naqueles anos terríveis de seu país.  Quando o rio da Prata se tornava túmulo de milhares de desaparecidos nos chamados voos da morte, o jesuíta Bergoglio conseguia passaportes para atravessar a fronteira, avisava a futuros perseguidos que se escondessem, já que seus nomes constavam das macabras listas da ditadura.

          Alguns continuam acusando-o de não haver sido suficientemente destemido para expor-se e denunciar aquelas situações como o fizeram outros.  Entre eles, o bispo mártir Angelelli.  Porém, quem não viveu as terríveis tensões daqueles anos sombrios deveria ser mais cauteloso em acusar e falar.  As circunstâncias eram tão perigosas e adversas que não era fácil encontrar as atitudes certas a tomar.  Muitas vezes a regra do mal menor tinha que sobrepor-se à do bem maior.  E criar no silêncio e no anonimato condições para que uma vida não fosse destruída era muitas vezes a única maneira de não compactuar com aquele contexto de morte.

          Todos mudamos e amadurecemos com o tempo.  Mudam as circunstâncias, mudam muitas vezes as atitudes.  A mesma mídia que se apressou em propalar aos quatro ventos as suspeitas que pesavam sobre o jesuíta Bergoglio não teve a mesma urgência em revelar que há dez meses, na Faculdade de Teologia de Buenos Aires, o então arcebispo Jorge Bergoglio resgatou a memória do Pe. Rafael Tello, um dos iniciadores da teologia da libertação naquele país.  E explicitando seu gesto disse: “Essas reparações que Deus faz: que a hierarquia, que em seu momento achou conveniente retirá-lo da faculdade, hoje diga que seu pensamento é válido.  Mais ainda, foi fundamento do trabalho evangelizador na Argentina.  Quero dar graças a Deus por isso.“

          Nestas palavras do atual Papa, pronunciadas há menos de um ano, encontramos a sabedoria madura de quem revê suas atitudes e se alegra com as mudanças que acontecem em sua consciência e na do segmento eclesial a que pertence. O Papa Francisco inicia seu pontificado proclamando sem cessar a opção pelos pobres.  Sente-se no ar o perfume e o sabor da volta ao Concílio Vaticano II.

          Procuremos aprender com sua sabedoria em lugar de voltarmos incessantemente a sombras que porventura haja em seu passado, em sua Argentina natal.  É hora de aprender com ele a ter a coragem de rever-se e voltar-se decididamente para uma missão nada fácil.  Nela, terá sempre a inspiração do Espírito.  Que tenha igualmente nossa ajuda e apoio.

    Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do  Departamento de Teologia da PUC-Rio,  teóloga e autora de “Crônicas de cá e de lá” (editora Subiaco), que  pode ser  encomendado diretamente à escritora pelo e-mail –  agape@puc-rio.br – R$ 20,00.

Copyright 2013 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário