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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

DOM HELDER CAMARA- PROFETA PARA OS NOSSOS DIAS



Este ó título do livro que o monge beneditino MARCELO BARROS estará lançando na Bienbal do Livro, pela Editora Paulus.




"Não deixe cair a profecia!" Essa foi a última palavra que Dom Helder Câmara, já nos seus últimos dias de vida, disse a Marcelo Barros, monge que há muitos anos o assessorara para assuntos ecumênicos. Este livro foi escrito como um modo de cumprir aquele pedido.
Em estilo leve de uma conversa entre pessoas amigas, Marcelo se dirige especialmente aos jovens e leitores que não puderam conhecer diretamente Dom Helder, lembrando as experiências de convívio e a colaboração pastoral vividas com esse grande profeta. A leitura dirige-se a toda pessoa que deseje refletir sobre a herança de Dom Helder para a humanidade do século XXI". (José Comblin)




O livro , que é uma releitura da edição lançada anterioremente, será lançado no próximo dia 1º de outubro , às 19h, no Stand da Livraria Paulus, na Bienal do Livro, no Centro de Convençõe

SIMEPE PROMOVE PALESTRA COM LEONARDO BOFF


Simepe segue com inscrições abertas para a palestra “A Medicina e o Cuidar” - com Leonardo Boff


O Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe) continua com inscrições abertas para a palestra A Medicina e o Cuidar - que será ministrada pelo renomado professor e teólogo Leonardo Boff. O evento será abertura de uma série de ações em comemoração ao aniversário de 80 anos do Sindicato. Os interessados em participar devem se apressar e preencher o formulário de inscrição na sede do Simepe, localizada na Avenida João de Barros, Nº: 587, bairro da Boa Vista, no horário entre 8h e 18h. Além do preenchimento da ficha, o público deve doar 1 kg de alimento não-perecível. As doações serão destinadas às instituições de caridade. O encontro acontecerá no próximo dia 03 de outubro, n o Teatro Boa Vista (Salesiano), às 20h, e tem o número limite de 1000 participantes.


Fonte: Simepe

quarta-feira, 28 de setembro de 2011



por Denis Padilha*






The Guardian Weekly 09.09.11, page 33



Huge river discovered under the AmazonBrazilian scientists have found a new river in the Amazon basin - approximately 4km underneath the Amazon river. The Rio Hamza, named after Valiya Hamza, the head of the team of researchers who found the groundwater flow, appears to be as long as the Amazon river but could be hundreds of times wider. Both the Amazon and Hamza flow from west to east and are about the same length, at 6,000km. But whereas the Amazon ranges from 1km to 100km in width, the Hamza ranges from 200km to 400km. The underground river starts in the Acre region under the Andes and flows through the Solimões, Amazonas e Marajó basins before opening out into the depths of the Atlantic Ocean.



TRADUÇÃO:


Reportagem do The Guardian Weekly 09.09.11, page 33



Rio imenso descoberto embaixo do AmazonasCientistas brasileiros descobriram um novo rio na bacia do Amazonas – aproximadamente a 4km de profundidade embaixo do rio Amazonas. O rio Hamza, que foi chamado assim para homenagear Valiya Hamza, o chefe da equipe de pesquisadores que encontrou a corrente de água subterrânea, aparenta ser tão longo quanto o rio Amazonas mas poderia ser centenas de vezes mais largo. Ambas Amazonas e Hamza correm do oeste para o leste e tem mais ou menos o mesmo comprimento de 6.000km. Contudo, enquanto o Amazonas apresenta de 1km a 100km de largura, o Hamza atinge de 200km a 400km. O rio subterrâneo começa na região do Acre sob os Andes e corre através das bacias do Solimões, Amazonas e Marajó antes de abrir-se para as profundezas do oceano Atlântico.




A importância de uma reportagem como essa, que mereceu apenas um pequeno quadrinho na orelha de uma página de um único jornal conhecido por ainda ser capaz de informar de verdade, é imensa num mundo que apregoa estar sendo destruído pela humanidade em seu consumismo desenfreado, pouco se importando em preservá-lo. Este discurso do mundo afluente, principalmente endereçado aos países pobres ou em desenvolvimento, jogando a culpa neles pelas mudanças climáticas e aquecimento global que vão acabar penalizando a humanidade inteira, eles principalmente, costuma não valorizar descobertas como estas, que os contradizem e mostram o quanto o planeta é auto-recuperável e “self-sustained” (“auto-sustentado”), expressão predileta da atualidade que já carreia milhões de dólares no mercado “verde”.


Quer dizer, pela apregoada falta dágua que está causando a instalação de caríssimas dessalinizadoras de água do mar para torná-la potável, e com isso penalizando as populações com contas cada vez mais altas, não parece ser necessária senão para encher os bolsos das mesmas elites controladoras de sempre. Trata-se de mais uma riqueza sem medidas em um país que desponta como o mais promissor para desbancar os líderes da cena mundial atual em pouco tempo, e isso porque estão deixando os cientistas trabalharem.


É preciso olhar o Brasil sob o ponto de vista global para dar-se valor ao que se tem. No mesmo jornal tem outra (das inúmersas reportagens sobre o Brasil que saem semanalmente) falando como o Brasil foi capaz de pagar a dívida e causar esta revolução social que finalmente está reduzindo as diferenças, famosas como uma das maiores do mundo, um recorde vergonhoso. Se nos lembrarmos, este dinheiro sempre esteve dentro do Brasil, mas pra onde ele tem ido durante todas estas décadas pré-Lula?


A reportagem cita um operário, cujo dinheiro sobrou no fim do mês, fazendo compras num super-mercado e estudando espantado uma lata de feijão doce importada da Inglaterra. Fala que ele, acostumado a comer feijão diariamente e diretamente da lavoura, estranhou e colocou a lata de volta na prateleira, uma prova das novas ofertas variadas a um mercado emergente, o das classes em crecimento de poder econômico.


Dênis Padilha é brasileiro e reside na Austrália desde 1999.

domingo, 25 de setembro de 2011

MINAS DO OURO



por Frei Betto




No início dos anos 80, engravidei da pulsão de escrever um romance sobre a história de Minas Gerais. É assim: o tema de uma obra de ficção nos agarra na esquina da vida. É como paixão à primeira vista. Ou a “eureka” dos gregos. Súbito, brota a ideia, e ela impregna o sentimento e gruda nas dobras da subjetividade.


Ali germina até que se consiga dar vazão à pulsão. Meu projeto inicial era escrever um romance ambientado na mina de Morro Velho, em Nova Lima. Ali acampei quando escoteiro. Dali ouvi histórias mirabolantes de desabamentos, inundações, mortes, e muita pobreza em meio à riqueza gerada pela mais profunda mina de ouro do mundo. A cozinheira de minha família, Ana, era de Raposos e, seus parentes, quase todos empregados da Morro Velho. Dela escutei incríveis relatos do que ocorria naqueles subterrâneos em que se extraíam ouro das galerias e saúde dos trabalhadores.


Graças à colaboração de Christina Fonseca e Maione R. Batista, entrevistei ex-empregados da mina e, em especial, Dazinho, líder sindical de Morro Velho que se elegeu deputado estadual e, mais tarde, teve o mandato cassado pela ditadura, que o levou à prisão. Tive acesso a livros raros sobre a história da mina, a manuscritos antigos, a mapas e até papéis de contabilidade, e retornei a ela um par de vezes. Uma coisa leva à outra.


De Morro Velho minha pesquisa se ampliou para a história das Minas e das Gerais. Devorei, calculo, cerca de 120 livros, entre os quais o Códice Matoso, Autos da devassa, os volumes das coleções Mineiriana e Brasiliana, textos de Diogo de Vasconcelos, Lúcio dos Santos, Iglesias, Boschi, Neusa Fernandes, Laura de Mello e Souza, Myriam A. Ribeiro de Oliveira, Júnia Ferreira Furtado etc.Em 1997 iniciei a redação de Minas do Ouro. Havia que transformar os dados coletados em texto literário.


Escrever é como cozinhar: reúnem-se os ingredientes e, em seguida, faz-se a mistura (aqui, o talento do escritor) e deixe fermentar até que a massa chegue ao ponto (aqui, o estilo, o “sotaque” narrativo). Admito que os Sermões do padre Antônio Vieira me inspiraram na busca da linguagem adequada a cada período dos cinco séculos que o romance abrange.Foram 13 anos de trabalho, sempre de olho nas novidades editadas sobre a história de Minas, como os textos de Luciano Figueiredo e a História de Minas Gerais – As Minas Setecentistas, organizado por Maria Efigênia Lage de Resende e Luiz Carlos Villalta.


Não é fácil elaborar um romance histórico. Meu primeiro foi Um homem chamado Jesus (Rocco), em que descrevo a vida do homem de Nazaré. Ali enfrentei o desafio de tratar de um personagem cuja trajetória o leitor conhece de antemão.Qualquer desatenção e a narrativa vira ensaio amador com pitadas de ficção.


Os fatos históricos de Minas são tão empolgantes (bandeiras, guerra dos emboadas, Triunfo eucarístico, conjuração etc), que no percurso se é tentado a deixar a realidade dos fatos falar mais alto que os voos da imaginação.Como não sou historiador, tratei de centrar a narrativa na saga da família Arienim. Os fatos históricos de Minas ficaram como pano de fundo. Os leitores dirão se acertei na receita e se ficou saborosa.


Fora os cabotinos, nenhum autor é juiz da própria obra.Minas do Ouro é uma narrativa de anti-heróis. Romances históricos – gênero surgido na Inglaterra no século 18 – costumam exaltar protagonistas, incensar poderosos, ocultar fraquezas e desacertos de figuras célebres. Em Minas do Ouro procurei demitizar personagens históricos, situá-los com os pés no chão e não nos pedestais dos heróis da pátria, e realçar a inusitada trajetória da família Arienim em busca de um tesouro que produziria a alquimia de suas vidas.


Resta acrescentar que meu encanto pela história da terra em que nasci se aprofundou graças à influência de meu pai, Antônio Carlos Vieira Christo, de cuja biblioteca herdei boa parte da bibliografia concernente ao romance, e de Tarquínio Barbosa de Oliveira, historiador, em cuja Fazenda do Manso, em Ouro Preto, passei inesquecíveis temporadas.

Frei Betto é escritor, autor de Minas do Ouro, que a editora Rocco faz chegar esta semana às livrarias. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

O QUE MOTIVOU O 11 DE SETEMBRO?



por Leonardo Boff




Alguém precisa ser desumano para não condenar os ataques de 11 de setembro contra as Torres Gémeas e o Pentágono por parte da al-Qaeda e cruel ao não mostrar solidariedade para com as mais de três mil vítimas do ato terrorista. Dito isto, precisamos ir mais fundo na questão e nos perguntar: por que aconteceu este atentado minuciosamente premeditado?


As coisas não acontecem simplesmente porque alguns tresloucados se enchem de ódio e cometem tais crimes contra seus desafetos políticos. Deve haver causas mais profundas que a persistir continuarão alimentar o terrorismo. Se olharmos a história de mais de um século, nos damos conta de que o Ocidente como um todo e particularmente os EUA humilharam os países muçulmanos do Oriente Médio.


Controlaram os governos, tomaram-lhe o petróleo e montaram imensas bases militares. Deixaram atrás de si muita amargura e raiva, caldo cultural para a vingança e o terrorismo. O terrível do terrorismo é que ele ocupa as mentes. Nas guerras e guerrilhas precisa-se ocupar o espaço físico para efetivamente triunfar. No terror não. Basta ocupar as mentes, distorcer o imaginário e introjetar medo. Os norte-americanos ocuparam fisicamente o Afeganistão dos talibãs e o Iraque.


Mas os talibãs ocuparam psicologicamente as mentes dos norte-americanos. Infelizmente se realizou a profecia de bin Laden, feita a 8 de outubro de 2002:”os EUA nunca mais terão segurança, nunca mais terão paz”. Hoje o pais é refém do medo difuso. Para não deixar a impressão de que seja anti-norteamericano, transcrevo aqui parte da advertencia do bispo de Melbourne Beach na Florida, Robert Bowman, que antes fora piloto de caças militares e realizara 101 missões de combate na guerra no Vietnã. Endereçou uma carta aberta ao então presidente Bill Clinton que ordenara o bombardeio de Nairobi e Dar es-Salam onde as embaixadas norte-americanas haviam sido atacadas pelo terrorismo.


Seu conteúdo se aplica também a Bush que levou a guerra ao Afeganistão e ao Iraque e continuada por Obama. A carta ainda atual foi publicada no católico National Catholic Reporter de 2 de outubro de l998 sob o título:”Por que os EUA são odiados?”(Why the US is hated?) tem esse teor: “O Senhor disse que somos alvos de ataques porque defendemos a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Um absurdo! Somos alvo de terroristas porque, em boa parte no mundo, nosso Governo defende a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos de terroristas porque nos odeiam. E nos odeiam porque nosso Governo faz coisas odiosas.


Em quantos países agentes de nosso Governo destituíram líderes escolhidos pelo povo trocando-os por ditaduras militares fantoches, que queriam vender seu povo para sociedades multinacionais norte-americanas! Fizemos isso no Irã, no Chile e no Vietnã, na Nicarágua e no resto das repúblicas “das bananas” da América Latina. País após país, nosso Governo se opôs à democracia, sufocou a liberdade e violou os direitos do ser humano. Essa é a causa pela qual nos odeiam em todo o mundo.

Essa é a razão de sermos alvos dos terroristas.Em vez de enviar nossos filhos e filhas pelo mundo inteiro para matar árabes e, assim, termos o petróleo que há sob sua terra, deveríamos enviá-los para reconstruir sua infra-estrutura, beneficiá-los com água potável e alimentar as crianças em perigo de morrer de fome. Essa é a verdade, senhor Presidente. Isso é o que o povo norte-americano deve compreender.”A resposta acertada, não foi combater terror com terror à la Bush, mas com solidariedade. Membros das vitimas das Torres Gêmeas foram ao Afeganistão para fundar associações de ajuda e permitir que o povo saisse da miséria. É por essa humanidade que se anulam as causas que levam ao terrorismo.

ESTRADA DE AMORES INCONFESSOS



por Assuero Gomes







Estrada de amores inconfessos, réus amantes caminham pelos becos da vida, parando em cada esquina. Quantos goles já beberam nesta noite de meia luz? Partem sem destino como vagabundos esperando o que deste amor? Quantos ritmos já dançaram sem música nem choro, às escondidas, como assassinos de famílias bem constituídas? Tantas perguntas, tantos arroubos místicos, tanto sofrimento esparramado em copos de whisky ou runs baratos, refletindo luzes apagadas, assinaturas falsificadas, devaneios lúdicos, promessas impossíveis, juras profanas e hereges.


Qual futuro para dois restará senão uma migalha de lembrança perdida e escondida? Com que retalhos remendarão os corações, se não há retalhos? Apenas cortes profundos, proibidos de sangrar, para não marcar os caminhos. Hoje já não será amanhã. E amanhã não haverá. Ontem não há, pois não pode ser dito nem escrito.


O instante de estar juntos, no entanto, vale cada centímetro de dor, pois é fogo que não se apaga e que queima sem doer. É brisa que não refresca, é insônia que acalma, é ausência de tempo, um mergulho na eternidade.


Sentir o hálito exalado entre os lábios e respirar uníssono, ofegante, as partículas como nadadoras de ritmo sincronizado, no descompasso de corações aflitos. Afundar de vez em apneias cada vez mais prolongadas e suicidas, num poço transparente de águas brilhantes. Ser um do outro sem ser de ninguém.


Uma estrada de amores inconfessos leva aonde? Talvez a estrada seja já, o chegar, o próprio destino de quem não sabe onde ir. Pode o mar ser o próprio porto sem que a embarcação naufrague? Uma estrada como um soneto inacabado, partido na sua essência, mas belo, tremendamente belo, imoralmente belo, como a própria lua às vezes ousa ser e se apresentar aos olhos dos amantes desnudos, sem pudor, sem nada, apenas bela, apenas bela...


Sem perdão aos olhos cúpidos dos olhares do mundo, talvez esse amor nem esteja incrustado no diadema celestial do Amor, que congrega todas as formas do Amor, e se estiver talvez seja uma pequena gema com jaça, ofuscada pelos brilhos de outras pedras, como rimas preciosas de um verso perfeito, mas terá seu valor, terá sua luz própria, terá sua rima fácil num poema impossível. Brilhará, mesmo que oculta, e iluminará a quem nasceu para iluminar, a escuridão dos corações de dois amantes, e seus caminhos já não serão tão inconfessos, pois terão um ao outro, mesmo que os outros não enxerguem a estrada por onde caminham.

Assuero Gomes
assuerogomes@terra.com.br

CARTA DE AMOR À HUMANIDADE



por Marcelo Barros






As comunidades católicas consagram setembro como mês bíblico e o próximo domingo é considerado o “dia da Bíblia”. Na América Latina, a conseqüência mais positiva da renovação da Igreja, suscitada pelo Concílio Vaticano II, foi dar às pessoas mais simples acesso à Bíblia e a alegria de, nela, descobrir uma palavra divina para animar e fortalecer a caminhada da vida.

No passado, às vezes, a Bíblia provocava medo. Os impérios coloniais se serviram da Bíblia para legitimar suas ambições. Até recentemente, ao tomarem o poder, ditadores faziam juramento com a mão sobre a Bíblia.


Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA, o presidente Bush aparecia na televisão com a Bíblia nas mãos e, em nome de Deus, conclamava o povo norte-americano a invadir países da Ásia. Diante disso, movimentos e grupos, comprometidos com a justiça e a libertação, chegaram a considerar a Bíblia um instrumento de violência e opressão e, por isso, rejeitá-la. Entretanto, a maioria dos grupos populares na América Latina não aceitou isso.


Ao contrário, as comunidades passaram a ler a Bíblia e ligá-la à vida e ao caminho dos pobres. Em vários países do continente, homens e mulheres cristãos, animados pela palavra de Deus, participam ativamente da caminhada pela justiça e libertação.

Já nos anos 70, nos círculos bíblicos que animava por todo o Brasil, frei Carlos Mesters propunha ler a Bíblia não como um conjunto de textos isolados, nem como soma de citações para provar teses. Ele propunha ler a Bíblia, descobrindo em todas as suas páginas uma continuidade. De livro em livro, a Bíblia contém um fio norteador que nos orienta sobre qual é o projeto de Deus para nós e para o mundo. Em cada um de seus livros, podemos descobrir uma revelação progressiva desse projeto divino.


O exegeta Francisco Orofino compara os textos bíblicos com fotografias tomadas em trechos de uma estrada do interior. A estrada têm muitas curvas, subidas e descidas. Alguém que se fixar apenas em uma foto pode pensar: “essa estrada vai para lá”, ou “ela é uma descida” e, assim, se equivocar. Para conhecer a estrada, precisamos saber de onde ela parte e para onde nos leva. As curvas e rodeios fazem parte do itinerário.


Na parte mais antiga da Bíblia que, hoje, por respeito aos irmãos e irmãs do Judaísmo, preferimos chamar de “primeiro testamento”, o projeto divino é denominado de “aliança” que Deus faz com o seu povo. É um acordo, baseado em uma lei, que visa assegurar a justiça e o direito para todos, como condição de intimidade com Deus. No Novo Testamento, parte escrita pelas primeiras comunidades cristãs, a mesma realidade é chamada por Jesus de “reino ou reinado de Deus” e em outros textos, simplesmente de vida nova ou plenitude de vida.
Há muitos textos na Bíblia que parecem legitimar a violência, a intolerância e até as guerras.


Essas realidades faziam parte da cultura do povo, como até hoje, constatamos na sociedade. Deus vai educando o seu povo para uma forma nova de viver e compreender a vida. Para nós, cristãos, Jesus é o cume dessa revelação. Ao se confrontar com a violência do mundo, sua reação foi de amor extremo por todos. Se alguém tinha de ser vítima daquele mundo violento, que esse alguém fosse ele mesmo. Ele não queria morrer e nem Deus queria que ele morresse, mas ele assumiu a morte por solidariedade aos que são vítimas da violência humana e para que, a partir de sua doação, todas as pessoas pudessem viver plenamente, tendo em si a própria vida divina, dada pelo Espírito.

Ao olharmos a história da humanidade, podemos pensar que Jesus fracassou. O mundo continua, cada vez, mais violento e cruel. A isso, o saudoso padre José Comblin respondia: “Isso mudará quando começarmos a viver a proposta de Jesus que, de fato, até aqui, nunca foi realmente experimentada”. Hoje, para quem aceita ler a Bíblia com olhos novos, esse é o desafio. Essa é a missão. Como diz a 2a carta de Pedro: “nesse caminho, fazemos bem em confiar na palavra dos profetas, (a Bíblia). Ela é como uma lâmpada que brilha em um lugar escuro, até que o dia clareie e o astro da manhã brilhe em nossos corações” (2 Pd 1, 19).

A REDENÇÃO SOBRE A CIDADE





por MARIA CLARA BINGEMER



São 80 anos desde que a gigantesca imagem do Cristo Redentor foi erguida no morro do Corcovado, em situação privilegiada, que permite sua visualização a partir de vários pontos da cidade. No próximo dia 12 de outubro, o Rio vai rememorar e celebrar a grande festa que foi a iluminação da estátua. De início encomendada ao cientista italiano Guglielmo Marconi, terminou sendo feita no Brasil por razões climáticas.

Desde aí, o Redentor flutua nos céus cariocas como se solto no espaço estivesse e sua gigantesca silhueta branca e iluminada é a própria identidade da Cidade Maravilhosa. Há 80 anos o Cristo abre seus braços sobre a Guanabara, sendo ponto turístico de visita obrigatória para o estrangeiro que chega; orientação para o transeunte que caminha ou para o motorista que busca um rumo e uma chegada; inspiração para o poeta que olha pela janela ou que chega de avião depois de longa viagem.

Em meio aos festejos programados para celebrar tão ilustre aniversário, a teologia, humildemente, pede a palavra. Talvez seja importante uma reflexão que mergulhe nas raízes da identidade daquele que a escultura deseja retratar. Por que Jesus Cristo? Por que Redentor? Por que o Redentor, a redenção? Quem redime e quem é redimido?

Entre os hebreus, redentor era aquele que tinha o direito de libertar propriedades ou pessoas, antecipando-se às comemorações do ano do jubileu onde todas as dívidas eram perdoadas e o povo se dispunha a um novo começo em seu processo de aliança com Deus. A redenção era, portanto o resgate, a libertação de todos aqueles em cujo caminho havia algum obstáculo impedindo a vivência plena da aliança com Deus feita de fidelidade e justiça. Com o passar do tempo, a esperança da redenção de Israel passou a repousar cada vez mais sobre o Messias e a expectativa do acontecimento redentor definitivo situava-se nos tempos messiânicos.

A noção de redenção que domina no Novo Testamento e no Cristianismo recupera a expectativa messiânica da Bíblia judaica, concebida não apenas como preservação dos males, mesmo espirituais, mas como a posse definitiva da plenitude do bem. Embora o termo “redenção” ou “salvação” apareça algumas vezes aplicado a curas milagrosas de doenças ou morte corporais, é sempre para mais além que ele aponta. As curas corporais são sempre ou quase sempre olhadas como sinal da saúde ou de vida em sentido espiritual..

Portanto, seja negativamente, como libertação do pecado, ou positivamente como superabundância dos bens mais altos, a redenção pertence por definição ao futuro. Mas já começa nesta vida, na terra, na carne, na contingência e na fragilidade da humanidade. Experimenta-se já no tempo presente, como penhor da plenitude que virá e que há que esperar vigilante e ardentemente.

A fé cristã proclama que esta redenção é realizada na vida, morte e ressurreição do Galileu Jesus de Nazaré, reconhecido e confessado como o Cristo de Deus. Foi ele que viveu a radicalidade do amor e revelou em sua pessoa a verdade sobre Deus e o ser humano; uniu com sua vida e sua morte o céu e a terra; manifestou-se como Palavra encarnada e perfeito ouvinte de um Deus que ensinou a chamar de Pai; demonstrou que existe um modo de ser plenamente humano que é o caminho para o encontro e a união com o verdadeiro Deus. Porém, o resgate redentor que Deus efetua por meio dele deve ser atualizado e levado à plenitude por todo homem e toda mulher que vivem no mundo.

A redenção se dá na tensão entre um já acontecido em Jesus e um dever ser que cabe à humanidade ao longo dos tempos. Sem esperança na redenção definitiva, corre-se o risco da autossuficiência e da soberba. Mas sem prática diuturna da fé, da esperança e do amor, corre-se o risco das impaciências fundamentalistas e das ilusões alienantes. O próprio da redenção trazida por Cristo consiste na tensão entre o “já” da reconciliação presente e o “ainda não” da redenção final.

Que os 80 anos do Cristo Redentor, abraço acolhedor e olhar compassivo que abençoam permanentemente nossa querida e sofrida cidade, possam ajudá-la a crescer na alegria de saber-se redimida e resgatada. Que sob o signo da redenção que preside sua privilegiada paisagem alargue-se o espaço para a paz que é fruto da justiça e bem maior a esperar.



Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio , autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros. Copyright 2011 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

domingo, 4 de setembro de 2011

SETE DE SETEMBRO NA AMÉRICA LATINA




por Marcelo Barros




Enquanto neste 07 de setembro, o Brasil comemora o dia da pátria, as comunidades cristãs latino-americanas recordam que, nesta mesma data, em 1968, encerrou-se, em Medellin, na Colômbia, a 2ª Conferência geral do episcopado católico latino-americano. Foi esta reunião que oficializou o compromisso social e político da Igreja Católica com a completa independência e libertação de nossos povos. A partir da conferência de Medellin, pastores e teólogos, inclusive os papas têm se referido à opção pelos pobres como uma decisão evangélica que é da própria natureza da Igreja ser. No discurso inaugural da Conferência dos bispos em Aparecida, Bento XVI afirmou: “A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristã naquele Deus que se fez pobre por nós”. João Paulo II também falou da opção pelos pobres em suas encíclicas sociais.


A razão de ser de uma comunidade cristã é ser testemunha do reino de Deus no mundo. Concretamente, isso significa servir à humanidade continuando a missão de Jesus que na sinagoga de Nazaré disse ter vindo ao mundo para curar as pessoas doentes e libertar as oprimidas (Lc 4, 16- 21).


Há 50 anos, o Concílio Vaticano II reuniu todos os bispos católicos em Roma e definiu a Igreja como sinal e sacramento da salvação que Deus quer dar ao mundo inteiro e atinge o ser humano em sua integridade. Em 1968, a conferência de Medellin aplicou o Concílio à América Latina e, pela própria realidade do nosso continente, decidiu aprofundar este assunto. O saudoso padre José Comblin afirmava: “Medellin representou o nascimento de uma Igreja propriamente latino-americana, com rosto de nossos povos”. O tema geral da conferência foi a missão da Igreja na transformação da América Latina. Em 1968, eclodiam manifestações da juventude em países da Europa e movimentos revolucionários desejavam mudar nosso continente.


Era uma época de transformações sociais e políticas que encontravam resistências e repressões por parte do império norte-americano. Este financiava e apoiava ditaduras militares que, pouco a pouco, se instalavam em nossos países e reprimiam toda tentativa de libertação do povo. Neste contexto, o fato dos bispos terem assumido uma postura crítica com relação às estruturas políticas do continente foi muito importante. O próprio papa Paulo VI que inaugurou aquele encontro deixou claro: “o desenvolvimento é o novo nome da paz”.


E ele insistiu que este desenvolvimento só merece este nome se for baseado na justiça e na solidariedade humana. Os bispos denunciaram a realidade social e política da maioria de nossos países como “injustiça estrutural” e tiveram coragem de propor que a Igreja se colocasse no mundo como sinal e instrumento de libertação integral da humanidade e de cada ser humano.

É claro que na conferência de Medellin, os bispos puderam aprofundar teologicamente e propor pastoralmente este jeito novo de ser da Igreja, porque isso já era uma experiência concreta nas comunidades eclesiais de base. Desde o começo dos anos 60, muitas comunidades e grupos cristãos, nas periferias urbanas e no campo, começaram a estudar a Bíblia e a ligar a Palavra de Deus à sua vida concreta. Em conseqüência disso, muitos cristãos, jovens e menos jovens, em nome da fé, participaram de movimentos e lutas pela justiça, inclusive muitos arriscaram a vida neste caminho.

Neste ano, festejamos o Sete de Setembro, com a consciência de que a verdadeira independência social, política e econômica de um país é um processo que precisa sempre ser completado e aperfeiçoado até o dia em que todos os cidadãos tenham o necessário para viver, contem com um trabalho digno e remunerado de forma justa e possam usufruir um merecido lazer na beleza da terra que Deus lhes deu.

Hoje, 43 anos depois, as palavras dos bispos latino-americanos em Medellin devem ressoar em nossas Igrejas para nos recordar que é nossa missão cristã participar desta construção de uma pátria verdadeiramente libertada e independente. Junto com todos os irmãos e irmãs da humanidade, devemos lutar pacificamente para que se realize no mundo o projeto divino de paz, justiça e defesa da natureza. Hoje, está mais do que nunca atual a proposta dos bispos latino-americanos de 1968: “Devemos dar à nossa Igreja o rosto de uma Igreja verdadeiramente missionária e pascal. Seja ela uma Igreja pobre e despojada do poder, comprometida com a libertação de toda a humanidade e de cada ser humano por inteiro” (Medellin, doc 5, n. 15).

GRITO DOS EXCLUÍDOS 2011




por Frei Betto





Há 17 anos a Semana da Pátria é dedicada, no Brasil, à manifestação popular conhecida como Grito dos Excluídos. Ele é promovido pelo Setor de Pastoral Social da CNBB, Comissão Pastoral da Terra, Cáritas, Ibrades e outros movimentos e instituições.

O lema do 17o Grito é “Pela vida grita a Terra... Por direitos, todos nós!” Trata-se de associar a preservação ambiental do planeta aos direitos do povo brasileiro.

O salário mínimo atual – R$ 545,00 – possui, hoje, metade do valor de compra de quando foi criado, em 1940. Para equipará-los, precisaria valer R$ 1.202,80. Segundo o DIEESE, para atender as necessidades básicas de uma família de quatro pessoas, conforme prescreve o art. 7 da Constituição, o atual salário mínimo deveria ser de R$ 2.149,76.

As políticas sociais do governo são, sem dúvida, importantes. Mas não suficientes para erradicar a miséria. Isso só se consegue promovendo distribuição de renda através de salários justos, e não mantendo milhões de famílias na dependência de recursos do poder público.

O Brasil começa a ser atingido pela crise financeira internacional. Com a recessão nos países ricos, nossas exportações tendem a diminuir. O único modo de evitar que o Brasil também caia na recessão é aquecendo o consumo interno – o que significa aumento de salários e de crédito, e redução dos juros.

A população extremamente pobre do Brasil é estimada em 16 milhões de pessoas. Dessas, 59% (9,6 milhões de pessoas) estão concentradas no Nordeste.

Dos que padecem pobreza extrema no Brasil, 51% têm menos de 19 anos e, 40%, menos de 14. O desafio é livrar essas crianças e jovens da carência em que vivem, propiciando-lhes educação e profissionalização de qualidade.

Um dos fatores que impedem nosso governo de destinar mais investimentos aos programas sociais e à educação e saúde é a dívida pública. Hoje, a dívida federal, interna e externa, ultrapassa R$ 2 trilhões. Em 2010, o governo gastou, com juros e amortizações dessa dívida, 44,93% do orçamento geral da União.

Quem lucra e quem perde com as dívidas do governo? O Grito dos Excluídos propõe, há anos, uma auditoria das dívidas interna e externa. Ninguém ignora que boa parcela da dívida é fruto da mera especulação financeira. Como aqui os juros são mais altos, os especuladores estrangeiros canalizam seus dólares para o Brasil, a fim de obter maior rendimento.

Há um aspecto da realidade brasileira que atende à dupla dimensão do lema do Grito deste ano: preservação ambiental e direitos sociais. Trata-se da reforma agrária. Só ela poderá erradicar a miséria no campo e paralisar o progressivo desmatamento da Amazônia e de nossas florestas pela ambição desenfreada do latifúndio e do agronegócio.

Dados do governo indicam que, no Brasil, existem, hoje, 62,2 mil propriedades rurais improdutivas, abrangendo área de 228,5 milhões de ha (hectares). Mera terra de negócio e, portanto, segundo a Constituição, passível de desapropriação.

Comparados esses dados de 2010 aos de 2003, verifica-se que houve aumento de 18,7% no número de imóveis rurais ociosos, e a área se ampliou em 70,8%.

Se o maior crescimento de áreas improdutivas ocorreu na Amazônia, palco de violentos conflitos rurais e trabalho escravo, surpreende o incremento constatado no Sul do país. Em 2003, havia nesta região 5.413 imóveis classificados como improdutivos. Ano passado, o número passou para 7.139 imóveis – aumento de 32%. São 5,3 milhões de ha improdutivos em latifúndios do Sul do Brasil!

De 130,5 mil grandes propriedades rurais cadastradas em 2010, com área de 318,9 milhões de ha, 23,4 mil, com área de 66,3 milhões de ha, são propriedades irregulares – terras griladas ou devolutas (pertences ao governo), em geral ocupadas por latifúndios.

O Brasil tem, sim, margem para uma ampla reforma agrária, sem prejuízo dos produtores rurais e do agronegócio. Com ela, todos haverão de ganhar – o governo, por recolher mais impostos; a população, por ver reduzida a miséria no campo; os produtores, por multiplicarem suas safras e rebanhos, e venderem mais aos mercados interno e externo.



Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.


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A PASSAGEM DE UM SÁBIO



por Maria Clara Lucchetti Bingemer,








Se me dissessem anos atrás, quando eu era jovem estudante de teologia, que um dia iria me encontrar frente a frente com Jürgen Moltmann, certamente não acreditaria. Ou ficaria tão deslumbrada e ansiosa que não conseguiria pensar em outra coisa. O pensamento do teólogo luterano Moltmann marcou profundamente minha maneira de fazer teologia. E foi objeto de vários cursos de pós-graduação que dei a meus alunos na PUC do Rio, onde leciono.


Sendo algo assim como um guru ou uma referência maior na teologia cristã contemporânea, necessariamente era colocado em posição distante, não facilmente atingível por meu desejo de aprofundar as álgidas questões que sua teologia refletia. Jamais poderia imaginar-me conversando com Moltmann frente a frente, ou trocando idéias com ele.


E no entanto, isto aconteceu. Convidado para um simpósio internacional organizado pelo Departamento de Teologia da PUC-Rio, Moltmann aceitou o convite. E veio. Alegre e prontamente, do alto de seus 85 anos de idade. E também fiel a seu afetivo compromisso com a América Latina. Durante muitos anos o teólogo de Hamburgo foi constante e periodicamente à Nicarágua. E não é a primeira vez que vem ao Brasil.


Jürgen Moltmann é um dos principais teólogos cristãos contemporâneos. Ele nasceu em 1926 em Hamburgo, Alemanha, dentro da Igreja luterana. Lutou na II Guerra Mundial, foi feito prisioneiro pelos ingleses e levado para um campo de concentração na Inglaterra. De 1945 a1948, esteve prisioneiro dos aliados na Bélgica e na Inglaterra. Foi durante a situação dolorosa da prisão que sua vocação teológica despertou. Esse homem formado em Matemática sentiu-se fortemente chamado a refletir sobre o sentido da vocação cristã. Voltando à Alemanha, em 1948, foi estudar teologia. A partir de 1952, atuou como pastor da Igreja Luterana. Desde 1967, foi professor de teologia sistemática na Universidade de Tubinga, na qual ainda ensina.


Ouvindo-o narrar sua trajetória e falar das questões que o apaixonaram e se tornaram o nascedouro de sua Teologia, Moltmann toca nas fibras mais profundas da condição humana: o sofrimento inocente, a violência que vitima, o envolvimento de Deus com o sofrimento absurdo e inútil da humanidade, a necessidade de falar desse Deus a partir da cruz de Jesus e de seu mistério pascal.


Ao ouvi-lo falar, lembrei-me da primeira vez em que li seu livro “O Deus Crucificado”. Levou-me às lágrimas e fez-me bater o coração. Impressionou-me não apenas pelo rigor e clareza da reflexão, como também pela paixão que marca o discurso e que testemunha a fé profunda de seu autor. Eu o li e reli durante muito tempo, dei aulas sobre ele e, a partir dele, escrevi textos tomando-o como base.


Ao ir a El Salvador no congresso de celebração dos 30 anos do martírio de Monsenhor Romero, o livro de Moltmann tocou-me desde outro ângulo. O coração saltou no peito quando o vi manchado de sangue, exposto no museu da UCA que guarda a memória dos seis jesuítas assassinados em 1989. Um deles lia “O Deus Crucificado” no momento em que foi barbaramente torturado e assassinado. Olhando o livro exposto na vitrine, vi o sangue do mártir misturar-se à reflexão sobre a Paixão de Deus brotada da teologia moltmaniana.


Perguntado sobre o foco de sua teologia hoje, Moltmann explicou estar voltando aos temas candentes do início de sua trajetória: a paixão de Deus e do mundo, a dor divina como sentido para a dor humana. Olhando-o e ouvindo-o, senti-me diante de um sábio. Ali estava um homem que falava não a partir do intelecto, mas da sabedoria. Sabedoria cuja fonte é o Espírito da vida que sopra onde quer e suscita luz e claridade sobre os dramas inexplicáveis da condição humana, ungindo-a com um Sentido maior que a tudo configura.


Ouvindo-o e vendo-o sentia-se a presença do sábio, aquele que conhece o seu Deus e cujo único desejo é crescer nesse conhecimento, inseparável do amor. Em meu coração, erguia-se uma silenciosa oração de louvor Àquele que suscitou no seio da comunidade eclesial uma testemunha da estatura de Jürgen Moltmann.

Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).


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EDUCAR PARA A CELEBRAÇÃO DA VIDA E DA TERRA



por LEONARDO BOFF






Dada a crise generalizada que vivemos atualmente, toda e qualquer educação deve incluir o cuidado para com tudo o que existe e vive. Sem o cuidado, não garantiremos uma sustentabilidade que permita o planeta manter sua vitalidade, os ecossistemas, seu equilíbrio e a nossa civilização, seu futuro. Somos educados para o pensamento crítico e criativo, visando uma profissão e um bom nivel de vida, mas nos olvidamos de educar para a responsabilidade e o cuidado para com o futuro comum da Terra e da Humanidade. Uma educação que não incluir o cuidado se mostra alienada e até irresponsável. Os analistas mais sérios da pegada ecológica da Terra nos advertem que se não cuidarmos, podemos conhecer catástrofes piores do que aquelas vividas em 2011 no Brasil e no Japão. Para se garantir, a Terra poderá, talvez, ter que reduzir sua biosfera, eliminando espécies e milhões de seres humanos.

Entre tantas excelências, próprias do conceito do cuidado, quero enfatizar duas que interessam à nova educação: a integração do globo terrestre em nosso imaginário cotidiano e o encantamento pelo mistério da existência. Quando contemplamos o planeta Terra a partir do espaço exterior, surge em nós um sentimento de reverência diante de nossa única Casa Comum. Somos insepráveis da Terra, formamos um todo com ela. Sentimos que devemos amá-la e cuidá-la para que nos possa oferecer tudo o que precisamos para continuar a viver.


A segunda excelência do cuidado como atitude ética e forma de amor é o encantamento que irrompe em nós pela emergência mais espetacular e bela que jamais existiu no mundo que é o milagre, melhor, o mistério da existência de cada pessoa humana individual. Os sistemas, as instituições, as ciências, as técnicas e as escolas não possuem o que cada pessoa humana possui: consciência, amorosidade, cuidado, criatividade, solidariedade, compaixão e sentimento de pertença a um Todo maior que nos sustenta e anima, realidades que constituem o nosso Profundo.


Seguramente não somos o centro do universo. Mas somos aqueles seres, portadores de consciência e de inteligência. pelos quais o próprio Universo se pensa, se conscientiza e se vê a si mesmo em sua esplêndida complexidade e beleza. Somos o universo e a Terra que chegaram a sentir, a pensar, a amar e a venerar. Essa é nossa dignidade que deve ser interiorizada e que deve imbuir cada pessoa da nova era planetária.


Devemos nos sentir orgulhosos de poder desempenhar essa missão para a Terra e para todo o universo. Somente cumprimos com esta missão se cuidarmos de nós mesmos, dos outros e de cada ser que aqui habita.


Talvez poucos expressaram melhor estes nobres sentimentos do que o exímio músico e também poeta Pablo Casals. Num discurso na ONU nos idos dos anos 80 dirigia-se à Assembléia Geral pensando nas crianças como o futuro da nova humanidade. Essa mensagem vale também para todos nós, os adultos. Dizia ele:

A criança precisa saber que ela própria é um milagre, saber, que desde o início do mundo, jamais houve uma criança igual a ela e que, em todo o futuro, jamais aparecerá outra criança como ela. Cada criança é algo único, do início ao final dos tempos. E assim a criança assume uma responsabilidade ao confessar: é verdade, sou um milagre. Sou um milagre do mesmo modo que uma árvore é um milagre. E sendo um milagre, poderia eu fazer o mal? Não. Pois sou um milagre. Posso dizer Deus ou a Natureza, ou Deus-Natureza. Pouco importa. O que importa é que eu sou um milagre feito por Deus e feito pela Natureza. Poderia eu matar alguém? Não. Não posso. Ou então, um outro ser humano que também é um milagre como eu, poderia ele me matar? Acredito que o que estou dizendo às crianças, pode ajudar a fazer surgir um outro modo de pensar o mundo e a vida. O mundo de hoje é mau; sim, é um mundo mau. E o mundo é mau porque não falamos assim às crianças do jeito que estou falando agora e do jeito que elas precisam que lhes falemos. Então o mundo não terá mais razões para ser mau.


Aqui se revela grande realismo: cada realidade, especialmente, a humana é única e preciosa mas, ao mesmo tempo, vivemos num mundo conflitivo, contraditório e com aspectos terrificantes. Mesmo assim, há que se confiar na força da semente. Ela é cheia de vida. Cada criança que nasce é uma semente de um mundo que pode ser melhor. Por isso, vale ter esperança. Um paciente de um hospital psiquiátricoque visitei, escreveu, em pirografia, numa tabuleta que ma deu de presente:”Sempre que nasce uma criança é sinal de que Deus ainda acredita no ser humano”. Nada mais é necessário dizer, pois nestas palavras se encerra todo o sentido de nossa esperança face aos males e às tragédias deste mundo.

Leonardo Boff é autor de “Cuidar da Terra-proteger a vida”,Record, Rio de Janeiro 2010.