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quinta-feira, 31 de março de 2022

CADÊ O POVO?

 Frei Betto



       O que ocorre com o povo brasileiro? Dá pra ecoar, hoje em dia, “Viva o povo brasileiro” exaltado por João Ubaldo Ribeiro? Cadê aquele povo aguerrido que desencadeou, ao longo de sua história, tantas revoltas libertárias, hoje encobertas ou edulcoradas pelos livros didáticos?
       Desde a ditadura militar (1964-1985) nosso povo não sofria tanto quanto nos três anos do (des)governo Bolsonaro. Mandato que veio para destruir como dinamites que implodem um edifício. Não há segmento do país (exceto a minoria mais rica) que não tenha sido duramente afetado por este governo.
       Há retrocessos em todos os setores: economia, saúde, educação etc. O preço dos combustíveis disparou; a inflação furou o teto previsto; o desemprego aumentou; os salários perderam poder aquisitivo; a educação está sucateada; a saúde padece na UTI do descaso dos preços abusivos dos medicamentos e dos planos privados. E, sobretudo, no genocídio de quase 660 mil vidas perdidas devido à irresponsabilidade de um presidente que ignorou a vacina e prestigiou a ineficaz cloroquina.
       Na área socioambiental, o trator da devastação trafega com a mesma gula destrutiva dos dentes de aço de uma motosserra. Agrotóxicos envenenam o solo e os alimentos; a Amazônia sofre o seu maior índice de desmatamento; garimpos e mineradoras contaminam rios, igarapés e lagoas, esburacando a floresta; os povos indígenas têm suas terras invadidas e espoliadas.
       E cadê o povo? Cadê a capacidade de mobilização dos movimentos populares, dos sindicatos, das pastorais e dos partidos políticos progressistas? Serão agora meras lembranças, como em um álbum de retratos, a Passeata dos 100 mil (1968, em plena ditadura), as greves metalúrgicas no ABC paulista (1978-1980), a luta por Diretas Já (1984), o impeachment de Collor (1992), a mobilização da juventude em junho de 2013?
       Sim, há manifestações pontuais, como as marchas do MST, os protestos do MTST, a dos povos indígenas em Brasília, as de gays. mulheres e negros por suas pautas identitárias, a de Caetano Veloso no “Ato pela Terra”. E há indignação por todos os lados, sobretudo nas redes digitais, embora o “fuhrer” ainda detenha apoio de mais de 30% da população.
       A esquerda perdeu a guerra das narrativas? Sim, abandonamos o trabalho de base junto aos excluídos, deixamos a periferia ser ocupada pelo fundamentalismo religioso, o narcotráfico e as milícias. E só agora estamos aprendendo a lidar com as trincheiras digitais.
       Ao nos afastarmos do lugar social popular, voltamos à linguagem hermética dos círculos acadêmicos. Falamos para nós mesmos. Nossa linguagem é estranha aos moradores de favelas, aos sem-terra, aos sem-teto. E apesar de tudo que sofrem – como pagar mais de R$ 100 por um botijão de gás - não se reduz o apoio de mais de 30% a Bolsonaro. Por quê?
       Porque não é prioritariamente pelo estômago que as pessoas raciocinam. É, sobretudo, pelo sentido que imprimem às suas vidas. É o sentido impregnado na mente que faz um jovem se dispor a morrer na guerra. É o sentido que leva fiéis à sujeição dos ditames descabidos do padre ou do pastor. É o sentido que causa abnegação ou revolta, submissão ou reação, medo ou coragem.
       Cadê a narrativa de sentido emitida pelos segmentos progressistas? Sabemos prometer, e até promover (como nos 13 anos de governos do PT) melhorias de vida à população. Mas não é a barriga que, em última instância, comanda a razão.
       Eu poderia dizer tudo isso com citações de autores consagrados, mas prefiro evitar o que soaria pernóstico a muitos leitores de meus textos.
       Hoje, há apenas duas narrativas disponíveis no mercado epistêmico: a capitalista e a marxista. A primeira nos impregna pelos poros, em especial agora que o planeta se encontra globocolonizado. A outra, que rompe o círculo hermético do sistema, é o marxismo, que nos abre a viabilidade de um sistema de justiça e paz. Mas esta parece soterrada pelos escombros do Muro de Berlim e por tantas atrocidades cometidas pelo desvio stalinista. O tabu de citar Marx e se assumir como marxista é compreensível. Mas não o preconceito de adotá-lo como método de análise da realidade, inclusive na ótica religiosa, como fez a Teologia da Libertação.
       Será que o reformismo nos arrancará do atoleiro? Ou nos deixará no mesmo lugar, como caminhões atolados na lama das estradas de terra, apesar de seus motoristas afundarem o pé no acelerador como fazemos em períodos eleitorais?

Frei Betto é escritor, autor de “O marxismo ainda é útil?” (Cortez), entre outros livros. Livraria virtual: 
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 Frei Betto é autor de 70 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

 

 

 

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quarta-feira, 30 de março de 2022

PALAVRAS DE PEDRO : DITADURA NUNCA MAIS.




Aqui, perto, os militares são meus “inimigos”, na medida em que são inimigos do Povo. Porque estão a serviço do Capitalismo e da Ditadura; porque vivem servilmente entregues aos assistencialismos mistificadores, aos “projetos-impacto”, à repressão e até à tortura. Não falo decorado, mas do vivido.

Apesar de não saber bem o que dizer — na real prática angustiante sobre a Violência, detesto mais que nunca todas as armas, e gostaria de saber que serão dispensados, um dia, todos os exércitos do mundo e que “de suas espadas se forjarão enxadas e de suas lanças, podadeiras”...

 

Pedro Casaldáliga, Creio da Justiça e na Esperança


#PedroCasaldáligaPresente!

#Casaldáliga

#NãoQueremosGuerraQueremosPaz!

terça-feira, 29 de março de 2022

Para regressarmos ao bem-viver do Amor


 

Marcelo Barros


Nesse 4º domingo da Quaresma (ano C), somos convidados/as a meditar nas parábolas de Jesus sobre a misericórdia divina (Lc 15, 1 – 3 e 11 - 32). Conforme este evangelho, tudo começa por uma acusação que os religiosos (escribas e fariseus) fazem a Jesus. Acusam Jesus de viver no meio de gente com a qual, conforme os critérios religiosos, ele não deveria conviver. Pior ainda: Jesus chega a participar da mesma mesa que essas pessoas consideradas de má vida.

Nas culturas antigas, as refeições eram os momentos sociais mais importantes, através dos quais ficava claro quem era quem e de que lado as pessoas estavam. Comer juntos era um ato de profunda identificação entre as pessoas que partilhavam a mesa. Nesse contexto, comer publicamente com pecadores e publicamos era verdadeiro escândalo. Jesus fazia isso. Para os religiosos, essa  conduta de Jesus era escandalosa e inaceitável. Significava trair os valores da tradição religiosa. Jesus justifica o seu comportamento diferente e estranho, afirmando claramente: o amor de Deus é assim! Eu faço isso porque é assim que Deus se coloca: junto com os pequenos e marginalizados.

Para explicar isso aos religiosos escandalizados com o seu comportamento considerado imoral, Jesus conta três parábolas:

1º - a do pastor que deixa as 99 ovelhas no abrigo e sai em busca da ovelha perdida,

2º - a da mulher que procura a moeda perdida até encontra-la.

3º - Finalmente a do pai misericordioso que age como mãe de bandido. Deus é como uma mulher pobre que sempre acolhe o filho ou filha e o/a protege, incondicionalmente, seja em que situação for. Jesus se coloca do lado dos perdidos para revelar o modo de Deus agir. Nessa terceira parábola,  Jesus explica o seu comportamento dizendo que ele que age como Deus age.

Em seu livro: “A volta do filho pródigo”, o espiritual holandês Henri Nouwen conta que, no Marrocos, na Índia e na Turquia, alguém fez uma pesquisa, na qual perguntava se, naquelas culturas, seria admissível alguém fazer um pedido daqueles ao pai: “quero a parte da herança que me cabe”. Todas as pessoas respondiam que era impossível.

Por que? perguntava o pesquisador.

E as pessoas explicavam: Pedir a herança é como pedir a morte do pai. O filho está praticamente dizendo: Pai, eu não posso esperar que você morra para gozar da parte da herança que me cabe. Já que você não morre, ao menos morra para mim. Passe logo para mim agora a herança que me cabe depois de sua morte.

O evangelho diz que o pai reparte tudo entre os dois filhos. Fica legalmente sem nada, como se já estivesse morto. Não tem mais nenhum papel social. Continua vivo, mas como se estivesse morto e pelo próprio filho[1]. A teologia fala do esvaziamento de Jesus (kenosis) na encarnação e na cruz. Mas, essa parábola fala de que o próprio Pai resolve se esvaziar – não ter mais nada. E o que lhe importa mesmo é que os seus filhos e filhas vivam e transformem o mundo em lugar de amor.

Conforme a parábola, o filho não é feliz na sua aventura. Acaba obrigado a voltar à casa do pai. Ele não volta porque se arrependeu o que fez ou porque está com muita saudade ou porque simplesmente pensa que o pai pode precisar dele. Ele continua egoísta e auto-centrado. Volta porque está com fome e sabe que na casa do pai terá cama e comida. Para o pai, pouco importa se o filho voltou por interesse próprio ou por necessidade. O importante é que voltou. Jesus não diz que se junta aos pecadores e à gente de má vida, porque eles estão arrependidos, ou porque vão mudar de vida. Jesus explica que se junta a eles, porque o pai os ama e corre ao encontro deles e delas, assim que os/as vê se aproximarem dele, mesmo que a motivação seja meramente interesseira. O que importa aí é o amor do pai.

Ao voltar à casa, o filho pródigo tem consciência de que não tem mais nenhum direito,  porque, ao pedir a parte da herança, tinha realmente deserdado o pai. “Não mereço ser chamado de filho. Trata-me como a dos teus empregados”. Isso é o que ele pedia e esperava. Mas, o pai nem o deixa falar. Restitui a ele a condição de filho. Gratuitamente.

Para acolher em casa o filho que havia partido e se tinha perdido, o Pai assume o conflito com o filho mais velho que é bom, honesto e sempre ficou do lado do pai. Do mesmo modo, para se solidarizar com as pessoas desviadas e tidas como pecadoras, Jesus precisou se afastar dos círculos religiosos, romper com os conventos das pessoas que vivem falando de Deus 24 horas por dia. Jesus diz que os religiosos se comportam como o filho mais velho. Mantêm com Deus uma relação institucional e baseada na lei. E pensam agradar a Deus o servindo no culto, na casa. Ocorre que Deus não quer ser servido em si mesmo e sim na vida e no bem das pessoas, especialmente das que se desviaram do caminho. Temos de nos colocar nesse cuidado com os outros/as para participar da festa de Deus.  

O projeto divino é esse: ser atraído pela misericórdia maternal de Deus e voltar por pura graça a outro tipo de relação – sem mais direitos – sem contabilidade do perde e ganha – mas como festa pascal de amor. Esse caminho de volta é graça divina. A conversão consiste em passar  de uma relação com Deus, antes baseada no direito de herança do filho para uma volta ao convívio com um Deus esvaziado e anulado que se preocupa apenas que o filho (os filhos e filhas) vivam e dignamente. De fato, muitas vezes, as religiões e Igrejas ainda insistem demais na culpabilidade e na consciência do pecado das pessoas. A parábola de Jesus insiste muitíssimo mais na festa e na alegria divina: “É preciso nos alegrar porque ele estava morto e reviveu. Estava perdido e foi encontrado”.

 

Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019Email: irmarcelobarros@uol.com.b

[1] - KENETH BAILEY, Poet and peasant and through peassant eyes, (1983), citado por HENRI NOUWEN, A Volta do Filho Pródigo, São Paulo, Paulinas, 13ª ed. 2004, p. 40.

domingo, 27 de março de 2022

CAMINHO DE MUDANÇA


Marcelo Mário de Melo



Primeiro pagar a passagem

no Trem do Querer Ir

ao preço de um quilo

de Vontade de Mudar Não Perecível.


Não viagem de retorno

ao ponto inicial

nem de seguir 

rota contrária.


Mas mudança 

de caminho

senda

trilha

unindo 

estrada e estrela.

sábado, 26 de março de 2022

O ex-presidente Lula é culpado

 


Prof. Martinho Condini


O ex-presidente Lula é culpado:

1. Por ter nascido no agreste pernambucano na década de 1940 e diferentemente da maioria das crianças que morriam de fome e desnutrição, ele resistiu e se manteve vivo;

2. Por ter chegado a São Paulo, apesar de todas as dificuldades enfrentadas para sobreviver e começar a trabalhar desde de criança, ele se manteve firme, e foi em busca de melhores condições de vida. Se se formou torneiro mecânico e novas perspectivas de vida foram surgindo; 

3. Por ingressar no movimento sindical nos anos de 1970, na diretoria do Sindicato dos  Metalúrgicos de São Bernardo do Campo;

4. Por se tornar no final da década de 1970,  presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Ele liderou as principais greves de metalúrgicos em plena ditadura militar. A sua atuação junto com a sua diretoria e com o apoio dos trabalhadores, fez com que o movimento sindical no Brasil mudasse de patamar. A partir dos anos de 1980 o movimento sindical passa a ter muita força, também em outras categorias, e Lula se torna a principal liderança do movimento sindical do Brasil;

5. Por ter uma liderança e projeção nacional e internacional, que o levou com o apoio de trabalhadores, estudantes e intelectuais, fundar um partido político que representasse os interesses da classe trabalhadora. Foi fundado o Partido dos Trabalhadores, o PT, em 1980. Lula torna-se a principal liderança política do país, dos últimos 40 anos, e o PT o maior partido progressista de esquerda do mundo nos dias atuais;

6. Por ter sido eleito em 2002 presidente da república, e pela primeira vez o Brasil elegeu um brasileiro vindo das camadas mais pobres do Brasil,  em 2006 Lula é reeleito;

7. Durante os seus dois mandatos, Lula  tirou mais de 30 milhões de pessoas da condição de miseráveis, gerou mais de 15 milhões de empregos, deixou ao final do seu governo 378 bilhões de dólares em caixa, pagou a dívida externa, emprestou dinheiro para países pobres, fez a transposição do Rio São Francisco, criou um milhão de cisternas, fez mais de quatrocentas UPAS;

8. Na educação criou 382 Escolas Técnicas Federais, 18 Universidades Federais, aumentou em mais de 400% o número de estudantes pobres, negros e mestiços matriculados nas universidades deste país, criou o PROUNI, PRONATEC, FIES, PROJOVEM, Menor Aprendiz e o Brasil sem fronteira;

9. Aposentou todas e todos trabalhadores com mais 65 anos, criou o Bolsa Família, Farmácia Popular, Luz para todos, construiu mais de um milhão de casas no programa Minha casa, minha vida, no esporte criou Bolsa atleta, Bolsa pódio, Estatuto do torcedor, Lei de Incentivo ao esporte;

10. Lula reduziu a pobreza e a desigualdade social e levou o Brasil a 6ª potência econômica do mundo e sempre respeitou e respeita a ciência, a pesquisa e seus pesquisadores, os nativos e o meio ambiente;

11. Em 2018 Lula foi impedido de concorrer à presidência da república pela 3ª vez, foi condenado a prisão, e lá ficou por 580 dias, e dizia que sairia de lá e provaria que era inocente, e que a Lava Jato estava mentindo;

12. Hoje Lula é o principal candidato à presidência da república, lidera todas as pesquisas e foi absolvido pelo STF em todos os processos em que foi acusado e condenado pela Lava Jato;

13.  Lula ao se tonar presidente da república pela terceira vez este ano, não só se tornará o único a realizar esse feito, mas se consolidará como o maior presidente da história da nossa república, ninguém mais do que ele e seu governo trabalhou tanto para que a população trabalhadora desse país alcançasse uma condição digna como ser humano.

Enfim, Lula é o “culpado” por nos resgatar o esperançar e o acreditar, que é possível a classe trabalhadora desse país ser feliz de novo. 


*O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros ‘Dom Helder Camara um modelo de esperança’, ‘Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo’, ‘Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire’ e o DVD ‘ Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro ‘Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza’. Contato profcondini@g

sexta-feira, 25 de março de 2022

Ataques impiedosos ao Papa Francisco,”um justo entre as nações”

                                              Leonardo Boff 


Desde o início de se pontificado há nove anos,o Papa Francisco está sob furiosos ataques de cristãos tradicionalistas e supremacistas brancos quase todos do Norte do mundo, dos Estados Unidos e da Europa.Fizeram até um complô, envolvendo milhões de dólares, para depô-lo como se a Igreja fosse uma empresa e o Papa  seu CEO.Tudo em vão. Ele segue seu caminho no espírito das bem-aventuranças evangélicas dos perseguidos.

Várias são as razões desta perseguição:razões geopolíticas,disputa de poder,outra visão de Igreja e o cuidado da Casa Comum.

Ergo minha voz em defesa do Papa Francisco a partir da periferia do mundo, do Grande Sul. Comparemos os números: na Europa vivem apenas 21,5% dos católicos, 82% vivem fora dela, sendo que 48% na América. Somos,portanto, vasta maioria. Até meados do  século passado a Igreja Católica era do primeiro mundo. Agora é uma Igreja do terceiro e quarto mundo, que, um dia, teve origem no primeiro mundo. Aqui surge uma questão geopolítica. Os conservadores europeus,com exceção de notáveis organizações católicas de cooperação solidária,nutrem um soberano desdém pelo Sul,notadamente pela América Latina.

 A Igreja-grande-instituição foi aliada da colonização, cúmplice do genocídio indígena e participante do escravagismo. Aqui foi implantada uma Igreja colonial,espelho da Igreja europeia.Ocorre que ao longo de mais de 500 anos, não obstante a persistência da Igreja espelho, ocorreu uma eclesiogênese,a gênese de um outro modo de ser igreja,uma igreja, não mais espelho mas fonte:incarnou-se na cultura local indígena-negra-mestiça e de imigrantes de povos vindos de 60 países diferentes. Desta amálgama,gestou seu estilo de adorar a Deus e de celebrar, de organizar sua pastoral social do lado dos oprimidos que lutam por sua libertação. Projetou sua teologia adequada à sua prática libertadora e popular. Tem seus profetas, confessores, teólogos e teólogas, santos e santas e muitos mártires,entre os quais o arcebispo de San Salvador Arnulfo Oscar Romero. Esse tipo de Igreja é fundamentalmente,composta por  comunidades eclesiais de base,onde se vive a dimensão de comunhão de iguais, todos irmãos e irmãs, com seus coordenadores leigos, homens e mulheres, com sacerdotes inseridos no meio do povo e bispos,nunca de costas para o povo como autoridades eclesiásticas, mas como pastores junto deles, com “cheiro de ovelhas  com a missão de serem os “deffensores et advovati pauperum”como se dizia na Igreja dos primórdios. Papas e autoridades doutrinárias do Vaticano tentaram cercear e até condenar tal modo de ser-Igreja, não raro, com o argumento de que não são Igreja pelo fato de não se ver nelas o caráter hierárquico e o estilo romano.Essa ameaça perdurou por muitos anos até que, em fim, irrompeu a figura do Papa Francisco. Ele veio do caldo desta nova cultura eclesial bem expressa pela opção preferencial,não excludente, pelos pobres e pelas várias vertentes da teologia da libertação que a acompanha. Ele conferiu legitimidade a este modo de viver a fé cristã,especialmente em situações de grande opressão.

Mas o que mais está escandalizando cristãos tradicionalistas foi seu estilo de exercer o ministério de unidade da Igreja. Não comparecia  mais como  o pontífice clássico, vestido com os símbolos pagãos, assumidos dos imperadores romanos,especialmente a famosa “mozzeta”aquela capazinha branca cheia de símbolos do poder absoluto do imperador e do papa. Francisco logo se livrou dela e vestiu uma “mozzeta” branca, despojada,como aquela do grande profeta do Brasil, dom Helder Câmara e com sua cruz de ferro sem qualquer joia.Negou-se a morar num palácio pontifício, o que faria São Francisco sair do túmulo e conduzi-lo para onde ele escolheu viver: numa simples casa de hóspedes, Santa Marta. Aí entra na fila para servir-se e come junto com todos. Com humor podemos dizer: assim é mais difícil de envenená-lo. Não calça Prada mas seus velhos e gastos sapatões. No anuário pontifício no qual se usa uma página inteira com os títulos honoríficos dos Papa, ele simplesmente renunciou a todos e apenas escreveu Franciscus,pontifex. Disse claramente num de seus primeiros pronunciamentos que não vai presidir a Igreja com o direito canônico  mas com o amor e a ternura. Um sem número de vezes repetiu que queria uma Igreja pobre e de pobres.

Todo o grande problema da Igreja-grande-instituição reside, desde dos imperadores Constantino e Teodósio, na assunção do poder político,   transformado no poder sagrado (sacra potestas).Esse processo chegou à sua culminância com o Papa Gregório VII (1075) com  sua bula Dictatus Papae que bem traduzida é a “Ditadura do Papa”. Como diz o grande eclesiólogo Jean-Yves Congar, com este Papa se consoIidou a mais decisiva virada da Igreja que tantos problemas criou e da qual nunca mais se libertou: o exercício centralizado, autoritário e até despótico do poder. Nas 27 proposições da bula, o Papa é considerado o senhor absoluto da Igreja, o senhor único e supremo do mundo, tornando-se a autoridade suprema na campo espiritual e temporal. Isso nunca foi desdito.

Basta ler o Canon 331 no qual se diz que “o Pastor da Igreja universal tem o poder ordinário, supremo, pleno,imediato e universal”.Coisa inaudita: se riscarmos o termo Pastor da Igreja universal e colocarmos Deus funciona perfeitamente. Quem dos humanos, senão Deus, pode atribuir-se tal concentração de poder? Não é sem significado que na história dos Papas houve um cresccendo no faraoismo do poder: de sucessor de Pedro,os Papas se entenderam representantes de Cristo.E com se não bastasse, representantes de Deus e até sendo chamados de deus minor in terra. Aqui se realiza a hybris grega e aquilo que Thomas Hobbes constata em seu Leviatã: “Assinalo, como tendência geral de todos os homens, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e de mais poder. A razão disso reside no fato de que não se pode garantir o poder senão buscando ainda mais poder”. Pois esta foi a trágica trajetória da Igreja Católica às voltas com o poder que persiste até os dias de hoje, fonte de polêmicas com as demais Igrejas cristãs e de extrema dificuldade de assumir os valores humanísticos da modernidade.Ela dista anos luz da visão de Jesus que queria um poder-serviço (hierodulia) e não um poder-hierárquico (hierarquia).

Disso tudo se afasta o Papa Francisco, o que causa indignação aos conservadores e até reacionários bem expresso no livro de  45 autores de outubro de 2021:”Da paz de Bento à guerra de Francisco”(From Benedict’s Peace to Francis’s War) organizado por Peter A. Kwasniesvski. Nós faríamoss a retórquio assim: “Da paz dos pedófilos de Bento (encobertos por ele) à guerra aos pedófilos de Francisco (condenados por ele).É sabido que o Papa retirado Bento XVI foi indiciado culposamente por um tribunal de Munique devido à sua leniência com padres pedófilos.

Há um problema de geopolítica eclesiástica:os tradicionalistas rejeitam um Papa que vem “do fim do mundo” que traz para o centro do poder do Vaticano um outro estilo mais próximo à gruta de Belém do que dos palácios dos imperadores. Se Jesus aparecesse ao Papa em  seu passeio pelos jardins do Vaticano,seguramente, diria: “Pedro, sobre estas pedras palacianas jamais construiria a minha Igreja”. Essa contradição é vivida pelo Papa Francisco pois renunciou ao estilo palaciano e imperial. 

Trava-se,com efeito, um embate de geopolítica religiosa, entre o Centro que perdeu a hegemonia em número e em irradiação mas que conserva  os hábitos de exercício autoritário do poder e a Periferia, numericamente majoritária de católicos, com igrejas novas, com novos estilos de vivência da fé e em permanente diálogo com o mundo especialmente com os condenados da Terra, tendo sempre uma palavra a dizer sobre as chagas que sangram no corpo do Crucificado,presente nos empobrecidos e oprimidos.

Talvez o que mais incomoda os cristãos engessados no passado é a visão de Igreja vivida pelo Papa. Não uma Igreja-castelo,fechada em si mesma, em seus valores e doutrinas, mas uma Igreja “hospital de campanha” sempre “em saída rumo às periferias existenciais”.Ela acolhe a todos sem perguntar por seu credo ou sua situação moral. Basta que sejam seres humanos em busca de sentido de vida e sofredores pelas adversidades deste mundo globalizado, injusto, cruel e sem piedade. Condena de forma direta o sistema que dá centralidade ao dinheiro à custa de vidas humanas e da natureza. Realizou vários encontros mundiais com movimentos populares. No último, o quarto, disse explicitamente:”Este sistema (capitalista),com sua lógica implacável, escapa ao domínio humano; é preciso trabalhar por mais justiça e cancelar este sistema de morte”. Na Fratelli tutti o condena de forma contundente.

Orienta-se por aquilo que é um das grandes contribuições da teologia latino-americana: a centralidade do Jesus histórico, pobre, cheio de ternura para com os sofredores, sempre do lados dos pobres e marginalizados. O Papa respeita os dogmas e as doutrinas, mas não é por elas que chega ao coração das pessoas.Para ele, Jesus veio  nos ensinar a viver: a confiança total ao Deus-Abbá, viver o amor incondicional, a solidariedade, a compaixão para com os caídos nas estradas, o cuidado para com o Criado,bens que constituem o conteúdo da mensagem central de Jesus: o Reino de Deus. Prega incansavelmente a misericórdia ilimitada pela qual Deus salva seus filhos e filhas, pois Ele não pode perder nenhum deles,frutos de seu  amor, “pois é o apaixonado amante da vida”(Sab 11,24). Por isso afirma que “por mais que alguém esteja ferido pelo mal, jamais está condenado sobre esta terra a ficar para sempre separado de Deus”. Em outras palavras: a condenação é só para esse tempo.

Convoca os pastores todos a exercerem a pastoral da ternura e do amor incondicional, resumidamente formulada por um líder popular de uma comunidade de base:”a alma não tem fronteira, nenhuma vida é estrangeira”. Como poucos no mundo, se empenhou pelos imigrantes vindos de África e do Oriente Médio e agora da Ucrânia. Lamenta o fato de os modernos terem perdido a capacidade de chorar, de sentir a dor do outro e, como bom samaritano,socorrê-lo em seu abandono. 

Sua mais importante obra foi a preocupação pelo futuro da vida da Mãe Terra. A Laudato Sì expressa seu verdadeiro sentido no sub-título: “sobre o cuidado da Casa Comum”.Elabora não uma ecologia verde, mas uma ecologia integral que abarca o ambiente, a sociedade, a política, a cultura, o cotidiano e o mundo do espírito. Assume as contribuições mais seguras das ciências da Terra e da vida,especialmente, da física quântica e da nova cosmologia o fato de que “tudo está relacionado com tudo e que nos une com afeição ao irmão Sol, à irmã Lua, ao irmão rio e à Mãe Terra”como diz poeticamente na Laudato Sì. A categoria cuidado e corresponsabilidade coletiva ganham tanta centralidade a ponto de na Fratelli tutti dizer que “estamos no mesmo barco: ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”. 

Nós latino-americanos somos-lhe profundamente gratos por haver convocado um Sínodo Querida Amazônia, para defender esse imenso bioma de interesse para toda a Terra e como a Igreja se incarna naquela vasta região que cobre nove países.

Grandes nomes da ecologia mundial testemunharam: com esta sua contribuição, o Papa Francisco se coloca na ponta da discussão ecológica contemporânea. 

Quase desesperado mas mesmo assim cheio de esperança, propõe um caminho de salvação: uma fraternidade universal e um amor social como os eixos estruturadores de uma biosociedade em função da qual estão a política, a economia e todos os esforços humanos. Não temos muito tempo nem sabedoria suficientemente  acumulada, mas este é o sonho, e a alternativa real para evitar um caminho sem retorno.

O Papa caminhando sozinho na praça de São Pedro sob um chuva fina, em tempos da pandemia, ficará como uma imagem imorredoura e um símbolo de sua missão de Pastor que se preocupa e reza pelo destino da humanidade.

Talvez uma das frases finais da Laudato Sì revela todo seu otimismo e a esperança contra toda esperança: “Caminhemos cantando que as nossas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança”.

Precisam ser inimigos de sua própria humanidade, aqueles que condenam impiedosamente as atitudes tão humanitárias do Papa Francisco, em nome de um cristianismo estéril, feito um fóssil do passado e um recipiente de águas mortas. Os ataques ferozes que fazem a ele, podem ser tudo, menos cristãos e evangélicos. Os cardeais, bispos e outros que escreveram o citado livro são cismáticos e segundo o sentido antigo do termo, são hereges, porque dilaceram a unidade corpo eclesial.

O Papa Francisco a tudo suporta imbuído da humildade de São Francisco de Assis e dos valores do Jesus histórico. Por isso ele bem merece o título de “um justo entre as nações”.

Leonardo Boff é um teólogo brasileiro e escreveu Francisco de Assis e Francisco de Roma, Rio de Janeiro 2015.

 

quinta-feira, 24 de março de 2022

RELÓGIO DO APOCALIPSE

 Frei Betto



       A Segunda Grande Guerra terminou com o mais abominável ato terrorista, cometido em dose dupla, registrado pela história da humanidade: as bombas atômicas lançadas pelo governo dos EUA, em agosto de 1945, sobre as populações civis de Hiroshima e Nagasaki. Ao visitar Hiroshima, em maio de 2016, o presidente Obama, que equivocamente recebeu o Nobel da Paz em 2009, não teve a dignidade de pedir perdão.
       Logo após o genocídio das populações civis das duas cidades japonesas, um grupo de cientistas e analistas políticos, entre os quais Noam Chomsky, passou a se reunir todos os anos, em janeiro, para acertar o Relógio do Apocalipse (“Doomsday Clock”). O ponteiro dos minutos foi posicionado sete minutos antes da meia-noite. Atingir a meia-noite significa marcar o fim trágico da espécie humana no planeta Terra.
       Em 1953, quando EUA e União Soviética deram uma demonstração de força ao explodir bombas termonucleares, o ponteiro dos minutos avançou cinco casas e ficou posicionado em dois minutos para a meia-noite.
       A cada janeiro, o ponteiro dos minutos avança ou recua, dependendo do equilíbrio de forças bélicas no mundo. Contudo, no governo Trump ele parou em 1 minuto antes da meia-noite, e o ponteiro dos segundos passou a se mover. Hoje ele marca 100 segundos antes da hora do Apocalipse.
       Nos últimos anos, outro fator passou a pesar no movimento do relógio: a devastação socioambiental. Os cientistas que delimitam as eras geológicas qualificam a atual de Antropoceno, palavra derivada do grego “ánthropos”, humano, e “ceno”, novo. Ou seja, a ação humana altera o equilíbrio ambiental do planeta e ameaça a vida na Terra. No entanto, prefiro caracterizar a nossa era como Capitaloceno, a era do capital, na qual a apropriação privada da riqueza em mãos de poucos é encarada como um direito. E o que é pior, tal privilégio se situa acima de todos os direitos humanos.
       Os ponteiros dos segundos foram adiantados também por um terceiro fator: a infodemia, essa disseminação generalizada de fake news e ataques, inclusive de governantes, à ciência e à verdade. O ódio se alastra como uma pandemia, divide nações e famílias, mina as bases da democracia. ONU, governos e partidos políticos perdem credibilidade e abrem caminho para a imposição da lei do mais forte.
       Agora o relógio do Apocalipse posiciona seus ponteiros no último segundo antes da meia-noite. Basta a Rússia alastrar a guerra contra a Ucrânia para um dos países membros da Otan ou um dos países desta instituição – que deveria ter sido extinta em 1991, após a queda do Muro de Berlim – atacar a Rússia ou aumentar ostensivamente o poder de fogo da Ucrânia. Então os ponteiros marcarão meia-noite.
       Hoje, os EUA mantêm armas nucleares, não apenas em seu próprio território, mas em todo o mundo, inclusive na Europa. Cerca de 100 de suas ogivas nucleares se encontram na Bélgica, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia, estados membros da Otan. 
       No governo Trump, os EUA se retiraram unilateralmente do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, na sigla em inglês) de 1987, um acordo de controle de armas com a Rússia, que imediatamente também se retirou. O abandono do tratado significa que cada país pode, agora, lançar mísseis com um alcance de até 5.500 quilômetros e, assim, enfraquecer a segurança dentro e ao redor da Europa. 
       É inegável que a saída dos EUA do INF suscitou no Kremlin a certeza de que a Casa Branca busca ficar próxima de suas fronteiras para instalar mísseis e reduzir o tempo de ataque às cidades russas. Além disso, os EUA constroem, atualmente, um novo sistema de mísseis, de 100 bilhões de dólares, que pode viajar quase 10 mil quilômetros, chamado GBSD (sigla em inglês para Ground Based Strategic Deterrent – Dissuasão Estratégica Terrestre). Este míssil é capaz de transportar armas nucleares e atingir qualquer lugar do planeta em poucos minutos. Se acontecer, então nenhum ouvido humano escutará soar o alarme do relógio do Apocalipse.

Frei Betto é escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das Letras), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
      
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quarta-feira, 23 de março de 2022

PALAVRAS DE PEDRO

 

       Celebrar a memória de nosso São Romero é um dever e é um dom. Renovando nossa comunhão nas lutas e na esperança de santificar a esse pastor e mártir da Nossa América. Rezando, isso sim, dessa memória um renovado compromisso diário das lutas pelo Reino que São Romero viveu em radicalidade dando a prova maior, como diz Jesus.

        Essa memória nos estimula a vivermos o desafio diário de sermos também radicais, mas com uma esperança que tem garantia da Páscoa do próprio Cristo.

        Das beiras do Araguaia mando para vocês um abraço do falando da nossa Utopia.

Pedro Casaldáliga, Celebrações Martiriais: Tríduo e Celebração da festa de São Romero da América, Pastor e Mártir Nosso!

#Casaldàliga!

#PedroCasaldáligaPresente!

#NãoQueremosGuerraQueremosPaz!

 

PALAVRAS, PEDRO




A morte de dom Romero e seus últimos anos de vida profética foram julgados segundo os parâmetros dessas três visões que acabo de esboçar. (As três visões que ele fala da igreja é: a Conservadora; a segunda é a vive mais ou menos Superficialmente das informações da televisão e da imprensa. Sabe que se mata muita gente na Guatemala e em El Salvador; e a terceira é a Minoritária, aquela que acompanha de perto as vicissitudes do povo).

        Creio, no entanto, que uma maior parte do episcopado e da Igreja do Brasil tem-se inclinado com veneração diante da figura mártir de Romero.

        Para a Igreja “que nasce do povo pelo Espírito” — como dizemos aqui e cremos que assim seja — dom Romero é são Romero da América, pastor e mártir, um verdadeiro patriarca da profecia e do testemunho pastorais no Continente, um sinal de contradição salvadora. Mais tarde se contará a história eclesial da América Latina — a história de sua hierarquia, mais concretamente — tendo como marcos o antes e o depois do martírio de Oscar Romero. (Angelelli e Valencia Cano, outros dois grandes pastores vítimas, morreram, digamos, mais clandestinamente).

 

Pedro Casaldáliga, Na Procura do Reino

Desenho: @alex_serpas integrante da @reddedibujantes

#Casaldàliga!

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#NãoQueremosGuerraQueremosPaz!

terça-feira, 22 de março de 2022

Água: da exploração à autogestão comunitária


 

Marcelo Barros

 

A cada 22 de março, se celebra o Dia Mundial da Água. A comemoração desta data tem como objetivo conscientizar a humanidade de que a Água que, até pouco tempo, parecia um bem permanente, gratuito e inesgotável, atualmente, se encontra ameaçada e em risco. Isso ocorre pelo fato de que a água foi transformada em mercadoria privatizada, para o lucro de grandes corporações financeiras. Isso é mais trágico porque sem água não há vida. Todos os seres vivos dependem da Água.

Foi no 22 de março de 1992 que a ONU divulgou a Declaração Universal dos Direitos da Água, que deixa claro: “A água faz parte do patrimônio do planeta. Assim como a seiva é o sangue das plantas, a água é a seiva do nosso planeta. O equilíbrio e o futuro da Terra dependem da preservação da água e de seus ciclos. A água não é somente herança de nossos predecessores. É, sobretudo, empréstimo à geração que nos sucederá. Por isso, não deve ser desperdiçada, nem poluída ou envenenada”.

Em julho de 2010, por meio da Resolução A/RES/64/292, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou que a água limpa e segura e o saneamento básico são Direitos Humanos. Assim sendo, a água de qualidade e o saneamento básico passaram a ser direitos garantidos por lei, embora ainda a maior parte da humanidade não tem acesso a estes direitos.

A cada três anos, as empresas que compõem o Conselho Mundial da Água organizam uma assembleia do Fórum Mundial da Água (FMA). Em contraponto,  movimentos globais de justiça pela água organizam um Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA)  que desafia os modelos comerciais promovidos pelo FMA, ao mesmo tempo que promove uma visão pluralista e democrática. Foi assim em 2018, quando o Fórum Mundial da Água foi em Brasília. No Fórum Alternativo dos Movimentos Sociais, 7.000 participantes, membros de 450 organizações e representantes de 35 países dos cinco continentes se fizeram presentes. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs no Brasil (CONIC) e o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, organismo da CNBB participaram do FAMA com muitas iniciativas e em diálogo com representantes da população indígena, dos movimentos de trabalhadores sem-terra e sem teto, assim como de quilombolas, pescadores e pescadoras, negros e negras e juventudes.

Neste ano, o Fórum Mundial da Água ocorrerá em Dakar, no Senegal, de 21 a 26 de março. Nos mesmos dias e na mesma cidade, o Movimento Global de Justiça pela Água organizará mais uma vez o FAMA. Em sintonia com este evento, o grupo brasileiro da Rede Ecumênica da Água, organização mundial formada pelo Conselho Mundial de Igrejas e aberto à participação de outras religiões, se reúne virtualmente e envia uma carta  na qual o nosso grupo brasileiro afirma:

“Por ocasião do XIX Fórum Alternativo Mundial da Água, que acontece em Dakar, Senegal, de 21 a 26 de março de 2022, no qual pessoas provenientes de diversas partes do planeta água, organizações ambientais e outras da sociedade civil, se encontram para refletir sobre a condição em que se encontra a água nesse planeta e como está o planeta em relação à água, manifestamos a nossa presença solidária e comprometida com todas as iniciativas que promovem o objetivo do IX FAME: assegurar o direito à água como bem comum. Como REDA-Brasil, integramo-nos nesse objetivo promovendo a água como bem comum, direito humano e dom divino.

Nós e nossas organizações ambientais, e outras da sociedade civil, sentimo-nos convocados/as pelas águas para a realização do IX FAME. São águas dos rios poluídos que clamam por recuperação de sua qualidade original; águas das nascentes que secaram que querem ressurgir; águas represadas que querem recuperar a liberdade; águas dos córregos e rios que atravessam nossas cidades, e querem tornar-se fonte de beleza, de lazer e de vida; águas dos oceanos e dos rios voadores; águas que são ofertadas como mercadoria nos comércios locais, internacionais e na bolsa de valores, que querem ser recuperadas em sua natureza de dom e de gratuidade”.

(Quem quiser ler na íntegra este documento veja no site:   https://www.conic.org.br/portal/fe-na-vida-publica/rede-ecumenica-da-agua-reda)

  Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019Email: irmarcelobarros@uol.com.b