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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O OBSTÁCULO FUNDAMENTAL NA COP 21 EM PARIS


Por Leonardo Boff



 Nestes dias, de 30 de novembro a 11 de dezembro de 2015, está se celebrando mais uma Convenção das Mudanças Climáticas (COP 21) em Paris. Todas as realizadas até hoje chegaram a convergências pífias, muito distantes das exigências que o problema global exige. Há uma razão intrínseca ao atual sistema socioeconômico mundializado que impede alcançar objetivos comuns e adequados. É a obsessão pelo crescimento continuado da economia no nível nacional e internacional que implica uma relação de exploração dos bens e serviços naturais, muitos deles hoje em alto grau de erosão e exaustão. É semelhante a um trem que corre sobre trilhos. Ele está condicionado ao rumo que os trilhos traçam sem outra alternativa.

A metáfora vale para o atual sistema global. A obsessão pelo crescimento é medido pelo aumento do PIB. Fala-se em desenvolvimento, mas na verdade, o que se busca é o crescimento material. O crescimento pertence aos processos vitais. Mas sempre dentro de limites. Uma árvore não cresce ilimitadamente para cima nem nós crescemos fisicamente de forma indefinida. Chega um ponto em que o crescimento cessa e outras funções tomam o seu lugar.

Ocorre que um planeta limitado e escasso de bens e serviços como o nosso, não tolera um crescimento ilimitado. Já nos demos conta de seus limites intransponíveis. Mas o sistema não toma tal fato em consideração com a devida seriedade que ele exige.

Disse-o com grande lucidez o co-fundador do ecosocialismo, o franco-brasileiro Michael Löwy: “Todos os faróis estão no vermelho: é evidente que a corrida louca atrás do lucro, a lógica produtivista e mercantil da civilização capitalista/industrial nos leva a um desastre ecológico de proporções incalculáveis; a dinâmica do crescimento infinito, induzido pela expansão capitalista, ameaça destruir os fundamentos da vida humana no planeta”(Ecologia e socialismo 2005, 42).

A questão central não está, como viu o Papa Francisco em sua encíclica sobre O cuidado da Casa Comum, na relação entre crescimento e natureza. Mas entre ser humano e natureza. Este não se sente parte da natureza, mas seu dono que pode dispor dela como bem quiser. É o detestável antropocentrismo. Não cuida dela nem se responsabiliza pelos danos da voracidade de um crescimento infinito com o consumo ilimitado que o acompanha. Assim caminha célere rumo a um abismo, talvez num percurso sem volta.

Entre as muitas consequências desta lógica perversa é o aquecimento global que não cessa de crescer. Desconsiderando os negacionistas, há dois dados seguros, estabelecidos pela melhor pesquisa mundial: primeiro: o aquecimento é inequívoco; não dá para negá-lo, basta olharmos em volta e constatarmos os eventos extremos que ocorrem em todo o planeta; o sinal comprobatório inegável é o acelerado degelo das calotas polares; segundo: para além da geofísica da própria Terra que conhece fases de aquecimento e de esfriamento, este aquecimento é antrópico, vale dizer, resultado, na ordem de 95% de certeza, da ininterrupta intervenção humana nos processos naturais. O aquecimento que seria normal vem fortemente intensificado, especialmente nos últimos decênios, pelos gases de efeito estufa: o vapor d’água, o dióxido de carbono, o metano, o óxido nitroso e o ozônio. Esses gases funcionam como uma estufa que segura o calor aqui em baixo, impedindo que se disperse para o alto, aquecendo em consequência o planeta.

Toda luta é limitarmo-nos à média de dois graus Celsius (em alguns lugares pode chegar a 4 até 7 graus C ou noutros sobrevem um frio inesperado). Mas a média global se estabilizaria em torno de 2 graus Celsius.

Tal medida permitiria um gerenciamento razoável de adaptação e de mitigação. Para mantermo-nos nestes limites, dizem-nos os cientistas, deveríamos reduzir a emissão dos gases em 80% até 2100; alguns o antecipam para 2050. A maioria acha isso inalcançável.

Se no entanto, por descuido humano, a temperatura chegar entre 4-6 graus Celsius, por volta desta data, como previu a comunidade científica norte-americana, a vida que conhecemos corre risco de desaparecer e atingir grande parte da espécie humana.

O Secretário da ONU Ban Ki Moon advertiu recentemente:“As tendências atuais estão nos levando cada vez mais perto de potenciais pontos de ruptura, que reduziriam de maneira catastrófica a capacidade dos ecossistemas de prestarem seus serviços essenciais”. François Hollande, primeiro- ministro francês, em seu pronunciamento na abertura dos trabalhos em Paris no dia 30 de novembro falou que agora nos é oferecida a última chance. Se não chegarmos a uma decisão coletiva, entraríamos na zona de alto risco.

A consequência não pode ser outra: temos que mudar de rumo ou conheceremos a escuridão. Há que estabelecer uma nova relação para com a Terra; há que se produzir para atender as demandas humanas e da comunidade de vida mas dentro dos limites de sua biocapacidade, respeitando seus ciclos e limites. Fundamental é sentirmo-nos parte dela, cuidá-la para garantir-lhe a sustentabilidade necessária para nos dar aquilo que sempre nos deu. Deveremos aprender a ser mais com menos e a assumir uma sobriedade compartida em comunhão com a biodiversidadade, da qual depende, em grande parte, a nossa vida sobre este planeta.

Ou faremos esta “conversão ecológica”(Papa Francisco) ou estará comprometida nossa trajetória sobre esse pequeno e belo planeta.

Leonardo Boff é articulista do JB on line, ecoteólogo, filósofo e escritor


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O EVANGELHO SEGUNDO ANTOINE

por Maria Clara Lucchetti Bingemer



Antoine Leiris é um jovem jornalista francês.  Casado com a esteticista Hélène Muyal, pai de um filhinho de 17 meses chamado Melvil. Hélène foi durante a noite de sexta feira, 13 de novembro – data que o Ocidente jamais esquecerá – ao Bataclan, em Paris, enquanto Antoine ficava com o filho em casa.

Hélène não voltou e Antoine procurou-a com o peito angustiado e o fôlego suspenso cidade afora.  Primeiro pelos hospitais, depois pelos necrotérios.  Ao terceiro dia, pela manhã, encontrou-a, morta pelas balas dos terroristas. À tarde escreveu uma carta, a sua mulher e aos assassinos, de impressionante beleza e força. Nela declara com profunda dor, mas com impressionante serenidade, o imenso amor que tem por Hélène, um ser único e excepcional, o amor de sua vida e a mãe de seu filho, que teve sua jovem vida roubada pelos terroristas.  Ao mesmo tempo afirma, clara e firmemente: “Mas vocês não terão meu ódio.”

Antoine se dirige a rostos velados e anônimos.  Ele não conhece os agressores, não conhece os assassinos de sua mulher.  E, segundo ele mesmo diz, não quer conhecê-los.  Chama-os apenas de “almas mortas”. Por isso, não lhes dará o presente pelo qual tanto anseiam: seu ódio.  Ciente de que no fundo é isso que os djihadistas esperam, qual seja, -  instaurar o reinado do ódio – o jovem viúvo recusa-se a entrar nesse jogo, porque responder ao ódio com a cólera seria ceder à mesmíssima ignorância que fez dos terroristas aquilo que eles são, ou aquilo em que se tornaram: almas mortas, pessoas com vidas sem sentido, que encontram sua máxima excitação e realização em explodir-se a si mesmos e aos outros em uma matança coletiva, pretendendo agir em nome de Deus. 

Além do ódio, o medo.  Antoine recusa-se igualmente a sentir medo. E afirma: “Vocês querem que eu tenha medo, que eu olhe meus compatriotas com olhos desconfiados, que eu sacrifique minha liberdade pela segurança.  Perderam.”  Recusa-se ao medo, como já se recusou ao ódio. Não permitirá que aqueles que roubaram a vida de sua mulher com balas roubem agora a sua pelo medo, pelo retraimento, pelo ódio que aprisiona e consome dia após dia a vítima, dando nova vitória ao algoz.

Antoine e Hélène viviam uma união feliz, eram pessoas alegres e amorosas.  Ele diz sem pudor aos assassinos daquela a quem amava que, ao vê-la naquela manhã – após  angustiante e interminável busca de três longos dias -   e constatar sua morte, ela estava tão bela como no dia em que se conheceram e se apaixonaram há mais de doze anos.

Ignoro se Antoine é crente ou religioso.  E se o for, a que tradição religiosa está conectado. Isto não importa neste momento. Em sua carta ecoa com vigor e beleza o evangelho de Jesus, que ensina a não odiar o inimigo.  Não porque pretenda amá-lo por decreto ou imposição.  Jesus não era louco e sabia que não se lida assim com as paixões e os sentimentos. Não odiar o inimigo é a melhor maneira de exercitar diante dele sua liberdade. O ódio escraviza e apenas quem é livre consegue sobreviver a uma tragédia como a de Paris – e particularmente a de Antoine – com um coração que ainda espera, ainda ama, ainda é capaz de superar a dor e encontrar a alegria. E assim fazendo, reverte os planos dos carrascos, dando às vítimas instrumentos para continuar vivendo e triunfar da dor, encontrando novo sentido para a vida.

Se Antoine não é crente, em todo caso é teólogo, embora talvez não saiba que o é.  Pois o que diz em sua carta aos assassinos de sua esposa é teologia da melhor qualidade: “Se este Deus pelo qual vocês matam cegamente nos criou à sua imagem, cada bala no corpo de minha mulher terá sido uma ferida em seu coração”.  Já o Papa Francisco, dias após os atentados de Paris, disse algo parecido. Ao comentar o evangelho do dia, a respeito do pranto de Jesus sobre Jerusalém, afirmou que vendo a guerra que a humanidade trava em nossos dias Jesus chora, Deus chora. A morte de Hélène e a de todas as vítimas em Paris, no Líbano, na Síria, no Iraque e onde mais for, fere dolorosamente o coração de Deus.

Talvez Antoine não seja religioso, mas a esperança que o anima é profundamente verdadeira.  Declara-se certo de ser acompanhado pela presença de sua amada todos os dias de sua vida e espera reencontrá-la no “paraíso das almas livres”, ao qual seus assassinos não terão acesso. A esperança que o sustenta faz com que – apesar da dor que o dilacera – não se detenha nela, mas se volte para aquele que é a razão de seu viver: seu pequeno filho Melvil.  Cuidar que Melvil acorde sereno de sua sesta, que coma com apetite seu lanche e brinque alegremente com um pai sereno e atento é o melhor exercício amoroso que pode realizar neste momento. 

Antoine tem um desejo e um objetivo com essa atitude: assegurar-se de que os djihadistas que assassinaram sua mulher não roubem igualmente a vida de seu filho, fazendo-o cativo do ódio.  Melvil tem que responder a eles e vencê-los sendo uma criança livre e feliz.  E conta com seu pai para ajudá-lo nessa tarefa de vida inteira. O jovem jornalista de “France Bleue” espera poder dar ao filho armas para que este enfrente a vida.  Mas, em suas próprias palavras “armas de papel, de pincéis, de notas musicais e não kalachnikovs”.

Após os atentados, os bombardeios no Oriente Médio recrudesceram, fazendo centenas de novas vítimas.  E novas investidas preparam-se deste lado do mundo.  No entanto, o fato de a bela carta de Antoine haver encontrado imensa repercussão nos meios de comunicação e nas redes sociais nos dá esperança.  Esperança de que a humanidade não deseja o ódio e sim a liberdade e a convivência.  Que assim seja!

Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio

A teóloga é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco.  

 Copyright 2015 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>


quinta-feira, 26 de novembro de 2015

NOVEMBRO DE 2016

por Frei Betto



     Todo final de ano, a mídia faz o balanço das principais notícias dos 12 meses anteriores. A tragédia de Mariana e os massacres terroristas em Paris (Charlie Hebdo e Bataclan) sem dúvida merecerão destaque.

     Em novembro de 2016, um ano depois, os dois fatos voltarão a ser destaques na mídia. Não é preciso ter bola de cristal para adivinhar que seremos informados de que, em Mariana, as vítimas que sobreviveram ao mar de lama continuam desamparadas, vivendo em condições precárias, à espera do cumprimento de promessas do governo e da Samarco que, um ano depois, não saíram do papel.

     Enquanto isso, o minério continuará a ser abortado do ventre de Minas, sem que as condições de preservação ambiental estejam efetivamente asseguradas.

     De Paris, veremos de novo as fotos da mortandade causada pelo terrorismo. E, mais uma vez, as imagens dos aviões em choque com as torres gêmeas, em Nova York, em 2001, para enfatizar que ali se perpetrou o maior atentado terrorista da história.

     Mentira. Os dois maiores atentados terroristas foram as bombas atômicas lançadas pelos EUA, em 1945, sobre a população civil de Hiroshima e Nagasaki. Morreram 129 mil pessoas, segundo os estadunidenses, ou 246 mil, de acordo com os japoneses. Sem contar os efeitos colaterais indeléveis no corpo e na alma dos poucos que sobreviveram.

     Terão os aliados ocidentais derrotado o Estado Islâmico até novembro de 2016?  Se analisarmos os precedentes, paira a dúvida. O Ocidente, frente ao inimigo, reage por uma única via: a lei do talião, olho por olho, dente por dente. Assim, derrotada a Al-Qaeda e morto Bin Laden, surgiu o Estado Islâmico com muito mais força, por dominar um território entre o Iraque e a Síria, e muito mais ousadia cruel.

     Há 16 milhões de muçulmanos na Europa Ocidental, e não podem nem devem ser identificados como aliados do terrorismo. Porém, são discriminados e tratados como cidadãos de segunda classe. Como evitar que tantos jovens cresçam sem ressentimento e ódio no coração? Como possibilitar a eles um sentido de vida que, de um lado, não seja o de mero consumista em uma sociedade altamente competitiva e, de outro, o de “mártires” suicidas do fundamentalismo religioso?

     O Ocidente ainda não fez mea culpa das atrocidades perpetradas no Oriente, movido pela cobiça do petróleo. Por que os EUA e seus aliados europeus apoiaram, por tantos anos, a família al-Assad, na Síria; Saddam Hussein, no Iraque; Kadafi, na Líbia; para depois atirar essa gente na lata de lixo da história? Por que a CIA financiou Bin Laden como seu principal agente no Afeganistão ocupado pelos russos?

     O profeta Isaías proclamou, sete séculos antes de Cristo, que a paz só virá como fruto da justiça. Jamais do mero equilíbrio de forças.

     Enquanto a busca da paz for movida por ódio, preconceito e discriminação, a espiral da violência crescerá. A tão apregoada democracia política, da qual o Ocidente tanto se gaba, só deixará de ser mera falácia capitalista quando houver de fato, para 7,3 bilhões de pessoas que habitam a Terra, a sonhada democracia econômica.

Frei Betto é escritor, autor de “Oito vias para ser feliz” (Planeta), entre outros livros.
  

 http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.

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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

FESTA DA PENHA COMEÇA NESTA QUARTA-FEIRA EM JOÃO PESSOA




A 252ª Festa de Nossa Senhora da Penha, no Santuário localizado na Praia da Penha, na Orla de João Pessoa, começa nesta quarta-feira, dia 25 de novembro.

Às 18h30 tem Recitação do Santo Terço. E às 19h15 acontece a abertura da Festa da Penha com hasteamento da bandeira na imagem da Santinha (na rua que leva ao Santuário).

Quarta, quinta e sexta-feira tem o Tríduo (três dias de Celebração), em preparação à grande Romaria, no sábado. Cada noite tem um tema específico. No dia 25, às 19h30, começa a Celebração Eucarística com o tema: “O seguimento de Jesus”. E às 21h tem a exposição cultural da Praia da Penha. No dia 26, às 18h45, tem Recitação do Santo Terço e às 19h30 a Celebração Eucarística com o tema: “O testemunho da misericórdia”. E no dia 27, encerrando o Tríduo, às 18h45, também tem Recitação do Santo Terço e às 19h30 a Celebração Eucarística com o tema: “A alegria do Evangelho”. No sábado, dia 28, às 22h, começa a Romaria da Penha.


TEMA GERAL DA FESTA:


O tema deste ano é: “Seguindo a Jesus, com Maria, serei missionário da misericórdia na alegria do Evangelho”. O seminarista/estagiário e um dos organizadores da Romaria da Penha, Adriano da Silva Soares, assim explica a escolha do tema: “Todos nós somos discípulos-missionários de Jesus Cristo. O nosso discipulado brota de uma profunda e verdadeira experiência de fé. Segui-lo é assumir em nossa vida a sua vida e as suas opções. O seguimento de Jesus compromete-nos com o Evangelho da alegria que é sinal da misericórdia de Deus semeada no coração de seus filhos. Na caminhada libertadora do seguimento de Jesus, estamos em um constante processo de formação, portanto, com Maria, modelo de fé e obediência ao seguimento de Cristo, queremos assumir a nossa vocação testemunhando a misericórdia de Cristo na alegria do seu Evangelho”, e finaliza: “o Tema é um convite para sermos testemunhas que anunciam o Evangelho a partir das práticas concretas de misericórdia. Se olharmos, não precisamos procurar muito distante - haverá sempre alguém precisando ser olhado com o olhar de misericórdia de Cristo”.

Sobre o cartaz da Romaria da Penha 2015:



É uma parceria com o publicitário Manoel Filho, da Agência Dom. Ele, há alguns anos, vem dando visualidade aos temas da Romaria através dos cartazes. Este ano o tema convida-nos a mergulharmos na misericórdia de Jesus. Então, como pano de fundo, foi escolhida a cura do cego Bartimeu, não podendo deixar de fora a imagem de Nossa Senhora da Penha, que é a imagem que se encontra no Santuário, e o tema da Romaria.


terça-feira, 24 de novembro de 2015

REAÇÃO AOS ATAQUES DE PARIS

Por Marcelo Barros



Toda a humanidade consciente se sente ferida e ameaçada pelos ataques terroristas contra pessoas inocentes que, em Paris, andavam na rua, assistiam a um jogo de futebol ou participavam de um show. Além dos mortos e feridos, outra consequência mortal de tais atos é a de reforçar um pânico generalizado, legitimar maior rigidez nas fronteiras e marginalização dos migrantes já discriminados. Também esses atos acabam suscitando na opinião pública o desejo de vingança que toma a forma de novas guerras “preventivas” como a que, depois dos ataques às Torres Gêmeas, legitimou as invasões norte-americanas ao Afeganistão, ao Iraque e a outros países. Essas guerras massacraram populações civis, causaram milhares de mortos, destruíram a estrutura social e econômica de países inteiros e não deixaram nenhum saldo de paz ou de justiça. Nem mesmo trouxeram segurança ao Ocidente, cada dia mais ameaçado. Ao contrário, só tornam o mundo cada vez mais inseguro e perigoso.  Infelizmente, o que antes era a guerra contra a Al Qaeda, agora se volta contra o “Estado Islâmico”. E esse grupo terrorista não é um verdadeiro Estado. E pode se dizer tão islâmico quanto os deputados fundamentalistas do nosso Congresso Nacional podem se dizer evangélicos. 

Responder a esses ataques de Paris com invasões e atos militares de guerra lançará o mundo em mais uma aventura cruel na qual quem mais sofre é sempre a população pobre dos países alvos. O que está por trás do terrorismo desses grupos que usam o Islã como pretexto para o seu ódio ao Ocidente é uma ideologia de defesa que se apoia em um determinado fundamentalismo religioso. Não adianta matar um, dez ou cem fanáticos para acabar com o fanatismo. Não é com foguetes e mísseis nucleares que se transformam mentes e corações. Atos de guerra não trarão paz nem segurança ao mundo. E as mentes esclarecidas, inclusive de cidadãos naturais de grandes potências do Ocidente, especialmente os Estados Unidos e a França, criticam posições políticas e reconhecem erros graves cometidos, em décadas recentes, contra populações do Oriente Médio e da África. 

“Entre as décadas de 1950 e 1990, a associação entre os EUA e os grupos fundamentalistas esteve no epicentro de alguns fatos históricos. No governo do ditador Sukharno, mais de um milhão de comunistas indonésios foram assassinados pelos militantes do Sarakat-para-Islã,  apoiados com dinheiro e armas norte-americanas. Em outras nações, como Síria e Egito, esse mesmo tipo de apoio logístico e militar foi empregado pelos norte-americanos para que os governos de esquerda perdessem seu respaldo. No ano de 1979, os EUA forneceram armas e treinamento para que grupos afegãos lutassem contra os invasores soviéticos. Em contrapartida, naquele mesmo ano, os iranianos fundamentalistas derrubavam o governo apoiado pelos norte-americanos por meio da revolução. Nas décadas subsequentes, os Estados Unidos financiaram com dinheiro e muitas armas a chegada dos talibãs ao governo do Afeganistão. É pública a informação que Bin Laden e a sua organização Al- Qaeda nasceram sob o patrocínio político e econômico do governo dos Estados Unidos. O Estado Islâmico foi aparelhado pelo governo norte-americano que precisava de um pretexto para invadir a Síria e depois perdeu o controle do grupo que armou. No Wikileaks, Julian Assage publicou sobre isso muitos documentos. Em uma entrevista ao Democracy Now, Noam Chomsky declarou que os Estados Unidos financiaram e financiam ainda o EIIL através da Arábia Saudita. Só recentemente, essa aliança entre o Império americano e os terroristas foi se transformando em relação de ódio em que os “terroristas” confrontavam o poder do “demoníaco império do Ocidente”. Em 2001, essa rivalidade chegou ao seu ápice quando os integrantes da organização Al-Quaeda organizaram o ataque às torres do World Trade Center”.

Na ascensão de grupos radicais que se denominam “islâmicos” e em sua luta contra a política externa norte-americana, a questão religiosa tem função quase acessória. A ideia de que o Islamismo em si fomenta essa situação de conflito é falsa, embora na natureza do Islã existam elementos que podem favorecer esse tipo de fanatismo.


Desde os anos 90, a ONU compreendeu que precisa de uma organização interreligiosa que a ajude em situações de conflito nas quais o elemento religioso esteja presente. Assim nasceu a URI (United Religions Initiative), Iniciativa das Religiões Unidas e outros organismos que a assessoraram em alguns momentos. A cultura religiosa presente em várias instituições, tanto cristãs, como islâmicas precisam ser revistas e modificadas para não ser coniventes com nenhum ato terrorista ou violento que queira utilizar sua linguagem cultural. Nesse sentido, a ONU precisa de uma assessoria de teor teológico e espiritual que possa atuar em situações de conflito como essa que assistimos nesses dias. É preciso preparar melhor as religiões para renunciar ao seu dogmatismo e conviver como irmãs em um mundo pluralista. 


Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

CONTRA O TERRORISMO E A GUERRA, A NECESSIDADE DE UMA CULTURA DA PAZ



Por Leonardo Boff


Os fatos recentes de terrorismo e a declaração de guerra dos países ocidentais ao Estado Islâmico suscita de forma tenebrosa o fantasma da guerra moderna com grande capacidade de destruição. Nestas guerras apenas 2% dos mortos são soldados. Os demais são civis, especialmente mulheres e crianças inocentes. o que mostra o nível de barbárie a que chegamos. Os aviões militares atuais parecem figuras apocalípticas, carregadas de bombas que matam pessoas, destroem construções e danificam a natureza.

Precisamos ter presente que a cultura dominante, hoje mundializada, se estrutura ao redor da vontade de poder que se traduz por vontade de dominação da natureza, do outro, dos povos e dos mercados. Essa é a lógica dos dinossauros que criou a cultura do terrorismo, da guerra, da insegurança e do medo. Por causa do terrorismo, atualmente, os EUA e a Europa são reféns do medo. A persistirem as atuais tensões, nunca mais terão paz. Todos necessitam sentar juntos, dialogar, chegar a convergências, por mínimas que sejam, convergências nas diferenças, caso quisermos desfazer os mecanismos que geram permanentemente espírito de vindita e de atos de terror ou de guerra.

Praticamente em todos os países as festas nacionais e seus heróis são ligados a feitos de guerra e de violência. Os meios de comunicação levam ao paroxismo a magnificação de todo tipo de violência, bem simbolizado nos filmes de Schwazenegger como o “Exterminador do Futuro”. Grande parte das películas atuais abordam temas de violência a mais absurda; até o contos infantis são contaminados pela ideia de destruição e de guerra.

Nessa cultura o militar, o banqueiro e o especulador valem mais do que o poeta, o filósofo e o santo. Nos processos de socialização formal e informal, ela não cria mediações para uma cultura da paz. E sempre de novo faz suscitar a pergunta que, de forma dramática, Einstein colocou a Freud nos idos de 1932: é possível superar ou controlar a violência? Freud, realisticamente, responde: “É impossível aos homens controlar totalmente o instinto de morte…Esfaimados pensamos no moinho que tão lentamente mói que poderíamos morrer de fome antes de receber a farinha”. Mas não se entregava à resignação. Afirmava que os processos civilizatórios, a educação, a democracia, o esporte, o respeito aos direitos humanos e o cultivo de valores éticos podem diminui-lhe a destrutividade.

 Sem detalhar a questão, tentemos aprofundar um pouco a questão da violência, um desafio para toda a inteligência. Diríamos que por detrás da violência funcionam poderosas estruturas. A primeira delas é o caos sempre presente no processo cosmogênico. Viemos de um caos originário, uma incomensurável explosão, o big bang. E a evolução é um processo que procura pôr ordem neste caos destrutivo e fazê-lo generativo na medida em que se dá o processo cosmogênico no decorrer de bilhões de anos. O próprio universo, por isso, comporta violência em todas as suas fases, embora sempre criando sistemas mais ordenados que permitem ascensões rumo a formas mais elevadas e harmônicas de organização.

São conhecidas cerca de 15 grandes dizimações em massa, ocorridas aa Terra, há milhões de anos atrás. Na última, há cerca de 65 milhões de anos, pereceram todos os dinossauros após reinarem, soberanos, 133 milhões de anos. A expansão do universo possui também o significado de originar ordens cada vez mais complexas e, por isso também menos violentas. Possivelmente a própria inteligência nos foi dada para pormos limites à violência e conferir-lhe um sentido construtivo.

Em segundo lugar, somos herdeiros da cultura patriarcal que instaurou a dominação do homem sobre a mulher e criou as instituições do patriarcado assentadas sobre mecanismos de violência como o Estado, as classes, o projeto da tecno-ciência, os processos de produção como objetivação da natureza e sua sistemática depredação.

Em terceiro lugar, essa cultura patriarcal gestou a guerra como forma de resolução dos conflitos. Sobre esta vasta base se formou a cultura do capital, hoje globalizada; sua lógica é a competição e não a cooperação, por isso, gera guerras econômicas e políticas e com isso desigualdades, injustiças e violências.   

Todas estas forças se articulam estruturalmente para consolidar a cultura da violência que nos desumaniza a todos.

A essa cultura da violência há que se opor a cultura da paz. Hoje ela é imperativa pois há cerca de 80 focos de guerra, de maior ou menor intensidade, no mundo, a ponto de o Papa Francisco ter se referido, por várias vezes, que estamos dentro de uma terceira guerra mundial que acontece parceladamente.

É imperativa, porque as forças de destruição estão ameaçando, por todas as partes, o pacto social mínimo sem o qual regredimos a níveis de barbárie. É imperativa porque o potencial destrutivo já montado pode ameaçar toda a biosfera e impossibilitar a continuidade do projeto humano. Ou limitamos a violência e fazemos prevalecer o projeto da paz ou conheceremos, no limite, o destino dos dinossauros.

Onde buscar as inspirações para cultura da paz? Mais que imperativos voluntarísticos, é o próprio processo antropogênico a nos fornecer indicações objetivas e seguras. A singularidade do 1% de carga genética que nos separa dos primatas superiores reside no fato de que nós, à distinção deles, somos seres sociais e cooperativos. Ao lado de estruturas de agressividade, comparecemos como seres de cuidado, principalmente da vida; temos capacidades de afetividade, com-paixão, solidariedade e amorização. Hoje é urgente que desentranhemos tais forças para conferir rumo mais benfazejo à história. Toda protelação é insensata.

O ser humano é o único ser que pode intervir nos processos da natureza e co-pilotar a marcha da evolução. Ele foi criado criador. Dispõe de recursos de re-engenharia da violência mediante processos civilizatórios de contenção e uso de racionalidade. A competitividade continua a valer mas no sentido do melhor e não de destruição do outro. Assim todos ganham e não apenas um.
 Há muito que filósofos da estatura de Martin Heidegger, resgatando uma antiga tradição que remonta aos tempos de César Augusto, veem no cuidado a essência do ser humano. Sem cuidado ele não vive nem sobrevive. Tudo precisa de cuidado para continuar a existir. Cuidado representa uma relação amorosa para com a realidade. Onde vige cuidado de uns para com os outros desaparece o medo, origem secreta de toda violência, como analisou Freud.

A cultura da paz começa quando se cultiva a memória e o exemplo de figuras que representam o cuidado e a vivência da dimensão de generosidade que nos habita, como Francisco de Assis, Gandhi, Dom Helder Câmara, Luther King Jr, o Papa Francisco e outros. Importa fazermos as revoluções moleculares (Gatarri), começando por nós mesmos. Cada um estabelece como projeto pessoal e coletivo a paz e os sentimentos de paz. Els resulta dos valores da cooperação, do cuidado, da com-paixão e da amorosidade, vividos cotidianamente.
Fonte riquíssima de paz é o cultivo da espiritualidade como vem expressa na belíssima oração pela paz de São Francisco de Assis. As religiões, não raro, produzem guerras. As espiritualidades, paz e convivência pacífica entre os povos. Elas trabalham mais experiências fundamentais interiores de encontro com a Divindade, com o Sagrado, ou pouco importam os nomes, com uma Realidade Suprema de sentido. As doutrinas e as instituições religiosas gozam de valor secundário, às vezes mais dificultam a experiência profunda do que a promovem.

A paz não é apenas uma meta a ser buscada mas também um caminho a ser seguido. Só um caminho de paz gera paz serena e permanente. Ao se “queres a paz prepara a guerra” devemos com determinação opor: “se queres a paz prepara a paz”.

 Leonardo Boff é teólogo, escritor e autor de A oração de S.Francisco, uma mensagem de paz para o mundo atual.



sexta-feira, 20 de novembro de 2015

SEMPRE TEREMOS PARIS (?)

Maria Clara Lucchetti Bingemer



            Talvez uma das mais belas cenas do cinema de todos os tempos seja aquela do filme Casablanca, de Michael Curtiz, em que Ricky (Humphrey Bogart) ordena a sua amada Elsa (Ingrid Bergmann) que não fique em Casablanca com ele, mas suba no avião com o marido Victor Lazlo (Paul Henreid), que está prestes a partir rumo aos Estados Unidos.  Diante do rosto belíssimo de Ingrid, que chora e pergunta: “E nós dois?”, Bogart responde: “Sempre teremos Paris”, referindo-se ao tempo em que, na capital da França, viveram um caso de amor que jamais esqueceriam e que marcara suas vidas para sempre.

            Aparentemente nada tem a ver este comentário cinematográfico com o horror dos rituais macabros que se perpetraram na última sexta feira, na mesma Paris que abrigou o romance de Elsa e Ricky.  Violência, execuções sumárias, barbárie  invadiram o lazer de pacatos cidadãos franceses e estrangeiros que se distendiam após uma semana de trabalho.  Ao fundo, a religião invocada sob o nome de Deus – Allah – que é grande, clemente e misericordioso - e que, segundo os terroristas, os inspirava a atar explosivos a seus corpos, detoná-los e pôr fim à própria vida e à vida de outros. 

Não tão ao fundo, porém mais à superfície, o ódio pela violência primeira da França, que bombardeava a Síria e semeava a morte em seus países de origem.  E, bem mais ao fundo, a herança do rancor dos “pied-noirs” - franceses cujos pais ou avós sofreram a guerra da Argélia e a cruel condição de eternos estrangeiros no país onde vivem.

            Como todos, fiquei chocada e perplexa.  Tenho uma filha que reside na França e um neto franco-brasileiro.  Além disso, tenho grande carinho pela cultura francesa e pela belíssima e culta cidade que é Paris.  Ali viveram figuras humanas que admiro e deram rumo à minha formação como teóloga. Paris, para mim, é a Paris de Bernanos, de Mauriac, de Simone Weil e de tantos outros. E dos amigos queridos que ali residem e agora sofrem com o medo e a insegurança que os atentados provocam em seu cotidiano. Ver os rostos das vítimas na grande imprensa e na televisão, tão jovens, no auge da vida, removeu-me interiormente as entranhas em compaixão e dor.  Que sentido tem tudo isso?  Qual o motivo real dessa carnificina?  Por que interromper essas vidas em nome de Deus e de uma vingança que não levará a lugar algum?

            Minha perplexidade e compaixão foram interrompidas pelo discurso raivoso do Presidente Hollande, declarando sua intenção de retaliar de uma maneira nunca vista e do ministro do interior, Manuel Valls.  Ambos falaram de guerra, palavra que o mundo esperava ver silenciada para sempre após 1945.  Mas parece que não foi assim.  Aconteceu o Vietnam, o Camboja, o Golfo e depois o Afeganistão, o Iraque etc. etc. Para as autoridades francesas, no entanto, parecia claro que a guerra era o único caminho. Apenas o Papa Francisco - que há tempos vem denunciando o fato de estarmos já em uma terceira guerra mundial em capítulos – declarou seu não entendimento diante do mistério do mal e da violência, e afirmou não existir justificativa religiosa ou humana para isso.

            Já no dia seguinte, víamos os fatos confirmando as palavras.  Novos bombardeios sobre a Síria já tão destroçada.  E o recrudescimento da violência armada no barril de pólvora que é o Oriente Médio, com um novo aliado: a Rússia, de Putin. A espiral vai crescer e não parece que terá um fim tão cedo.  Caçam os terroristas pela Europa inteira, enquanto decidem entre as grandes potências quem vai contribuir com que arma para continuar destruindo o Iraque e a Síria.

            Entendo que diante do terror são necessárias ações enérgicas para coibir a violência.  Porém, a guerra pode até inibir uma violência maior sem com isso contribuir para construir a paz.  A Europa sabe disso.  As forças aliadas ganharam a Segunda Grande Guerra e prestaram inestimável serviço ao mundo destruindo a ameaça nazista.  Mas o que a Europa é hoje nasceu da paz que foi fruto da solidariedade daqueles que se dispuseram a reconstruir seus países e mesmo sonhar com a utopia do que é hoje a União Europeia.

            Uma guerra nunca é justa.  Se é necessária alguma violência – a mínima possível – para evitar um mal certo e maior, só deve ser empregada quando esgotadas todas as alternativas pacíficas e dialogais. E me parece que isso não aconteceu ainda.  Jamais a força usada além do necessário pode ser justificada. Ou justificável.

            Mais ainda: uma boa parte dos terroristas que atiraram indiscriminadamente no Bataclan, ou no Le Petit Camboge, ou em outros lugares de Paris, ainda que venham de famílias árabes, eram franceses.  Ou belgas.  Ou britânicos.  Nasceram e cresceram nos mesmos países que atacaram e que agora são objeto de seu ódio.  Eles desmascaram assim o “lado sombrio” de uma sociedade que prega o bem estar material, a tolerância e a liberdade, mas condena grande parte de seus jovens a condições existenciais periféricas e marginais.  Ali a falta de sentido para vida, a exclusão social, a discriminação sistemática alimentam a violência e vão cultivando o ódio que explodirá em assassinatos coletivos, como os que vimos em Paris.  Ou como os que vemos – em outra chave de leitura – nas grandes cidades brasileiras, ou mexicanas.  

            Se não cuidarmos da justiça, não haverá paz, porque não haverá futuro.  E para um jovem que olha para a frente e não vê horizonte algum, a vocação de homem bomba pode ser um poderoso atrativo.  Se continuarmos em nossa incompetência para oferecer às novas gerações mais do que um consumo inatingível e frustrante, a Paris que para Bogart e Bergmann era o motor de força para viver a dignidade de uma vida fiel e honesta não será mais capaz de inspirar ninguém.  Se continuarmos destruindo os sonhos dos jovens, nunca mais teremos Paris.  E, infelizmente, essa profecia corre o risco de ser bastante real!

 Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco. 

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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

MITOS FUNDANTES

Por Frei Betto


     
      Há instituições e processos sociais que asseguram sua unidade e coerência sobre um mito fundante. Exemplo óbvio é a figura do papa à frente da Igreja Católica. Fosse o papado suprimido, a Igreja seria um corpo sem cabeça. Cada bispo se julgaria no direito de proceder como lhe conviesse e logo irromperiam conflitos e rupturas.

      Uma instituição ou processo social sem mito fundante é como um navio sem capitão ou aeronave sem piloto. Exemplo é o PCB (Partido Comunista Brasileiro) quando Prestes se afastou de sua direção. Nunca mais o partidão foi o mesmo. Nenhum de seus sucessores tinha carisma suficiente para manter a coesão partidária. Aos poucos, o PCB perdeu seu vigor.

      O que seria do PT sem Lula? Nenhum de seus líderes tem, como ele, o brilho da estrela. São como astros que giram ao redor do sol e carecem de luz própria.

      O que será de Cuba sem Fidel e Raúl? Os dois se encontram em idade avançada. Deixarão sucessores capazes de, como eles, manter o povo cubano confiante nos rumos da Revolução?

      As grandes religiões se segmentaram em tendências conflitantes após a morte de seus fundadores. Após Jesus, a Igreja conheceu tendências heréticas e, no século XI, rachou-se entre os patriarcados do Oriente e do Ocidente; no século XVI, Lutero abriu um novo caminho para a fé cristã de costas para Roma.

      O mesmo ocorreu entre os muçulmanos após a morte de Maomé. Dividiram-se entre sunitas e xiitas e, hoje, em países árabes, combatem entre si com armas nas mãos. Até mesmo os discípulos de Francisco de Assis assumiram caminhos divergentes, divididos entre frades menores e capuchinhos.

      Inútil argumentar contra o culto à personalidade, como se as pessoas aderissem a um partido político ou religião após tomarem conhecimento de seu programa ou de sua doutrina, ainda que seus líderes sejam corruptos. Na nossa cultura, o exemplo pessoal fala mais alto do que propósitos enunciados em discursos e projetos. Talvez o culto à personalidade seja um mal necessário.

      A dificuldade, hoje em dia, em tempos de evasão da privacidade, é encontrar quem sirva de exemplo, como é o caso do papa Francisco. Estamos todos sujeitos ao olho panóptico do Big Brother. Nada escapa à transparência facilitada pelas novas tecnologias. Não há mais segredos invioláveis. Como demonstrou Snowden, até o sistema de segurança dos EUA é vulnerável. E hackers são capazes de invadir os mais protegidos computadores.

      Soma-se a isso a inversão de valores. Minha geração admirava pessoas solidárias, movidas por ideais humanitários, como Gandhi, Luther King, Che Guevara e Mandela. Quem são os ídolos dos jovens de hoje? A maioria se mobiliza pela ambição de riqueza, beleza, fama e poder. Estaria  disposta a se engajar na construção de um mundo de justiça e paz?

      O que me deixa otimista é o fato de o planeta ter se tornado uma pequena aldeia. Todas as fronteiras estão ameaçadas, as territoriais e as que segregam pessoas.

Frei Betto é escritor, autor de “Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros livros.
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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

PAPA FRANCISCO, UM HOMEM UNIVERSAL


Por Eduardo Hoornaert.



O cristianismo nasceu universal, sob os impulsos da postura universal de Jesus de Nazaré que não tomava em consideração se alguém era judeu ou não judeu, pecador ou ‘justo’, homem ou mulher, mas tratava a todos e todas de modo igual, independente de gênero, nacionalidade, situação social, cultural ou econômica. Com isso, ele colocou as bases para o universalismo cristão, marca registrada da novidade trazida pelo profeta galileu.

Mas, na medida em que o cristianismo cresceu, perdeu-se o senso do universalismo. A igreja começou a formar um ‘rebanho de fieis’, lutar contra ‘infiéis’ e ‘hereges’ e formatar paróquias para proteger os fiéis contra influências maléficas de fora. Perdeu-se o senso universalista. Quanto mais a igreja cresceu, tanto mais ela agiu como se o mundo inteiro fosse seu território e que ela pudesse fazer valer suas leis para a humanidade toda. Correndo atrás de poder e prestígio, ela perdeu um dos mais preciosos tesouros do legado de Jesus de Nazaré: a capacidade de se dirigir com amor e desinteresse a todas as pessoas que habitam este planeta. Ela se envolveu em guerras (como as Cruzadas contra o Islã, uma religião irmã) e perseguições, chegando ao ponto de legitimar a tortura (na Inquisição) e a escravidão (ao longo das colonizações europeias). Só no ano 1964 ela pronunciou uma condenação formal da escravidão (numa referência de passagem que passou despercebida por muitos), por ocasião do Concílio Vaticano II. Isso mostra como a falta de sensibilidade universalista é algo bem recente (apenas 50 anos nos separam do Concílio Vaticano II). Não se pode pensar que ela desaparecerá tão cedo.

Nesse contexto é importante que surjam pessoas públicas que aproveitam de sua posição privilegiada para reavivar entre nós o senso perdido do universalismo. No século XX tivemos figuras como Mahatma Gandhi, que aproveitou da grande visibilidade que a imprensa mundial lhe deu para difundir amplamente a ideia do universalismo (foi morto por um fanático que não entendeu nada). Tivemos Nelson Mandela, presidente da República da África do Sul, tivemos Martin Luther King, pastor batista, tivemos Helder Câmara, arcebispo católico. Essas pessoas aproveitaram da visibilidade que os meios de comunicação lhes forneciam para difundir o evangelho do universalismo, cada um num determinado setor.

Hoje, entram novos atores a divulgar esse evangelho. Temos o líder grego Alexis Tsipras da Syriza, um político situado num determinado contexto, que divulga uma mensagem que vale para o mundo inteiro: a política não deve servir aos bancos, mas aos cidadãos. Mas temos igualmente líderes que aparecem quase diariamente nos grandes meios de comunicação, mas que não se dirigem à humanidade como um todo, como Barack Obama, que só fala em benefício dos Estados Unidos, e Ángela Merckel, que só age em benefício da Alemanha.

É com alegria que se percebe que o papa Francisco vem se juntar aos líderes que enxergam a realidade universal em vez de olhar somente para seu ‘rebanho’. A publicação de sua Carta Encíclica (carta circular) ‘Laudato si’ é um sinal inconfundível dessa nova postura. Pelo que sei, nenhum papa, ao longo dos séculos, se dirigiu a todas as pessoas que vivem neste planeta sem nenhum tipo de discriminação. O título da Carta já diz tudo: ‘Carta encíclica Laudato si, sobre o cuidado da casa comum’. O planeta terra é nossa casa comum, a casa de todos e de todas. Ao longo da Carta, o papa escreve ´nós´, ou seja, envolve seus leitores e suas leitoras numa comunhão de leitura e observação. De vez em quando, ele escreve ‘eu’ (não ´nós’, segundo tradicional protocolo papal), quando enuncia uma opinião pessoal. Isso faz com que estejamos dialogando com Francisco quando lemos sua Carta. Significativamente, o papa assina o documento com seu nome, numa só palavra: ´Franciscus´.  Francisco deseja conversar conosco de igual para igual, pois faz ponderações sobre temas que nos atingem a todos e todas, desde o papa até o mais ferrenho ateu: o clima, a água, a biodiversidade, a sujeira dos rios e dos córregos, a qualidade de vida, a degradação social, a desigualdade planetária, etc. Repito: papa Francisco não escreve como líder da igreja católica, embora seja verdade que ele está na posição privilegiada de poder divulgar suas ideias num raio muito amplo. Ele se aproveita disso, como toda razão. Afinal, o papado não é um serviço prestado a toda a humanidade?

Todos e todas necessitamos de ar puro (não o ar que se respira em São Paulo), água pura e suficiente, eletricidade produzida por água, pão e feijão produzidos por plantas sadias (não como muitos produtos nos Supermercados), terra para plantar (não para enriquecer os que já têm dinheiro demais), respeito (inclusive para homossexuais etc.), liberdade (não a falsa liberdade de imprensa defendida pela Globo), dignidade (dos indígenas, negros, mulheres domésticas). É uma coisa só, um bloco só. Um dos pontos mais inovadores da Carta papal consiste no fato que ele alinha problemas ecológicos e problemas sociais e culturais. Afinal, o universalismo é uma atitude global.

Com o papa Francisco voltamos a Francisco de Assis, universalista ao ponto de pregar para peixes e pássaros, e, mais adiante, a Jesus de Nazaré, que convida cobradores de impostos à sua casa para comer juntos, como se descreve no Evangelho de Marcos (Mc 2, 15-20), atende a uma mulher siro-fenícia que não pertence ao ‘povo eleito’ (Mc 7, 24-30) e permite que uma mulher derrame óleo precioso sobre sua cabeça (Mc 14, 60 sqq). Um universalismo que passa por cima de todas as barreiras.

Com a Carta encíclica do papa Francisco se abre uma perspectiva que para muitos cristãos parece nova, mas que na realidade pertence ao DNA do movimento de Jesus.


Eduardo Hoornaert foi professor catedrático de História da Igreja. É membro fundador da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina (CEHILA). Atualmente está estudando a formação do cristianismo nas suas origens, especificamente os dois primeiros séculos.

www.eduardohoornaert.blogspot.com.br/