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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

BIOMAS DO BRASIL, PROFETAS DA PÁSCOA


Por Marcelo Barros



Para muita gente, profeta é quem adivinha o futuro. Para a Bíblia, profeta é um/uma porta-voz da palavra divina. É alguém que, por ter intimidade com Deus, recebe dele um recado para dar à humanidade e transmite a sua mensagem mais por um jeito de viver e por atitudes concretas do que apenas por palavras. A partir desse raciocínio, só poderia ser profeta uma pessoa humana. No entanto, para a Bíblia, a terra e toda a natureza se comportam como profetas. Ninguém nega que podemos sim escutar uma palavra divina através da natureza e da terra. Nos últimos tempos, a palavra que, em nome de Deus, a terra nos diz é uma advertência séria a respeito do caminho da civilização para que essa retome o cuidado com a vida e com a sustentabilidade do planeta.

Nesse ano, ao celebrar a Quaresma e preparar a Páscoa como festa da renovação de nossa vida, a Campanha da Fraternidade nos convida a escutarmos a profecia dos biomas brasileiros. Propõe que organizemos a fraternidade em comunhão com os biomas que temos em nosso país e com os respectivos povos de cada bioma. O tema da CF 2017 é  "Fraternidade: Os Biomas Brasileiros e a Diversidade da Vida". O lema é: Cultivar e Guardar a Criação (Gn 2,15).

Etimologicamente, o termo grego bioma significa "conjunto de vida". Por isso, chama-se bioma uma região que contenha um conjunto de características iguais, na sua topografia, na distribuição de seus rios ou nascentes de água, na sua  vegetação, no clima, no tipo de animais que ali vivem e também na população que ali mora e sua cultura. No território brasileiro, são reconhecidos seis biomas: a Amazônia, a Caatinga, o Cerrado, a Mata Atlântica, os Pampas e o Pantanal. Cada um desses biomas é expressão da rica e variada Criação que nos foi presenteada amorosamente por Deus e por isso dele devemos cuidar. 

Todos nós sabemos que, na realidade atual do país, a expansão das atividades agropecuárias e da urbanização no país tem provocado destruição ambiental. Embora possua uma grande biodiversidade, o Brasil corre o risco de perdê-la se continuamos nesse caminho que o papa Francisco denunciou: colocar o lucro e o interesse dos ricos acima da própria vida humana e do planeta (Cf. Laudatum sii, n. 190-191). Nenhum dos biomas está protegido. Alguns estão bastante ameaçados como a Amazônia e o Pantanal. Outros estão quase extintos, como o Cerrado e a Mata Atlântica, dos quais restam mínimos resquícios vivos.

Essa Campanha da Fraternidade é um modo de unirmos nossa fé à vida. Celebrar a Páscoa de Jesus não é apenas ritualizar o que ele viveu mas sim reviver hoje o seu amor que dá uma vida nova a nós mesmos e a todo o universo. Assim, cuidar dos biomas será um modo de renovar nosso seguimento de Jesus no seu caminho pascal. Como discípulos/as de Jesus, trataremos de conhecer melhor os nossos biomas para cuidar com mais amor da rica diversidade de nosso país, relacionada com todo o planeta.

Esse cuidado com os biomas se materializa, principalmente, em relação ao bioma em que vivemos. É a natureza que nos cerca e na qual estamos inseridos.  A Mata Atlântica se encontra no litoral e percorre, de norte a sul, 17 estados. Nela estão mais da metade dos municípios brasileiros. Na região da Mata Atlântica, se concentra 72% da população brasileira. Esse alto índice de povoamento e com forte urbanização faz com que da primitiva mata restem apenas uma porção ínfima (8, 5%). Essa destruição da natureza produz uma enorme deterioração no clima e na qualidade de vida da população, assim como ameaça a sobrevivência de muitas espécies vegetais e animais. O Cerrado brasileiro é o segundo bioma maior e mais importante do país (depois da Amazônia). Abrange mais de 12 estados, entre os quais Goiás, Tocantins, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Bahia, Maranhão, Piauí e DF. Ali se encontram as nascentes das três mais importantes bacias hidrográficas da América do Sul: a bacia amazônica, através do Tocantins, a do São Francisco e a do rio da Prata. É a savana mais rica do mundo. No entanto, de todas é a mais ameaçada e agredida. De toda a sua área, restam apenas 8, 21% de área que se pode considerar protegida.

Nesse tempo de Quaresma e Páscoa, ao celebrar o memorial da paixão, morte e ressurreição de Jesus, precisamos contemplar a Páscoa de Jesus atualizada no sofrimento do povo pobre que, hoje, enfrenta o aumento do desemprego, a deterioração das suas condições de vida e a negação dos seus direitos de cidadania. A paixão de Jesus também se expressa na agressão contínua e situação de riscos pela qual passam  todos os biomas brasileiros. Podemos atualizar São João Crisóstomo, afirmando: "O Cristo ressuscitado vem dar a cada um/uma de nós, a nossas comunidades eclesiais e a toda a criação (natureza) que nos rodeia uma vida ressuscitada". 


Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.  

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

FRANCISCO E OS MIGRANTES: UM PROGRAMA DE QUATRO VERBOS

por Maria Clara Lucchetti Bingemer


            De Roma em um fórum de migrações, tive a grata experiência de cumprimentar o Papa Francisco pessoalmente.  Recebeu os 300 participantes do VI Fórum de Migrações e Paz, organizado pelos padres scalabrinianos.  Chegou sorridente e ouviu depoimentos de migrantes de várias partes do mundo.  Depois fez um belo discurso.       Cumprimentou cada um de nós pessoalmente. A cada um pelo menos um olhar, quando não um sorriso e algumas palavras.

            A problemática das migrações e das pessoas em situação de vulnerabilidade devido à sua mobilidade se avoluma.  Sobretudo na Europa e nos Estados Unidos.  No entanto, o Fórum mostra como por toda parte essa situação começa a acontecer ainda que com contornos diferentes.

            Mesmo no Brasil, onde achamos que não se trata de problema nosso, o cardeal Cláudio Humes apontou a chaga que temos com os indígenas. Na Amazônia, pela qual é responsável, enquanto ainda há muitas tribos que não têm contato com o chamado – ironicamente – mundo civilizado, há muitíssimos mais que vivem em mobilidade pelas cidades.  Ali vagam sem trabalho, sem amparo, em estado de vulnerabilidade total. Despojados pela colonização – antiga e nova – da identidade, da língua, da cultura, da religião, agora esses indígenas se movem sem rumo e sem um meio de vida.

            No Chile, que recebe muitos peruanos, bolivianos entre outros, foi comovente o depoimento da coordenadora da Casa do Migrante de Santiago.  Peruana, chegou a Santiago e foi trabalhar como empregada doméstica.  Nos fins de semana, os patrões não permitiam que dormisse na casa.  Sem ter para onde ir, passava as noites no metrô ou nas guaritas da polícia civil, ou nas ruas Ali, nas frias noites de Santiago, convivendo com outros em igual situação, teve a inspiração de fazer algo para ajudá-las. O encontro com os scalabrinianos fez o resto e, hoje, a Casa do Migrante é um ponto de refúgio e amparo para tantos que, como ela, um dia chegaram à capital chilena em busca de uma vida melhor.

            Os casos são muitos e a situação complexa.  Por isso, o Papa propõe um itinerário feito de etapas possíveis e paradigmáticas que ajudem a ir marcando o caminho.  Tal como com os movimentos populares latino-americanos falou nos três T: teto, terra e trabalho, agora com relação aos migrantes propôs quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar.

            Acolher: trata-se de não rejeitar o outro por considerá-lo uma ameaça, um inimigo. Há que ultrapassar a indiferença e o medo com uma aproximação generosa de acolhida àquele que bate a nossa porta. E isso começa por oferecer abrigos dignos e decentes.  É a saída para humanizar e favorecer encontros pessoais garantindo a eles uma relação humanizada e humanizadora.

Proteger: a experiência migratória é constitutivamente vulnerabilizante.  Quem está em movimento, fora de todo o seu habitat natural e suas referências, está muito mais exposto à exploração, abuso e violência.  Isso é verdade sobretudo para aqueles e aquelas em situações irregulares ou vítimas do tráfico humano.  Necessitam de proteção, que não é paternalismo, mas sim defesa de seus direitos e respeito à sua dignidade.  O Papa declara que isso é um imperativo moral, pois vivemos um verdadeiro “tráfico de carne humana”, que se aproveita do infortúnio alheio para fins espúrios. A Igreja quer estar sempre presente onde essa proteção acontecer.

Promover: Não basta proteger.  Há que promover um desenvolvimento integral dessas pessoas, a fim de que possam viver em plenitude. E para isso devem ter acesso aos bens fundamentais que garantem vida plena. Essa promoção deveria começar pelas comunidades de origem, de forma a que tenha lugar tanto o direito de migrar como o de não migrar. O primeiro desrespeito ocorre quando as pessoas são empurradas para uma aventura migratória devido às péssimas condições em que vivem.

            Integrar: reconhecer o valor e a riqueza da cultura do outro, favorecer-lhe situações onde possa viver seus laços familiares.  Integrar os diferentes e os diversos reflete a catolicidade no que tem de mais nuclear: sua universalidade.  Isso não anula a diversidade cultural e ética, e faz crescer a Igreja em sua vocação primigênia.

            Francisco deseja que esses quatro verbos sejam conjugados na primeira pessoa do singular e na primeira pessoa do plural. E que o fazendo os cristãos, as organizações e as pessoas de boa vontade estejam especialmente atentas aos mais vulneráveis entre todos os migrantes, exilados e refugiados: as crianças e os jovens forçados a viver longe de suas pátrias e separados de seus entes queridos.  Trata-se do futuro não apenas da Igreja, mas da humanidade. 

Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJA teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc) 


domingo, 26 de fevereiro de 2017

PARA DONA MARISA LETÍCIA


por Teresa Leitão *.



Há 37 anos as mãos da menina operária, que aos 13 anos enrolava doces na fábrica Dulcora, bordava com as mãos da agora mulher militante, a estrela do PT na histórica bandeira vermelha.

Seria a primeira de muitas bandeiras vermelhas que tremulariam Brasil afora, construindo sonhos, renovando esperanças, apontando um caminho novo para os trabalhadores e trabalhadoras.

Que sonhos sonhou aquela menina ao enrolar doces? Seriam doces os seus sonhos? Seria doce a sua vida?

Foi sim, foi doce de luta e de sonhos.

Mas com o amargor de perdas que só os que têm fé na vida sabem superar com destemor e sem desamor.

Pernambuco deve se sentir honrado por ter emprestado a São Paulo e ao mundo o seu filho retirante, que se fez operário, dirigente sindical, deputado federal, presidente do Brasil, a maior liderança popular do século e fundador do PT, que hoje completa 37 anos defendendo nosso País. E que lá se encontra com Marisa.

Feliz coincidência que essa celebração em memória de Marisa ocorra no dia do aniversário do PT.

Trajetórias que se confundem desde a estrela da primeira bandeira, Marisa e o PT hoje são homenageados Brasil afora.

O PT pelo que foi, pelo que é e pelo que precisa ser para enfrentar desafios, defender e promover o seu projeto.

Dona Marisa pelo que foi e continuará sendo em nossas memórias: a menina operária que se fez mulher guerreira, a mãe educadora, a companheira valente e acolhedora, que rompeu com todas as expectativas da elite brasileira e se tornou primeira dama da república.

Dona Marisa, Lula e família recebam nossas mais sinceras homenagens, carregadas de solidariedade e de compromisso pela luta por democracia e justiça social.

Recife, 13 de fevereiro de 2017

Texto lido no Ato Ecumênico em homenagem à Dona Marisa Letícia, em 13 de fevereiro de 2017, na Igreja das Fronteiras, promovido pelo Partido dos Trabalhadores e organizado pelo Grupo Fé e Política Dom Helder Camara.

*Teresa Leitão é deputada Estadual e vice-presidente do PT/PE


sábado, 25 de fevereiro de 2017

HOMENAGEM À D. MARISA LETÍCIA


Por Sheila Oliveira


Recife, 02 de fevereiro de 2017

Ela sempre é muito presente. Só troquei uma meia dúzia de palavras com ela. Gentilezas, apenas. Mas a cada meia dúzia de palavras dele, ela aparece.

Uma força inspiradora de amor mobilizador. Daqueles que conseguem fazer da simplicidade um romance de filme, da dificuldade um desafio e da vitória uma festa. É o que senti de uma ligação no meio da reunião para pedir algo da farmácia na volta, nas intimidades citadas nos discursos, na expectativa de sua opinião sobre qualquer assunto e de amigos se apoiando nela para decisões importantes. E também dos puxões de orelha, das cobranças de tempo e dedicação à vida pessoal.

No palácio, calou as piadas rapidinho. Abriu aquela belezura para o povo visitar. Reuniu amigos e manteve seus laços culturais. Recebeu autoridades. Marcou presença nas aparições formais. Guardou a família e evitou ostentações.

Alvo do preconceito e ódio de classe, atacada no que mais cuidou neste tempo todo - o bem estar de sua família. Atiram em Marisa para acertar Lula. Esses impiedosos não medem qualquer esforço, mas ainda vai chegar o dia em que vão saber onde enfiar aquelas panelas.

Marisa, uma mulher comum. Militou discretamente. Contribuiu como pode na construção das lutas de sua época. A primeira estrela branca no centro de um pano vermelho foi ela quem costurou. E deu ombro e colo ao seu amor nas derrotas e nas vitórias.

Uma história de vida admirável. Uma força eterna para o guerreiro do povo brasileiro.

Vai na paz! #Marisapresente #forçaLula

Texto lido no Ato Ecumênico em homenagem à Dona Marisa Letícia, em 13 de fevereiro de 2017, na Igreja das Fronteiras, promovido pelo Partido dos Trabalhadores e organizado pelo Grupo Fé e Política Dom Helder Camara.


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A TOLERÂNCIA NECESSÁRIA E URGENTE


Por Leonardo Boff


Hoje no mundo e mesmo no Brasil impera muita intolerância, face a alguns partidos como o PT ou aos de base socialista e comunista. Intolerância severa, por vezes criminosa, que algumas igrejas neopentecostais alimentam e propalam contra as religiões afro-brasileiras, satanizando-as e até invadindo e danificando terreiros, como ocorreu na Bahia há alguns anos. Há intolerância que leva a crimes especialmente contra o grupo LGBT. Vítima de intolerância é também o Papa Francisco, atacado e caluniado até com cartazes espalhados pelos muros de Roma, porque se mostra misericordioso e acolhe a todos, especialmente os mais marginalizados,coisa que os conservadores não estão acostumados a ver no figurino tradicional dos papas.
O cristianismo das origens, da Tradição do Jesus histórico – contrariamente à intolerância da inquisição e de uma visão meramente doutrinária da fé – era extremamente tolerante. Jesus ensinou que devemos tolerar que o joio cresça junto com o trigo. Só na colheita far-se-á a separação. São Pedro, já feito apóstolo, seguia ainda os costumes judeus: não podia entrar na casa de pagãos nem comer certos alimentos, pois isso o tornaria impuro. Mas, ao ser convidado por um oficial romano, de nome Cornélio, acabou visitando-o e constatou sua profunda piedade e seu cuidado pelos pobres. Então concluiu:”Deus me mostrou que nenhum homem deve ser considerado profano e impuro; agora reconheço deveras que não há em Deus discriminação de pessoas mas lhe é agradável quem, em qualquer nação, tiver reverência face a Deus e praticar a justiça”(Atos 10,28-35).
Desse relato se deduz que o diálogo e o encontro entre as pessoas que buscam uma orientação religiosa, como no caso do oficial romano, invalidam o preconceito de coibir algum contacto com o diferente.
Do fato resulta também que Deus é encontrado infalivelmente lá onde “em qualquer nação houver reverência face ao Sagrado e se praticar a justiça”, pouco importa sua inscrição religiosa.
Ademais Jesus ensinou que a adoração a Deus vai para além dos templos, porque “os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade e são estes que o Pai deseja”(Jo,4,23). Existe, portanto, a religião do Espírito. Vale dizer: todos os que vivem valores não materiais e são fiéis à verdade estão seguramente no caminho que conduz a Deus. Cada um, em sua cultura e tradição, vive à sua maneira, a vida espiritual e se orienta pela verdade. Este merece ser respeitado e positivamente tolerado.
Suspeito que não há maior tolerância do que esta atitude de Jesus, abandonada ao largo da história, pela Igreja-poder institucional (parte da Igreja-povo-de-Deus) que discriminou judeus, pagãos, a hereges e tantos que levou à fogueira da Inquisição. No Brasil temos o caso clamoroso do jesuíta Pe.Gabriel Malagrida, (1689-1761), com fama de santidade que missionou o norte do Brasil. Por razões políticas foi morto pela Inquisição em Lisboa por “garrote, e depois de morto,       que seja seu corpo queimado e reduzido a pó e cinza, para que dele e de sua sepultura não haja memória alguma”.
Eis um exemplo de completa intolerância, hoje atualizada pelo Estado Islâmico (EI) que degola a quem não se converter ao islamismo rígido interpretado por ele.
Em fim, que é a tolerância hoje tão violada?
Há, fundamentalmente, dois tipos de tolerância, uma passiva e outra ativa.
tolerância passiva representa a atitude de quem permite a coexistência com o outro não porque o deseje e veja algum valor nisso, mas porque não o consegue evitar. Os diferentes se fazem indiferentes entre si.
tolerância ativa consiste na atitude de quem positivamente convive com o outro porque tem respeito a ele e consegue ver suas riquezas que sem o diferente jamais veria. Entrevê a possibilidades da partilha e da parceria e assim se enriquece em contato e na convivência com o outro.
Há um dado inegável: ninguém é igual ao outro, todos têm uma marca que diferencia. Por isso existe a biodiversidade, as milhões formas de vida. O mesmo e mais profundamente vale para o nível humano. Aqui as diferenças mostram a riqueza da única e mesma humanidade. Podemos ser humanos de muitas formas.
O ser humano deve ser tolerante como toda a realidade o é. A intolerância será sempre um desvio e uma patologia e assim deve ser considerada. Produz efeitos destrutivos por não acolher as diferenças.
A tolerância é fundamentalmente a virtude que subjaz à democracia. Esta só funciona quando houver tolerância com as diferenças partidárias, ideológicas ou outras, todas elas reconhecidas como tais. Junto com tolerância está a vontade de buscar convergências através do debate e da disposição ao compromisso que constitui a forma civilizada e pacífica de equacionar conflitos e oposições. Esse é um ideal ainfa a ser alcançado.
Leonardo Boff é articulista do JB on line e escreveu Convivência, Respeito e Tolerância, Vozes 2006.


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

CARNAVAL ESPIRITUAL

por Frei Betto
      Neste Carnaval, quero me fantasiar de anjo debochado, deixar que Deus faça do meu coração salão de festa e me inebriar de quietute espiritual. Não recitarei nenhuma das preces canônicas e abrirei caminho na insensatez do mundo com a minha espada de fogo.
      Meu Carnaval terá como enredo a beleza da Criação, da explosão primeva, que deu origem às partículas subatômicas, à exuberância dos corpos que se multiplicam na criatividade infinita da dança. Ao iniciar o desfile, não darei o grito de guerra, e sim de paz.
      Farei do Jardim do Éden imenso sambódromo e levarei a inocência adâmica a seu extremo: nu, exibirei os contornos da alma e integrarei a comissão de frente, toda ela morada divina na pista ladrilhada de virtudes.
      Serei passista na escola de samba da Via Láctea e aplaudirei o mestre-sala, o Sol, rodeado de cabrochas dançantes chamadas planetas. Ao repicar dos trovões e ao brilho incandescente dos relâmpagos, rodopiarei pela trilha dos meteoros rumo ao útero reversível dos buracos negros.
      Verei estrelas desabarem qual confetes e asteroides se espalharem pelo céu como serpentinas. Todo o Universo transformado em incomensurável baile de Carnaval. E em nosso planeta, os seres humanos transmutados em seus semelhantes, despidos da própria fantasia para se encararem na face do próximo.
      Na ala dos místicos, desfilarão Pitágoras, Jesus, Plotino, Rumî, Mestre Eckhart, Teresa de Ávila, João da Cruz, Gandhi,   Edith Stein e Yogananda. Na dos santos, Agostinho, Tomás de Aquino, Celestino V, Oscar Romero, Helder Camara, Luther King, Pedro Casaldáliga e Paulo Evaristo Arns. Na dos sábios, Confúcio, Sócrates, Platão, Aristóteles, Eratóstenes, Hipácia, Simone Weil, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Milton Santos, Hélio Pellegrino, Alceu Amoroso Lima e Antonio Candido. Como destaque, o Barão de Itararé.
      Ao recuo da bateria, serei todo ouvido ao silêncio, para que me envolva por fora e por dentro, até eu seja revirado ao avesso para que a voz do mistério irrompa no mais íntimo de mim. Quero uma batucada inflamada capaz de ressuscitar os mortos e induzir os vivos ao êxtase inexprimível. Ao som do surdo, entoarão o Magnificat.
      Em reverência ao Inominável, arrancarei os adereços que me recobriram ao longo da vida. Reduzido à minha própria identidade, sem paetês e lantejoulas, irei em busca do meu par, o Outro que habita o âmago do meu ser. Então, já nenhum espelho refletirá a minha face. Ali verei aquele que realmente sou e, no entanto, não ouso assumir.
      Ao reiniciar a evolução da bateria, celebrarei a harmonia do congraçamento de paz enraizada na justiça. Quero o tamborim ecoando alegrias e a cuíca rememorando o lamento dos excluídos. Cornetas soarão, não para derrubar os muros de Jericó, e sim preconceitos e discriminações que impedem a embriaguez da solidariedade.
      Desfilarei na ala da compaixão até o momento de subir no carro alegórico das bem-aventuranças. Então, toda a avenida contemplará a suntuosa coreografia de esperançosas utopias. Momo será destronado para dar lugar Àquele que fez jorrar vinho nas bodas de Caná.
      Ao se aproximar do fim do desfile, todos os sambistas e passistas, baianas e cabrochas, pierrôs e arlequins, ao som de pandeiros e reco-recos, exibirão, na palma das mãos, seus corações de pedra transformados em corações de carne. Então, um silêncio apoteótico reinará sobre a avenida. E todos haverão de reverenciar o que há em cada um de mais profundo de si mesmo.
      Rompidas as barreiras do ego e da mente, caídas as máscaras, arrancadas  as escamas dos olhos e dilatados os ouvidos, o Amor irromperá como solene sagração do humano.
 Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros.
     Copyright 2017 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com) 

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Maria Helena Guimarães Pereira
MHP Agente Literária - Assessoria

E-mail - mhgpal@gmail.com

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

EM MEMÓRIA DE DONA MARISA LETICIA


Por Reginaldo Veloso *



Embora seu nome fale de alegria, ela morreu triste...
Aliás, desde o tempo de Jesus, e talvez bem antes, que “alegria de pobre dura pouco”.

Ela, ultimamente, não passava necessidade, mas sua raiz, seu estigma, era a pobreza. Um pecado que a elite econômica, empedernidamente preconceituosa e excludente, que há 517 anos domina este país, não poderia jamais perdoar.

E ela pode ter morrido de uma tristeza mortal. E deve haver alguém com culpa, não “no cartório”, talvez,  nem “na justiça”, porque justiça nesse país é artigo de luxo: compra quem pode. Da água que se bebe ao nome de Jesus, tudo, nesse país, regido pela economia de mercado, tudo, repito, é artigo de compra e venda.

Aliás, aquilo que alguém cantou, há 37 anos atrás, numa canção de protesto contra a expulsão de um presbítero comprometido com a sorte dos camponeses pobres de Ribeirão, ainda é possível ser cantado, com extrema atualidade: ONZE JUÍZES, UM TRIBUNAL, ONZE O SUPREMO COITO VENAL, ONZE A VERGONHA NACIONAL, PISAM O DIREITO, CELEBRAM O MAL.

Papa Francisco diria que, aqui, quem governa é o dinheiro. E essa é a melhor explicação para a corrupção endêmica e cultural dos que detêm o poder econômico e o poder político, em todos os níveis, como, por outro lado, é a justificativa dos “desvios de conduta” dos traficantes, dos milicianos e dos assaltantes nossos de cada dia. E o povo, quando não adere também a essa idolatria, é a mortadela desse sanduíche.

Que a tristeza de Dona Marisa Letícia, que toda essa tristeza, possa despertar em nós uma grande, profunda e duradoura  indignação. E nos inspire sonhos de um outro país, de uma outra economia, de uma outra política, de uma outra religião, de uma outra Igreja, de uma outra Humanidade. E nos comprometa, até o fundo da alma, como comprometeu Jesus de Nazaré.

Por sinal, passado o Carnaval, começa a Quaresma, um tempo de graça e salvação, um tempo de caminhar para a Páscoa. Deixemos Deus passar no Egito de nossas vidas e, na força do Espírito, nos coloquemos a caminho para a Terra Prometida, onde mana o leite da justiça e o mel da paz!

Enquanto isso, clamemos aos céus:
Salmo 14: Não riam da esperança dos humildes!
(Versão e melodia de R. Veloso/2010)

Prece para dias de angústia e apreensão, para ser cantada com a melodia do Salmo 9, CD “Aleluia, porque hoje é Páscoa”, Paulinas, faixa 2.

1. O insensato fala pra si mesmo
    Que Deus nunca existiu e nem existe;
    Corruptos, fazem só o que não presta, ó meu Deus,
    Já não existe um só que o bem pratique!

       De lá dos céus, o Eterno Amor espia
       Pra ver se entre os filhos de Adão
       Existe alguém que tenha são juízo, ó meu Deus,
       Alguém que busque a Deus de coração...

amor, escuta o clamor!
ó Deus-Amor, o clamor!
podem rir da esperança dos humildes,
mas seu refúgio és, amor!

2. Pois todos eles juntos se perderam,
    No meio deles, é só corrupção,
    Não há ninguém que faça o que presta, ó meu Deus,
    Não há, de fato, não há mesmo não!

       Será que não percebem os malvados
       O tempo e o tanto que a meu povo exploram,
       Pois eles não invocam o Eterno Amor, meu Deus,
       E feito pão meu povo eles devoram!

3. Um dia, vão tremer apavorados,
    Pois Deus está com aquele que é justo!
    Vão rir da esperança dos humildes, ó meu Deus,
    Mas tu, Eterno Amor, és seu refúgio!

       Que venha, venha logo lá de cima,
       Do Céu venha pro povo a salvação!
       No dia em que o Amor os oprimidos, ó meu Deus.
       Trouxer de volta pra libertação!

    Que grande alegria, grande festa,
    O povo libertado exultará,
    E glória se dará ao Pai e ao Filho, ó meu Deus,
    E a força do Divino brilhará!

* Texto lido no Ato Ecumênico em homenagem à Dona Marisa Letícia, em 13 de fevereiro de 2017, na Igreja das Fronteiras, promovido pelo Partido dos Trabalhadores e organizado pelo Grupo Fé e Política Dom Helder Camara.
                                        
Reginaldo Veloso, presbítero leigo das CEBs
Assistente adjunto do MTC-NE 2
Assessor pedagógico do MAC e do PROAC

Da Equipe do Setor de Música Litúrgica da CNBB


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O CARNAVAL E A ALEGRIA DO ESPÍRITO


Por Marcelo Barros


Nessa semana, todo o Brasil já está em ritmo de Carnaval. Em muitas cidades do litoral e do interior, as pessoas esquecem dores e angústias do cotidiano através da dança, das brincadeiras e da alegria do Carnaval. Há quem veja nisso mera alienação e alguns até condenam o mundanismo e julgam o Carnaval como mal. Sem dúvida, o Capitalismo faz de tudo mercadoria. Cada vez fica mais difícil brincar, dançar e se fantasiar gratuitamente. Tudo é comercial. O Carnaval se torna o momento do uso exagerado de bebidas e mesmo de drogas. Tudo isso cria um circulo vicioso com a violência urbana que explode em alguns fenômenos de massa não bem canalizados. No entanto, apesar desses problemas, toda festa, mesmo a mais aparentemente mundana, reúne pessoas em uma expressão de alegria. Por isso, tem uma dimensão nobre e mesmo espiritual. O que caracteriza a festa é a liberdade de brincar, o direito de subverter a rotina e de expressar alegria e comunhão, através de uma comida gostosa, a música contagiante e a dança que unifica corpo e espírito.

Já nos anos 50, Dorival Caymmi resumia o sentimento popular ao cantar: "Quem não gosta de samba, bom sujeito não é. É ruim da cabeça, ou doente do pé...".

 Os grupos religiosos que pregam contra o Carnaval e os que inventam encontros espirituais para afastar as pessoas das brincadeiras de Momo podem usar como pretextos o medo do pecado e os problemas como desordem moral, bebedeiras e drogas que, realmente, existem em todos os eventos de massa, como shows e manifestações coletivas. No entanto, essas pessoas já eram contrárias aos festejos desses dias, mesmo em épocas nas quais o Carnaval era mais espontâneo e inocente. O que está por trás dessa rejeição moralista é o pensamento neoplatônico que opõe corpo e espírito. Essa filosofia pagã incorporou-se de tal modo no Cristianismo que as pessoas esquecem que, segundo o quarto evangelho, Jesus começa a dar sinais de sua missão em uma grande festa de casamento em Caná da Galileia e chega a transformar água em vinho para que a alegria dos convidados pudesse ser completa (Cf. Jo 2, 1- 11). Diversas vezes, nos evangelhos, Jesus diz que veio para que todos tenham alegria e vida profundamente vivida (Jo 10, 10). Ele se queixa de sua geração que parece com pessoas que, mesmo ao som da música e da dança, ficam indiferentes (Lc 7, 31- 32).

Nos anos 70, na semana antes do Carnaval, em uma crônica radiofônica, dom Helder Camara, então arcebispo de Olinda e Recife, afirmava: "Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida. Peca-se muito no carnaval? Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos, aqui e ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de caridade por parte de quem se julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval. (...) Brinque meu povo querido! Minha gente queridíssima. É verdade que quarta-feira a luta recomeça. Mas, ao menos, se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida!" ("Um olhar sobre a cidade", 01/ 02/ 1975).

Naqueles tempos, Chico Buarque compôs a melodia para o filme “Quando o Carnaval chegar”, uma comédia musical de Cacá Diegues que tomava o Carnaval como parábola da festa da libertação. Chico, Nara Leão, Maria Bethânia e Gal saíam pelas ruas cantando: "Quem me vê assim, parado e distante, até parece que nem sei sambar. Tou me guardando pra quando o Carnaval chegar". Tratava-se do Carnaval da libertação da ditadura militar e das opressões que vinham daquela estrutura autoritária de injustiças.

Atualmente, o império não mais precisa dos militares para garantir, em toda a América Latina, governos ilegítimos e uma forte ditadura econômica, disfarçada sob as aparências de democracia formal. Por isso, a organização do povo nos blocos de Carnaval, a capacidade de coordenar multidões sob o som de uma marcha ou de um frevo de rua manifesta a capacidade do nosso povo de se organizar social e politicamente. superar os preconceitos e mentiras, diariamente jogados por meios de comunicação inescrupulosos e vendidos ao império. O Carnaval pode ser sim uma parábola e instrumento para superarmos as ondas de ódio e intolerância propostas pela mídia dominante e lutarmos pacificamente por maior igualdade social e por uma justiça que signifique verdadeira libertação para todo o povo. Com outras letras e outras melodias, em ritmos mais novos, continuamos a cantar o correspondente à velha música do Chico: “Quem vê assim, tão parado e distante, parece que eu nem sei sambar. Tou me guardando pra quando o Carnaval chegar”.



 Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.  


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

TEOLOGIA COM SABOR LATINO


Por Maria Clara Lucchetti Bingemer 



Ser latino é nascer em algumas latitudes.  Ou ter ancestrais próximos que nasceram nessas latitudes, situadas ao sul do mundo antigo, nas praias do Mar Mediterrâneo. Os povos mediterrâneos construíram uma riqueza cultural complexa, identificada com o Lácio, mais especificamente a Roma antiga.

Ser latino significa ainda falar e expressar-se em determinadas línguas, denominadas latinas, quais sejam o italiano, o espanhol, o francês e o português. Nessas línguas os povos latinos escreveram, fizeram arte, construíram saber que hoje ainda é patrimônio precioso para toda a humanidade.

Alguns desses povos latinos saíram de seus lugares de origem e vieram para o sul da América, continente descoberto pelo genovês Cristóvão Colombo crendo achar o caminho para as Índias.  Encontraram o novo mundo chamado América e o colonizaram.

Posteriormente, ingleses e franceses dirigiram-se para o norte do continente americano e ali construíram o que hoje conhecemos como Estados Unidos e Canadá. Muitos territórios latinos foram apropriados pelo país que surgia e passaram a ser contados em sua federação.

Hoje chamamos latino-americanos os que vivem no sul do continente e norte americanos os que vivem ao norte.  Sucede que o mundo globalizado flexibilizou as fronteiras e há muitos anos o Sul migra para o Norte, sonhando e buscando encontrar aí uma vida melhor, com trabalho e prosperidade. A migração, no entanto, não significa a morte da cultura.  Por isso, hoje, nos Estados Unidos, existe uma grande presença da cultura latina, que resiste ao desaparecimento de sua identidade e leva a cabo ricas produções culturais e científicas que enriquecem não só o país onde vivem, mas toda a humanidade.

Uma dessas áreas é a teologia, reflexão sobre a fé, que elabora um discurso sobre as características dessa cultura e dessa religião inseridas em um país estrangeiro.  Partindo sobretudo das categorias do cotidiano, das celebrações, das festas e rituais, a teologia latina dos Estados Unidos converteu-se aos poucos em uma importante escola de teologia que é parceira obrigatória nos grandes debates e reflexões daquele país.

Até o momento, essa teologia dialogava entre si e com teólogos americanos, não somente descendentes de anglo-saxões, mas também de africanos e de asiáticos. Recentemente, porém, vem descobrindo um novo parceiro de diálogo: a teologia latino-americana.

Quando se olharam nos olhos, essas duas teologias constataram que eram irmãs de sangue.  Em suas veias corria um sangue feito dos povos originários indígenas e afro-ameríndios, primeiros habitantes dos países ao sul da América.  Em seu coração palpitava o desejo de que a fé,  raiz de sua vida, fosse igualmente sua forma de presença em uma cultura onde viviam como em exílio. Exílio físico para os latinos dos Estados Unidos; exílio social para os latino-americanos, cuja teologia brotava do encontro com o Senhor no rosto do pobre e do acompanhamento da fé do povo de Deus.

E um dia um Papa latino-americano, vindo do Sul, do fim do mundo, foi eleito para o trono de Pedro.  Sua liderança, seu carisma, sua capacidade de renovação e de diálogo fizeram ambas as teologias se verem por ele representadas e se sentirem ainda mais estimuladas ao diálogo e à mútua colaboração.

Hoje, o diálogo entre essas duas teologias tem diante de si um vasto e promissor horizonte.  Ambas sabem que podem enriquecer-se mutuamente e potencializar a força delas na comunidade teológica internacional.  Ambas esperam que sua reflexão e seu discurso sejam ouvidos em outras partes do mundo e possam fazer uma diferença importante no pensar e discorrer sobre a fé que é a teologia. Ambas sonham com o dia em que essa presença teológica latina tenha lugar reconhecido, de fato e de direito, nos grandes fóruns internacionais de pensamento, seja de teologia, seja de outras áreas do saber.  

Ambas manejam novas epistemologias vindas do sul.  O Sul real que é o da América Latina. E o Sul inserido no Norte, que é o da comunidade latina dos Estados Unidos. Desde este sul que quer dar-se a conhecer, a pensar e ajudar a crer essas teologias desejam dizer uma palavra não apenas para as igrejas, mas para a sociedade e a academia. Ambas fazem teologia com sabor latino e aí está sua riqueza e diferença.

  Maria Clara Lucchetti Bingemer é  professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ. A teóloga é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco. 
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