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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O PASTOR CELEBRA 70 ANOS

 por Rejane Menezes

O nosso querido colaborador, o monge beneditino MARCELO BARROS completou 70 anos na última quinta-feira, 27.

E, para comemorar a vida desse pastor, que leva a sério a sua vocação e conhece suas ovelhas pelo nome, foi realizada uma  Celebração Ecumênica em Ação de Graças na Catedral Anglicana da Santíssima Trindade, no Espinheiro.

                               
Conduzida por Reginaldo Velozo e presidida pelo irmão de Marcelo, o reverendo anglicano Marcos Barros, a celebração  teve momentos emocionantes, marcados pela presença dos familiares, de amigos e companheiros de caminhada, não só aqui de Recife, mas também vindos de diversas partes do Brasil e do interior do Estado.

                           

Parentes, Religiosos, políticos e, por que não dizer, discípulos, cantaram, rezaram e agradeceram a Deus pela vida de Marcelo. Misturavam-se crianças, jovens e adultos, para homenagear o pastor que, de alguma forma, em algum momento de suas vidas, se fez ou se faz presente, numa troca de amor e vida, de experiências e ensinamentos.

            


     

Foram vários os depoimentos, dos companheiros mais antigos, do início da vida religiosa, como a mentora e amiga Irmã Agostinha, dos tempos da Fraternidade, dos grupos de jovens da época em que era da pastoral da juventude da Arquidiocese nos idos dos anos 70, dos movimentos sociais, antigos e novos, das religiões irmãs, eram tantos os amigos, era tanto o carinho, que a celebração, pode-se dizer que, realmente, foi um momento de verdadeira comunhão, todos unidos em amizade, carinho e agradecimento.
                                              
                                          
Durante a celebração o rev, Marcos entregou a Marcelo um livro, organizado por ele e pelo casal Pedro e Emília Lapa, reunindo textos de amigos de Marcelo, o Monge Peregrino, que também foi distribuído entre os presentes.

A celebração foi encerrada com todos cantando e se abraçando, numa troca de energia e amizade, porque vale a pena  "viver e não ter a vergonha de ser feliz.

Após a celebração a confraternização continuou, com muita alegria e os parabéns cantado por todos.

         
Viva a Vida de Marcelo e que venham muitas e muitas outras celebrações.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

MARCELO BARROS: 70 ANOS ILUMINANDO O NOSSO CAMINHO


  por Rejane Menezes

O ano era 1971, não lembro o mês. Nós, os adolescentes ousados membros do grupo S.O.S. (Sempre Ousamos Salvar), aguardávamos, em uma sala do Colégio Salesiano, a chegada de um jovem monge beneditino que coordenava a pastoral de Juventude da Arquidiocese de Olinda e Recife.

O S.O.S. não era apenas mais um grupo de jovens, tão comuns àquela época. Era um grupo diferenciado, porque ousava salvar, vejam vocês. Salvar no sentido amplo da palavra, no sentido de transformar o mundo.

E dom Marcelo Barros estava vindo conversar com a gente sobre o nosso jornalzinho, O Balaio, que, como se diria hoje “Estava causando”. Nós escrevíamos os textos, recolhíamos textos de jovens de outros grupos, datilografávamos no estêncil, rodávamos no mimeógrafo do colégio Salesiano e vendíamos a um preço que só dava para comprar o papel da próxima edição. A impressão era cortesia do Salesiano, que nos dava o maior apoio. Nosso orientador espiritual, o Pe. Ivan Teófilo era padre salesiano.

E, com a chegada de dom Marcelo, seu sorriso largo e sua fala suave, os receios se dissiparam e tivemos um encontro muito bom, que se repetiu muitas outras vezes. A Arquidiocese só queria chegar junto da gente e nos apoiar, caso precisássemos.  E, naquele momento, não sabia eu que estaria conhecendo um grande amigo.

Naquela época os grupos de jovens eram muitos e tanto tinham momentos de reflexão quanto de ação. O S.O.S. além do jornal, tinha uma participação efetiva na O.A.F. (Organização de Auxílio Fraterno), nas Rondas e também com as crianças. Imagine que nosso jornal entrevistou Maria Bethânia, MPB4 e Chico Buarque. 

Nós, os jovens e adolescentes da década de 70 temos muito a agradecer ao apoio e ao carinho dos religiosos e religiosas que nos apoiaram, que nos mostraram o caminho para a cidadania e despertaram em nós a vontade de tornar o mundo um lugar melhor para se viver.

Hoje Marcelo Barros está comemorando 70 anos de uma vida cheia de lutas e muitas conquistas. Uma vida dedicada ao pastoreio das ovelhas que ele conhece pelo nome. Uma vida dedicada a reunir, a agregar e combater as diferenças.
Parabéns meu amigo querido por esses 70 anos cheios de luz e brilho. Obrigada pelo privilégio de ser meu amigo.

Um grande abraço pra você. E muitos e muitos mais anos iluminando a nossa vida e o nosso caminho. (Cacá)

DESAFIOS AOS GOVERNOS PROGRESSISTAS



Por Frei Betto


      Como os governos democráticos populares da América Latina tratam os segmentos da população beneficiados pelas políticas sociais?

      É inegável que o nível de exclusão e miséria causado pelo neoliberalismo exige medidas urgentes que não fogem ao mero assistencialismo. Porém, tal assistencialismo se restringe ao acesso a benefícios pessoais (bônus financeiro, escola, atendimento médico, crédito facilitado, desoneração de produtos básicos etc.), sem que haja complementação com processos pedagógicos de formação e organização políticas.

      Criam-se, assim, redutos eleitorais, sem adesão a um projeto político alternativo ao capitalismo. Dão-se        benefícios sem suscitar esperança. Promove-se o acesso ao consumo, sem propiciar o surgimento de novos protagonistas sociais e políticos. E o que é mais grave: sem perceber que, no bojo do atual sistema consumista, cujas mercadorias recicláveis estão impregnadas de fetiche que valorizam o consumidor e não o cidadão, o capitalismo pós neoliberal introduz “valores” - como a competitividade e a mercantilização de todos os aspectos da vida e da natureza -, reforçando o individualismo e o conservadorismo.

       Nossos governos progressistas, em suas múltiplas contradições, criticam o capitalismo financeiro e, ao mesmo tempo, promovem a bancarização dos segmentos mais pobres, através de cartões de acesso ao benefício monetário, a pensões e salários, e da facilidade de crédito, apesar da dificuldade de se arcar com os juros e a quitação das dívidas.

      O perigo é fortalecer, no imaginário social, a ideia de que o capitalismo é perene (“A história acabou”, proclamou Francis Fukuyama), e que sem ele não pode haver processo verdadeiramente democrático e civilizatório. O que significa demonizar e excluir, ainda que pela força, todos que não aceitam essa “obviedade”, então considerados terroristas, inimigos da democracia, subversivos ou fundamentalistas.

      Essa lógica é reforçada quando, em campanhas eleitorais, os candidatos de esquerda acenam, enfaticamente, com a confiança do mercado, a atração de investimentos estrangeiros, a garantia de que os empresários e banqueiros terão maiores ganhos etc.

      Por um século a lógica da esquerda latino-americana jamais se deparou com a ideia de superar o        capitalismo por etapas. Este é um dado novo, que exige muita análise para se implementar políticas que impeçam que os atuais processos democráticos populares sejam revertidos pelo grande capital e por seus representantes políticos de direita.

      Este desafio não pode depender apenas dos governos. Ele se estende aos movimentos sociais e aos partidos progressistas que, o quanto antes, precisam atuar como “intelectuais orgânicos”, socializando o debate sobre avanços e contradições, dificuldades e propostas, de modo a alargar sempre mais o imaginário centrado na libertação do povo e na conquista de um modelo de sociedade pós-capitalista,        verdadeiramente emancipatório.

Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.     
 http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.


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terça-feira, 25 de novembro de 2014

SUSTENTABILIDADE, PARADIGMA DE VIDA

por Marcelo Barros

                                              

No dia 05 de junho, a ONU celebrou o dia mundial do meio ambiente. Os organismos internacionais, responsáveis pelo cuidado com o planeta e o ar que respiramos, emitiram declarações pouco otimistas sobre a realidade. Sob o pretexto de não assustar os cidadãos, representantes de governos poderosos censuraram alguns dados do IPCC, o instituto internacional que vela sobre a situação da Terra. 

Dessa forma, só tivemos acesso a informações incompletas sobre o relatório. Por outro lado, não precisamos ler documentos para saber o que está acontecendo e como o sistema da vida no planeta Terra está ameaçado. Tufões nas Filipinas, terremotos no Chile, secas em várias regiões, inundações em outras, tudo isso, em frequência cada vez maior e em uma intensidade nunca vista. Essa realidade fala mais alto do que qualquer documento. Cada vez mais cresce o número de cientistas que afirmam: a terra chegou ao seu limite. Os solos se tornam menos férteis, os rios e fontes diminuem e, em vários continentes, a água se torna escassa. A biodiversidade está ameaçada e várias espécies da fauna e da flora são, a cada dia, extintas.

 Não se consegue mais eliminar do ar substâncias tóxicas muito poluentes. 
O estilo de crescimento econômico vigente no Brasil e em outros países destroem as florestas para aumentar o agronegócio e o lucro dos mais ricos. Poluem os rios e matam a vida que ainda existe nas águas. Tornam o ar atmosférico irrespirável e criam doenças respiratórias e alérgicas antes inexistentes.  A essa crise ambiental, se soma o desequilíbrio social. Nos últimos dez anos, a riqueza se concentrou nas mãos de cada vez menos pessoas. E 5% da humanidade tem uma renda econômica superior a mais de cem países do mundo. 

Embora a responsabilidade maior pela crise ecológica  e civilizatória seja dos mais ricos, todos nós,  seres humanos, pagaremos a conta. Provavelmente, os povos mais pobres sofrerão mais fortemente a vingança da natureza agredida e ameaçada, mas pouco a pouco, a humanidade inteira receberá a conta a pagar em consequência das opções injustas feitas pelos poderosos. 

De acordo com o pouco que sabemos, a situação é grave, mas não é desesperadora. Estamos no último tempo do jogo, mas poderemos ainda reverter a situação e salvar nosso planeta. Graças a Deus, em todo o mundo já existe uma verdadeira rede de organizações sociais e de iniciativas que propõem um novo caminho para a humanidade. 

As pessoas e comunidades que assumem a missão de proteger a ecologia não fazem isso apenas porque estão conscientes de que se continuarmos nesse caminho do capitalismo devastador, a própria humanidade perece. Esse fato é importante. No entanto, além disso, as pessoas e comunidades das várias tradições espirituais acreditam: a natureza é um dom divino. Revela a presença do Espírito de Amor no universo. Portanto, a natureza tem  uma sacralidade em si própria e merece ser respeitada e cuidada por aquilo que é. Não pode ser vista apenas como mercadoria a serviço do lucro humano. A terra não é apenas uma propriedade a ser vendida e comprada. As plantas e animais não valem apenas pelo preço que lhe dão. Não podem ser vistos apenas por quantos quilos têm. Embora seja legítimo que na seleção natural e na reciclagem do tempo, uns seres alimentem os outros,  nós temos a consciência de formar com todos os seres vivos uma comunidade de vida. E recebemos do Espírito do Amor que fecunda o universo a tarefa de zelar por todos com carinho e cuidado.

A sustentabilidade existe quando pensamos no momento presente e também no planeta que deveremos deixar em herança para as gerações futuras. 
Conforme vários estudos, o mais ancestral no ser humano é o afeto e a sensibilidade. E assim, sabemos que há um remédio para a crise ecológica: resgatar o coração e incorporar à racionalidade com a qual tomamos nossas decisões e planejamos o futuro, uma profunda sensibilidade afetiva e amorosa. Sem essa sensibilidade, a tecnociência seguirá utilitarista, fria e funcionalista. Em qualquer religião que seja, espiritualidade é o caminho no qual nossa atividade e comportamento encontram sua centralidade na vida e em promover e dignificar tudo  que estiver ligado à vida. É claro que trilhamos esse caminho de amor porque o vivemos na intimidade do Espírito que se revela como amor e se encontra conosco nesse percurso. Na Bíblia, no final do livro do Deuteronômio há uma palavra de Deus para o seu povo: “Hoje, tomo o céu e a terra por testemunho e esse testemunho poderá ser contra vós mesmos: Hoje, vos são propostos dois caminhos: o da vida ou o da morte, a bênção ou a maldição. Escolhei, portanto, a vida para vós e vossos descendentes, para que possais viver bem e muito” (Dt 30, 19).  

Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

CARACTERÍSTICAS DO NOVO PARADIGMA COSMOLÓGICO EMERGENTE

Por Leonardo Boff

 Muito se fala hoje de quebra de paradigmas. Mas há um grande paradigma, formulado já há quase um século, que oferece uma leitura unificada do universo, da história e da vida. Ousamos apresentar algumas figuras de pensamento que o caracterizam.

1) Totalidade/diversidade: o universo, o sistema Terra, o fenômeno humano estão em evolução e são totalidades orgânicas e dinâmicas construídas pelas redes de interconexões das múltiplas diversidades. Junto com a análise que dissocia, simplifica e generaliza, faz-se mister síntese pela qual fazemos justiça a esta totalidade. É o holismo, não como soma, mas como a totalidade das diversidades orgânicamente interligadas.

2) Interdependência/re-ligação/autonomia relativa: todos os seres estão interligados pois um precisa do outro para existir e coevoluir. Em razão deste fato há uma solidariedade cósmica de base que impõe limites à seleção natural. Mas cada um goza de autonomia relativa e possui sentido e valor em si mesmo.

3) Relação/campos de força: todos os seres vivem numa teia de relações. Fora da relação nada existe. Junto com os seres em si, importa captar a relação entre eles. Tudo está dentro de campos pelos quais tudo tem a ver com tudo.   
                                                                                        
 4) Complexidade/interioridade: tudo vem carregado de energias em diversos graus de intensidade e de interação. Matéria não existe. É energia altamente condensada e estabilizada e quando menos estabilizada como campo energético. Dada a interrelacionalidade entre todos, os seres vem dotados de informações cumulativas, especialmente os seres vivos superiores, portadores do código genético. Este fenômeno evolucionário vem mostrar a intencionalidade do universo apontando para uma interioridade, uma consciência  supremamente complexa. Tal dinamismo faz com que o universo possa ser visto como uma totalidade inteligente e auto-organizante. Quanticamente o processo é indivisível mas se dá sempre dentro da cosmogênese como processo global de emergência de todos os seres. Esta compreensão permite colocar a questão de um fio condutor que atravessa a totalidade do processo cósmico que tudo unifica, que faz o caos ser generativo e a ordem sempre aberta a novas interações (estruturas dissipativas de Prigogine). A categoria Tao, Javé e Deus heuristicamente poderiam preencher este significado.

4) Complementariedade/reciprocidade/caos: toda a realidade se dá sob a forma de partícula e onda, de energia e matéria, ordem e desordem, caos e cosmos e, a nível humano, da forma de sapiens e de demens. Tal fato não é um defeito, mas a marca do processo global. Mas são dimensões complementares.

5) Seta do tempo/entropia: tudo o que existe, pre-existe e co-existe. Portanto a seta do tempo confere às relações um caráter de irreversibilidade. Nada pode ser compreendido sem uma referência à sua história relacional e ao seu percurso temporal. Ele está aberto para o futuro. Por isso nenhum ser está pronto e acabado, mas está carregado de potencialidades. A harmonia total é promessa futura e não celebração presente. Como bem dizia o filósofo Ernst Bloch: “o gênesis está no fim e não no começo”. A história universal cái sob a seta termodinâmica do tempo, quer dizer: nos sistemas fechados (os bens naturais limitados da Terra) deve-se tomar em conta a entropia ao lado da evolução temporal. As energias vão se dissipando inarredavelmente e ninguém pode nada contra elas. Mas o ser humano pode prolongar as condições de sua vida e do planeta. Como um todo, o universo é um sistema aberto que se auto-organiza e continuamente transcende para patamares mais altos de vida e de ordem. Estes escapam da entropia (estruturas dissipativas de Prigogine) e o abrem para a dimensão de Mistério de uma vida sem entropia e absolutamente dinâmica.

6) Destino comum/pessoal: Pelo fato de termos uma origem comum e de estamos todos interligados, todos temos um destino comum num futuro sempre em aberto. É dentro dele que se deve situar o destino pessoal e de cada ser, já que em cada ser culmina o processo evolucionário. Como será este futuro e qual seja o nosso destino terminal caem no âmbito do Mistério e do imprevisível.

7) Bem com cósmico/bem comum particular: O bem comum não é apenas humano mas de toda a comunidade de vida, planetária e cósmica. Tudo o que existe e vive merece existir, viver e conviver. O bem comum particular emerge a partir da sintonia com a dinâmica do bem comum universal.

8) Criatividade/destrutividade: O ser humano, homem e mulher, no conjunto dos seres relacionados e das interações, possui sua singularidade: é um ser extremamente complexo e co-criativo porque intervém no ritmo da natureza. Como observador está sempre inter-agindo com tudo o que está à sua volta e esta inter-ação faz colapsar a função de onda que se solidifica em partícula material (princípio de indeterminabilidade de Heisenberg). Ele entra na constituição do mundo assim como se apresenta, como realização de probabilidades quânticas (partícula/onda). É também um ser ético porque pode pesar os prós e os contras, agir para além da lógica do próprio interesse e em favor do interesse dos seres mais débeis, como pode também agredir a natureza e dizimar espécies (nova era do antropoceno).

9) Atitude holístico-ecológica/antropocentrismo: A atitude de abertura e de inclusão irrestrita propicia uma cosmovisão radicalmente ecológica (de panrelacionalidade e re-ligação de tudo), superando o histórico antropocentrismo. Favorece outrossim sermos cada vez mais singulares e ao mesmo tempo, solidários, complementares e criadores. Destarte estamos em sinergia com o inteiro universo, cujo termo final se oculta sob o véu do Mistério situado no campo da impossibilidade humana.

10) O possível se repete. O impossível acontece: o Mistério.

Leonardo Boff escreveu Hospitalidade: direito e dever de todos, Vozes, Petrópolis 2005.

 É filósofo e teólogo, escritor, assessor do projeto Cultivando Agua Boa da Itaipu Binacional  e um dos co-redatores da Carta da Terra

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

LEANDRO KONDER OU A UNANIMIDADE INTELIGENTE



Por Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio



            O grande escritor e humorista Nelson Rodrigues dizia que toda unanimidade é burra.  Há casos, porém, em que essa tese é solenemente desmentida.  Refiro-me, por exemplo, ao querido Leandro Konder, filósofo brilhante, intelectual mais ainda, poço de doçura e amabilidade, que ensinava teologia aos teólogos, sem deixar jamais sua posição e sua visão da realidade inspiradas no marxismo.

            Leandro era, sem dúvida, uma unanimidade.  Não conheci ninguém que não o amasse, admirasse e dele apreciasse não apenas as virtudes intelectuais, mas também e sobretudo as humanas, que o faziam tão querido. 

Intelectuais brilhantes e sérios, bons professores, excelentes pesquisadores, temos alguns, não muitos, mas enfim alguns. Seres humanos daquela estatura moral e afetiva são muito poucos.

            Conheci Leandro nos idos dos anos 1990, quando trabalhava no Centro de Ação e Investigação Social dos jesuítas.  Organizávamos seminários interdisciplinares extremamente instigantes, que juntavam pessoas das mais variadas áreas do saber para pensar e debater sobre temas candentes.  Leandro era sempre convidado.  E se era eu a organizadora, sempre e sem faltar uma vez.  Comparecia alegre e cheio de disposição e verve.

            Nesses fóruns, presenciamos situações inesperadas.  Por exemplo, no seminário de Mística e Política, ele compartilhou a mesa com o ilustríssimo Pe. Henrique de Lima Vaz.  Todos os presentes ficaram impressionados de ver como o Pe. Vaz falou bem sobre política.  Mas, sobretudo, como e quanto Leandro falou com entusiasmo e conhecimento de mística.

            Assim era esse doce filósofo marxista de olhos azuis, voz e maneiras ternas e amáveis com toda e qualquer pessoa que cruzasse seu caminho.  Inesperada presença geradora de boas surpresas e instigador de ideias até então não pensadas.  Homem de coerência absoluta com aquilo em que acreditava e era o norte de sua vida, assim também como coração aberto em permanência para acolher respeitosa e até carinhosamente qualquer diferença e toda diversidade.

            Quando com ele cruzava no elevador da PUC, indo para o mesmo andar, não havia ninguém, - fosse ascensorista, aluno, colega, funcionário, professor, diretor ou reitor que de sua boca não recebesse palavras de simpatia e gestos afetuosos. E tão afetivamente quanto tratava a todos, por todos era afetuosamente retribuído.  Amado pelos alunos, pelos pares, pelas instâncias de cima, de baixo, vivia cercado de carinho, respeito e alegria.

            Foi um choque para todos acompanhar o declínio de sua saúde.  Sobretudo porque seu humor e amabilidade, suas maneiras feitas de doçura e proximidade continuavam iguais ao que sempre haviam sido.  Seu corpo vergava sob o peso cruel da doença, mas seus lábios sorriam.  Seu passo era mais lento, mas as dezenas de pessoas que o acompanhavam cresciam em número e em demonstrações de carinho.  Sua voz tornava-se mais fraca, quase inaudível, mas os ouvidos dos que bebiam suas palavras, ajudados pelo microfone com que passou a dar aulas, abriram-se mais no desejo de ser ensinados por aquele inigualável pensador e pedagogo.

            Jamais o ouvi queixar-se, expressar impaciência ou mau humor com o que lhe acontecia.  Aquele homem belo, alto e admirado por todos foi se tornando sombra de si mesmo em termos físicos.  Mas uma coisa o Parkinson não conseguiu atingir e minar: sua integridade moral, sua alegria interior, seu amor pelas pessoas e a maneira doce que tinha de tratá-las.

            Aos poucos foi desaparecendo dos corredores da PUC, comparecendo menos à sala de aula, empunhando primeiramente uma bengala, depois sentado em uma cadeira de rodas.  Sempre cercado da presença jovem dos alunos e do afeto dos colegas, sempre com o mesmo sorriso nos lábios e disposto a fazer brincadeiras com todos e cada um.

            Apesar disso, era bom saber que continuava em vida, assim como dói muito saber que já se foi e que não se encontra mais entre nós, na história que ele tanto estudou e pensou.  Antes de morrer, disse à sua esposa que gostaria de uma missa de sétimo dia na PUC-Rio, por ter sido o lugar onde sempre pôde falar com liberdade. Seu desejo foi satisfeito e muitíssimas pessoas encheram a igreja da universidade, rememorando esse grande filósofo, essa doce figura humana, esse marxista cheio de esperança, esse ateu que apreciava a mística e a liturgia.

            Descansa em paz, amigo. Esteja onde você estiver, tenho certeza de que estará dizendo algo amável e afetuoso a alguém.  Se você continua vivo fora da história, assim como eu creio que está, deve estar encantando gente em outras paragens, como sempre o fez por aqui. Procuraremos ser fieis ao que você nos ensinou: o amor à verdade e à liberdade, a paixão por pensar e conhecer, a doçura como melhor método para estabelecer relações consistentes entre pessoas.

A teóloga é autora de Simone Weil Testemunha da paixão    e da compaixão (Edusc) 
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