Por Marcelo Barros
Dizem
que Deus é bom, mas vive cercado de amigos que, embora, em sua maioria, não
sejam maus, usam seu nome para manter costumes e estruturas que deveriam mudar.
De fato, no decorrer da história, em nome de Deus, líderes religiosos das mais
diversas religiões defenderam a
escravidão dos negros, o racismo, a violência contra os que não creem como
eles, a pena de morte e até guerras contra outros povos. Atualmente, no
Congresso Nacional, um bom número de parlamentares que se dizem cristãos faz os
verdadeiros cristãos ficarem com vergonha de se apresentarem como tais. Se Deus
fosse como esses senhores dizem, egoísta, prepotente, mesquinho, homofóbico,
cruel com os que não creem e pouco sensível à justiça, nós todos deveríamos
pregar o ateísmo e combater o mal terrível para a humanidade que seria a
religião.
De
fato, a um rapaz que lhe disse: “Sou ateu”, o bispo profeta Dom Pedro
Casaldáliga respondeu: “De que Deus?”. Ele quis mostrar que do deus, cujo nome
aparece nas cédulas de dólar, na sede alguns bancos e em certos templos
suntuosos, nós todos deveríamos ser. Afinal, somos discípulos de Jesus que,
embora profundamente fiel à fé e à espiritualidade judaica, combateu a forma de
religião do templo de Jerusalém e denunciou como hipócritas chefes religiosos
do seu tempo.
Em
um mundo no qual governos que usam o nome de Deus são menos humanos e menos
solidários do que os que se dizem ateus, o papa Francisco propõe uma nova forma
de testemunhar Deus. Há poucos dias, no Vaticano, reuniu um sínodo de bispos
para mudar a forma como a Igreja Católica continua falando de moral da família.
De fato, pouco antes de morrer, em 2012, o Cardeal Carlo Martini, ex-arcebispo
de Milão, afirmou que, sobre esse ponto, a Igreja Católica está, ao menos, 200
anos atrasada em relação à humanidade. O papa tomou consciência disso e afirmou
claramente aos bispos: “Deus não tem medo de mudanças. Ele gosta de novidades”.
Pouco depois de encerrar essa sessão do Sínodo de bispos, o papa convidou ao
Vaticano líderes sociais de todo o mundo para escutá-los e se colocou ao lado
deles na luta pacífica por um mundo mais justo e igualitário. Tomara que padres
e bispos que imitavam papas, quando
esses tomavam atitudes dogmáticas e rígidas, agora sigam o exemplo do atual
bispo de Roma que se coloca à escuta das organizações sociais cristãs e não
cristãs e se ponham realmente a serviço da humanidade. Como pastor da unidade
das Igrejas, o papa age assim como uma proposta para que bispos locais e padres
em suas paróquias possam continuar esse diálogo com os movimentos sociais e as
organizações de serviço à humanidade.
Neste
novembro, mês em que no Brasil se celebra a união e consciência negra, em
Brasília, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) publicou um livrinho
com o título “Na casa do meu Pai há muitas moradas” (Conversas com um pastor
pentecostal sobre a Bíblia e as outras religiões). Esse livro escrito em forma
de conversa simples e leve procura mostrar como ler a Bíblia de modo que se
valorizem e respeitem as tradições religiosas negras e indígenas. É
profundamente vergonhoso que, até hoje, em várias cidades brasileiras, templos
do culto afro-brasileiro, assim como seus sacerdotes e sacerdotisas sejam
discriminados e, às vezes, até perseguidos por pessoas e grupos que se dizem
cristãos e em nome da Bíblia e de Deus.
Todas
as tradições espirituais têm como meta construir a morada divina no mais
profundo do ser humano e que isso seja a semente para transformar as estruturas
do mundo. Enquanto a religião for exterior, mas não mudar profundamente o
coração de cada pessoa, não atingirá a sua meta. O projeto divino é um mundo
renovado na base da justiça, paz e respeito e comunhão com a natureza. As
pessoas que creem devem dar testemunho desse projeto, começando por si mesmas o
caminho da justiça e da paz. Simone Weill, mística e pensadora francesa,
afirmava: “Conheço quem é de Deus não quando me fala de Deus, mas pelo seu modo
de ser solidário e amoroso com as outras pessoas”.
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