Por Frei Betto
O evolucionismo e o Big Bang não são incompatíveis com a existência de um
Criador, declarou o papa Francisco à Academia de Ciências do Vaticano, a
28/10/2014: “Quando lemos a respeito da Criação no Gênesis, corremos o risco de
imaginar que Deus era um mágico, com varinha de condão capaz de tudo fazer. Mas
isso não é assim.”
A declaração coincide com o momento em que membros da Academia Brasileira de
Ciências se reunirão, em Campinas, no 1º Congresso Brasileiro do Design
Inteligente. Alguns desses cientistas defendem a teoria do TDI (Teoria do
Design Inteligente), segundo a qual uma Inteligência Suprema, que muitos
denominam Deus, criou diretamente a complexidade da célula humana.
A teoria da evolução afirma que todos os seres vivos descendem de um ancestral
comum, e que o principal mecanismo responsável pelo surgimento das
características desses seres é a seleção natural. Já o Big Bang é a explosão
primordial que deu origem ao Universo.
A teoria do Big Bang foi esboçada pelos cálculos de Alexander Friedmann. Em 1927,
o padre e cosmólogo belga George Lemaître publicou um artigo defendendo-a. Se
as galáxias continuam a se afastar umas das outras, isso significa que, no
passado, estiveram mais próximas. Considerada a distância dessa proximidade num
tempo demasiadamente longo, então se conclui que houve um momento em que não
havia espaços vazios entre as galáxias. Todo o céu era feericamente iluminado.
Portanto, antes desse tempo teria existido uma época em que não havia espaços
vazios entre as estrelas, precedido por um tempo em que não havia espaço entre
os átomos e os núcleos no interior dos átomos.
Lemaître imaginou que, "um dia", todo o Universo coube numa esfera
que batizou de “átomo primordial”. Ele teria explodido e se fragmentado
em partículas elementares que formaram átomos, estrelas e galáxias, sem que
houvesse explosão audível, pois não existiam ondas sonoras, e tanto o espaço
quanto o tempo teriam tido início a partir daí.
Teria o inconsciente de Lemaître o remetido à imagem bíblica da Criação? Por
ser ele sacerdote, sua teoria serviu de motivo de gracejos durante anos. Em
1927, ele tentou se aproximar de Einstein na 5ª Conferência Solvay, em
Bruxelas, a fim de defender seu ponto de vista. O cientista alemão foi rude:
"Seus cálculos são corretos, mas sua visão física é abominável."
Einstein, além de se sentir incomodado por uma cosmologia que negava seu
Universo estático, desconfiava que Lemaître, como religioso, pretendia
harmonizar a origem do Universo com a Criação bíblica.
Em 1931, em sua edição de 19 de maio, o New York Times deu em manchete:
"Lemaître sugere que um único grande átomo, que continha toda a energia,
foi o princípio do Universo." Tornou-se uma celebridade, a ponto de
Einstein reparar seu preconceito e, malgrado sua falta de convicção, admitir
que a tese do jovem sacerdote era a "maior, mais bela e satisfatória
interpretação de fenômenos astronômicos."
Em 1996, João Paulo II admitiu: "Novas descobertas nos levam a reconhecer
que a evolução é mais do que uma hipótese. A convergência dos resultados de
estudos independentes constitui, em si mesma, argumento significativo em favor
da teoria." E, em nome da Igreja Católica, penitenciou-se e reabilitou
Galileu Galilei e Charles Darwin.
A TDI mescla inadequadamente religião e ciência e, a partir de uma leitura
literal da Bíblia, defende que descendemos de seu Adão e dona Eva. Ora, Adão,
em hebraico, significa “terra”; e Eva, “vida”. O autor do Gênesis não teve
intenção de ensinar ciência, e sim que Deus incutiu em sua Criação uma dinâmica
evolutiva própria, ora desvendada pela ciência.
Se Adão e Eva tiveram dois filhos homens, Caim e Abel, como estamos aqui? Os
criacionistas aprovam o incesto de Eva com seus filhos?
Pobre da fé que busca na ciência muletas para se sustentar. Infeliz da ciência
que se arvora em negar ou afirmar a existência de Deus.
Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma
visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros.
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