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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

A ERA GEOLÓGICA DO ANTROPOCENO VERSUS A DO ECOCENO:




por leonardo boff

         O primeiro a elaborar uma ecologia da Terra como um todo, ainda nos anos 20 do século passado, foi o geoquímico russo Vladimir Ivanovich Vernadsky (1963-1945). Ele conferiu caráter científico à expressão “biosfera” criada em 1875 por um geólogo austríaco Eduard Suess. Nos anos 70, com James Lovelock e sua equipe se desenvolveu a teoria de Gaia, a Terra que se comporta como um sistema orgânico, portanto, um super-organismo vivo que sempre produz e reproduz vida. Gaia, nome grego para a Terra viva, não é tema da New Age mas o resultado de minuciosa observação científica.
A compreensão da Terra como Gaia oferece a base para políticas globais, como por exemplo, o controle do aquecimento da Terra. Se ultrapassar dois graus Celsius, (estamos próximos a isso) milhares de espécies vivas não terão capacidade de se adaptar e de minimizar os efeitos negativos de tal situação mudada. Desapareceriam. Se ocorrer, ainda neste século, um “aquecimento abrupto”(entre 4-6 graus Celsius) como preve a sociedade científica norte-americana, as formas de vida que conhecemos não subsistiriam e grande parte da Humanidade correria grave risco em sua sobrevivência.
Vários cientistas, especialmente o prêmio Nobel em química, o holandes Paul Creutzen, e o biólogo Eugene Stoemer se deram conta, no ano 2000, das mudanças profundas ocorridas na base físico-química da Terra e cunharam a expressão antropocenteno. A partir de 2011 a expressão já ocupava páginas nos jornais.
Com o antropoceno se quer sinalizar o fato de que o grande ameaçador da biosfera que é o habitat natural de todas as formas de vida, é a agressão sistemática dos seres humanos sobre todos os escossistemas que, juntos, formam o planeta Terra.
O antropoceno é uma espécie de bomba-relógio sendo montada, que explodindo, pode pôr em risco todo o sistema-vida, a vida humana e a nossa civilização. Coloca-se a pergunta: que fazemos coletivamente para desarmá-la?    Aqui é importante identificar o que fizemos para que se constituisse esta nova era geológica? Alguns a atribuem à introdução da agricultura há 10 mil anos quando começamos a interferir nos solos e no ar. Outros acham que foi nos meados do século 18 quando iniciou o processo industrialista que implica muma sistemática intervenção nos ritmos da natureza, com a ejeção de poluentes nos solos, nas águas e no ar. Estoutros colocam a data de 1945 com a explosão de duas bombas atômicas sobre o Japão e os posteriores experimentos atômicos que espalharam radioatividade pela atmosfera. E nos últimos anos, as novas tecnologias tomaram conta da Terra, exaurindo seus bens e serviços naturais mas também causando o lançamento na atmosfera de toneladas de gazes de efeito estufa e bilhões e bilhões de litros de fertilizantes químicos nos solos que causam o aquecimento global e outros eventos extremos.
O imperativo categórico é que urge mudar a nossa relação para com a natureza e a Terra. Não dá mais para considerá-la um balcão de recursos que podemos dispor ao nosso bel-prazer, mormente, visando a acumulação privada de bens materiais. A Terra é pequena e seus bens e serviços limitados. Cumpre produzir tudo o que precisamos, não para um consumo desmedido mas com uma sobriedade compartida, respeitando os limites da Terra e pensando nas demandas dos que virão depois de nós. A Terra pertence a eles e a tomamos emprestado deles para devolve-la enriquecida.
Como se depreende, releva enfatizar que temos que inaugurar o contra-ponto à era do antropoceno que é a era do ecoceno. Quer dizer: a preocupação central da sociedade não sera mais o desenvolvimento/crescimento sustentável mas a ecologia, o ecoceno, que garantem a manutenção de toda a vida. A isso deve servir a economia e a política.
Para preservar a vida é importante a tecno-ciência mas igualmente, a razão cordial e sensível. Nela se encontra a sede da ética, da compaixão, da espiritualidade e do cuidado fervoroso pela vida. Esta ética do cuidado imbuída de uma espiritualidade da Terra nos comprometerá com a vida contra o antropoceno.
Portanto, faz-se mister construir uma nova ótica que nos abra para uma nova ética, colocar sobre nossos olhos uma nova lente para fazer nascer uma nova mente. Temos que reinventar o ser humano para que seja consciente dos riscos que corre, mas mais que tudo, que desenvolva uma relação amigável para com a Terra e se faça o cuidador da vida em todas as suas formas.
Há 65 milhões de anos caiu um meteoro de 9,6 km de extensão na Península de Yucatán no México. Seu impacto foi o equivalente a 2 milhões de vezes a força da uma ponderosa bomba nuclear. Três quartos das espécies vivas desapareceu e junto com elas todos os dinossauros depois de terem vivido por 133 milhões de anos sobre a face da Terra. O nosso ancestral, pequeno mamífero, sobreviveu.
Oxalá desta vez o meteoro rasante não sejamos nós, sem responsabilidade coletiva e sem o cuidado essencial que protege e salva a vida.
Leonardo Boff é articulista do JB on line e esceveu um resumo da nova cosmologia: De onde vem? O universe, a Terra, a vida e o espírito, Mar de Ideias, Rio 2017.


quinta-feira, 28 de setembro de 2017

ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS?




Por Frei Betto

      O STF se debruça, nesta quarta-feira, sobre o polêmico tema do ensino religioso nas escolas. Ora, a própria adjetivação de religioso é falaciosa. O ensino pode e deve ser religioso em escolas confessionais, sejam elas católicas, protestantes, judaicas etc.

      Em um país laico como o Brasil não faz sentido falar em ensino religioso na rede pública. Deve-se, sim, incluir o ensino das religiões, assim como há o das civilizações. É inconcebível que um aluno termine o curso sem noções a respeito das grandes vertentes religiosas, como judaísmo, cristianismo e islamismo, bem como o que é espiritismo, umbanda, candomblé, santo daime e outras manifestações religiosas ou espirituais, como o budismo, encontradas no Brasil.

      Debater se o ensino deve ser das religiões ou religioso chega a ser redundante. Importa é o conteúdo das religiões. E todas que merecem fé têm em comum os mesmos princípios éticos: amor ao próximo, cuidado da natureza, partilha dos bens, solidariedade, atenção aos necessitados, tolerância ao diferente, respeito à diversidade de crenças, combate à discriminação e ao preconceito. 

      Essa ética deveria ser o tema transversal de todas as matérias curriculares. É o mínimo que se espera de uma educação de qualidade.

      Vale recordar as palavras do papa Francisco no Teatro Municipal do Rio, a 27 de julho de 2013: “Favorável à pacífica convivência entre religiões diversas é a laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão religiosa na sociedade, favorecendo as suas expressões mais concretas.” 

Frei Betto é escritor, autor de “Um Deus muito humano” (Fontanar), entre outros livros.


Copyright 2017 – FREI BETTO – Favor não divulgareste artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com

terça-feira, 26 de setembro de 2017

FRÁGEIS CRISTAIS DE UM TEMPO PASSAGEIRO


Por Marcelo Barros

Ao consagrar o 1º de outubro como “dia internacional das pessoas idosas”, a ONU quis responder a dois desafios. O primeiro é o envelhecimento da população. Atualmente, na maioria dos continentes, diminui a taxa de nascimentos. Ao mesmo tempo, a medicina prolonga a média de vida das pessoas. A ONU considera alguém idoso se a pessoa tiver mais de 65 anos ou, em países mais empobrecidos, ao menos 60. Segundo os organismos internacionais, até 2025, o Brasil será o sexto país do mundo com o maior número de pessoas idosas. Cada vez é mais frequente conhecermos homens e mulheres na faixa de cem anos. Não parece mais atual a palavra do salmo que afirmava: “Setenta anos é a duração de nossas vidas. 
Oitenta, se somos fortes” (Sl 90).   Aí se junta o segundo desafio: Ao contrário das culturas antigas que veneram os idosos, a sociedade capitalista só valoriza quem está na idade de produzir e comprar. Frequentemente, os mais velhos se sentem marginalizados e condenados a se tornarem cada vez mais dependentes. Por isso, ao instituir o dia das pessoas idosas, a ONU propõe como direito de todos os idosos, acesso aos cuidados de saúde, possibilidades reais de integração social e direito às informações e à educação permanente.

Todos nós, mais velhos ou mais jovens, somos como cristais belos, mas frágeis. Um pequeno descuido ou um passo em falso e tudo pode acabar. Não bastasse isso e, como diz Zigmunt Bauman, a própria sociedade parece se liquidificar. As relações sociais se tornam fluidas, laços familiares facilmente se desfazem e a  própria vida se revela precária.

Ninguém gosta de envelhecer. Propagandas sobre a “melhor idade” só atingem quem não sabe o que significa sentir, de repente, ou aos poucos, o corpo cada vez mais frágil e enrugado. Ninguém gosta de ver suas forças físicas, a memória e a agilidade mental diminuírem. Só mesmo uma profunda estabilidade interior pode dar equilíbrio e garantir a paz.

Nas culturas afrodescendentes e indígenas, as pessoas mais velhas são vistas como portadoras da sabedoria do Espírito. De acordo com a Bíblia, a aliança de Deus com os pequenos e marginalizados do mundo começou com Abraão. Com mais de 80 anos, ele era patriarca de um clã de lavradores sem-terra. Escutou uma palavra divina para sair de si mesmo, de sua cultura, do seu ambiente clânico e partir. Assim, ele iniciou uma caminhada em busca de uma terra livre e de uma descendência numerosa. Abraão era casado com Sara, mulher velha e estéril. Deus tornou a sua velhice abençoada e seu casamento fecundo. Ao comentar esses textos antigos, o apóstolo Paulo escreve que, assim como Deus fez nascer uma vida nova do corpo já amortecido de Abraão, Ele ressuscita Jesus e dá a todos nós que cremos, uma vida nova (Rm 4, 19- 22).

Conforme o evangelho de Lucas, quando os pais levaram Jesus, recém-nascido para, conforme a lei judaica, apresentá-lo no templo, ele foi acolhido por Simeão e Ana, dois anciãos, profetas que souberam reconhecer quem era aquela criança. Através daquele menino, eles anunciaram uma nova esperança de libertação para o povo de Israel e para toda a humanidade (Cf. Lc 2, 25 ss). Também hoje, pelas condições especiais de sua idade, as pessoas idosas são portadoras de um apelo de mais humanidade para todos.


    Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países 

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

ROCINHA, CADÊ VOCÊ?


 Por Maria Clara Lucchetti Bingemer

            A comunidade da Rocinha me foi apresentada pelo querido Pe. Thierry Linard de Guertechin que, apesar de todo esse nome nobre que denuncia sua origem belga e aristocrata, ali morava.  Jesuíta, vivia há muitos anos no Brasil e ali plantou seu coração. Mesmo quando transferido para outras paragens do Brasil e do mundo, sempre volta, porque ali é o seu lugar.

            Convidada por ele, comecei a ir à capela de Nossa Senhora Aparecida, no Bairro Barcelos.  Acompanhava o pessoal que coordenava os círculos bíblicos.  Subia tranquilamente e saía já com a noite caída.  Jamais tive problemas, só soluções.  Como no dia em que fechei a porta do meu carro com a chave dentro e um menino da comunidade imediatamente abriu-a com um nozinho de barbante. No dia em que meu carro, já meio velhinho, ferveu, juntaram-se vários rapazes entendidos em mecânica e num segundo o carro andava de novo. 

            Eu chegava com medo às vezes. Não da realidade do lugar.  Jamais acreditei que me aconteceria algo.  Eu era amiga do padre, o pessoal confiava em mim.  Mas tinha medo quando conversava com eles sobre algum evangelho mais “difícil”.  Daqueles que falam em demônios que Jesus manda para a vara de porcos etc.

            Jamais tive qualquer dificuldade com aquele povo que nadava de braçada e passeava tranquilo pela Palavra de Deus, como se estivesse em casa.  E saía eu evangelizada e desejando que logo chegasse o dia de voltar e receber mais do que dar àquele povo amigo, aberto, lutador e cheio de fé.

            O mês de maio era um caso à parte.  Não era possível trabalhar com a Bíblia porque Nossa Senhora era rainha absoluta.  Várias imagens da Virgem Maria circulavam pelas casas onde as reuniões aconteciam e os mistérios do rosário eram o conteúdo das reuniões.  No final do mês, havia missa festiva.  Linda, a capelinha toda enfeitada com o maior carinho.  As crianças vestidas de anjinhos irradiavam felicidade por poder participar da procissão de entrada.  A missa era celebrada e depois todos saboreavam, sob a proteção da Mãe querida, as comidas e bebidas expostas sobre uma mesa preparada com carinho.

O tempo passou e eu tive que assumir outros trabalhos; já não tinha tempo para ir à Rocinha fazer trabalho pastoral.  O povo ficou triste e eu também.  Mas os filhos estavam crescendo, o trabalho era muito e não se podia fazer tudo.  Voltei lá algumas vezes, em datas comemorativas: aniversário do padre amigo, missa solene pelos seus 25 anos de votos perpétuos.
A Rocinha foi mudando.  Passou a ser ponto turístico, com veículos e excursões organizadas e repercussão internacional.  Foi uma das primeiras comunidades pacificadas por  UPA.  Parecia que um novo momento acontecia no Rio e começava por lá. Cada vez que eu passava e via as luzinhas esparsas pela montanha como se fosse um presépio, sentia um carinho especial por aquela comunidade onde havia passado várias horas de minha vida. 

A crise política chegou e a falência do Estado também.  A cidade começou a sofrer uma decadência triste de se ver, que só não consegue atingir a beleza natural do mar e das montanhas.  O clima é de depressão e de mais violência. E essa violência atingiu em cheio a Rocinha. 

Tiroteios, balas e mais balas, toque de recolher.  As pessoas sem poder sair de casa e ir trabalhar.  Jovens perdendo o vestibular na Uerj.  Mensagens de pessoas sitiadas dentro da comunidade temendo por suas vidas.  Amigos me dizem que suas funcionárias domésticas não conseguiram chegar porque ficaram com medo de sair de casa.  O terror se instalou na Rocinha.  

Onde está o reforço das Forças Armadas enviado para a cidade?  Onde está o prefeito?  Onde o secretário de segurança?  Dão declarações na televisão, mas a comunidade continua sitiada, apavorada, confinada,  com medo e  insegurança.

Rocinha, cadê você? Todas as inovações que você tinha atraído e conquistado agora jazem perdidas sob um mar de violência.  E a cidade da qual você é um dos pontos de atração geme, sofrida.

Até quando o povo do Rio vai ter que suportar isso?  Como é possível tanto descaso com uma cidade que é o cartão postal do Brasil, centro cultural dos mais pujantes, atração para turistas do mundo inteiro?

Após a violência desenfreada que esburacou as paredes das casas e apavorou os moradores, eu pergunto: Rocinha, cadê você?  E rezo para que todos aqueles que eu amo e ali vivem estejam bem e possam chegar ao dia seguinte, na esperança de que um dia tudo vai melhorar, um dia a comunidade vai merecer providências efetivas e atenção dos governantes, um dia vai haver justiça, um dia... a Rocinha vai poder dormir sossegada. 
  
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ. A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc)

Copyright 2017 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>


sábado, 23 de setembro de 2017

PELA DEMOCRACIA NO BRASIL – IV TRIBUNAL TIRADENTES


Dia 25 de setembro de 2017, às 19 horas, no teatro TUCARENA da  PUC
Julgamento das práticas nocivas e danosas do Congresso brasileiro

O Tribunal Tiradentes é um tribunal especial. É simbólico, é como se fosse um teatro. Mas como todo tribunal de justiça ele terá um juiz, um acusador, um defensor, testemunhas e jurados.
Qualquer semelhança com o Tribunal Russell, constituído em 1966 para condenar simbolicamente os crimes de guerra cometidos no Vietnã, não é mera coincidência,cf. explicado acima.

O que o Tribunal Tiradentes vai Julgar
O Tribunal Tiradentes vai julgar as práticas do Congresso brasileiro, onde a maioria dos deputados e senadores não estão cumprindo sua tarefa que é fazer as leis e fiscalizar o presidente  com o fim de promover uma vida digna para todo o povo brasileiro.
Em vez disso o Congresso está aprovando leis que só interessam a uma mínima parte da população. Os deputados e senadores que assim votam estão atendendo a seus próprios interesses e aos interesses dos que os financiam para serem eleitos. Eles não estão fiscalizando o presidente e ainda por cima muitos estão envolvidos na corrupção. É por isso que só ouvimos falar que político não presta.
No Tribunal Tiradentes também se vai defender o Congresso como ele deve ser numa democracia.
E para que vai servir o Tribunal Tiradentes, se é só um teatro?
- Vai servir para que nós todos, cidadãs e  cidadãos, tomemos consciência da importância que tem o Congresso. Numa democracia de verdade o poder pertence ao povo e o Congresso representa o povo.
- Vai servir para que nos esforcemos sempre para conversar (em casa, com os vizinhos, com os amigos, na rua, no bairro, no café, no ônibus, no metrô, nas filas que temos que enfrentar todo dia) sobre o Congresso que queremos.
- Vai servir para que, como simples cidadãs e cidadãos, cumpramos um papel de informação equilibrada que infelizmente as TVs e os jornais não estão cumprindo.
- Vai servir para nos prepararmos para quando tiver eleições. Nesse momento teremos que lembrar que os deputados e senadores (isto é o Congresso) é que tem o poder para definir os rumos do país.
Venha e ajude a divulgar!
Tribunal Tiradentes no teatro TUCARENA da  PUC, na esquina da rua Bartira com rua Monte Alegre n.1024, 2a feira 25 de setembro, 19 horas. Veja na Internet:www.tribunaltiradentes.org 
                         

Contato:ttiradentes@uol.com.br
Contatos de imprensa: Cecilia Bacha (11) 9 8548 7374 


sexta-feira, 22 de setembro de 2017

ESTAMOS JÁ EM PLENA DITADURA CIVIL RUMO À MILITAR?


Por Leonardo Boff

O que vivemos atualmente no Brasil não pode sequer ser chamado de democracia de baixíssima intensidade. Se tomarmos como referência mínima de uma democracia sua relação para com o povo, o portador originário do poder, então ela se nega a si mesma e se mostra como farsa.

Para as decisões que afetam profundamente o povo, não se discutiu com a sociedade civil, sequer se ouviram movimentos sociais e os corpos de saber especializado: o salário mínimo, a legislação trabalhista, a previdência social, as novas regras para a saúde e a educação, as privatizações de bens públicos fundamentais como é, por exemplo, a Eletrobrás e campos importantes de petróleo do pré-sal, bem como as leis de definem a demarcação das terras indígenas e, o que é um verdadeiro atentado à soberania nacional, a permissão de venda de terras amazônicas a estrangeiros e a entrega de vasta região da Amazônia para a exploração de variados minérios a empresas estrangeiras.

Tudo está sendo feito ou por PECs, decreto ou por medidas provisórias propostas por um presidente, acusado de chefiar uma organização criminosa e com baixíssimo apoio popular que alcança apenas 3%, propostas estas enviadas, a um parlamento com 40% de membros acusados ou suspeitos de corrupção.

Que significa tal situação senão a vigência de um Estado de exceção, mais, de uma verdadeira ditadura civil? Um governo que governa sem o povo e contra o povo, abandonou o estatuto da democracia e claramente instaurou uma ditadura civil. Assim pensa um de nossos maiores analistas politico Moniz Sodré, entre outros. É exatamente isso que estamos vivendo neste momento no Brasi. Na perspectiva de quem vê a realidade política a partir de baixo, das vítimas deste tipo novo de violência, o país assemelha-se a um voo cego como um avião sem piloto. Para onde vamos? Nós não sabemos. Mas os golpistas o sabem: criar as condições políticas para o repasse de grande parte da riqueza nacional para um pequeno grupo de rapina que segundo o IPEA não passa de 0,05 de populacão brasileira, (um pouco mais de 70 mil milhardários) que constituem as elites endinheiradas, insaciáveis e representantes da Casa Grande, associadas a outros grupos de poder anti-povo, especialmente de uma mídia empresarial que sempre apoiou os golpes e teme a democracia.

Transcrevo um artigo de um atento observador da realidade brasileira, vivendo no semi-árido e participando da paixão das vítimas de uma das maiores estiagens de nossa história: Roberto Malvezzi. Seu artigo é uma denúncia e um alarme: Da ditadura civil para a militar.

“Antes do golpe de 2016 sobre a maioria do povo brasileiro trabalhador ou excluído, já comentávamos em Brasília, num grupo de assessores, sobre a possibilidade de uma nova ditadura no Brasil. E nos ficava claro que ela poderia ser simplesmente uma “ditadura civil”, sem necessariamente ser militar. Entretanto, como em 1964, ela poderia evoluir para uma ditadura militar. Naquele momento pouquíssimos acreditavam que o governo poderia ser derrubado.

Para mim não há dúvida alguma que estamos em plena ditadura civil. É um grupo de 350 deputados, 60 senadores, 11 ministros do Supremo, algumas entidades empresariais e as famílias donas da mídia tradicional que impuseram uma ditadura sobre o povo. As instituições funcionam, como dizem eles, mas contra o povo e apenas em favor de uma reduzidíssima classe de privilegiados brasileiros. Claro, sempre conectados com as transnacionais e poderes econômicos que dominam o mundo.

Portanto, nós, o povo, fomos postos de fora. Tudo é decidido por um grupo de pessoas que, se contadas nos dedos, não devem atingir mil no comando, com um grupo um pouco maior participando indiretamente.

Acontece que o golpe não fecha, não se conclui, porque a corrupção, velha fórmula para aplicar golpes nesse país, hoje é visível graças a uma mídia alternativa presente e cada vez mais poderosa. E a corrupção está em todos os níveis da sociedade brasileira, sobretudo nos hipócritas que levantaram essa bandeira para impor seus interesses.

Mas, a corrupção é apenas o pretexto. Segundo a visão de Leonardo Boff, o objetivo do golpe é reduzir o Brasil que funcione apenas para 120 milhões de brasileiros. Os 100 milhões restantes vão ter que buscar sobreviver de bicos, esmolas e participação em gangs, quadrilhas e tráfico de armas e drogas.

Então, começam aparecer sinais do verdadeiro pensamento de quem está no comando, uma reunião da Maçonaria, um general falando a verdade do que vai nos bastidores, a velha mídia com a opinião de “especialistas”, nas mídias sociais os saudosos da antiga ditadura dizendo que “quem não é corrupto não precisa ter medo dos militares”.

Enfim, estão plantando a possibilidade da ditadura militar. Para o pequeno grupo que deu o golpe ela é excelente, a melhor das saídas. Nunca foram democráticos. Não gostam do povo. Inclusive nessa Câmara e nesse Senado, poucos vão perder seus cargos ou ir para a cadeia.

O pior de uma ditadura civil ou militar é sempre para o povo. As novas gerações não conhecem a crueldade de uma ditadura total.

É de gelar a alma o silêncio da sociedade diante das declarações do referido general”. 

Que Deus e o povo organizado nos salvem.

Leonardo Boff é articulista do JB on line e escritor


quinta-feira, 21 de setembro de 2017

ESPIRITUALIDADE EM TEMPOS DE CRISE


por Frei Betto

       O Brasil se parece, hoje, a uma pessoa atropelada por um caminhão e que, apesar de graves ferimentos, escapa viva. Machucados e maculados estão a política, a ética, a cidadania, a representação parlamentar, embora a economia dê sinais de recuperação, malgrado os 14 milhões de desempregados.

       Dizia Santo Agostinho que a esperança tem duas filhas diletas: a indignação e a coragem. A indignação, para contestar o que não está bem. A coragem, para mudar a situação.

       Frente a tão nefasta conjuntura, associada à crescente violência (homicídios, assaltos, drogas), a nação reage com indignação (em conversas e redes digitais) e apatia (nas ruas e movimentos sociais).

       A indignação se manifesta em expressões de ódio e desprezo; a apatia, na sensação de que é inútil protestar nas ruas, já que se tirou um governo ruim para dar lugar a outro pior...

       O que isso tem a ver com espiritualidade? Ora, dela depende o nosso ânimo. Quando nos deixamos levar pelo niilismo somos tragados pela inércia e pelo individualismo. Essa indiferença corrói a nossa subjetividade, e objetivamente legitima o poder que nos submete a seus degenerados propósitos.

       Toda a narrativa bíblica é um libelo à resistência e à esperança. Não há nela um único livro que não retrate o conflito histórico e o embate entre opressores e oprimidos. No entanto, Javé suscita o novo quando em volta tudo parece decrépito: da gestação de Sara, já idosa, à ação libertadora de Moisés contra o faraó em cuja família ele cresceu; da brisa suave de Elias ao pequeno Davi, de quem nada se esperava.

       Deus se encarnou em uma conjuntura profundamente conflituosa. A Palestina estava submetida pelo Império Romano. Herodes promoveu o infanticídio. José, Maria e Jesus se refugiaram no Egito. João Batista assassinado pelo governador Herodes Antipas. Jesus criticado por fariseus e saduceus; expulso da sinagoga; traído por um dos discípulos; preso, torturado e julgado por dois poderes políticos e executado na cruz. Sua ressurreição, entretanto, comprovou que a justiça prevalecerá sobre a injustiça e a vida sobre a morte.

       Tempos de crise requerem a espiritualidade do grão de mostarda: pequeno e insignificante, mas dele pode brotar o que, no futuro, mudará o rumo da história. Espiritualidade do tesouro escondido e de quem sabe que vale a pena cavar o terreno até encontrá-lo. Espiritualidade do cego Bartimeu que, por confiar na ação divina, voltou a ver com clareza.

       A espiritualidade é uma atitude subjetiva de paciência histórica e atuação confiante para mudar o atual estado de coisas. Não basta o protesto; urge ter propostas. Não é suficiente reclamar, é preciso agir. De nada vale odiar, falar mal, criticar. Mais vale arregaçar as mangas e, como dizia João Batista, empunhar o machado e centrá-lo na raiz da árvore apodrecida.

       A espiritualidade impede introjetar-nos o que ocorre à nossa volta. Não somatizar a realidade circundante. Ao contrário, desse distanciamento brechtiano reunir energias para transformar o velho em novo, o arcaico em moderno, o ceticismo em esperança.

       Nos anos de 1960, eu pensava que o meu futuro pessoal haveria de coincidir com o tempo histórico. Hoje, sei que não participarei da colheita, mas faço questão de morrer semente.

       O futuro será sempre fruto do que semearmos no presente. Não há saída pela inesperada irrupção de um avatar político nem pelo retrocesso ao passado. A espiritualidade em tempos de crise exige cabeça fria, mente alerta, coração solícito. Não se deixar afogar nas marés negativas.

       A história está repleta de exemplos de homens e mulheres que tinham tudo para se enclausurar em seus nichos familiares e profissionais e, no entanto, ousaram erguer a bandeira de um futuro melhor: Gandhi, Luther King, Mandela, Chico Mendes, Zilda Arns e a albanesa Anjesé Gonxhe Bojaxhiu, mais conhecida como madre Teresa de Calcutá.

       Aos olhos de seus contemporâneos, Jesus fracassou. Aos olhos da história, marcou definitivamente a história humana. Porque confiou que a menor das sementes se transforma na mais frondosa árvore.

Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.

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Maria Helena Guimarães Pereira
MHP Agente Literária - Assessoria

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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

DOGMAS E HERESIAS DE ALGUMAS TEOLOGIAS FEMINISTAS


Por Ivone Gebara

Escrevo para um espaço de defesa da Pastoral Popular. Não sei dizer se a teologia feminista tem a ver com a pastoral popular. Minhas dúvidas são fundadas visto que a teologia feminista crítica não parece ter modificado o que ainda se ensina na teologia e mesmo na maioria das pastorais populares. Talvez depois da leitura desse texto vocês possam entender melhor a minha dúvida.
Desde a década de 1980 faço teologia feminista. De teóloga da libertação passei a ser teóloga feminista da libertação. Em termos bastante simples isto significa que acordei e fui acordada para a problemática cultural, social e religiosa das mulheres que em meio à premência das lutas libertárias contra os imperialismos e as ditaduras se organizava em muitos lugares. O nó do problema era a especial opressão vivida pelas mulheres denunciada desde a segunda metade do século XX por muitas intelectuais e grupos. Esta denúncia nunca foi seriamente acolhida pela teologia da libertação embora algumas mulheres teólogas fossem acolhidas nas reuniões organizadas pelos teólogos.
A teologia feminista na Igreja Católica constitui-se como uma espécie de heresia à dogmática tradicional. Hoje digo heresia, pois estou convencida disso. Entretanto, não uso mais essa palavra com um sentido negativo. O dogma (dokeo, do grego) é a ‘verdade que tem que ser ensinada’ e a heresia (airesis) é ‘a afirmação que discorda do dogma’, que abre brechas para a escolha, para opções, para o pensamento ditado pelas diferentes circunstancias da vida. É nesse sentido que me considero parte de uma heresia e não na linha daqueles que crêem que existe uma só verdade à qual temos que nos curvar.
Ultimamente, tenho sido de novo atropelada por pessoas e grupos que infelizmente são muito ouvidos pela maioria do episcopado brasileiro. Estes grupos acusam-me de feminista, defensora do aborto, da ideologia de gênero, contraria aos valores da família, desobediente ao Magistério, falsa religiosa etc. A acusação aparece como se eles estivessem com a verdade e do lado de Deus. Eu e outras mulheres e homens estaríamos do lado da mentira e do Diabo.
Creio que precisamos entender mais profundamente, embora de forma breve o que está acontecendo para além das emoções e julgamentos que nos habitam.
Vivemos do ponto de vista cultural, político e econômico numa grande instabilidade que não vem de hoje, embora estivéssemos sentido-a de forma mais aguda nesse momento. Todos querem explicações e acusam-se mutuamente de ser a causa dos males do mundo. É como se precisássemos de ‘bodes expiatórios’ ou ‘cabras expiatórias’ que representem a razão de nossos males. Nessa perspectiva, pergunto-me qual é o mal que representa o feminismo para os grupos que se crêem arautos da verdade ‘revelada’ por seu Deus? Qual é o mal do feminismo para o cristianismo? Para responder a essas questões é preciso dizer em grandes linhas o que tem feito o feminismo e a teologia feminista na nossa cultura.
O feminismo apesar de seus limites desvendou as injustiças sociais, políticas e legais em relação às mulheres e outros grupos. Da mesma forma a teologia feminista desvendou um processo semelhante nas estruturas e nos conteúdos teológicos vigentes por mais libertadores que queiram apresentar-se. Denunciou as estruturas androcentricas tanto na organização, nas políticas e nos conteúdos teológicos do passado e do presente. Denunciou as justificações que fazem da cultura e dos poderes de odor totalitário. Estas denúncias mudam o dogma masculino e os dogmas afirmados como ‘revelações’ de Deus. Sua pretensão epistemológica não é mais aceitável nos dias de hoje. Ela representa uma forma de totalitarismo cognitivo que passa a ser uma espécie de pedagogia de dominação religiosa do povo.
Por muito tempo as mulheres permaneceram como reféns das teorias teológicas em relação a elas, a seu corpo, ao seu poder e submissão e desde o século XIX e XX têm denunciado a cumplicidade das teologias com as políticas de submissão das mulheres. As teologias feministas inspiradas pelo feminismo e por outras leituras dos Evangelhos e da Tradição vão propor outra forma de conhecimento. Vão partir da quotidianeidade da vida, apreender os problemas diversos que se revelam e através deles entender o amor ao próximo e a nós mesmas.  Tenho refletido muito sobre isso e sido pouco compreendida pelos donos da religião de ‘mão única’.
Outro problema central que enfrentamos hoje tem a ver com as questões da sexualidade e reprodução humana ou em outros termos, com o tratamento parcial, injusto que atribuímos às diferentes orientações sexuais na sociedade e na Igreja. Tenho também refletido sobre essas questões à luz de outra interpretação da tradição cristã, talvez mais ética do que metafísica. Reflito sobre nossos corpos de mulheres que engravidam e parem muitas vezes sem escolha e são tratados como ‘objetos’ pecadores e submissos às vontades e leis masculinas. Escrevo e falo da violência que nos é feita em casa e na rua bem pouco considerada pelas igrejas cristãs. Falo da ocultação de nosso valor e da falta de representação significativa nas instancias decisórias das instituições religiosas. Insisto no pouco investimento que se faz na formação das mulheres na Igreja e da falta de respeito que se têm em relação a seu saber.
Isto tudo me leva a afirmar o fato de que na vida nem tudo pode ser rigorosamente regrado pela razão e pela religião dogmática. Os imprevistos, os escorregos, as limitações fazem parte da vida humana e nos ensinam coisas diferentes. Nessa linha não há apenas um único remédio, o oferecido pela hierarquia da Igreja e, sobretudo por uma poderosa elite política que controla a sexualidade humana. Há muitos caminhos diversos e às vezes até contraditórios que podem até ajudar a solucionar um problema ou aliviá-lo.
Tenho falado e escrito sobre todas essas coisas nas minhas aulas, conferências e textos. Reconheço que nesse sentido sou herética assim como tantas outras pessoas o foram para tentar renovar as visões do mundo. Minha postura gera tensões. Resolvi não me defender. Sigo apenas explicando minhas razões e minhas opções éticas. Com alegria percebo que há pessoas e grupos que se encontram com minha maneira feminista de refletir a vida e a história presente. Não tomo o feminismo como uma teoria perene e única verdade. O feminismo é hoje, porque nasceu de nossas necessidades... Amanhã será provavelmente outro o teor de nossas lutas.
Para além do dogma e da heresia gostaria que existisse um diálogo maior entre nós, a partir do qual pudéssemos ouvir uns aos outros e até aprender. Não sei se esse desejo é possível no contexto atual. Mas ele faz parte de minha crença na possibilidade de crescimento qualitativo dos seres humanos. E a vida continua...
Ivone Gebara é filosofa e teóloga feminista. Foi professora do Instituto de Teologia do Recife e trabalhou na formação de agentes de pastoral para o meio popular sobretudo do nordeste do Brasil. Doutora em Filosofia e Doutora em Ciências religiosas é autora de muitos livros e artigos. Vive atualmente em São Paulo e pertence à Congregação das Irmãs de Nossa Senhora.
É uma das principais defensoras da Teologia Feminista, irmã da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora. Aos 73 anos, tem mais de 30 livros publicados e dezenas de artigos sobre a temática