Por Marcelo
Barros
Nesses
próximos dias, de 1 a 4 de maio, em Fortaleza, CE, quatrocentos jovens de todo
o Brasil se reúnem para refletir sobre como viver a espiritualidade como força libertadora
para a própria pessoa e para o mundo. De fato, a Campanha da Fraternidade desse
ano tem como lema a palavra do apóstolo Paulo: “Foi para que sejamos livres que
Cristo nos libertou”(Gl 5, 1).
Até hoje,
muitos movimentos e grupos religiosos interpretam a libertação espiritual meramente
como um impulso interior e moral no sentido de libertação das paixões e
liberdade com relação às coisas materiais. Essa visão reduz a espiritualidade a
um tipo de espiritualismo que se opõe ao materialismo e se interessa apenas
pelo indivíduo. Muitos afirmam: ao se conseguir transformar o coração humano,
se começa a transformar o mundo. De fato, todos sabemos: o mundo nunca será
transformado se não se convertem as pessoas em sua dimensão interior, mas, ao
mesmo tempo, temos consciência de que não basta mudar os corações para que o
mundo seja transformado. As estruturas sociais têm um peso além da vontade dos
indivíduos. São Paulo dizia: “Se eu não pratico o bem que eu quero e acabo
fazendo o mal que não quero, então, o mal é maior do que eu. Habita em mim, mas
me ultrapassa” (cf. Rm 7). É preciso sempre e, ao mesmo tempo, trabalhar nos
dois níveis: a dimensão pessoal e também a social e política.
De fato, a
Bíblia não pode ser compreendida como uma revelação divina dirigida apenas a
pessoas em sua interioridade. Há 50 anos, um dos documentos mais importantes do
Concílio Vaticano II, assinado por todos os bispos católicos do mundo,
afirmava: “Deus não quis salvar as pessoas apenas individualmente, mas as
reuniu como um povo” (Cf. Lumen Gentium, 2).
Não se pode
compreender como mera alegoria simbólica o que a Bíblia conta sobre o Êxodo dos
hebreus da escravidão do Egito para a terra prometida e todas as profecias
bíblicas nas quais Deus pede justiça e uma organização igualitária para o
mundo. O espiritualismo esquece que Jesus assumiu como missão o anúncio do
reino de Deus como projeto de um mundo novo de justiça e paz. E por essa
verdade do reino, ele deu a vida.
O termo
espiritualidade não se encontra na Bíblia e em nenhum dos textos sagrados das
grandes religiões antigas. No entanto, no século IV, Gregório de Nissa, pastor
da Igreja Oriental, o usou e o definiu como “deixar que toda a nossa vida seja
conduzida pelo Espírito de Deus”. Hoje, buscamos a espiritualidade quando
dedicamos nossa vida à realização do projeto divino sobre nós e sobre o mundo e,
ao mesmo tempo, conseguimos fazer isso buscando viver a intimidade com Deus na
escuta de sua Palavra, na oração e na comunhão fraterna . O importante é viver
o projeto divino de justiça e construção de um mundo novo. Ao mesmo tempo, quem
busca uma espiritualidade profunda quer viver isso na relação intima com Deus.
Para os cristãos, isso se dá no seguimento de Jesus e na relação de
discípulos/as com o mestre.
As diversas
formas de Cristianismo popular sempre ligaram a fé com a busca da saúde e das
necessidades concretas da vida. O povo mais empobrecido sempre espera um
milagre divino para o dia a dia da vida. A busca pela saúde e promoção humana é
sempre um direito de todos e é do agrado de Deus. Mas, quando esse caminho é
percorrido de forma meramente individual e sem compromisso social, pode ser
alienado e alienante. Um salmo bíblico
afirma: “Os céus são de Deus, mas a terra, ele a entregou aos seres humanos” (Sl
115).
Há mais de
40 anos, a Teologia da Libertação procura acompanhar e apoiar as comunidades
cristãs populares nesse caminho de unir fé e vida, espiritualidade e
compromisso social.
Dom Helder
Câmara, o grande profeta, afirmava e Zé Vicente expressa em uma de suas belas
canções da caminhada: “Sonho que se sonha só pode ser mera” ilusão. Por isso,
vamos sonhar companheiros/as, sonhar em mutirão”.