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quarta-feira, 23 de abril de 2014

A terrível escalada da ‘semana santa’



Por Eduardo Hoornaert


Escrevo estas notas na véspera de sexta-feira santa. O que piedosamente chamamos ‘semana santa’ é, quando lemos os evangelhos, na realidade uma terrível escalada de acontecimentos que envolvem Jesus, a partir da ‘entrada triunfal’ em Jerusalém. O evangelho de Marcos conta a história num ritmo nervoso, a partir do capítulo 11. Anota o que acontece dia após dia. Já antes, Jesus não é uma figura desconhecida nos ambientes governamentais. Não faltam acusações que chegam aos ouvidos das autoridades: ele não segue a lei de Moisés, não considera os ‘filhos de Abraão’ pois diz que se pode fazer um ‘povo eleito’ com ‘pedras’, discute sobre temas que são da alçada das autoridades e tem a incrível ousadia de insinuar que os sumos sacerdotes têm de devolver as terras que usurparam. Eis o caso: diante da pergunta insidiosa sobre pagamento de impostos (Mc 12, 13-14), Jesus responde primeiramente que é preciso ‘devolver (o verbo é esse) a César o que é de César’ (ou seja, devolver o denário a César: não contém sua imagem?). Mas depois ele ataca, embora de forma velada, a suprema autoridade religiosa da Palestina: ‘devolvam a Deus o que é de Deus’. Ora, o que é de Deus? O livro Levítico responde: ‘a terra é de Deus’ (Lv. 25, 33). Acontece que os sumos sacerdotes possuem as melhores terras da Palestina. Eis uma insinuação pesada, e as autoridades compreendem que se trata. Elas se convencem de que estão diante de uma pessoa ‘perigosa’.

Mas o maior medo, em Jerusalém, provém do enorme sucesso de Jesus junto ao povo da Galileia. Esse povo, sempre explorado pelo governo de Jerusalém (por meio dos impostos), bem que pode um dia se voltar, ‘em nome de Jesus’, contra os que detêm o poder. Não é um medo infundado, pois o sucesso de Jesus na Galileia é incontestável. Marcos relata em numerosos trechos do evangelho e com abundância de detalhes que, por onde Jesus passa, aglomerações se formam. Os líderes em Jerusalém já mandaram diversos emissários para a Galileia para ver o que se passava, mas não conseguem reunir argumentos definitivos contra Jesus. Quando este está em Jerusalém por ocasião das festas de Páscoa, e depois que faz sua ‘entrada’ em Jerusalém (que é na realidade uma paródia, pois imita entradas triunfais de tropas romanas), o governo percebe que está diante de uma oportunidade única de prendê-lo.

Assim se inicia uma terrível escalada de acontecimentos, que termina com a morte de Jesus. A partir do capítulo 11, um ritmo acelerado toma conta da prosa de Marcos, que anota tudo. No dia após a ‘entrada triunfal’, Jesus volta ao templo (ele não dorme na cidade, mas se hospeda em Betânia) e, com ímpeto, expulsa os cambistas. Uma ação de grande ousadia que repercute fortemente nos meios governamentais. A partir desse momento, as coisas não param mais. No terceiro dia acontece mais uma discussão tensa com letrados e fariseus (comento sucessivamente Mc 11, 1-11; 11, 15-19 e 11, 27-33) e assim os atritos vão se sucedendo, dia após dia. Jesus sabe que corre perigo iminente. No início das festividades da páscoa, depois de rezar o salmo com seus apóstolos, ele resolve ir se esconder com eles no Monte das oliveiras (Mc 14, 26). O evangelho de Lucas conta até que alguns dos apóstolos vão armados. Mas não adianta: as forças de segurança, guiados por Judas, descobrem o esconderijo. Jesus é preso como um ‘bandido’ (como afirmam os três evangelhos sinóticos: Mc 14, 48; Mt 26, 65 e Lc 22, 52). O julgamento é sumário e Jesus acaba morrendo em cima de uma cruz, entre ‘bandidos’ (Mc 15, 27; Mt 27, 38; Lc 23, 33).


Eduardo Hoornaert foi professor catedrático de História da Igreja. É membro fundador da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina (CEHILA). Atualmente está estudando a formação do cristianismo nas suas origens, especificamente os dois primeiros séculos.

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