Por Leonardo Boff
O relatório do IPCC de 13 abril do corrente ano confirma
efetivamente que o aquecimento da Terra é inegável e que em grande parte se
deve à atividade humana, especialmente do processo industrialista das grandes
corporações que emitem altos níveis de gases de efeito estufa ou das grandes
queimadas como aquelas ocorridas em vários lugares no Brasil.
Tal verificação preocupante nos remete à ideia da sexta-feira
santa e da páscoa. A páscoa é uma festa comum a judeus e a cristãos e encerra
uma metáfora da atual situação da Terra. Etimologicamente, páscoa significa
passagem da escravidão para a liberdade e da morte para a vida. E nisso reside
a metáfora: o Planeta como um todo está passando por uma tenebrosa sexta-feira
santa. Estamos dentro de um processo acelerado de perdas: de ar, de solos, de
água, de florestas, de gelos, de oceanos, de biodiversidade e de
sustentabilidade do própro sistema-Terra. Sofremos estarrecidos com os
terremotos agora no norte do Chile, na Nicarágua e no México e com os tsunamis
já contabilizados. Não são expressão do caos da Terra? Quando as perdas dos
bens naturais vão parar? Ou para onde nos poderão levar? Podemos esperar como
na Páscoa que após a sexta-feira santa de paixão e morte, irrompa a
ressurreição?
Precisamos de uma olhar retrospectivo sobre a história da
Terra para lançarmos alguma esperança sobre a crise atual. Antes de mais nada,
cumpre reconhecer que terremotos e devastações pertencem à geologia do Planeta.
Existe uma “taxa de extinção de fundo” que ocorre no processo normal da
evolução. Espécies perduram por milhões e milhões de anos e depois desparecem.
É como um indivíduo que nasce, vive por algum tempo e depois morre. A extinção
é o destino dos indivíduos e das espécies, também da nossa. E a fé cristão não
muda esta lógica. Dá-lhe apenas um sentido.
Mas além deste processo natural, existem as extinções em
massa. A Terra, segundo geólogos, teria passado por 15 grandes extinções desta
natureza. Duas foram especialmente graves. A primeira ocorrida há 245 milhões
de anos por ocasião da ruptura de Pangéia, aquele continente único que se
fragmentou dando origem aos atuais continentes. O evento foi tão devastador que
teria dizimado entre 75-95% das espécies de vida então existentes especialmente
marinhas. Por debaixo dos continentes continuam ativas as placas tectônicas, se
chocando umas com as outras, se sobrepondo ou se afastando, movimento chamado
de deriva continental, responsável pelos terremotos.
A segunda ocorreu há 65 milhões de anos, causada por
alterações climáticas, subida do nivel do mar e aquecimento, eventos provocados
por um asteroide de 9,6 km caído na América Central. Provocou incêndios
infernais, maremotos, gases venenosos e longo obscurecimento do sol: um
verdadeiro “armagedon” ecológico. Os dinossauros que por 133 milhões de anos
dominavam, soberanos, sobre a Terra, desapareceram totalmente bem como 50% das
espécies vivas. A Terra precisou de dez milhões de anos para se refazer
totalmente. Mas permitiu uma tal biodiversidade como jamais antes na evolução.
O nosso ancestral, pequenino mamífero, que vivia na copa das árvores, se
alimentando de flores, tremendo de medo dos dinossauros, pôde descer à terra e
fazer seu percurso que culminou no que somos hoje.
Cientistas (Ward, Ehrlich, Lovelock Swimme, Myers e outros)
sustentam que está em curso um outra grande dizimação, a sexta, que se iniciou
há uns 2,5 milhões de anos quando extensas geleiras começaram a cobrir parte do
Planeta, alterando os climas e os níveis do mar. Ela se acelerou enormemente
com o surgimento de um verdadeiro meteoro rasante que é o ser humano através de
sua sistemática intervenção no sistema-Terra, particularmente nos últimos
séculos. Alguns cientistas chegam até a dizer que inauguramos uma nova era
geológica, ao antropoceno. Quer dizer, a força destrutiva maior atualmente é a
espécie humana, capaz de provocar o apocalipse da humanidade com armas
químicas, biológicas e nucleares e com os desarranjos climáticos.
Peter Ward, grande especialista em geofísica (O fim da
evolução, 1977, p.268) refere que esta extinção em massa se nota claramente no
Brasil no qual nos últimos 35 anos estão sendo exterminadas definitivamente
quatro espécies por dia. E termina advertindo: ”um gigantesco desastre
ecológico nos aguarda”. Qem dos brasileiros sabe disso?
Os maiores danos para a vida se derivam dos terremotos e
maremotos que destroem tudo pela frente e dizimam milhares de pessoas. E aqui
humildemente temos que aceitar a Terra assim como é: ora mãe generosa, ora
madrasta cruel. Ela segue mecanismos cegos de suas forças geológicas. Ela nos
ignora, por isso os tsunamis e cataclismos são aterradoras. Mas nos repassa
informações. Nossa missão como seres inteligentes é descodificá-las para evitar
danos ou usá-las em nosso benefício. Os animais captam tais informações e antes
de um tsunami fogem para lugares altos. Talvez nós outrora, sabíamos captá-las
e nos defendíamos. Hoje perdemos esta capacidade. Mas para suprir nossa
insuficiência, temos a ciência. Ela pode descodificar as informações que
previamente a Terra nos repassa e nos sugerir estratégias de autodefesa.
Como humanos, somos aquela porção da Terra que chegou a ser consciente
e inteligente. Mas estamos ainda na fase juvenil, com pouco acúmulo. Estamos
ingressando na fase adulta, aprendendo melhor como manejar as energias da
Terra. Então através de nossa ciência podemos diminuir os efeitos letais dos
mecanismos internos da Terra. Vamos ainda crescer, aprender e amadurecer. Mas
teremos tempo e sabedoria suficientes?
O fato é que a Terra pende da cruz. Temos que tirá-la de lá e
ressuscitá-la. Só então tem sentido nos desejar: Feliz Páscoa.
*Leonardo Boff é filósofo e
teólogo, escritor, assessor do projeto Cultivando Agua Boa da Itaipu
Binacional e um dos co-redatores da Carta da Terra
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