O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Desencanto face ao futuro e o esperançar

 Leonardo Boff


 

 Estamos num pleno 2021, ano que não acabou porque o Covid-19 anulou a contagem  do tempo por continuar sua obra letal. O 2022 não pôde ainda ser inaugurado. O fato é que o vírus colocou de joelhos todos os poderes,especialmente, os militaristas, pois  seu arsenal de morte fez-se totalmente ineficaz.

No entanto, o gênio do capitalismo, a propósito da pandemia, fez com que a classe capitalista transnacioalizada se reestruturasse mediante o Great Reset (a Grande Reinicialização), expandindo a recente economia digital mediante a integração dos gigantes: Microsolft,  Facebook, Apple, Amazon, Google, Zoom e outros com o complexo militar-industrial-segurança. Tal evento representa a formação de um poder imenso, nunca havido antes. Notemos que se trata de um poder econômico de natureza capitalista  e que, portanto, realiza seu propósito essencial, o de de maximização  dos lucros de forma ilimitada, explorando, sem consideração, os seres humanos e a natureza.

A consequência desta radicalização do capitalismo  confirma o que  um sociólogo da universidade da Califórnia em Santa Bárbara, William I.Robinson, num artigo recente, bem observou (ALAI 20/12/2021):”À medida em que o mundo vai lse ivrando da pandemia, haverá mais desigualdade, conflitos, militarismo e autoritarismo e nesta mesma medida aumentarão as convulsões sociais e os conflitos civis; os grupos dominantes se empenharão por expandir o estado policial global para conter os descontentes em massa, vindos de baixo”. Com efeito, utilizar-se-á a inteligência artificial com seus bilhões e bilhões de algoritmos para controlar cada pessoa e a sociedade inteira. Esse brutal poder levará a humanidade para onde?

Sabendo da lógica inexorável do sistema capitalista, Max Weber, um dos que melhor criticamente a analisou, um pouco antes de morrer asseverou:”O que nos aguarda não é o florescimento do outono, nos aguarda uma noite polar, gélida, sombria e árdua (Le Savant et le Politique, Paris 1990, p. 194). Ele cunhou a expressão forte que atinge o coração do capitalismo: ele é uma”jaula de ferro”(Stahlartes Gehäuse) que não consegue romper e, por isso, nos pode levar a uma grande catástrofe (cf.a pertinente análise de M.Löwy, La jaula de hierro: Max Weber y el marxismo weberiana, México 2017). Essa opinião é compartida por grandes nomes como Thomas Man, Oswald Spengler,Ferdinand Tönnies, Eric Hobsbown, entre outros.Vários modelos de sociedade-mundo estão sendo discutidos para o pós-pandemia. Os mais importantes além do Great Reset dos bilhardários, são: o capitalismo verde, o ecosocialismo, o bien vivir e convivir dos andinos, a biocivilização, de vários grupos e  do Papa Francisco entre outros. Não cabe aqui detalhar tais projetos,coisa que fiz no livro Cvid-19:A Mãe Terra contra-ataca a Humanidade ( Vozes 2020). Apenas diria: ou mudamos de paradigma de produção, de consumo, de convivência e,especialmente, de relação para com a natureza, com respeito e cuidado ,sentindo-nos parte dela e não  sobre ela como donos e senhores, ou então realizar-se-á o prognóstico de Max Weber: poderemos de 2030 até no máximo 2050, conhecer um armagedon ecológico-social extremamente danoso para a vida e para a Terra.

Neste sentido, meu sentimento do mundo me diz que quem irá destruir a ordem do capital, com sua economia, política e cultura, não seria nenhum moimento ou escola de pensamento crítico. Seria a própria Terra, planeta limitado que não suporta mais um projeto de crescimento ilimitado. A visível mudança climática, objeto de discussão e de tomada de decisão (praticamente nenhuma) das últimas COPs da ONU, o esgotamento crescente dos bens e serviços naturais, fundamentais para a vida (The Earth Overshoot) e a ameaça de  rompimento das principais das nove barreiras do desenvolvimento que não podem ser rompidas a preço do colapso da civilização, são alguns indicadores de uma iminente tragédia.

Um número significativo de especialistas em clima  afirmam que chegamos tarde demais. Com o já acumulado de gases de efeito estufa não poderemos conter a catástrofe, apenas, com ciência e tecnologia, minorar seus efeitos desastrosos. Mas a grande crise irreversível  virá. Por isso se fizeram céticos e  até tecnofatalistas.

Seremos pessimistas resignados ou, no sentido de Nietzche, adeptos da “resignação heróica”? Estimo, como dizia um pré-socrático: devemos esperar o inesperado, pois, se não o esperarmos, quando ele vier, não o perceberemos. O inesperado pode ocorrer, dentro da perspectiva quântica: o sofrimento atual por causa da crise sistêmica não será em vão; ele está acumulando  energias benfazejas que, ao atingir certo nível de complexidade e de acumulação, darão um salto para uma outra ordem mais alta com um novo horizonte de esperança para a vida e para o planeta vivo, Gaia, a Mãe Terra. Paulo Freire cunhou a expressão esperançar:  não ficar esperando que um dia a situação irá melhorar mas criar as condições para que a esperança não seja vã, senão que, com nosso empenho, a façamos efetiva.

Creio que esse salto, com a nossa participação, poderá ocorrer e estaria dentro das possibilidades da história do universo e da Terra: do atual caos destrutivo, podemos passar para um caos generativo de um novo modo de ser e de habitar o planeta Terra.

É nisso que creio e espero, reforçado pela palavra da Revelação que afirma: “Deus criou todas as coisas por amor porque é o apaixonado amante da vida”(Sabedoria 11,26).Ele não permitirá que terminemos assim tragicamente. Ainda viveremos sob a luz benevolente do sol.

Leonardo Boff, ecoteólogo, filósofo e escritor.Escreveu O doloroso parto da Mãe Terra: uma sociedade de fraternidade sem fronteira e de amizade social,Vozes 2021; Habitar a Terra:qual o caminho para a fraternidade universal?  Vozes 2121.

 

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

FELIZ ANO NOVO


 

Frei Betto      


 

 

        Quero um Ano Novo onde, se Deus quiser,  todas as crianças, ao ligarem seus apetrechos eletrônicos, recebam um banho de Mozart, Pixinguinha e Noel Rosa; aprendam a diferença entre  impressionistas e expressionistas; vejam espetáculos que reconstituem a Balaiada, a Confederação do Equador e a Guerra dos Emboabas; e durmam após fazer suas orações. 

        Quero um Ano Novo em que, no campo, todos tenham seu pedaço de terra, onde vicejem laranjas e alfaces, e voejem bem-te-vis entre vacas leiteiras. Na cidade, um teto sob o qual reluz o fogão de panelas cheias, a sala atapetada por remendos coloridos, a foto colorida do casal exposta em moldura oval sobre o sofá. 

     Espero um Ano Novo em que as igrejas abram  portas ao silêncio do coração, o órgão sussurre o cantar dos anjos, a Bíblia seja repartida como pão. A fé, de mãos dadas com a justiça, faça com que o céu deixe de concentrar o olhar daqueles aos quais é negada a felicidade nesta terra.  

    Um Ano Novo Feliz com casais ociosos na arte de amar, o lar recendendo a perfume, os filhos contemplando o rosto apaixonado dos pais, a família tão entretida no diálogo que nem se dá conta de que a TV e os celulares são aparelhos mudos e cegos num canto da sala.

      Desejo um Ano Novo em que os sonhos libertários sejam tão fortes que os jovens, com o coração a pulsar ideais, não recorram à química das drogas, não temam o futuro nem se expressem em dialetos ininteligíveis. E que compareçam às urnas em outubro para resgatar as políticas públicas de proteção social, a redução da desigualdade social, a autoestima do povo brasileiro e a soberania nacional.

      Espero um Ano Novo em que cada um de nós evite alfinetar rancores nas dobras do coração e lave as paredes da memória de iras e mágoas; não aposte corrida com o tempo nem marque a velocidade do tempo pelos batimentos cardíacos. 

      Um Ano Novo para saborear a brevidade da vida como se ela fosse perene, em companhia de ourives de encantos.

      Quero um Ano Novo em que a cada um seja assegurado o direito do emprego, a honra do salário digno, as condições humanas de trabalho, as potencialidades da profissão e a alegria da vocação. 

      Rogo por um Ano Novo em que a polícia seja conhecida pelas vidas que protege e não pelos assassinatos que comete; os presos reeducados para a vida social; e que os pobres logrem repor nos olhos da Justiça a tarja da cegueira que lhe imprime isenção. 

       Um Ano Novo sem políticos mentirosos, autoridades arrogantes, funcionários corruptos, bajuladores de toda espécie. Livre de arroubos infantis, seja a política a multiplicação dos pães sem milagres, dever de uns e direito de todos. 

      Espero um Ano Novo em que as cidades voltem a ter praças arborizadas; as praças, bancos acolhedores; os bancos, cidadãos entregues ao sadio ócio de contemplar a natureza, ouvir no silêncio a voz de Deus e festejar com os amigos as minudências da vida - um leque de memórias, um jogo de cartas, o riso aberto por aquele que se destaca como o melhor contador de anedotas. 

       Desejo um Ano Novo em que o homem jamais humilhe a mulher; a professora de cidadania não atire papel no chão; as crianças cedam o lugar aos mais velhos; e a distância entre o público e o privado  seja espelhada pela transparência. 

        Quero um Ano Novo de livros saboreados como pipoca, o corpo menos entupido de gorduras, a mente livre do estresse, o espírito matriculado num corpo de baile ao som dos mistérios mais profundos. 

        Espero um Ano Novo cujo principal evento seja a inauguração do Salão da Pessoa, onde se apresentem alternativas para que nunca mais um ser humano se sinta ameaçado pela miséria ou privado de pão, paz, saúde, educação, cultura e prazer. 

      Um Ano Novo em que a competitividade ceda lugar à solidariedade; a acumulação à partilha; a ambição à meditação; a agressão ao respeito; a idolatria ao dinheiro ao espírito das Bem-Aventuranças. 

       Aspiro a um Ano Novo de pássaros orquestrados pela aurora, rios desnudados pela transparência das águas, pulmões exultantes de ar puro e mesa farta de alimentos despoluídos. 

      Um Ano Novo que seja o último da Era da Fome.

      Desejo um Feliz Ano Novo de muita saúde e paz aos meus pacientes leitores - os que concordam e também os que discordam. 

        Rogo por um Ano Novo que jamais fique velho, assim como os carvalhos que nos dão sombra, a filosofia dos gregos, a luz do Sol, a sabedoria de Jó, o esplendor das montanhas de Minas, a literatura de Machado e Rosa. 

      Desejo um Ano Novo tão novo que traga a impressão de que tudo renasce: o dia, a exuberância do mar, a esperança e a nossa capacidade de amar. Exceto o que no passado nos fez menos belos, generosos e solidários.

____________________________________

Frei Betto, escritor, autor de “Minha avó e seus mistérios” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

     Frei Betto é autor de 70 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

 

®Copyright 2021 – FREI BETTO – AOS NÃO ASSINANTES DOS ARTIGOS DO ESCRITOR - Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com) 

 

 http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.

Você acaba de ler este artigo de Frei Betto e poderá receber todos os textos escritos por ele - em português e espanhol - mediante assinatura anual via mhgpal@gmail.com

 

 

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Natal: Jesus X Papai Noel


Prof. Aquino Júnior


O natal é a celebração do nascimento de Jesus: “A Palavra de Deus que se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14); o Emanuel – “Deus conosco” (Mt 1, 23) que veio trazer a salvação, como indica o nome Jesus: Deus salva (Lc 1, 31). E os evangelhos narram essa salvação se concretizando na vivência do amor fraterno, até com os inimigos, especialmente com os caídos à beira do caminho, os pobres e marginalizados. Jesus mostra como o amor a Deus é inseparável do amor ao próximo e como nosso amor ao próximo é critério e medida de nosso amor a Deus. Nisso consiste a Boa Notícia do reinado de Deus anunciado/realizado por Jesus: Quando Deus reina sobre um povo, reina a fraternidade, a justiça, a misericórdia e a paz. E isso é uma Boa Notícia sobretudo para os pobres e marginalizados deste mundo.

Infelizmente, o natal tem sido cada vez mais associado a mercado. É um tempo bom para o comércio. Tempo de comprar e dar presente. A imagem de “papai Noel” tem se tornado muito mais presente e representativa do natal que o Menino Jesus na manjedoura. Mas há uma diferença fundamental entre Jesus e papai Noel: Jesus anuncia e instaura a justiça do Reino que é Boa Notícia para os pobres e marginalizados e escândalo para os ricos e poderosos; papai Noel movimenta o mercado que enriquece cada vez mais os ricos e exclui os pobres. Se no reinado de Deus há lugar para todos os que queiram viver como irmãos, a começar dos últimos da sociedade; no mercado só há lugar para quem tem o que vender ou comprar. Enquanto Jesus movimenta a sociedade em função da fraternidade, o mercado movimenta a sociedade em função do lucro, transformando tudo em mercadoria – até a religião, o natal…

Mas para muitas pessoas religiosas parece não haver contradição entre Jesus e papai Noel ou entre o reinado de Deus (lógica da fraternidade) e o mercado (lógica do lucro). Por isso não se escandalizam ou nem se sentem incomodadas com o fato de a imensa maioria da população brasileira se declarar cristã (católica ou protestante) e o Brasil ser o país com a 2ª maior concentração de renda do mundo: 1% mais rico concentra 29% da renda total. Já quando se trata do Índice de Desenvolvimento Humano, o Brasil ocupa a 79ª posição no ranking mundial. Não percebem que isso é fruto de uma sociedade organizada em função do lucro e não em função da fraternidade e que o verdadeiro senhor dessa sociedade é o Mercado e não Jesus Cristo.

Celebrar o natal de Jesus Cristo é ir na contramão dessa sociedade de mercado que transforma tudo em mercadoria, que identifica felicidade com consumo e que faz do lucro o valor e o objetivo supremos da vida. É voltar às galileias/periferias e assumir a causa dos malditos/amaldiçoados desse mundo. É cultivar uma cultura da solidariedade. É movimentar a sociedade em função da fraternidade. É defender os direitos humanos. É fortalecer os movimentos populares nas lutas por direitos e justiça social.

Numa sociedade que marginaliza e exclui tanta gente é preciso voltar às periferias e fazer ecoar de novo (com a própria vida!) a Boa Notícia que vem do Céu: “Nasceu para vós um salvador, que é o Cristo Senhor”!

 

Francisco Junior Aquino é Presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE; professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Por trás dos nossos desejos de feliz ano novo

 


 


Marcelo Barros

 

Nestes dias, costumamos compartilhar entre nós os melhores votos para este ano que vai começar. No entanto, não basta formular desejos de feliz ano novo para que, magicamente, o tempo traga alegria e vida mais feliz. De fato, como falar em paz e justiça, como tornar verdadeiros os votos de feliz ano novo em um mundo no qual, apenas duas mil pessoas superprivilegiadas possuem o mesmo que quatro bilhões e setecentos milhões de seres humanos?

 Pelos atuais cálculos da FAO, organização da ONU contra a fome, a cada minuto, ao menos onze pessoas no mundo podem morrer de fome. Mesmo nos Estados Unidos, em meio à ilha de riqueza, prosperidade e ostentação, se calculam que, neste momento, 50 milhões de pessoas vivem em condições de grande pobreza. Ao mesmo tempo, o mundo afunda em uma crise ambiental cada vez mais profunda e não parece libertar-se agora da pandemia. Isso sem falar na tragédia das migrações.

Em meio a essa realidade, na última década, é inexplicável que, em todos os continentes, os governos tenham duplicado suas despesas militares. Para 2022, o orçamento a ser gasto com armamentos chega a dois trilhões de dólares. As grandes potências projetam armas com raios invisíveis que influenciam diretamente a mente das pessoas e constroem robôs inteligentes, capazes de decidir o momento de atacar e têm autonomia para matar seres humanos.

No Brasil, a imprensa noticia que um coletivo de empresários continua apoiando o atual governo. A elite financeira colabora ativamente para que o Brasil e o continente latino-americano se mantenham com governos de extrema-direita que cultuam Hitler, Mussolini e ditaduras militares. Ao mesmo tempo, em todas as Igrejas, crescem setores e movimentos religiosos que cultuam Deus como se fosse símbolo do poder ditatorial e dos privilégios de classe, raça e sexo.

De fato, há quem se pergunte se o Brasil tem saída e se o mundo atual ainda tem salvação. Nossa esperança não vem de uma análise da realidade, pois esta, para ser verdadeira, só pode ser muito pessimista. Nossa esperança vem da nossa fé na vida, no ser humano e no Amor Divino que fecunda o universo e está adormecido no coração das pessoas. Assim como a saúde da árvore está principalmente nas raízes, as opções fundamentais da sociedade são alicerçadas na cultura. O Capitalismo, antes de ser um sistema econômico no qual tudo, até as pessoas têm preço, é uma cultura, um modo de olhar a vida. Se trabalhamos para transformar essa cultura, podemos confiar na possibilidade de transformar o mundo. No ano passado, em sua mensagem, o papa tinha proposto a "cultura do cuidado para erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer". Neste ano, em sua mensagem para o dia 1º de janeiro, Dia Mundial da Paz, o papa propõe: "Educação, trabalho, diálogo entre as gerações: instrumentos para a construção de uma paz duradoura".

Os movimentos populares sabem que essa transformação provocada pela educação, pelo diálogo entre as gerações e pela valorização do trabalho não ocorrerá de cima para baixo. Não será feito por programas governamentais e sim a partir das bases da sociedade.

Nestes dias, o Cristianismo celebra a memória do nascimento de Jesus. É um modo de proclamar que a salvação da humanidade vem das periferias do mundo e da pequenez de um presépio. É preciso que cada um/cada uma de nós redescubra no mais fundo do seu ser o presépio de palhas que, mesmo pobre, acalenta o ser humano novo que nasce em nós e para um novo mundo possível. Como dizia na Índia, o Mahatma Gandhi: Comece por você a mudança que deseja para o mundo.

 

Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019Email: irmarcelobarros@uol.com.br   

 

 

 

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

REPENSANDO A COMPAIXÃO

   Maria Clara Lucchetti Bingemer 


         

          A palavra compaixão  talvez seja uma das menos entendidas de todas as línguas.  Normalmente é associada à pena, piedade, comiseração.  Ora, não há nada mais alheio ao sentido visceral dessa palavra forte e ardente – compaixão – do que essas edulcoradas e humilhantes definições.

          Compaixão é sofrer com, padecer solidariamente e em comunhão.  Tem a ver com justiça e restaurar dignidades atingidas e cruelmente vulneradas. Compaixão é o sentimento que caracteriza o ser humano diante de seus irmãos em humanidade que se encontram desumanizados pela pobreza, a violência e a opressão.  É o que move o coração dos justos diante da iniquidade e do sofrimento do outro.  É o que enche de desejo de comungar com a dor do outro e fazê-la sua.

Perante as vítimas inocentes da  injustiça, dentro de um ambiente de globalização e pluralismo como é o nosso hoje, existirá   um critério de entendimento e convivência irrevogavelmente reconhecido e vinculante para todos e, neste sentido, capaz de ser reconhecido como verdadeiro? Parece-me ser compaixão a palavra-chave para encontrar a resposta. Pois ela é capaz de suscitar a memória subversiva das vítimas para fazê-las de novo ativas na história.

          É  este conceito-atitude que procura exprimir a necessidade de o cristianismo abandonar a sua ameaçadora autoprivatização acomodada.  Compassio não é um sentimento a partir de cima ou de fora, mas a percepção do sofrimento alheio, no qual se toma parte e que eticamente obriga. Para esta compaixão, vale o imperativo categórico: “para, escuta e olha”.

          A compaixão é a capacidade de partilhar o sofrimento do outro. Com efeito, o mais terrível do sofrimento não é tanto ele em si, mas a solidão que nele se experimenta. Por isso alguns teólogos contemporâneos tratam de elaborar uma memoria passionis (memória da paixão)  como categoria de base de uma teologia em espaço público. Trata-se de recordar – lembrar com o coração - os sofrimentos dos outros; fazer  um rememorar público do sofrimento alheio, incorporado de tal maneira ao uso público da razão que a esta imprima um selo.

A compaixão parte, portando, da universalidade da experiência do sofrimento. A partir daí entende a teologia contemporânea a necessidade de uma nova teologia política que contribua vigorosamente para uma Igreja compassiva, funcionando a “memoria passionis” como recordação provocadora que fundamenta uma nova ética.

          Os que sofrem, as vítimas de todo tipo, teriam então uma autoridade. E esta autoridade seria a autoridade interior de um ethos global, de uma moral mundial, que obrigaria todos os homens anteriormente a qualquer ideologia, a qualquer entendimento. Uma moral que,  por conseguinte,  não pode ser posta de lado ou relativizada por nenhuma cultura e por nenhuma religião, ou igreja. Toda verdadeira mística, hoje, sobretudo após Auschwitz, não pode não ser inspirada por esse ethos.  E uma política inspirada por este ethos seria mais e diferente de uma pura executora das orientações do mercado, da técnica e de suas opressões objetivas em nossos tempos de globalização.  Seria, portanto, mais humanizante e libertadora.

            Aquilo que a  teologia política explicitou na Europa do pós-guerra, que a teologia da libertação tematizou na América  Latina a partir dos anos 1970,  muitos já o viviam e o vivem em suas vidas e experiências espirituais, explicitando-o em sua práxis. Referimo-nos aqui a fenômenos como o dos padres operários, na Europa dos anos 1950; a pessoas como Madeleine Delbrel, apóstola das ruas de Paris; a Simone Weil, filósofa agnóstica que a partir da dureza do trabalho da fábrica vivido em seu corpo encontra a Deus e a Jesus Cristo, já nos anos 1930, antes mesmo dos horrores da guerra. E a tantos outros e outras que já viviam e narravam o que a teologia posteriormente elaborou em estilo articulado e rigoroso. 

          É  possível, portanto, afirmar que o critério universal da condição humana se encontra na interpelação feita pela pobreza e a dor do outro e pela compaixão que ela origina.  Todo este movimento não é apenas ético, mas também místico - ou melhor, é místico porque ético e vice-versa -  uma vez que na Revelação bíblica e no Cristianismo ambas as coisas não se dissociam. Só encontrando aí sua fonte de inspiração primeira e iniludível pode a Teologia não ser infiel à sua identidade e à sua missão.

 

--

Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco), entre outros livros.

 

 

 

Copyright 2021 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>

 

domingo, 26 de dezembro de 2021

GRAVAR NUM DISCO VOADOR. LANCAR NO ESPAÇO SIDERAL

 Fabio Potiguar dos Santos


Eu vou fazer uma canção pra ela. Uma canção singela, brasileira. Para lançar depois do carnaval. Eu vou fazer um iê iê iê romântico. Um anticomputador sentimental. Eu vou fazer uma canção de amor.  Para gravar num disco voador. Eu vou fazer uma canção de amor. Para gravar num disco voador. Uma canção dizendo tudo a ela. Que ainda estou sozinho, apaixonado. Para lançar no espaço sideral

Caetano Veloso canta na sua música “Não Identificado”, gravado por ele em 1969 e um ano antes, por nada mais nada menos pelo corpo e voz de Gal Costa, que ele, o filho de Dona Canô,  ia gravar um disco não numa gravadora e tão pouco lançar na rádio ou na televisão. Esse cara é genial! Conectado lá e, que o diga, logado mais ainda agora no seu último álbum. Tá ligado? Penso e sinto o mesmo. É preciso inventar e se reinventar o tempo todo, principalmente desde de agosto de 2016 pra cá. Precisamos mais do que a lua se reinventar nova, crescente, gibosa, cheia, minguante. Teimosamente se inventar cotidianamente com o sol.  Esta canção se tornou para mim como um hino de ano novo.

Mais do que nunca, com o avanço das iníquas ondas do nazifascismo cheias de ódio   é preciso inventividade intelectual e afetiva proposta por esta canção. Igualmente, com o aumento da pobreza e o desequilíbrio ecológico pautados por uma agenda econômica ultra neoliberal, é necessária muita criatividade cheia de amorosidade, sabedoria e força para o enfrentamento das injustiças ecosociais que a humanidade clama e a terra geme. Ao mesmo tempo, com o adoençamento físico, psíquico e espiritual que nos entristece e nos angustia, que nos deprime e causa ansiedades e outras dores, a gente tem que ter mesmo esse engenho de gravar um disco voador e lançá-lo no espaço sideral com uma canção de amor, brasileira.

Cantar de Caetano a Dalva de Oliveira que naquela “Marcha de quarta-feira de Cinzas” não via mais ninguém a sorrir, a se abraçar, a se beijar, a cantar e a dançar cantigas de amor, mas, nos juntamos agora eu e você, leitora e leitora amiga/a a essa Diva, e cheia de esperança entoava fortemente que, no entanto, é preciso cantar “Mais que nunca é preciso cantar. É preciso cantar. E alegrar a cidade. A tristeza que a gente tem. Qualquer dia vai se acaba. Todos vão sorrir. Voltou a esperança. É o povo que dança. Contente da vida feliz a cantar”. Das folhas cibernéticas deste artigo ainda que o ódio, mesmo que as agressões e mesmo assim com tantos opressores e oprimidos no país e no mundo, nós, sem alienação, “enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não, eu canto”, Belchior, pois a gente via sorrir de novo.  “Vê, como é bonita a vida. Vê, há esperança ainda. Vê, as nuvens vão passando. Vê, um novo céu se abrindo. Vê, o sol iluminando. Por onde nós vamos indo”. Que tal a gente escutá-las em uma dessas plataformas digitais?

2022. Vamos gravar num disco voador, muita criatividade. 2022. Vamos lançar músicas no espaço sideral, bastante inventividade. 2022.  Vamos cantar uma canção de amor copiosas engenhosidades. Canta, Santo Amaro! Melhor, canta, Natal! Canta, Recife! Canta, Brasil e mundo inteiro porque “a verdade e o amor se encontrarão, a justiça e a paz se abraçarão” como na canção tão antiga e tão nova do Salmo 85.  A frase de começo desta canção de amor será a mesma do início do livro bíblico dos Cânticos dos Cânticos, do Amado cantando para Amada, “beija-me com os beijos de tua boca”. Quando a gente estiver cantando e dançando em ciranda  e coco, frevo e maracatu,  samba e bossa, baião e xaxado, funk e rap, reggae e brega, clássica e pop, forró e rock roll  e toda diversidade musical,  me lembrarei dos salmistas bailando com címbalos sonoros o Salmo 25 “Quando o Senhor reconduziu nossos cativos, parecíamos sonhar; encheu-se de sorriso nossa boca, nossos lábios, de canções”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 25 de dezembro de 2021

Presente à nação brasileira



Prof. Martinho Condini

Está semana enviei um uatezap para o “Papai Noel” (para mim um capetalista inescrupuloso)  que o melhor presente que nós vamos ganhar será em outubro de 2022, quando ocorrerão as eleições gerais em nosso país. 

Então, nós brasileiros e brasileiras teremos a oportunidade de nos presentear com o fim do governo das milícias, dos horrores, das atrocidades, do genocídio, da ignorância de um grupo e seus seguidores que infestaram o Brasil com sua burrice crônica, da qual eles se orgulham. Esta praga será combatida e exterminada nas urnas eletrônicas e não nas cédulas de papel como queria ou ainda quer o capetão cloroquina.

Não será fácil, eu sei, todos nós sabemos como é difícil exterminar as pragas, mas não é impossível. Principalmente se todas as brasileiras e brasileiros sensíveis e responsáveis se empenharem e começarem agora, a conversar com os seus parentes, amigos e amigas sobre a mudança que será necessária para o Brasil retomar o rumo da dignidade, desenvolvimento e justiça social. Não é nada razoável e coerente continuarmos com esse desgoverno que está acabando com o nosso país, e terá mais um ano para fazer muito estrago.

Nós iniciamos o século XXI, de uma maneira extraordinária, nos tornamos a sexta economia do mundo, jovens ingressaram nas universidades públicas e privadas por meio do  PROUNI, o nosso desenvolvimento agroindustrial possibilitou a geração de milhões de empregos, como também  milhões de pessoas saíram da condição de miseráveis. Políticas públicas foram implementadas em vários setores: educação, saúde, assistência social e outros. A fome foi extinta no Brasil (e agora está de volta de maneira avassaladora, infelizmente, não é por causa da pandemia, mas do desgoverno do pandemônio). Isso tudo só foi possível por um simples motivo, vontade política de um grupo político progressista e preocupado com as camadas populares do nosso país, que ao longo da história sempre estiveram à margem das prioridades das elites governistas.

Nada acontece se não houver vontade política por parte daqueles que estão no poder. E quando digo, dos que estão no poder, me refiro aos membros do legislativo e executivo, sendo que num sistema presidencialista são os legisladores que determinam como a banda irá tocar. E hoje em nosso congresso quem está com a batuta na mão são os parlamentares da bancada do BBB (Bíblia, Bala e Boi). São estes que dão sustentação ao capetão cloroquina.  

Desde o golpe de 2016, esse país entrou em um processo de esfacelamento, todas as conquistas que a sociedade obteve até então estão sendo destruídas.

Para recuperarmos a credibilidade do nosso Brasil no exterior, o crescimento econômico e as condições dignas de vida do povo brasileiro, precisaremos impedir que esse “Estupidossauro Bolsonarus” e o seu gado acéfalo sejam extirpados do governo.

O presente a nação brasileira virá daqui a dez meses, após todos nós, durante este período, conversarmos e dialogarmos nas fábricas, escolas, escritórios, na feira, super mercado, consultórios médicos ou dentários, festas de aniversário, restaurantes, bares, quiosques de praia, na roça, nas redes sociais ou qualquer outro espaço, sobre o que está ocorrendo em nosso país. Isso fará toda a diferença.

      E tenho certeza que essa nossa atitude possibilitará sermos felizes de novo.

O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros 'Dom Helder Camara um modelo de esperança', 'Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo', 'Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o DVD ' Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro 'Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza'. Contato profcondini@gmail.com

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Natal: os Herodes de ontem, de hoje e a Divina Criança

 


Leonardo Boff


 

Os ancestrais relatos sobre o “Divus Puer”(a Criança Divina) ganham sempre novas significações consoante a mudança dos tempos e dos contextos históricos.Nós os lemos e interpretamos com os olhos de hoje, no quadro de uma situação sombria,marcada pela morte de milhões do mundo inteiro e de milhares entre nós sob o ataque traiçoeiro de um vírus letal. Descobrimos similitudes e poucas diferenças entre o Natal de outrora e de hoje.Na verdade, numa leitura simbólica, temos a ver com algo que afeta a todos os humanos.

De um lado, temos José e Maria, sua esposa, grávida de nove meses.Eles vem de Nazaré, do norte da Palestina para o sul, em Belém. São pobres como a maioria dos artesãos e camponeses mediterrâneos. Às portas de Belém, Maria entra em trabalho de parto:  segura a barriga pois a longa caminhada acelerou o processo. Batem à porta de uma hospedaria. Ouvem o que os pobres na história sempre ouvem:”não tem lugar para vocês na hospedaria”(Lc 2,7).

Abaixam a cabeça e se afastam preocupados. Como ela vai dar à luz? Sobrou-lhes, na vizinhança, uma estrebaria  de animais. Ai há uma manjedoura com palhas,  um boi e um jumento que, estranhamente, permanecem quietos, observando. Ela dá a luz a um menino entre os animais. Faz frio. Ela o envolve com panos e ajeita-o nas palhinhas. Choraminga alto como todos os recém nascidos.

Há pastores que velam à noite, vigiando o rebanho.São considerados impuros e por isso desprezados, por estarem sempre às voltas com os animais e seus excrementos. Surpreendentemente, uma luz os envolveu e escutaram do Alto uma voz lhes anunciando:”não temais anuncio-vos uma grande alegria que é para todo o povo;acaba de nascer o  Salvador; este é o sinal: encontrareis um menino envolto em panos,deitado numa manjedoura”. Ao porem-se, pressurosos, a caminho ouviram um cântico mavioso, de muitas vozes, vindo do Alto:”Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens  por Deus amados”(Lc 2,8-18). Chegam e se confirmou tudo o que lhes fora comunicado: aí está um menino, tiritando, enfaixado em panos e deitado na manjedoura,em companhia de animais.

Algum  tempo depois,eis que vem descendo o caminho, três sábios do Oriente. Sabiam interpretar as estrelas. Chegam. Extasiam-se pela misteriosidade da situação. Identificam no menino aquele que iria sanar a existência humana ferida. Inclinam-se, reverentes, e deixam presentes simbólicos. Com o coração leve e maravilhados, tomam o caminho de volta, evitando a cidade de Jerusalém, pois aí reinava uma pessoa terrivelmente belicosa.

Lição: Deus entrou no mundo, na calada da noite,sem que ninguém o soubesse. Não há pompa nem glória, que imaginaríamos adequadas a um menino que é Deus. Mas preferiu vir fora da cidade, entre animais. Não constou na crônica da época,nem em Jerusalém, muito menos em Roma. No entanto,aí está Aquele que o universo estava gestando dentro de si há bilhões de anos, aquela “luz verdadeira que ilumina cada pessoa que vem a este mundo”(Jo 1,10).

Devemos respeitar e amar a forma como Deus quis entrar neste mundo: anônimo como anônimos são as grandes maiorias pobres e menosprezadas da humanidade.Quis começar lá em baixo para não deixar ninguém de fora. A situação humilhada e ofendida deles foi aquela que o próprio Deus  quis fazer sua.

Mas há também sábios e homens estudiosos das estrelas do universo e que captam atrás das aparências o mistério de todas as coisas. Entrevem neste menino de corpinho tiritante, que molha os paninhos,choraminga e busca, faminto, o seio da mãe, o Sentido Supremo de nossa caminhada e do próprio universo.Para eles é também Natal.

É verdade o que se conta por aí: “Todo menino quer ser homem. Todo homem quer ser rei. Todo rei quer ser Deus. Só Deus quis ser menino”.

Esse é um lado, alvissareiro: um raio de luz no meio da noite escura. Um pouco de luz tem mais direito que todas as trevas. Daí nos vem salvamento, uma revolução dentro da evolução que, de forma antecipada, chegou à sua plenitude. Em fim…

Mas há o outro lado, sombrio e também trágico. Há um Herodes que se sente ameaçado em seu poder de soberano pela presença deste menino. José,atento, logo se dá conta:ele quer mandar matar o menino. Foge para o Egito com Maria e o menino ao colo que dorme, busca o seio e volta a dormir.

Herodes é sanguinário. Por segurança mandou matar todas as crianças de Belém e arredores de dois anos para baixo.Assim não escaparia o menino Jesus. Então se ouviu um dos lamentos mais comoventes de todas as Escrituras:”Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos assassinados e não quer ser consolada porque os perdeu para sempre”(Mt 2,18).

Os Herodes se perpetuam na história. Entre nós temos um que não ama a vida, que zomba do vírus letal,que não se compadece das lágrimas e choros de milhares de famílias quer perderam filhos, irmãos, parentes e amigos. Não se sentem consoladas enquanto não se fizer justiça. Nega proteção vacinal a crianças e a jovens entre 5 a 11 anos. Eles podem ser contaminados, contaminar e até morre.Não quer porque não quer, na contramão da ciência e dos países que estão vacinando suas crianças. Acostumou-se ao negacionismo, parecendo ter feito um pacto com o vírus. Ouvem-se vozes de pais e de avós,vindas de todos os lados:”quero a vida de meus filhos e filhas; quero que os vacinem; quero que vacinem meus netos e netas”.

Como o faraó, endureceu seu coração e alimenta o propósito do Herodes do tempo do menino.Mas haverá sempre uma estrela,como a de Belém, a iluminar nossos caminhos.Por mais perverso que seja o nosso Herodes não pode impedir que o sol nasça cada manhã nos trazendo esperança, aquele que foi chamado “O Sol da Esperança”.

Essa alegria é inaudita: a nossa humanidade,fraca e mortal, a partir do Natal começou a pertencer ao próprio Deus.Por isso algo nosso já foi eternizado pelo Divino Menino que nos garante que os Herodes da morte jamais triunfarão. Feliz Natal a todos com muita luz e discreta alegria.

Leonardo Boff é teólogo e escreveu O Sol da Esperança: Natal, histórias, poesias e símbolos, Mar de Ideias, Rio 2007; Natal: a humanidade e a jovialidade de nosso Deus, Vozes 2009. Para encomendar:contato@leonardoboff.eco.br