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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

FREI BETTO LAMENTA QUE O PAPA SEJA USADO COMO CABO ELEITORAL

Frei Betto lamenta a postura do papa Bento XVI, que voltou a trazer o aborto ao debate político brasileiro às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais. Na manhã desta quinta-feira (28), o papa esteve com 15 bispos brasileiros do Nordeste, a quem convocou a condenar o aborto e orientar fieis a "usar o próprio voto para a promoção do bem comum". Em entrevista, o frei brasileiro sustenta que há temas mais relevantes para o momento.
"Lamento que Bento XVI esteja sendo usado como cabo eleitoral, seja para qual partido for. Há temas muito mais importantes do que aborto e religião para se discutir em uma campanha eleitoral", afirmou Frei Betto.
"Aborto se evita com políticas sociais. Num país em que se sabe que os futuros filhos terão saúde, escolaridade e oportunidades de trabalho, o número de aborto é reduzido. Lula fez o governo que mais fez para evitar o aborto no Brasil", analisa.
No discurso proferido durante reunião em Roma, o papa afirmou que se "os direitos fundamentais da pessoa ou da salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas". O discurso do papa reconheceu a possibilidade de eventuais efeitos negativos: "Ao defender a vida, não devemos temer a oposição ou a impopularidade".
Frei Betto relembrou que tal postura se parece com as de dom Nelson Westrupp, dom Benedito Beni dos Santos e dom Airton José dos Santos, bispos que subscreveram um panfleto produzido pela Regional Sul 1 da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O material trazia um pedido aos cristãos que não votassem no PT e em partidos que defendessem o aborto. Para o frei, o objetivo era clararamente fazer um manifesto anti-Dilma.
"Lamento também que três bispos tenham desviado a atenção da opinião pública para introduzir oportunisticamente o tema no debate", critica. Atuante em movimentos sociais, Frei Betto afirma que muitas mulheres acabam optando pelo aborto por se sentirem inseguras com o futuro que darão aos filhos.
Polêmica
O aborto ganhou status de tema de campanha desde o final do primeiro turno. A questão é apontada por analistas como uma das responsáveis pela perda de intenção de votos da candidata governista na reta final, causando o segundo turno. Desde o dia seguinte da votação, a discussão permaneceu na disputa entre os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB).
O fenônemo levou a campanha de Dilma a promover eventos com lideranças evangélicas e de outras religiões. Ela assumiu ainda compromissos em defesa da vida e contrários a mudanças na legislação sobre interrupção da gravidez. O PSDB empregou, segundo relatos publicados em jornais e blogues, uma ampla ação de telemarketing ativo (milhares de telefonemas a eleitores) com o objetivo de espalhar a informação de que a petista seria favorável ao aborto.
A onda foi seguida por figuras relevantes do cenário religioso. A Comissão em Defesa da Vida, grupo católico coordenado pelo padre Berardo Graz, divulgou nota incitando os fiéis a não votar em Dilma. No último sábado (23), porém, o bispo dom Angélico Sândalo Bernardino leu, em São Paulo, uma carta pela "verdade e justiça nas eleições" deste ano. O conteúdo da carta critica a atitude da Regional Sul 1 e a utilização eleitoreira do tema aborto.
Fonte: Vermelho com Rede Brasil Atual
Criado por: Wellington Correia e Postado em: 29/10/2010 14:10:34
Fonte da notícia: sítio do Sindicato dos Bancários de Pernambuco: http://www.bancariospe.org.br/noticias_aparece.asp?codigo=5743

domingo, 24 de outubro de 2010

DILMA: A IMPORTÂNCIA DE UMA MULHER NA PRESIDÊNCIA


Por Leonardo Boff


Há duas formas principais de estarmos presentes no mundo: pelo trabalho e pelo cuidado. Como somos seres sem nenhum órgão especializado, à diferença dos animais, temos que trabalhar para sobreviver. Vale dizer, precisamos tirar da natureza tudo o que precisamos. Nessa diligência usamos a razão prática, a criatividade e a tecnologia. Aqui precisamos ser objetivos e efetivos, caso contrário sucumbimos às necessidades. Na história humana, pelo menos no Ocidente, instaurou-se a ditadura do trabalho. Este mais do que obra foi transformado num meio de produção, vendido na forma de salário, implicando concorrência e devastação atroz da natureza e perversa injustiça social. Representantes principais, mas não exclusivos, do modo de ser do trabalho são os homens.

A segunda forma é o cuidado. Ele tem como centralidade a vida e as relações interpessoais e sociais. Todos somos filhos e filhas do cuidado, porque se nossas mães não tivessem tido infinito cuidado quando nascemos, algumas horas depois teríamos morrido e não estaríamos aqui para escrever sobre estas coisas. O cuidado tem a ver mais com sujeitos que interagem entre si do que com objetos a serem gestionados. O cuidado é um gesto amoroso para com a realidade.

O cuidado não se opõe ao trabalho. Dá-lhe uma característica própria que é ser feito de tal forma que respeita as coisas e permite que se refaçam. Cuidar significa estar junto das coisas protegendo-as e não sobre elas, dominando-as. Elas nunca são meros meios. Representam valores e símbolos que nos evocam sentimentos de beleza, complexidade e força. Obviamente ocorrem resistências e perplexidades. Mas elas são superadas pela paciência perseverante. A mulher no lugar da agressividade, tende a colocar a convivência amorosa. Em vez da dominação, a companhia afetuosa. A cooperação substitui a concorrência. Portadoras privilegiadas, mas não exclusivas, do cuidado são as mulheres.

Desde a mais remota antiguidade, assistimos a um drama de consequêncas funestas: a ruptura entre o trabalho e o cuidado. Desde o neolítico se impôs o trabalho como busca frenética de eficácia e de riqueza. Esse modo de ser submete a mulher, mata o cuidado, liquida a ternura e tensiona as relações humanas. É o império do androcentrismo, do predomínio do homem sobre a natureza e a mulher. Chegamos agora a um impasse fundamental: ou impomos limites à voracidade produtivista e resgatamos o cuidado ou a Terra não aguentará mais.

Sentimos a urgência de feminilizar as relações, quer dizer, reintruzir em todos os âmbitos o cuidado especialmente com referência às pessoas mais massacradas (dois terços da humanidade), à natureza devastada e ao mundo da política. A porta de entrada ao universo do cuidado é a razão cordial e sensível que nos permite sentir as feridas da natureza e das pessoas, deixar-se envolver e se mobilizar para a humanização das relações entre todos, sem descurar da colaboração fundamental da razão intrumental-analítica que nos permite sermos eficazes.

É aqui que vejo a importância de podermos ter providencialmente à frente do governo do Brasil uma mulher como Dilma Rousseff. Ela poderá unir as duas dimensões do trabalho que busca racionalidade e eficácia (a dimensão masculina) e do cuidado que acolhe o mais pobre e sofrido e projeta políticas de inclusão e de recuperação da dignidade (dimensão feminina). Ela possui o caráter de uma grande e eficiente gestora (seu lado de trabalho/masculino) e ao mesmo tempo a capacidade de levar avante com enternecimento e compaixão o projeto de Lula de cuidar dos pobres e dos oprimidos(seu lado de cuidado/feminino). Ela pode realizar o ideal de Gandhi: “política é um gesto amoroso para com o povo”.

Neste momento dramático da história do Brasil e do mundo é importante que uma mulher exerça o poder como cuidado e serviço. Ela, Dilma, imbuida desta consciência, poderá impor limites ao trabalho devastador e poderá fazer com que o desenvolvimento ansiado se faça com a natureza e não contra ela, com sentido de justiça social, de solidariedade a partir de baixo e de uma fraternidade aberta que inclui todos os povos e a inteira a comunidade de vida.

DOIS EVENTOS NO MESMO CAMINHO


por Marcelo Barros

Neste próximo domingo, as comunidades cristãs serão chamadas a viver dois eventos que, aparentemente, nada têm em comum, mas, o calendário os uniu no mesmo 31 de outubro. O primeiro evento é o segundo turno das eleições para presidente da República. O segundo acontecimento é que este dia do segundo turno eleitoral coincide com o “dia da reforma”, aniversário do início do movimento evangélico. Segundo a tradição, no dia 31 de outubro de 1517 Martinho Lutero pregou na porta da catedral de Wintenberg (Alemanha) as 95 teses sobre a necessidade de uma profunda reforma na Igreja cristã.
De fato, somente cinco séculos depois, no Concílio Vaticano II (de 1962 a 1965) e, mais tarde, em uma declaração comum com a Federação Luterana Mundial (1999), a hierarquia católico-romana reconheceu o acerto das principais afirmações de Lutero: a primazia da Bíblia como fonte da fé cristã, a salvação pela graça de Deus através do dom da fé e o sacerdócio real de todas as pessoas batizadas. Apesar dessas afirmações feitas em comum, as Igrejas continuam divididas. Até hoje, cada grupo cristão ainda é tentado a pensar a sua missão apenas em função de si mesmo. O aniversário da reforma começa a chamar a atenção não somente de cristãos evangélicos, mas também de católicos. Em algumas cidades do país, o dia 31 de outubro começa até a ser feriado municipal.
Neste ano, a coincidência do segundo turno destas eleições no dia do aniversário da reforma protestante pode nos ajudar a perceber que estes dois acontecimentos são como uma só estação na mesma estrada.
No século XVI, Lutero, Calvino e outros reformadores propuseram à Igreja uma reforma que a ajudasse a voltar ao espírito do evangelho.: uma Igreja mais simples, mais comunitária e aberta à participação ativa dos leigos e disposta a se renovar espiritualmente para ser como o ensaio de uma humanidade renovada. Lutero dizia que esta reforma da Igreja deve ser permanente e contínua. Hoje, quase cinco séculos depois, homens e mulheres que pertencem às várias Igrejas cristãs sentem a urgência de uma nova reforma da Igreja e do mundo, como também cada pessoa é chamada a se converter e se renovar interiormente.
Ao dar o seu voto neste segundo turno das eleições presidenciais, a maioria do povo brasileiro também está dizendo que quer uma mudança social e política para o país. Não uma volta ao passado do qual já nos libertamos, mas um passo adiante no caminho de uma sociedade mais justa e participativa. Esta mudança não depende só e principalmente do governo, por mais importante que este seja. É necessário desenvolvermos um modelo democrático que não consista só em votarmos em nossos representantes cada quatro anos, mas possibilite que todo o povo participe verdadeiramente dos destinos do país. Para presidente da República, é preciso escolhermos a pessoa que for mais aberta e disponível para não somente aceitar, mas incentivar esta participação da sociedade civil no processo do país.
Para os cristãos, a fé não é apenas um sentimento individual. Ela deve nos levar a uma postura social e política que se expressa em uma atitude de cidadania. Não existe verdadeira vida de fé se não se busca criar uma sociedade mais justa e igualitária. Por isso, as pessoas cristãs devem não somente votar de acordo com a sua consciência, mas a partir do interesse dos mais empobrecidos e para que o regime social e político favoreça a realização do projeto divino no mundo e no país. Não se trata de servir apenas a interesses eclesiásticos, mas de construir um mundo renovado de fraternidade entre as pessoas e de comunhão com a natureza.

sábado, 16 de outubro de 2010

INQUISIÇÃO FORA DE ÉPOCA


por JURACY ANDRADE


Colocar a questão do aborto no centro dos debates do segundo turno da campanha eleitoral para Presidente da República é uma grossa sacanagem. Além de o Brasil ser, desde 1889, uma república laica (ao contrário do Império soi-disant católico), não é o presidente da República que legisla e decide sobre a descriminalização do aborto e em que casos pode ser praticado. Isso cabe ao Poder Legislativo, e a eleição para deputados e senadores já foi concluída no dia 3 de outubro.

Apressadinha e doida para ser “primeira dama” (que coisa cafona!), a mulher de José Serra, Mônica, definiu para o eleitorado: Dilma “é a favor de matar criancinhas”. Nos últimos dias da campanha do primeiro turno, o aborto foi içado a principal tema. Não importa o enorme progresso do nosso país nos dois mandatos de Lula, nem o fato de a candidata petista pretender prosseguir nessa rota vitoriosa. Comunidades protestantes e também alguns bispos e padres católicos que são meros funcionários do Vaticano, e não pastores, empurraram a campanha para o terreno religioso, ignorando solenemente que temos um Estado republicano e laico.

Nem padres nem pastores que assim agem aprenderam com a história, com a Reforma de Martinho Lutero, com as guerras de religião que ensanguentaram a Europa nos séculos 16/17. Na Idade Média, aqueles que se julgavam proprietários da Igreja de Cristo mandavam também na política e nos negócios profanos, ou neles se imiscuíam. A Reforma de Lutero pretendeu acabar com essa confusão entre religião e política, com a venda da salvação praticada por pregadores de indulgências, com o império sinistro da Inquisição. Nem todos os cristãos (protestantes tradicionais ou de inspiração mais recente, neopentecostais, católicos) aprenderam as lições da história e continuam misturando política, governo com religião.

O candidato Serra nunca foi de ostentar religiosidade, mas agora, oportunisticamente, vive faturando bênçãos. Parece um congregado mariano de outrora. A campanha eleitoral da oposição descambou para a ferocidade, o preconceito, o ódio, a mentira, a calúnia. A questão do aborto guindada a arma eleitoral é a última esperança dos ultraconservadores para ganhar a eleição e retomar os projetos da época de Collor e FHC, de privatização ampla, geral e irrestrita (não tiveram tempo para privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa, sem os quais o Brasil teria se ferrado amplamente na recente crise mundial), de um Estado voltado única,mente para o bem dos privilegiados, de um tradicional e servil alinhamento com os interesses dos EUA e outros países ricos, etc.

O aborto como arma eleitoral é uma bandeira hipócrita, pois católicas e protestantes continuam fazendo aborto e, o que pior, as mulheres sem recursos o fazem por métodos duvidosos que as levam até à morte, em clínicas clandestinas que não se submetem a nenhuma fiscalização. Em vez da atual encenação, o que se deveria fazer é uma grande campanha de educação sexual e de planejamento familiar. Certo tipo de religioso não pode nem ouvir falar disso; embora todas as classes mais abastadas o pratiquem, deixando para as menos favorecidas o ônus de ter um monte de filhos de que não podem cuidar, ou de enfrentar o aborto clandestino.

O aborto é um tema delicado e não pode ser abordado a partir de dogmas, preconceitos, marketing eleitoral barato. Para além do aspecto religioso, é um problema de saúde pública. Pior ainda é pô-lo na ordem do dia de uma disputa eleitoral para presidente da República. Como vimos, não é o presidente que legisla sobre o tema. Isso tem de ser discutido seriamente no Congresso, independente de campanha eleitoral e interesses individuais ou partidários. Para protestantes (hoje ditos evangélicos; creio que todo aquele que segue o Evangelho de Jesus Cristo é evangélico) e católicos que não misturam religião com política, é uma vergonha ver bispos pregando contra a candidata Dilma e pastores entrando nessa onda inquisitorial fora de época.

Há, contudo, inúmeras exceções. O protestante Walter Pinheiro, eleito senador, que é contra a descriminalização do aborto, não demoniza Dilma: “O que nós defendemos, o que a Dilma defende é que a mulher que faz aborto, ao chegar às portas do hospital, não seja presa, mas atendida”.



Juracy Andrade é jornalista

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ENTRE O PARTO CESARIA E O PARTO NORMAL


por ASSUERO GOMES



Publicado no Diario de Pernambuco em 10/10/2010

"Uma inverdade dita e repetida muitas vezes acaba se tornando realidade", alguém, de maldita memória, já disse isso e infelizmente estava certo. Sobre o parto muito se tem afirmado e se tem usado de meias verdades, se tem distorcido estatísticas e se tem emitido assertivas baseadas nestes dados, de tal maneira, que está disseminado um conceito, que toma ares de verdade absoluta e unanimidade radical.
Gostaria de tecer alguns comentários sobre o tema, para tentar jogar alguma luz na questão. Tenho uma boa experiência em assistência ao recém nascido na sala de parto, nestes trinta anos de profissão e já passando dos 9.000 nascimentos. Concordo plenamente que um parto normal (vaginal) quando evolui bem e com assistência contínua do obstetra, é o ideal, isso é inquestionável. Porém, e aqui um 'porém' incisivo, a indicação da cesariana em tempo hábil, antes que se manifeste algum sinal de sofrimento fetal, é imprescindível, e representará a diferençavital, entre toda uma vida saudável ou uma condenação perpétua ao sofrimento de uma sequela neurológica.
A lenda urbana que se criou é a seguinte: 'no Brasil a quantidade de cesáreas é maior que em qualquer outro lugar do planeta', mentira! A estatística é manipulada desta maneira: entre as pessoas que têm acesso à assistência por plano de saúde, neste universo, realmente a porcentagem de cesarianas é elevada, no entanto se a amostragem incluir todas as mulheres grávidas do Brasil (as que têm plano de saúde e as atendidas pelo SUS e as que nem ao SUS têm acesso) então a proporção é semelhante a de países como os USA, Canadá e Comunidade Europeia. Outra afirmativa da lenda: 'as complicações para os recém-nascidos de cesariana são maiores e mais graves que os nascidos de parto vaginal', mentira! Divulga-se estatística das complicações das cesarianas para os recém nascidos (RN), que na sua maioria são transitórias e não deixam maiores sequelas e omitem-se as complicações graves de partos vaginais mal conduzidos,que trarão consequências para toda a vida, especialmente as temíveis paralisias cerebrais decorrentes da falta de oxigenação no cérebro dos RN. Não se divulga também as complicações nas parturientes de partos vaginais feitos por curiosas nesse imenso interior do Brasil onde falta tudo.
Longe de mim fazer apologia à cesariana, porém posso testemunhar, que foram muito maiores as complicações, do ponto de vista do RN, em partos vaginais, mesmo em maternidades bem equipadas, que em cesarianas.
O que há por detrás de tudo isso? O governo nas três esferas: federal, estadual e municipal, tem obrigação constitucional de prover assistência médica de qualidade para seus cidadãos, para isso arrecada nossos olhos e nosso sangue em impostos. Porém, e aqui um 'porém' mais incisivo ainda, ele não cumpre sua obrigação. Assistência obstétrica de qualidade requer recursos, embora dentro da medicina, esta especialidade não seja das mais onerosas. Por outro lado, os planos de saúde no seu afã de lucrar, tentam baratear o custo da assistência. Ora, um parto normal é muito mais barato que uma intervenção cirúrgica. Governo e planos de saúde juntos com poder de mídia. Para completar o caldo da lenda, estimula-se o parto através de parteiras, de doulas, em casa, em casas de parto, chegando aos médicos os casos já complicados, quando é fatalmente tarde uma intervenção, engrossando as estatísticas das "complicações".
É sempre bom lembrar que a assistência ao parto é um ato médico e compete a ele, em última instância, as decisões relativas a esse evento, pois a responsabilidade final recairá inevitavelmente sobre o médico.

*Médico e escritor

SEGUNDO TURNO


por FREI BETTO

Surpreendeu a votação (quase 20 milhões de votos) recebida por Marina Silva. Votos dados a ela e não ao PV, pois o eleitor vota em pessoas mais que em partidos. Isso coloca algumas questões.

Muitos eleitores de Marina se coligaram pelas redes sociais da internet. Esta funciona, sim, como poderoso palanque virtual. Milhares de pessoas estão permanentemente dialogando através da web. E isso ajuda a formar opinião.
Curioso é constatar que a militância virtual cresce na proporção em que se reduz a do corpo a corpo, do militante que, voluntariamente, saía às ruas, panfletava, pichava muros, distribuía santinhos e vendia brindes para arrecadar fundos de campanha. É lamentável observar a ausência de militância voluntária em eventos eleitorais, substituída por pessoas remuneradas que, por vezes, nada sabem do candidato que propagam.
Ao contrário do que, até agora, supunham PT e PSDB, o tema da preservação ambiental interessa sim ao eleitor. Já não é pauta “apenas dos verdes”. A sociedade, como um todo, está preocupada com o aquecimento global, o desmatamento da Amazônia, a construção de hidrelétricas poluidoras.
Marina Silva se afirmou politicamente como representante de importantes demandas da sociedade que ainda não foram devidamente assumidas pelo PT e o PSDB. Parafraseando Shakespeare, há mais coisas entre a esquerda e a direita do que supõem os atuais caciques partidários. Criou-se, assim, uma fissura, quebrando a polarização bipartidária. E, para muitos, abriu-se uma nova janela de esperança.
A candidatura de Marina Silva ajudou a bloquear o suposto caráter plebiscitário do primeiro turno. Agora, Dilma e Serra têm que, obrigatoriamente, debater propostas e programas de governo. O eleitor não quer saber se FHC ou Lula foi melhor presidente. Interessa-lhe o futuro: como promover o desenvolvimento sustentável? Como o Estado pode oferecer mais eficientes segurança pública e sistemas de educação e saúde? Como a Amazônia e as nossas florestas serão preservadas?
Marina é neófita no PV. E assim como Lula é maior que o PT, ela também é maior que o PV. E a história do PV está marcada, como ocorre nos outros partidos, por contradições. Participou do governo Lula (ministério da Cultura) e, em nível estadual, do governo Serra em São Paulo (secretaria do Meio Ambiente) e, no Rio, apoiou César Maia (DEM) candidato a senador.
O PV poderá continuar em cima do muro ou até mesmo deixar-se seduzir pelo canto das sereias e aceitar propostas de cargos no futuro governo federal. Marina não. Ela tem uma história de coerência e testemunho ético. Portanto, a candidata do PV não tem o direito de manter-se neutra no segundo turno.
Em política, neutralidade é omissão. Nenhum aspecto de nossas vidas – da qualidade do café da manhã ao transporte que utilizamos – escapa ao âmbito da política. E Marina não veio de Marte. Veio do Acre, das Comunidades Eclesiais de Base, da escola ambiental de Chico Mendes, do PT pelo qual se elegeu senadora e graças ao qual se tornou ministra do Meio Ambiente em dois mandatos de Lula.
O eleitor espera que Marina se posicione, e o faça em coerência com sua história de militância e seus princípios éticos e ideológicos. Seria uma decepção vê-la em cima do muro para observar melhor os dois lados… Fiel não é apenas quem abraça convicto determinada religião. Há que ter fidelidade também à trajetória que permite a Marina se destacar, hoje, como uma das mais importantes lideranças políticas do Brasil.
O que está em jogo, agora, não é o futuro eleitoral da senadora Marina Silva e seu rico patrimônio político de quase 20 milhões de votos. É o futuro imediato do Brasil. Nos próximos quatro anos, a influência dela pesará nos rumos de nosso país. Por isso, é preciso que, embora adepta do verde, ela amadureça o quanto antes o seu posicionamento entre os dois projetos de Brasil em questão.


Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org – twitter: @freibetto


Copyright 2010 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

por LEONARDO BOFF


O Brasil já deixou de “estar deitado eternamente em berço esplêndido”. Nos últimos anos, particularmente sob a administração do Presidente Lula, conheceu transformações inéditas em nossa história. Elas se derivaram de um projeto político que decide colocar a nação acima do mercado, que concede centralidade ao social-popular, conseguindo integrar milhões e milhões de pessoas, antes condenadas à exclusão e a morrer antes do tempo. Apesar dos constrangimentos que teve que assumir da macroeconomia neoliberal, não se submeteu aos ditames vindos do FMI, do Banco Mundial e de outras instâncias que comandam o curso da globalização econômica. Abriu um caminho próprio, tão sustentável que enfrentou com sucesso a profunda crise econômico-financeira que dizimou as economias centrais e que devido à escassez crescente de bens e serviços naturais e ao aquecimento global está pondo em xeque a própria reprodução do sistema do capital.

O governo Lula realizou a revolução brasileira no sentido de Caio Prado Jr. no seu clássico A Revolução Brasileira (1966):”Transformações capazes de reestruturarem a vida de um pais de maneira consentânea com suas necessidades mais gerais e profundas, e as aspirações da grande massa de sua população…algo que leve a vida do país por um novo rumo". As transformações ocorreram, as necessidades mais gerais de comer, morar, trabalhar, estudar e ter luz e saúde foram, em grande parte, realizadas. Rasgou-se um novo rumo ao nosso pais, rumo que confere dignidade sempre negada às grandes maiorias. Lula nunca traiu sua promessa de erradicar a fome e de colocar o acento no social. Sua ação foi tão impactante que foi considerado uma das grandes lideranças mundiais.
Esse inestimável legado não pode ser posto em risco. Apesar dos erros e desvios ocorridos durante seu governo, que importa reconhecer, corrigir e punir, as transformações devem ser consolidadas e completadas. Esse é o significado maior da vitória da candidata Dilma que é portadora das qualidades necessárias para esse “fazimento”continuado do novo Brasil.
Para isso é importante derrotar o candidato da oposição José Serra. Ele representa outro projeto de Brasil que vem do passado, se reveste de belas palavras e de propostas ilusórias mas que fundamentalmente é neoliberal e não-popular e que se propõe privatizar e debilitar o Estado para permitir atuação livre do capital privado nacional, articulado com o mundial.
Os ideólogos do PSDB que sustentam Serra consideram como irreversível o processo de globalização pela via do mercado, apesar de estar em crise. Dizem, nele devemos nos inserir, mesmo que seja de forma subalterna. Caso contrário, pensam eles, seremos condenados à irrelevância histórica. Isso aparece claramente quando Serra aborda a política externa. Explicitamente se alinha às potências centrais, imperialistas e militaristas que persistem no uso da violência para resolver os problemas mundiais, ridicularizando o intento do Presidente Lula de fundar uma nova diplomacia baseada no dialogo e na negociação sincera na base do ganha-ganha.
O destino do Brasil, dentro desta opção, está mais pendente das megaforças que controlam o mercado mundial do que das decisões políticas dos brasileiros. A autonomia do Brasil com um projeto próprio de nação, que pode ajudar a humanidade, atribulada por tantos riscos, a encontrar um novo rumo salvador, está totalmente ausente em seu discurso.
Esse projeto neoliberal, triunfante nos 8 anos sob Fernando Henrique Cardoso, realizou feitos importantes, especialmente, na estabilização econômica. Mas fez políticas pobres para os pobre e ricas para os ricos. As políticas sociais não passavam de migalhas. Os portadores do projeto neoliberal são setores ligados ao agronegócio de exportação, as elites econômico-financeiras, modernas no estilo de vida mas conservadores no pensamento, os representantes das multinacionais, sediadas em nosso pais e as forças políticas da modernização tecnológica sem transformações sociais.
Votar em Dilma é garantir as conquistas feitas em favor das grandes maiorias e consolidar um Estado, cuja Presidenta saberá cuidar do povo, pois é da essência do feminino cuidar e proteger a vida em todas as suas formas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A ARTE DE ENVELHECER SEM SE TORNAR VELHO


por MARCELO BARROS

A ONU dedica o dia 1º de outubro em honra das pessoas idosas e à conquista dos seus direitos. Cada dia mais esta comemoração é oportuna porque, nestas primeiras décadas do século XXI, a humanidade conta com mais gente acima de 65 anos. A medicina já fala em terceira, quarta e até quinta idade. Em todos os continentes, aumenta o número de pessoas centenárias, embora em alguns países pobres da África a profunda injustiça social e a exploração dos países ricos continuem garantindo para aqueles povos uma média de vida ainda muito baixa. No Brasil, o censo deste ano mostrará um progressivo envelhecimento da população. “A população brasileira com mais de 65 anos já aumentou em 2, 5 milhões de pessoas. (...) O Brasil tem hoje 10% da população ativa com mais de 60 anos e chegará a 30% em 2050” (Isto É, 29/09/2010).

Este fato desencadeia novos desafios sociais: maiores cuidados com a saúde pública, a garantia de trabalho, de vida ativa e máxima autonomia possível, participação nos destinos do país e possibilidades de lazer, assim como a segurança nas atividades cotidianas, como a garantia de ir e vir, subir em ônibus adaptados à sua idade e assim por diante. Não basta garantir que as pessoas vivam por mais tempo. É essencial que possam gozar de uma qualidade de vida humana digna. Em países da Europa, a economia que visa apenas o lucro das empresas retarda sempre mais a idade da aposentadoria. Muitos homens e mulheres, aos 70 anos, devem trabalhar para garantir o sustento, enquanto jovens de 30 não conseguem um emprego que lhes permita deixar a casa dos pais e casar.

De todas as responsabilidades sociais para com as pessoas idosas, sem dúvida, a maior é uma verdadeira integração dos mais velhos na família e na comunidade. Quem conhece povos indígenas e visita comunidades negras, remanescentes de Quilombos ou grupos de religião afro-descendente perceberá que ali pessoas mais velhas têm função de destaque na comunidade. Cumprem o papel de bibliotecas vivas que garantem a memória do grupo. Na sociedade moderna, cada vez se dá mais importância à beleza e à elegância do corpo. Todo mundo quer mostrar um corpo sarado. Muita gente recorre até a operações plásticas para parecer mais jovem. Isso não teria conseqüências negativas, se não fizesse parte de uma cultura na qual a pessoa mais velha se sente inútil, ou porque não é mais plenamente produtiva, ou porque, a cada dia, sente mais a necessidade do apoio dos filhos e netos para atividades que antes desempenhava sozinho/a.

Nos aeroportos brasileiros, na hora do embarque, aeromoças de uma companhia aérea chamam os idosos como “pessoas de melhor idade”. Não é fácil ver o corpo enrugar, as forças desaparecerem progressivamente e a gente sentir dores e incômodos espalhados da cabeça aos pés. Algumas pessoas têm a sabedoria de, ao mesmo tempo em que o corpo definha, cuidar do espírito e este se aprimora. A mente se torna mais capaz de interpretar a vida e o mistério permanente das relações. Às vezes, a idade torna o coração mais duro e vacinado para amar. Mas, se nos preparamos melhor para enfrentar estas mudanças naturais da vida, a sabedoria da idade nos tornará capazes do amor gratuito e desinteressado que nos torna mais felizes. Além de mim mesmo, já escutei outras pessoas confessarem que se pudesse escolher manter-se na idade de hoje ou voltar a vinte ou trinta anos no tempo, prefeririam permanecer na idade atual. É claro que isso depende de toda a vida. Não é uma atitude interior que se possa improvisar. Quem se deixou levar por uma ideologia individualista e não cultivou nenhum projeto elevado de vida terá mais dificuldade de encontrar sentido no passar dos anos. Ao contrário, uma irmã de 91 anos que sempre doou sua vida aos mais pobres vive ainda ativa e feliz. Ela me dizia: “O segredo é optar por envelhecer sem se tornar dentro de si mesma uma pessoa velha e amarga”. Perguntei como fazer isso e ela me respondeu: “Não se levar demasiadamente a sério e não se tornar pesada nem para si mesma nem para as pessoas que a cercam”. Isso me lembra o grande arcebispo Dom Hélder Câmara que dizia: “À medida que envelhecemos, devemos cuidar de ser como um bom vinho que quanto mais velho é mais saboroso e não nos tornarmos amargos como vinagre”. Eduardo de Filipo, ator e diretor italiano, dizia: “Um homem que sabe verdadeiramente amadurecer nasce velho e morre criança”. Quem conheceu de perto homens como Dom Hélder ou o grande intelectual Dr. Alceu Amoroso Lima viu isso se concretizar em suas vidas. É um caminho aberto e possível a todos nós.

DILMA E A FÉ CRISTÃ


por frei Betto

Conheço Dilma Rousseff desde criança. Éramos vizinhos na rua Major Lopes, em Belo Horizonte. Ela e Thereza, minha irmã, foram amigas de adolescência.
Anos depois, Dilma e eu nos encontramos no Presídio Tiradentes, em São Paulo. Ela na ala feminina, eu na masculina, com a vantagem de, como frade, obter permissão para, aos domingos, monitorar celebração litúrgica na Torre, como era conhecido o espaço que abrigava as presas políticas.
Aluna de colégio religioso na juventude, dirigido pelas freiras de Sion, Dilma, no cárcere, participava ativamente de orações e comentários do Evangelho. Nada tinha de “marxista ateia”. Aliás, raros os presos políticos que professavam convictamente o ateísmo. Nossos torturadores, sim, o faziam escancaradamente ao profanarem, com toda violência, os templos vivos de Deus: suas vítimas levadas ao pau-de-arara, ao choque elétrico, ao afogamento e à morte.
Em 2003, deu-se meu terceiro encontro com Dilma, em Brasília, nos dois anos em que participei do governo Lula.
De nossa amizade posso assegurar que não passa de campanha difamatória – diria mesmo, terrorista – acusar Dilma Rousseff de “abortista” ou contrária aos princípios evangélicos. Se um ou outro bispo critica Dilma, há que lembrar que, por ser bispo, nenhum homem é santo.
Poucos bispos na América Latina apoiaram ditaduras militares, absolveram torturadores, celebraram missa na capela de Pinochet... Bispos também mentem e, por isso, devem, como todo cristão, orar diariamente “perdoai as nossas ofensas...”
Dilma, como Lula, é pessoa de fé cristã, formada na Igreja Católica. Na linha do que recomenda Jesus, ela e Lula não saem por aí propalando, como fariseus, suas convicções religiosas. Preferem comprovar, por suas atitudes, que “a árvore se conhece pelos frutos”, como acentua o Evangelho. É na coerência de suas ações, na ética de seus procedimentos políticos, na dedicação ao povo brasileiro, que políticos como Dilma e Lula testemunham a fé que abraçam.
Sobre Lula, desde as greves do ABC, espalharam horrores: que, se eleito, tomaria as mansões do Morumbi, em São Paulo; expropriaria sítios e fazendas produtivos; implantaria o socialismo por decreto...
Passados quase oito anos, o que vemos? Vemos um Brasil mais justo, com menos miséria e mais distribuição de renda, sem criminalizar movimentos sociais ou privatizar o patrimônio público, respeitado internacionalmente.
Nas breves semanas que nos separam hoje do segundo turno, forças de oposição ao governo Lula haverão de fazer eco a todo tipo de boataria e mentiras. Mas não podem alterar a essência de uma pessoa. Em toda a trajetória de Dilma, em tudo que ela realizou, falou ou escreveu, jamais se encontrará uma única linha contrária ao conteúdo da fé cristã e aos princípios do Evangelho.
Certa vez, relata o evangelista Mateus, indagaram de Jesus quem haveria de se salvar. Para surpresa dos que o interrogaram, ele não respondeu que seriam aqueles que vivem batendo no peito e proclamando o nome de Deus. Nem disse que seriam aqueles que vão à missa ou ao culto todos os domingos. Nem disse que seriam aqueles que se julgam donos da doutrina cristã e se arvoram em juízes de seus semelhantes.
A resposta de Jesus surpreendeu-os: “Eu tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; estive enfermo e me visitastes; nu e me vestistes; oprimido, e me libertastes...” (Mateus 25, 31-46)
Jesus se colocou no lugar dos mais pobres e frisou que a salvação está ao alcance de quem, por amor, busca saciar a fome dos miseráveis, não se omite diante das opressões, procura assegurar a todos uma vida digna e feliz.
Isso o governo Lula tem feito, segundo opinião de 77% da população brasileira, como demonstram as pesquisas. Com certeza, Dilma, se eleita presidente, prosseguirá na mesma direção.

Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros - www.freibetto.org twitter:@freibetto


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O CASO NEYMAR


por Frei Betto

Neymar tem 18 anos de idade. É uma revelação como jogador de futebol. Joga pelo Santos, o mesmo time que projetou Pelé. E joga bem, muito bem. A diferença entre ambos é que Pelé procedia com educação em campo.
Neymar é rebelde. Não entra apenas para jogar. Entra para lutar: xinga o técnico, os adversários, até os parceiros de time. Neymar tem pavio curto. Age na base do olho por olho, dente por dente. Não se conforma de a bola não ser só dele.
O então técnico do Santos, Dorival Júnior, em seu papel de educador (como todo técnico deveria fazer), puniu Neymar por mau comportamento. Por falta de ética, suspendeu-o de jogo. De um jogo importante, contra o Corinthians, dia 22 de setembro. A diretoria do Santos, em vez de apoiar o técnico, decidiu apoiar Neymar. Foi como se a escola expulsasse o professor ofendido pelo aluno.
Dorival Júnior foi demitido e Neymar, escalado para o jogo contra o Corinthians. Adiantou pouco. O Corinthians ganhou por 3 X 2.
Mano Menezes, técnico da seleção brasileira, fez o que o Santos deveria ter feito: puniu o jovem atleta. Mostrou-lhe os limites. Se Neymar quer ver seu talento brilhando nos jogos, terá que aprender a dominar sua fúria. Aprender a saber perder. E admitir que ele pode muito. Mas não pode tudo.
O futebol já foi esporte. Hoje, é competição. Já foi arte. Hoje, é violência. Já foi fator de integração social. Hoje, acirra disputas entre torcidas enfurecidas. Os estádios, em dia de jogo, parecem penitenciárias em dia de visitas. Policiais por todos os lados, torcedores revistados, armas apreendidas.
Os jogadores mais se parecem atletas de luta-livre. Entram em campo para trucidar o adversário. Predomina a agressão verbal e física. As faltas não resultam da disputa de bola. São premeditadas e visam a imobilizar o adversário, de preferência mandá-lo para fora de campo ou mesmo para o hospital.
Os valores democráticos são negados pelo ethos guerreiro do futebol que se pratica hoje. Os times entram em campo imbuídos de espírito revanchista. Por trás de cada jogador há o jogo de poder dos cartolas. Os atletas valem pelo que representam monetariamente. São tratados como produtos de exportação. E, num mundo carente de heróis altruístas, eles ocupam o vácuo. São idolatrados, invejados, imitados.
Na cabeça de milhares de crianças e jovens, eis um modo de se tornar rico e famoso sem precisar dar duro nos estudos. Basta ter a habilidade de fazer a bola obedecer a vontade que se manifesta nos pés.
Gigante adormecido não é apenas o Brasil. É também a nossa seleção, desde a conquista do pentacampeonato. Agora ela acorda. Acorda para a Copa de 2014, que terá o Brasil como palco. Alguns bilhões de dólares estão em jogo. Por isso, o que parece uma simples partida entre dois times é, para cartolas e investidores, um laboratório destinado a transformar gatos em leões.
O Brasil não pode, em 2014, repetir o vexame de 1950. Naquela Copa, no jogo final, em pleno Maracanã, o Uruguai ganhou do Brasil por 2 X 1. Naquela época o futebol ainda era esporte. Os estádios não se pareciam a coliseus nem os atletas a gladiadores. E os cartolas torciam mais por seus times que por suas contas bancárias.
Bons jogadores não brotam de um dia para o outro. São preparados desde a infância. Os clubes mantêm escolinhas de futebol. Muitas exigem dos alunos frequência à escola formal e boas notas. Isso é bom. Mas não suficiente. Essas crianças deveriam também aprender o que significa ética nos esportes. Valores e direitos humanos. Para que, mais tarde, alucinadas pela fama e a fortuna, não se transformem em monstros suspeitos de cumplicidade com traficantes e de homicídios hediondos.
Alguém já refletiu em que medida o bullying, que tanto assusta as escolas, é reflexo do que se passa em nossos estádios? Onde falta educação campeia a perversão. Se a lei do mais forte é o que predomina aos olhos da multidão, como esperar uma atitude diferente de crianças e jovens carentes de exemplos de generosidade e solidariedade?
Nosso futebol, tão bom de bola, não estaria ruim da cabeça? Não teria se transformado num imenso cassino monitorado por quem angaria fortunas? Faz sentido, num país civilizado, atletas, símbolos de vida saudável, posarem de garotos-propaganda de bebidas alcoólicas?
Há que escolher entre Olímpia e Roma, maratona e coliseu. E conhecer a diferença entre os verbos disputar e aniquilar.


Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – autobiografia escolar” (Ática), entre outros livros.www.freibetto.org – twitter:@freibetto

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CARTA ABERTA AO PRÓXIMO PRESIDENTE DA REPÚBLICA



Por: Maria Clara Lucchetti Bingemer,
professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio




Senhora ou senhor,

Esta carta é escrita antes do segundo turno das eleições presidenciais, quando os brasileiros irão escolher se desejam a senhora ou o senhor como primeiro/a mandatário/a do país. Queria pedir aos dois candidatos que disputarão esse segundo turno que, por favor, dessem atenção a algo que, a meu ver, é a prioridade número um do Brasil: a educação.
Em recente pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro, do Ibope, a educação aparece como a quarta área que, segundo os eleitores, merece receber mais atenção do próximo presidente da República. Perde apenas para a segurança pública, a saúde e o emprego.
A pesquisa revela ainda que a educação cresceu em importância na consciência do eleitor desde a última eleição de 2006. Na ocasião, ocupava o 7º lugar no ranking, passando agora para o 4º. Isso é extremamente revelador no que diz respeito ao amadurecimento do eleitorado brasileiro. Pois significa que o brasileiro passou a priorizar áreas de resultado a longo prazo e não mais imediatismos.
Recordo-me bem quando o presidente que agora se retira disse em um de seus discursos que sua prioridade número um era a erradicação da fome. E que ele ficaria feliz se graças a seu governo o brasileiro pudesse fazer três refeições ao dia. Creio que por amor à verdade temos que reconhecer que realmente hoje em dia o problema da fome no Brasil se encontra em muito melhor situação do que antes. O brasileiro está comendo mais e melhor e tendo mais acesso aos bens de consumo.
Porém, é forçoso constatar que isso não basta nem plenifica o que significa um verdadeiro desenvolvimento humano. Pelo contrário, um programa de governo que só vise essas necessidades básicas e imediatas do ser humano não toca em uma dimensão essencial: o espírito, a transcendência. Somos seres em contínua auto-transcendência, que têm tanta fome de pão como de liberdade, seres que sentem frio e sede, mas são capazes de suportar essas duas carências para ouvir a música de que mais gostam em um concerto ao ar livre.
Nesse sentido, a educação é imprescindível para fazer do ser humano alguém digno deste nome. Sem educação, sem a mente e o espírito abertos pelo ensino e capaz de pensar e tirar suas próprias conclusões, não adianta a barriga cheia e a televisão na sala. O ser humano não está cumprindo sua vocação na terra, não está fazendo jus ao fim para o qual foi criado.
A pesquisa do Ibope mostra que os entrevistados apontaram, entre as medidas que os próximos governantes devem priorizar na questão da educação pública no país, a melhora do salário do professor em primeiro lugar. Isso também denota um grande amadurecimento, pois ressalta que o maior investimento deve ser feito no capital humano, muito mais do que na construção de prédios onde funcionem escolas. Que escola será esta, mesmo que tenha ótimas instalações, se não tiver educadores apaixonados por sua missão, que desempenhem seu trabalho com amor e entusiasmo e, sobretudo, competência?
Os eleitores, lúcidos e realistas, mostram que só haverá um corpo docente assim qualificado e empenhado se o mesmo for convenientemente valorizado, decentemente remunerado e tiver oportunidades de aperfeiçoar-se sempre mais. Não basta, portanto, multiplicar as escolas e manter os docentes com salários aviltados, tendo que dividir-se e exaurir-se em múltiplos empregos para poder
sobreviver. Eles devem receber o necessário para poder investir na própria carreira, estudar e manter-se atualizados.
Senhora e senhor candidatos que disputarão o segundo turno, o recado do eleitor, de acordo com essa pesquisa, é bem claro. É preciso apresentar propostas consistentes para a área da educação.
Entendam, por favor, o que o eleitor diz em suas respostas.
Já não basta pão e circo para fazer o povo feliz. O brasileiro já não se contenta em ter a boca e o estomago cheios para considerar-se plenamente cidadão. A capacidade desejante de nosso povo cresceu. Graças a Deus!
Não existe povo digno deste nome sem educação. A educação tornou-se no Brasil uma prioridade sempre mais importante, encostando e até ultrapassando áreas que sempre foram priorizadas na expectativa eleitoral, como a saúde e a segurança.
Parece, futuro/a presidente, que nosso povo entendeu finalmente que só com educação se transforma um país. Apenas um povo educado sabe conduzir os destinos de sua nação, escolher seus governantes, reivindicar suas necessidades mais importantes, investir coletivamente em seu futuro.
É a educação que transforma a massa manobrável e manipulável pelos caudilhos e demagogos em povo que tem ideais e projetos consistentes. Por isso esta carta, esta reflexão e este pedido: priorizem a educação em suas agendas. O Brasil lhes agradecerá e a história lhes fará justiça.


Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco). wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape

domingo, 10 de outubro de 2010

O BEZERRO DE OURO

por Frei Henri Burin des Roziers
Advogado da Comissão Pastoral da Terra

O BEZERRO DE OURO - Frei Henri Burin des Roziers - Advogado

Assistindo ao espetáculo que foi a Cavalgada de abertura da Feira Agropecuária de Xinguara, no dia 18 de setembro fiquei impressionado com a grandiosidade do evento, os inúmeros cavalos enfeitados, com seus cavaleiros e amazonas, as carroças, os carros antigos puxados por bois fortíssimos... até uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, com um locutor profissional fazendo uma oração.
Contemplei a apresentação de várias fazendas, destacadamente, daquelas pertencentes ao “Grupo Quagliato”.
Em primeiro lugar, desfilou a comitiva da Fazenda Rio Vermelho, a qual estava muito bonita, com expressivo numero de animais e trazia uma faixa parabenizando o povo de Xinguara. Naquele momento, lembrei-me de que dentro dessa Fazenda existem 2.000ha de terra pública pertencente à União Federal, que foram indevidamente apropriados pelo “Grupo Quagliato”. Recordei-me também que este imóvel foi classificado neste ano como improdutivo pelo INCRA, não cumprindo a sua função social, diante da existência de 11.000ha sem nenhuma utilização e com desmatamento ilegal, bem como de quantas denuncias de trabalho escravo foram feitas, desde os idos de 1980.
Em seguida, foi a vez da Fazenda Brasil Verde, igualmente bonita, com belos animais e muitos enfeites, exibindo uma faixa onde dizia: “Parabéns ao Sindicato Rural”. Esta Fazenda também foi alvo de diversas denuncias de trabalho escravo, que deram origem inclusive a processo criminal, que ora tramita na Comissão de Direitos Humanos da OEA.
Logo após estavam ainda a Fazenda Colorado e a Fazenda São Sebastião. Como não me lembrar que a faz Colorado também já foi denunciada pela prática de trabalho escravo? E que assim como a Fazenda Rio Vermelho e a Fazenda Brasil Verde já apareceu na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho? Esta “Lista” relaciona todos os imóveis que foram flagrados escravizando trabalhadores.
Por fim, passou a Fazenda Santa Rosa, com uma grande e bonita comitiva, ocasião em que me veio ocorreu a lembrança de que, assim como a Fazenda Rio Vermelho, este ano também a Fazenda Santa Rosa foi classificada como improdutiva pelo INCRA, uma vez que não cumpre a sua função social.
Tem-se noticia ainda de que em vários imóveis do “Grupo Quagliato” foi verificada a prática de crimes ambientais.
Diante de tudo isso, fiquei refletindo sobre que oração poderia ser feita a Nossa Senhora Aparecida? O “Grupo Quagliato” é riquíssimo, com propriedades no Pará, Goiás e São Paulo, mas de onde vem essa riqueza? Será que a historia desse enriquecimento não teria sido feita com suor e lágrimas do povo? Será que se trata de um enriquecimento realmente justo?
Qual seria o sentido dessa oração a Nossa Senhora? Será que todos esses grandes fazendeiros, membros do Sindicato Rural, rezavam para que esse enriquecimento injusto - segundo o Evangelho - continuasse? Será que nesta região o gado não se tornou também um ídolo como o bezerro de ouro no Livro do Êxodo (Ex, 32,1-8)?
No auge dessa grande festa, em cujo centro está o boi e a riqueza que gera para poucos, tivemos o Evangelho do domingo, 19 de setembro, que falou sobre a parábola de Jesus acerca do “dinheiro injusto”, que por medida de prudência deve ser partilhado (Lc, 16, 9).
Em Santana do Araguaia, na praça da Bíblia tem uma grande escultura da Bíblia, diante da qual a alguns metros, há uma imensa estátua de um boi. O que escolher: o bezerro de ouro ou a palavra de Deus? O livro do Êxodo, fala que o povo de Deus, na sua caminhada rumo à Terra Prometida, se revoltou contra o Deus que os tinha libertado do Egito porque a Sua Lei – diferente da lei dos homens - era dura demais e por isso passaram a adorar o bezerro de ouro.
Será que o bezerro de ouro não se tornou hoje também nessa região o deus de muitos?

Xinguara-PA, 27 de setembro de 2010.


O SUS E EU


por FREI BETTO


Todos sabemos que o sistema de saúde do Brasil está longe da perfeição. O que explica cerca de 40 milhões de inscritos em planos privados de saúde. Esses privilegiados preferem pagar mensalmente pela atenção médica, convencidos de que, ao dela necessitarem, os cuidados recebidos farão jus ao dinheiro despendido.
Ora, na prática a teoria é outra. Quase nunca o cliente lê as miúdas letrinhas dos contratos e quase sempre se sente lesado ao passar de cliente a paciente. Há sempre um senão... um tipo de exame não incluído, uma certa qualidade de internação não prevista, uma cirurgia a ser paga “por fora” etc. Os Procons estão repletos de queixas desse tipo.
Também sou privilegiado. Pago todo mês mais de um salário mínimo para me manter sob os eventuais cuidados de um dos mais conhecidos planos de saúde do Brasil.
Ocorre que mal-estar e acidentes não mandam aviso prévio. Nem escolhem dia da semana. No domingo, 3 de outubro, pouco depois das oito da manhã, a caminho de minha seção eleitoral, senti forte dor no lado esquerdo do peito, como nunca me havia passado. A impressão era de que tinha levado um soco no tórax. Continuei o percurso do convento à PUC-SP, uma distância de duzentos metros, desconfiado de ter sido acometido de um infarto. Não senti tontura, apenas a dor que se irradiava pelo lado avesso do peito.
Subi com dificuldade a rampa da PUC e quase me sentei para recuperar o fôlego. Teimoso, prossegui rumo ao meu dever cívico. (Sinto-me honrado em votar e serei a favor do voto facultativo no dia em que for também facultativo pagar impostos).
Ao me apresentar na seção eleitoral, a dor persistia. Não consegui me debruçar sobre a mesa para assinar o termo de comparecimento. Precisei erguer o papel. Pensei ao entrar na cabine: “Morro, mas com meu dever de cidadão cumprido.”
Eis que, na saída, me bateu forte ardor cívico. “Votei em prol da melhoria deste país. Tenho direito, como cidadão, a atendimento médico pelo SUS. Por que não recorrer a ele no dia da eleição?”
Devido às minhas relações de amizade, poderia ter buscado um atendimento privado. Ou internação em hospital conveniado com o meu plano de saúde. Anos atrás, ao apresentar o doutor Adib Jatene a Fidel Castro, num evento científico em Havana, o destacado cardiologista me disse à guisa de agradecimento: “Se um dia precisar de meus serviços médicos, estarei à disposição.” Respondi-lhe: “Agradeço, doutor, mas queira Deus que eu nunca me sinta obrigado a recorrer a eles.”
Tomei um táxi à porta da PUC e mandei tocar para o Hospital das Clínicas. Na recepção do Pronto Socorro, informei a uma funcionária que necessitava de atendimento. Talvez estivesse com um princípio de infarto.
Fui encaminhado à enfermeira Adriana, que me tirou a pressão: 14x8. Fez a minha ficha e mandou me apresentar a um funcionário que me pediu números de identidade, CEP e telefone. Não consegui lembrar de nenhum deles, embora a dor já se mostrasse menos agressiva. É que andava com a mente e o coração em ação de graças pela vida que me foi dada viver. Talvez tivesse chegado a minha hora. Um pouco mais cedo do que eu esperava. Mas quem é capaz de prever dia e hora da própria morte? Não diz Jesus que ela virá como o ladrão...
Tranquilizou-me não temê-la. Não tanto pela fé que me anima, e sim pelo sentido que imprimo à minha vida.
Da burocracia fui remetido a uma sala de espera, onde deixei a ficha sobre um balcão. Havia ali outras pessoas à espera de atendimento. Quinze minutos depois a ficha foi recolhida e, em menos de dez minutos, chamado a um consultório. A doutora Seila tirou-me a pressão, agora 13x8, e me encaminhou à doutora Beatriz A. Martins, diplomada ano passado.
Enquanto me movo de um lado a outro no Pronto Socorro, vejo o “circo dos horrores”: macas espalhadas pelos corredores; policiais trazendo vítimas de facadas, tiros e atropelamentos; mulheres grávidas preocupadas com o parto precoce; gritarias; e sangue, muito sangue. Mas havia em tudo aquilo uma lógica: todos que necessitavam de atendimento de emergência mereciam os devidos cuidados, ainda que os primeiros socorros fossem prestados nos corredores.
Doutora Beatriz retirou-me sangue e me fez ingerir dois comprimidos de AS. Em seguida, na sala de eletrocardiograma a enfermeira Ester me cobriu de fios. O eletro deu “normal”. Frequência cardíaca: 78 batidas por minuto. Ester me comunicou que infarto não tive. (A essa altura, a dor se resumia a um ponto no fundo do coração).
Fui remetido de novo à dra. Beatriz, que se fazia acompanhar pelo dr. Francisco Mazon. Pediu que eu retornasse à sala de espera até o resultado do exame de sangue ficar pronto.
Eram 10h. Preocupava-me a ida para Curitiba, convidado a participar, na tarde do mesmo dia, de debate na Bienal do Livro do Paraná. Meu voo sairia às 14h. Esperei até as 12h. Retornei à dra. Beatriz para avisar que iria embora. Ela me advertiu que deveria aguardar mais 40 minutos. Insisti que não podia esperar. Ela disse enfática: “Não podemos lhe dar alta. Se o senhor se for, será caracterizado como evasão hospitalar. E corre o risco de morrer em pleno voo.”
Em nome de meu oficio de escritor, optei pelo risco de morte e cometi o delito da evasão. Cheguei a tempo no aeroporto.
Ninguém no Hospital das Clínicas me identificou pelo nome que sou conhecido. Fui tratado como qualquer outro cidadão. E concluí que, ao menos ali, o SUS funciona. E muito bem. Eu é que sou um paciente impaciente...
Tudo indica que a dor adveio de uma contração muscular. Na véspera, indiferente à minha hérnia de disco, ajudei a arrastar uma mala com 70kg de livros. Fiz um esforço superior às minhas forças. Menos de vinte e quatro depois o organismo emitiu o seu protesto...


Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de “Mística e Espiritualidade”, que a editora Vozes faz chegar esta semana às livrarias. www.freibetto.org – twitter:@freibetto


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AS UTOPIAS E AS MEDIAÇÕES


Por MARCELO BARROS


Faltam poucos dias para as eleições que darão ao Brasil novos/as gestores no Governo Federal, Estados e no Legislativo. Há muitas promessas de solução para os grandes problemas nacionais e a maioria dos brasileiros votará na esperança de um futuro melhor. Muitas discussões políticas incidem sobre o projeto de sociedade que nos é oferecido. Este coincide ou não com aquele que muitas pessoas cultivam na mente e no coração. De um modo ou de outro, estas eleições brasileiras e estas discussões sobre o projeto político tem a ver com o processo dos fóruns sociais mundiais. Ainda hoje, dez anos depois, quem acompanha este processo se recorda do refrão cantado por todos desde 2001: “Aqui, um outro mundo é possível, se a gente quiser!”. Este grito, lançado em todos os continentes, provocou diversas conferências temáticas e muitos fóruns regionais. Alguns criticaram que aquelas discussões aparentemente não levavam a nada. Talvez, hoje, não possam dizer isso ao ver que a Bolívia tem, pela primeira vez em sua história, um índio como presidente da República e vários países do continente tem novas constituições cidadãs e um caminho político novo e mais popular.

Em um de seus livros, Eduardo Galeano faz um de seus personagens perguntar a um companheiro: - Para que me serve a esperança (a utopia) se quando dou um passo em sua direção, percebo que ela se afasta mais um passo?

O companheiro respondeu: - Serve para fazer você caminhar.

Neste caminho para um mundo de paz, justiça e igualdade social, é importante de um lado termos sempre sob os olhos a meta que queremos atingir, mas, ao mesmo tempo, saber que isso só se dará se assumirmos as dificuldades e etapas necessárias do caminho. Não existe utopia sem mediações. Tanto no plano social e político, como mesmo no caminho da fé, é importante termos claro a sociedade nova que desejamos construir, mas, ao mesmo tempo, não descuidar das etapas necessárias para nos aproximar da meta. Sem mediações, nossa luta social e política se tornaria não histórica e sim meciânica, no sentido negativo do termo. No caminho da fé, todos os dias os cristãos oram “Venha a nós o vosso reino”, ou seja, realize-se aqui no mundo em que vivemos o projeto divino para a humanidade e o planeta. Mas, é preciso ter em vista como este reino ou projeto divino poderá se concretizar em nosso dia a dia.

As mediações são, em geral, limitadas, incompletas e até ambíguas, como tudo o que é humano. No entanto, rejeitá-las ou simplesmente ignorar a sua necessidade é cair na arrogância. É preciso sempre apontar o que se almeja como ideal, mas, ao mesmo tempo, ter a humildade de assumir o que é possível na realidade do aqui e agora. Na sua regra para os monges, São Bento fala da humildade como a capacidade de ter os pés na terra e viver a fragilidade de cada dia. É claro que isso poderia nos levar a uma acomodação conservadora ou pouco profética. Não cairemos nisso se soubermos articular bem a utopia (o que almejamos) e as mediações ou etapas do caminho.

Concretamente, no Brasil atual, esta humildade social e política nos faz reconhecer as conquistas sociais e o caminho positivo já percorrido nos últimos anos. Este ganho acumulado se deve, sem dúvida, a um governo competente e que governou o Brasil com nova sensibilidade social. Entretanto, estas conquistas sociais representam, sobretudo, uma conquista dos movimentos populares e de toda a sociedade civil que, nos últimos anos, amadureceu em sua consciência social e política. É preciso salvaguardar as conquistas feitas. Apesar da guerra suja, deflagrada pelos maiores meios de comunicação social do país contra o caminho até aqui percorrido, a população mais pobre tem sabido distinguir as coisas e mostra sua independência no julgamento. Não apenas porque recebe uma ajuda social que é direito de todos, mas porque se sente envolvido neste processo como um povo de cidadãos e não de mendigos aos quais se jogam apenas migalhas do que sobra às classes altas do país. A internet e a multiplicação de blogs democratizam mais esta discussão e permitem uma forma de comunicação mais horizontal e justa.

Neste caminho para a utopia, não há receitas ou regras estabelecidas para as mediações. Entretanto, alguns princípios podem ser úteis: 1º - a palavra de Gandhi: “comece por você mesmo a mudança que propõe ao mundo”. 2º - sozinho, ninguém transforma nada. Não se sinta acima e independente do caminho comum. Aceite a mediação do grupo e da comunidade. 3º - Não adianta pensar que vamos para o leste, caminhando para o oeste. Mesmo que seja em passos pequenos ou curtos, a utopia se faz caminhando na direção correta. Podemos corrigir estratégias e rever etapas, mas sempre no mesmo rumo.

Antoine de St Exupery, autor do “O Pequeno Príncipe” dizia: “Um viajante que sobe uma montanha guiado por uma estrela, se se deixar absorver demais pelos problemas e dificuldades da escalada, se arrisca a perder de vista a estrela que o guia”.

PARA DILMA ROUSSEF: O FEMININO E A POLÍTICA ATUAL


por LEONARDO BOFF

A reflexão antropológica dos últimos anos tem mostrado que masculino-feminino não são entidades autônomas, mas princípios ou fontes de energia que continuamente constroem o humano como homem e mulher. Estes são resultado da ação destes princípios anteriores e subjacentes que se realizam em densidades diferentes em cada um deles.
O feminino no homem e na mulher é aquele momento de integralidade, de profundidade abissal, de capacidade de pensar com o próprio corpo, de decifrar mensagens escondidas sob sinais e símbolos, de interioridade, de sentimento de pertença a um todo maior, de cooperação, de compaixão, de receptividade, de poder gerador e nutridor e de espiritualidade.
O masculino na mulher e no homem exprime o outro pólo do ser humano, de razão, de objetividade, de ordenação, de poder, até de agressividade e de materialidade. Pertence ao masculino na mulher e no homem o movimento para a transformação, para o trabalho, para o uso da força, para a clareza que distingue, separa e ordena. Pertence ao feminino no homem e na mulher a capacidade de repouso, de cuidado, de conservação, de amor incondicional, de perceber o outro lado das coisas, de cultivar o espaço do mistério que desafia sempre a curiosidade a a vontade de conhecer.
Observe-se: não se diz que o homem realiza tudo o que comporta o masculino e a mulher tudo o que expressa o feminino. Trata-se aqui de princípios presentes em cada um, estruturadores da identidade pessoal do homem e da mulher.
Continua sendo o drama da cultura patriarcal o fato de ter usurpado o princípio masculino somente para o homem fazendo com que ele se julgasse o único detentor de racionalidade, de mando, de construção da sociedade, relegando para a privacidade e para tarefas de dependência a mulher, não raro, considerada um apêndice, objeto de adorno e de satisfação. Ao não integrar o feminino em si, se enrijeceu e se desumanizou. Por outra parte, impedindo que a mulher realizasse o seu masculino, fragilizou-a e lhe fez surgir um sentimento de implenitude. Ambos se depauperaram e mutilaram a construção da figura do ser humano uno e diverso, recíproco e igualitário.
A superação deste obstáculo cultural é a primeira condição para uma relacionamento de gênero mais integrador e justo para cada uma das partes.
O movimento feminista mundial colocou em xeque o projeto do patriarcado que dominou por séculos e desconstruiu as relações de gênero organizadas sob o signo da opressão e da dependência. Inaugurou relações mais simétricas e cooperativas. Tais avanços deixam entrever os albores de uma virada no eixo cultural da humanidade. Esboça-se por todas as partes um novo tipo de manifestação do feminino e do masculino em termos de parcerias, de colaboração e de solidariedade nas quais homens e mulheres se acolhem em suas diferenças no horizonte de uma profunda igualdade pessoal, de origem e de destino, de tarefa e de compromisso na construção de mais benevolência para com a vida e a Terra e de formas sociais mais participativas e solidárias.
Mas no momento atual, vivemos uma situação singular da humanidade. Como espécie, estamos num novo limiar. O aquecimento global, a exaustão dos bens e serviços naturais, a escassez de água potável e o estresse do sistema-vida e do sistema-Terra no colocam esse dilema: ou nos parimos como outra espécie humana, com outra consciência e responsabilidade ou iremos ao encontro da escuridão. O Brasil, dada a sua situação ecogeográfica privilegiada, deve assumir seu lugar central na construção do novo equilíbrio da Terra ou corremos risco de um caminho sem retorno.
É nesse momento que se exigem como nunca antes na história a vivência dos valores do feminino, da anima, como os descrevemos acima: dar centralidade à vida, ao cuidado, à cooperação, à compaixão e aos valores humanos universais.
Dilma Rousseff, como mulher, desperte para sua missão histórica única. Sua candidatura é providencial para o Brasil e para o equilíbrio da Mãe Terra. Que os eleitores, homens e mulheres, ao elegê-la Presidenta, se tornem artífices de um processo de regeneração e de um destino bom para todos.

LITURGIA DO VOTO:FÉ NA DEMOCRACIA


por: Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio

O brasileiro foi às urnas no território nacional e fora dele, maciçamente, após uma campanha tensa e que baixou muito o nível nos últimos momentos. É por isso e mais que nada que o segundo turno é algo positivo.
Positivo para quem? Podemos e devemos perguntar sem medo. Certamente alguns intransigentes de plantão discordarão. Prefeririam a vitória da candidata petista já no primeiro turno. Fim das agonias, das expectativas, vitória líquida, certa. Mas trata-se apenas da certeza da continuidade da política do presidente Lula, ou de crescer na democracia na qual ainda engatinhamos como nação?
Creio que, se é importante o primeiro ponto, o segundo não fica atrás. Certamente o Brasil fez um gesto simbólico colocando um operário na cadeira de presidente da República. Isso marcou nossa história para sempre. Nunca mais o país será o mesmo depois disso. Acresce o fato de a política econômica do operário-presidente ter surpreendido todos, a direita, a esquerda e o centro. E como se não bastasse, o país dos vira-latas com complexo de inferioridade, pedindo desculpas por existir, foi guindado à convivência com grandes potências, sendo a palavra de seu presidente respeitada e a nação olhada como uma das mais promissoras para o futuro da humanidade.
Quanto a este ponto, mesmo os que não gostam de Lula, que discordam de seu governo em um ou vários pontos, devem concordar. Hoje Brasil é palavra respeitada onde quer que se vá. Olham para nós com respeito e admiração. Esperam de nós sinalizações de futuro e liderança como nunca aconteceu.
Porém, uma vitória no primeiro turno para Dilma Rousseff não faria bem ao Brasil novo que hoje somos. Seria fácil demais, rápido demais. Fará bem a todos e a todas que acreditamos na democracia, no voto livre como expressão da vontade da maioria, ir outra vez às urnas e depurar nosso exercício cívico e democrático.
Para isso a entrada de Marina Silva no cenário eleitoral foi tão fundamental. Figura de alto coturno ético, comprometida com as lutas mais nobres de nosso país, da pobreza à ecologia, entrou na disputa com ínfima percentagem, menos de 10%. Mas cresceu, cresceu e encerrou a eleição com quase 20%. Porém, mais importante que tudo, introduziu um “terceiro” na equação da campanha que lhe deu mais qualidade, mais vibração e mais seriedade na disputa.
A medida do crescimento de Marina foi a medida pela qual a campanha se dinamizou, se abriu e não ficou restrita às brigas feias e de baixo nível dos dois candidatos que agora vão ao segundo turno. A frágil magreza do norte da candidata que é a cara do Brasil fez a diferença e levou a eleição ao segundo turno.
Ganhou a democracia, ganhou o povo brasileiro, que terá a oportunidade de pensar mais detida e profundamente sua escolha agora decisiva. Ganhamos todos os que apoiamos Marina. Saímos do primeiro turno dessa eleição orgulhosos de nossa candidata e esperançosos de vê-la em Brasília em outra futura eleição, oxalá não tão longínqua.
Há liturgias sagradas, onde o ser humano cultua a divindade em que crê através de gestos, símbolos, cantos e expressões corporais. E há liturgias seculares, nas quais o ser humano expressa suas atitudes cívicas, suas utopias, suas esperanças intra-históricas. A eleição é uma delas. Ao marcar na urna o número do candidato que escolhemos, estamos realizando e fazendo acontecer o ritual que, esperamos, dará o rumo que desejamos à história e criará fatos políticos compatíveis com nossas crenças e esperanças.
Ao participar da imensa liturgia de 200 milhões de cidadãos neste domingo, introduzindo na urna nosso voto, reafirmamos uma vez mais nossa fé na democracia. O resultado que leva ao segundo turno reafirma e confirma essa fé. Uma vez mais, aqui vamos nós. É preciso celebrar a liberdade e participar, para que esse país cumpra seu destino histórico e ocupe seu lugar no mapa do mundo. Que venha o segundo turno!