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domingo, 12 de junho de 2011

O filme “BATISMO DE SANGUE”, baseado no livro do mesmo nome de Frei Betto, sobre a ditadura militar, vai ser exibido e discutido em Paris, dia 17 de junho, com a presença do cineasta Helvecio Ratton. O colóquio, promovido pela Association Primo Levi, pode ser visto no anexo que segue atachado.Enviamos também o texto do psicanalista Jean-Claude Rolland, que será apresentado no dia seguinte em mesa redonda. Ele revisita o caso de Frei Tito após ter visto o filme. O texto, segundo o diretor Helvecio Ratton, é de uma lucidez espantosa. Ele afirma nunca ter lido nada que avançasse tanto na análise da relação Torturador X Torturado.

A todos um abraço de Frei Betto.

PANDORA E STRADIVARIUS





por Frei Betto



Conta o mito grego que Epimeteu ganhou dos deuses uma caixa que continha todos os males. Advertiu a mulher, Pandora, que de modo algum a abrisse. Mordida pela curiosidade, ela desobedeceu e os males escaparam.Hoje, uma das caixas de Pandora mais ameaçadoras são as usinas nucleares – 441 em todo o mundo.


Por mais que os Epimeteu das ciências e dos governos apregoem serem seguras, os fatos demonstram o contrário. As mãos de Pandora continuam a provocar vazamentos. O vazamento da usina nuclear de Chernobyl, em 1986, na Ucrânia, afetou milhares de pessoas, sobretudo crianças, e promoveu séria devastação ambiental. Calcula-se que Chernobyl provocou a morte de 50 mil pessoas. Agora temos o caso da usina japonesa de Fukushima, atingida pelo tsunami.


Ainda é cedo para avaliar a contaminação humana e ambiental provocada por vazamento de suas substâncias radioativas, mas o próprio governo japonês admite a gravidade. Se o Japão, que se gaba de possuir tecnologia de última geração, não foi capaz de evitar a catástrofe, o que pensar dos demais países que brincam de fogo atômico? No Brasil, temos as três usinas de Angra dos Reis (RJ), construídas em lugar de fácil erosão por excesso de chuva, como o comprovam os desmoronamentos ocorridos na região a 1o de janeiro de 2010. Ora, não há risco zero em nenhum tipo de usina nuclear. Todas são vulneráveis. Portanto, a decisão de construí-las e mantê-las é de natureza ética. Acidentes naturais e falhas técnicas e humanas podem ocorrer a qualquer momento, como já aconteceu nos EUA, na União Soviética e no Japão. Em 1979, derreteu o reator da usina de Three Mile Island, nos EUA. Em Chernobyl, o reator explodiu. Em Fukushima, a água abriu fissuras. Portanto, não há sistema de segurança absoluta para essas usinas, por mais que os responsáveis por elas insistam em dizer o contrário. Ainda que uma usina não venha a vazar, não são seguros os depósitos de material rejeitado pelos reatores. E quando a usina for desativada, o lixo atômico perdurará por muitas e muitas décadas. Haja câncer! No caso de Angra, se ocorrer algum acidente, não há como evacuar imediatamente a população da zona contaminada. A estrada é estreita, não há campo de pouso para aviões de grande porte e os navios demorariam para aportar nas proximidades. Cada usina custa cerca de US$ 8 bilhões. O investimento não compensa, considerando que a energia nuclear representa apenas 3% do total de modalidades energéticas em operação no Brasil. Nosso país abriga 12% da água potável do planeta. Com tantos recursos hídricos e enorme potencial de energias solar e eólica, além de energias extraídas da biomassa, não se justifica o Brasil investir em reatores nucleares. Na Itália, eles foram proibidos por plebiscito. A Suécia agora desativa suas usinas, e a Alemanha decidiu, em maio deste ano, fechar todas as suas usinas nucleares. Usinas nucleares são como violinos Stradivarius. Antônio Stradivari (1648-1737), italiano, construiu os mais perfeitos violinos. Mais de mil unidades, das quais restam 650. Hoje, um Stradivarius vale, no mínimo, R$ 5 milhões. Um violino nunca é exatamente igual ao outro. As madeiras utilizadas possuem diferentes densidades, a radiação sonora e a vibração diferem e podem ser percebidas por um bom ouvido. Todos os Stradivarius foram feitos por artesãos que souberam guardar os segredos de sua fabricação. Assim são as usinas nucleares. Não existe uma exatamente igual à outra. Não é previsível o que pode ocorrer no núcleo de uma delas se houver um acidente, incidente ou crise. Assim como se reconhece a qualidade de um violino pelo seu som, apenas por sinais externos se pode avaliar a gravidade de um vazamento nuclear, verificando a temperatura, a radiação e emissão de isótopos radioativos como iodo 131, césio 137, estrôncio 90 e plutônio 238. Um detalhe da caixa de Pandora: só não escapou o único bem que se misturava aos males – a esperança. E a ela nos atemos neste momento em que, em todo o mundo, há mobilizações pela desativação de usinas nucleares. É hora de o povo brasileiro reagir, antes que se rompam as cordas do violino e as malditas mãos de Pandora venham a abrir de novo a caixa nuclear.



Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.
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SUSTENTABILIDADE: ADJETIVO OU SUBSTANTIVO?




por Lenardo Boff





É de bom tom hoje falar de sustentabilidade. Ela serve de etiqueta de garantia de que a empresa, ao produzir, está respeitando o meio ambiente. Atrás desta palavra se escondem algumas verdades mas também muitos engodos. De modo geral, ela é usada como adjetivo e não como substantivo. Explico-me: como adjetivo é agregada a qualquer coisa sem mudar a natureza da coisa. Exemplo: posso diminuir a poluição química de uma fábrica, colocando filtros melhores em suas chaminés que vomitam gases.


Mas a maneira com que a empresa se relaciona com a natureza donde tira os materiais para a produção, não muda; ela continua devastando; a preocupação não é com o meio ambiente mas com o lucro e com a competição que tem que ser garantida. Portanto, a sustentabilidade é apenas de acomodação e não de mudança; é adjetiva, não substantiva.Sustentabilidade como substantivo exige uma mudança de relação para com a natureza, a vida e a Terra. A primeira mudança começa com outra visão da realidade.


A Terra está viva e nós somos sua porção consciente e inteligente. Não estamos fora e acima dela como quem domina, mas dentro como quem cuida, aproveitando de seus bens mas respeitando seus limites. Há interação entre ser humano e natureza.


Se poluo o ar, acabo adoecendo e reforço o efeito estufa donde se deriva o aquecimento global. Se recupero a mata ciliar do rio, preservo as águas, aumento seu volume e melhoro minha qualidade de vida, dos pássaros e dos insetos que polinizam as ávores frutíferas e as flores do jardim.Sustentabilidade como substantivo acontece quando nos fazemos responsáveis pela preservação da vitalidade e da integridade dos ecossistemas. Devido à abusiva exploração de seus bens e serviços, tocamos nos limites da Terra. Ela não consegue, na ordem de 30%, recompor o que lhe foi tirado e roubado.


A Terra está ficando, cada vez mais pobre: de florestas, de águas, de solos férteis, de ar limpo e de biodiversidade. E o que é mais grave: mais empobrecida de gente com solidariedade, com compaixão, com respeito, com cuidado e com amor para com os diferentes. Quando isso vai parar?A sustentabilidade como substantivo é alcançada no dia em que mudarmos nossa maneira de habitar a Terra, nossa Grande Mãe, de produzir, de distribuir, de consumir e de tratar os dejetos. Nosso sistema de vida está morrendo, sem capacidade de resolver os problemas que criou. Pior, ele nos está matando e ameaçando todo o sistema de vida.


Temos que reinventar um novo modo de estar no mundo com os outros, com a natureza, com a Terra e com a Última Realidade. Aprender a ser mais com menos e a satisfazer nossas necessidades com sentido de solidariedade para com os milhões que passam fome e com o futuro de nossos filhos e netos. Ou mudamos, ou vamos ao encontro de previsíveis tragédias ecológicas e humanitárias.Quando aqueles que controlam as finanças e os destinos dos povos se reunem, nunca é para discutir o futuro da vida humana e a preservação da Terra.


Eles se encontram para tratar de dinheiros, de como salvar o sistema financeiro e especulativo, de como garantir as taxas de juros e os lucros dos bancos. Se falam de aquecimento global e de mudanças climáticas é quase sempre nesta ótica: quanto posso perder com estes fenômenos? Ou então, como posso ganhar comprando ou vendendo bonus de carbono (compro de outros paises licença para continuar a poluir)?


A sustentabilidade de que falam não é nem adjetiva, nem substantiva. É pura retórica. Esquecem que a Terra pode viver sem nós, como viveu por bilhões de anos. Nós não podemos viver sem ela.Não nos iludamos: as empresas, em sua grande maioria, só assumem a responsabilidade socio-ambiental na medida em que os ganhos não sejam prejudicados e a competição não seja ameaçada. Portanto, nada de mudanças de rumo, de relação diferente para com a natureza, nada de valores éticos e espirituais. Como disse muito bem o ecólogo social uruguaio E. Gudynas: “a tarefa não é pensar em desenvolvimento alternativo mas em alternativas de desenvolvimento”. Chegamos a um ponto em que não temos outra saída senão fazer uma revolução paradigmática, senão seremos vítimas da lógica férrea do Capital que nos poderá levar a um fenomenal impasse civilizatório.

FESTA PARA QUEM CRÊ NO AMOR




por Marcelo Barros




Neste ano, no Brasil, enquanto o comércio e a sociedade recordam o “dia dos namorados”, Igrejas cristãs celebram neste próximo domingo, o último dos cinqüenta dias da festa da Páscoa (Pentecostes). Conforme a tradição cristã, neste dia, se espalhou pelo mundo o Espírito Divino. A comemoração do dia dos namorados é uma boa coincidência com esta festa pelo fato de que o Espírito se revelou como energia de amor.


Uma sociedade que reduz as pessoas a peças de produção e de consumo não compreende a linguagem do amor, porque faz as pessoas sobreviverem na competitividade e na luta meramente egoística. Por outro lado, quanto mais uma realidade é preciosa e rara, mais são frágeis as palavras para expressá-la. Hoje em dia, o próprio termo “amor” parece reduzido a emoções rápidas e a experiências passageiras. Poucos crêem no amor como princípio e luz de toda a vida. E se o amor não é reconhecido além dos confins do consumismo e do imediatismo comercial, as pessoas passam a viver meramente em função do dinheiro, da busca ansiosa de poder, ou simplesmente do culto de si mesmo. Em um contexto assim, até os crentes esquecem que Deus é Amor e se manifesta em nós e no universo, nos divinizando à medida que nos torna mais capazes de amar. Martin Buber, grande espiritual judeu, dizia: “Os sentimentos moram no ser humano, mas é a pessoa que mora no seu amor”. Quando se descobre e se vive isso, aí sim o amor é casa e estrada de vida, enraizamento e transcendência. É a única energia que conduz a vida à sua plenitude.


Camus dizia: “Não ser amado é uma falta de sorte, mas não amar chega a ser uma tragédia imensa”.


Conforme a Bíblia, toda pessoa que ama vive uma experiência divina porque Deus é fonte de todo amor humano. Mesmo no meio das imperfeições e buscas afetivas, o Amor divino conduz a pessoa a formas de amar mais profundas e generosas. Desde o começo da Bíblia, Deus prometeu estabelecer uma presença no mundo e guiar as pessoas que se abrissem à sua inspiração. Revelou-se presente na criação fazendo de cada criatura viva um sinal do seu amor e de sua bênção para o universo. Manifestou-se como fonte de bênção no canto dos pássaros, no vento que faz sussurrar as palmeiras, no riso das crianças e em cada pessoa aberta ao Espírito. Em tempos mais antigos, deu vários sinais de que queria fazer uma aliança de amor com a humanidade e com todos os seres vivos do universo. Revelou-se plenamente presente na pessoa de Jesus de Nazaré, testemunha da ternura divina para com toda a humanidade. De acordo com a fé cristã, a partir da ressurreição de Jesus, o Espírito Divino foi dado a todas as criaturas. Um cântico de Pentecostes afirma: “Ele enche o universo, abarca toda a sabedoria e abraça todo ser que existe”.


O texto mais conhecido sobre Pentecostes (At 2) diz que, quando o Espírito vem dá às pessoas que o recebem a capacidade de se comunicar com as mais diversas culturas e criar uma unidade onde antes só havia divisão e discórdia. Hoje, o Espírito Divino guia comunidades e pessoas de todas as religiões e mesmo sem nenhuma pertença institucional a se unirem em função da paz do mundo, da justiça e da defesa da natureza. Um documento do século II de nossa era dizia: “Se queres encontrar o Espírito, podes descobri-lo presente e atuante no murmúrio do vento, no pulsar de toda a natureza e até quando levantas uma pedra”.


O Espírito nos confirma sempre que cada ser vivo é sinal da bênção original do amor divino que fecunda o universo. Na Idade Média, Ibn Arabi, místico islamita, afirmava: “Meu coração é como um pasto para gazelas. Acolhe todas as crenças. É a tábua da lei judaica e, ao mesmo tempo, o Corão sagrado dos islamitas. Meu coração se faz Igreja para os cristãos e tenda aberta aos que buscam. Creio acima de tudo na religião do amor”.

QUANDO O ESPIRITO DE DEUS SOPROU



por Maria Clara Bingemer






Se a Páscoa é a festa máxima do cristianismo, quando na vitória de Jesus Cristo sobre a morte nós, cristãos, celebramos o destino finalmente redimido da condição humana - viver plenamente, sem medo de um fim que não existe -, Pentecostes é a festa da criação como um todo. Nela, o Espírito é derramado sobre toda carne, suscitando naqueles ali reunidos uma comunicação universal e sem barreiras, que acaba com a incomunicação instaurada pela babelização das línguas e o consequente desentendimento entre os seres humanos.

Por isso, Pentecostes é a festa da diferença reconciliada e integrada na totalidade daquilo que foi o sonho de Deus na criação, quando pela Palavra e o Espírito disse: Faça-se e tudo se fez: luz, terra, biodiversidade, vida humana, amor, fertilidade e fecundidade. Pentecostes é a festa onde a nostalgia e a orfandade se tornaram comunidade e missão. Comunidade dos que creram em Jesus de Nazaré, choraram sua morte e com ela sentiam-se perdidos e perplexos.


Missão destes mesmos que agora, com a ressurreição do Mestre, são transformados em testemunhas intrépidas e corajosas que a tudo enfrentam para anunciar ao mundo a boa nova de que aquele que estava morto agora vive e não deve ser buscado em túmulos e cemitérios, mas sim no olhar brilhante e no coração ardente dos que nele creem e experimentam sua presença mais forte do que nunca.

Naquele Pentecostes, primeiro fez-se verdade a frase que Paulo escreve na carta aos gálatas: Não há judeu nem grego, nem escravo, nem homem, nem mulher, pois todos são um só em Cristo Jesus. Assim sucedeu quando os apóstolos, iluminados pelo Espírito, falaram a uma multidão de todas as raças e línguas e foram entendidos, seu anúncio recebido e a missão que continha esse anúncio praticada. Assim a Igreja já nasce sob o signo da universalidade e proclama ao mundo sua missão: anunciar Jesus Cristo e fazer acontecer seu reino.

Por isso Pentecostes é a festa da Igreja, mas uma Igreja que não permanece fechada em suas fronteiras; abre as portas para dialogar com todos e a cada momento ser reinventada a partir do encontro e do diálogo com outras culturas e outras realidades e línguas. Pentecostes é a festa de uma Igreja que não faz acepção de pessoas e anuncia a todos e a cada um a boa nova da qual é depositária.

Pentecostes é a celebração de uma identidade eclesial que não quer impor-se pela força, mas apresentar um dom e um presente, e a partir dai reencontrar sua identidade. Hoje, em um mundo não mais hegemonicamente cristão, mas fragmentado pela secularidade e a pluralidade multifacética, a celebração de Pentecostes recobra todo um sentido que resgata aquilo que de mais profundo está em suas origens: o fato de desejar estar ali onde estão as pessoas, as coisas, tudo o que é criado por Deus para ajudar humildemente a que a vida aconteça.

Por isso, a celebração de Pentecostes configura uma Igreja desejosa de que não haja fronteiras que não sejam ultrapassadas, que não haja bloqueios que não sejam superados, que não haja discriminações que não sejam reconciliadas, que não haja traumas que não sejam curados. Pentecostes é a festa da pluralidade do criado. E, como tal, é a festa do amor que, fiel à sua identidade fecunda e criativa, integra e plenifica tudo aquilo que toca.

Celebrar Pentecostes é compreender, é experimentar que ser cristão é crer sobretudo nesta humanidade que Deus ama e que é capaz de fazer de suas contradições ponto de partida para crescimento e plenitude.


Maria Clara Bingemer é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.


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