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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Vida para além do esgoto



Por MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER



           Há  muito a mídia noticia e não é segredo para ninguém que a China tem políticas  rígidas e severas para limitar a natalidade.  Sobretudo se são nascidos  de mães solteiras. Bebês chineses nascidos fora do casamento muitas vezes são  abandonados pelas mães em consequência das pressões sociais e financeiras. A  política do filho único do país também pode representar multas pesadas para os  casais que têm mais de um  bebê.

            Assim  aconteceu com uma jovem de 22 anos na província de Zhejiang, dias atrás. Com  medo, escondeu de todos a gravidez.  No vaso sanitário, ela começou a  perder sangue e na hemorragia perdeu igualmente, através da tubulação do  banheiro, o bebê a termo que levava no ventre.  Solteira,  escondeu  a gravidez com medo de represálias por parte das autoridades. Até o momento em  que deu à luz de maneira inesperada no banheiro. Segundo ela, o bebê caiu,  acidentalmente, no vaso sanitário e desceu pelo encanamento de 10 centímetros  de  diâmetro.
            De  repente, gemidos e choros começaram a ser ouvidos por uma mulher.  E sua  fonte foi identificada: o banheiro onde a jovem mulher havia dado à luz e  perdido seu bebê dentro do vaso sanitário.  O recém-nascido caiu na  tubulação e ficou preso, informou a polícia de  Jinhua.
            Os  serviços de resgate demoraram mais de uma hora para cortar o trecho da  tubulação de 10 centímetros de diâmetro, utilizando serras e alicates para  retirar o recém-nascido. Pesando 2,3 quilos e apesar de haver permanecido  durante quase três horas dentro do encanamento, foi finalmente retirado, entre  a vida e a morte. Com alguns cortes no rosto, pernas e braços, foi levado para  um hospital e colocado em uma incubadora. Porém, a incrível capacidade de  sobrevivência e pulsão de vida que o fizeram resistir horas dentro de um cano  de esgoto e dali sair com vida também o ajudaram em sua recuperação.  

            Plenamente  recuperado, a pequena vida resgatada do esgoto, do lugar dos dejetos e da  imundície, floresce fora do útero da mãe e cresce em graça e pujança. O caso  teve imensa repercussão na China e foi assunto em todas as redes sociais.   A população, que vive sob política tão rígida sobre a liberdade do casal  de decidir  o número de filhos que deseja ter, comoveu-se com a  tenacidade demonstrada pelo  bebê, para quem nem o esgoto foi obstáculo  em sua vontade de viver.   

            Por  outro lado, a mídia anuncia que o governo da província de Hubei, com população  de mais de 57 milhões,  pretende multar as chinesas solteiras que  engravidarem ou amantes de homens casados que venham a engravidar. A multa  seria uma "compensação social" e uma forma de manter baixa a taxa de  natalidade na  província.

            Demógrafos  e cientistas sociais se inquietam.  A medida pode levar ao crescimento do  número de abortos e bebês abandonados. Parece que o bebê salvo do esgoto  semeou inquietação, pois esse projeto de lei foi divulgado dias depois de seu  resgate na tubulação de esgoto. O caso criou comoção internacional  e  levou o governo a tomar medidas e  represálias.

            Não  creio que serão tão eficazes.  Mais forte é a vida, que teima em resistir  a tudo e fazer-se presente, mesmo quando o encanamento do esgoto é seu  primeiro “lugar” no mundo.  Ainda que a jovem mãe tenha sido obrigada a  esconder a pequena existência que crescia em seu ventre.  E os primeiros  vagidos daquele pequeno ser tenham sido ouvidos por trás da rigidez do metal  de um  encanamento.
           A  vida é mais forte que circunstâncias tão adversas.  E será mais forte  seguramente do que leis antivida que querem impedi-la de acontecer.  

Maria Clara Lucchetti Bingemer é  professora do departamento de teologia da  PUC-Rio A   teóloga é autora de “O  mistério e  o mundo – paixão por Deus em tempo de descrença” , recém lançado pela Editora  Rocco.
Copyright 2013 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br) 

quinta-feira, 27 de junho de 2013

A plebe e nobreza


por FREI BETTO


    Era uma vez um reino governado por um rei despótico. Sua majestade oprimia os súditos e mandava prender, torturar, assassinar quem lhe fizesse oposição. O reino de terror prolongou-se por 21 anos.

    Os plebeus, inconformados, reagiram ao déspota. Provaram que ele estava nu, denunciaram suas atrocidades, ocuparam os caminhos e as praças do reino, até que o rei perdesse a coroa.

    Vários ministros do rei deposto ocuparam sucessivamente o trono, sem que as condições econômicas dos súditos conhecessem melhoras. Decidiu-se inclusive mudar a moeda e batizar a nova com um título nobiliárquico: real.

    Tal medida, se não trouxe benefícios expressivos à plebe, ao menos reduziu as turbulências que, com frequência, afetavam as finanças da corte.
    Ainda insatisfeita, a plebe logrou conduzir ao trono um dos seus. Uma vez coroado, o rei plebeu tratou de combater a fome no reino, facilitar créditos aos súditos, desonerar produtos de primeira necessidade, ao mesmo tempo em que favorecia os negócios de duques, condes e barões, sem atender aos apelos dos servos que labutavam nas terras de extensos feudos e clamavam pelo direito de possuir a própria gleba.

    O reino obteve, de fato, sucessivas melhoras com o rei plebeu. Este, porém, aos poucos deixou de dar ouvidos à vassalagem comum e cercou-se de nobres e senhores feudais, de quem escutava conselhos e beneficiava com recursos do tesouro real. Obras suntuosas foram erguidas, devastando matas, poluindo rios e, o mais grave, ameaçando a vida dos primitivos habitantes do reino.

    Para assegurar-se no poder, a casa real fez um pacto com todas as estirpes de sangue azul, ainda que muitos tivessem os dedos multiplicados sobre o tesouro real.

    Do lado de fora do castelo, os plebeus sentiam-se contemplados por melhorias de vida, viam a miséria se reduzir, tinham até acesso a créditos para adquirirem carruagens próprias.

    Porém, uma insatisfação pairava no reino. Os vassalos eram conduzidos ao trabalho em carroças apertadas e pagavam caros reais pelo transporte precário. As escolas quase nada ensinavam além do beabá, e os cuidados com a saúde eram tão inacessíveis quanto as joias da coroa. Em caso de doença, os súditos padeciam, além das dores do mal que os afetava, o descaso da casa real e a inoperância de um SUStema que, com frequência, matava na fila o paciente em busca de cura.

    Os plebeus se queixavam. Mas a casa real não dava ouvidos, exceto aos aplausos refletidos nas pesquisas realizadas pelos arautos do reino.
    O castelo isolou-se do clamor dos súditos, sobretudo depois que o rei abdicou em favor da rainha. Infestado de crocodilos o fosso em torno, as pontes levadiças foram recolhidas e as audiências com os representantes da plebe canceladas ou, quando muito, concedidas por um afável ministro que quase nenhum poder tinha para mudar o rumo das coisas.

    Em meados do ano, a corte promoveu, com grande alarde, os jogos reais. Vieram atletas de todos os recantos do mundo. Arenas magníficas foram construídas em tempo recorde, e o tesouro real fez a alegria e a fortuna de muitos que orçavam um e embolsavam cem.

    Foi então que o caldo entornou. A plebe, inconformada com o alto preço dos ingressos e o aumento dos bilhetes de transporte em carroças, ocupou caminhos e praças. Pesou ainda a indignação frente a impunidade dos corruptos e a tentativa de calar os defensores dos direitos dos súditos contra os abusos dos nobres.

     A vassalagem queria mais: educação da qualidade à que se oferecia aos filhos da nobreza; saúde assegurada a todos; controle do dragão inflacionário cuja bocarra voltara a vomitar chamas ameaçadoras, capazes de calcinar, em poucos minutos, os parcos reais de que dispunha a plebe.
    Então a casa real acordou! Archotes foram acesos no castelo. A rainha, perplexa, buscou conselhos junto ao rei que abdicara. Os preços dos bilhetes de carroças foram logo reduzidos.

    Agora, o reino, em meio à turbulência, lembra que o povo existe e detém um poder invencível. O castelo promete abrir o diálogo com representantes da plebe. Príncipes hostis à rainha ameaçam tomar-lhe o trono. Paira no horizonte o perigo de algum déspota se valer do descontentamento popular para, de novo, impor ao reino o regime de terror.

    A esperança é que se abram os canais entre a plebe e o trono, o clamor popular encontre ouvidos no castelo, as demandas sejam prontamente atendidas.

    Sobretudo, dê a casa real ouvidos à voz dos jovens reinóis que ainda não sabem como transformar sua indignação e revolta em propostas e projetos de uma verdadeira democracia, para que não haja o risco de retornarem ao castelo déspotas corruptos e demagogos, lacaios dos senhores feudais e de casas reais estrangeiras.
Frei Betto é escritor, autor de “Aldeia do silêncio” (Rocco), entre outros livros.
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  Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária
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terça-feira, 25 de junho de 2013

O ser humano como nó de relações totais




Por LEONARDO BOFF



     Em 1845 Karl Marx escreveu suas famosas 11 teses sobre Feurbach, publicadas somente em 1888 por Engels. Na sexta tese Marx afirma algo verdadeiro mas reducionista:”A essência humana é o conjunto das relações sociais”. Efetivamente não se pode pensar a essência  humana fora das relações sociais. Mas ela é muito mais que isso pois resulta do conjunto de suas relações totais.

     Descritivamente, sem querer definer a essência humana, ela emerge como um nó de relações voltadas para todas as direções: para baixo, para cima, para dentro e para fora. É como um rizoma, aquele bulbo com raízes em todas as direções. O ser humano se constrói na medida em que ativa este complexo de relações, não somente as sociais.


    Em outros termos, o ser humano se caracteriza por surgir como  uma abertura ilimitada: para si mesmo, para o mundo, para o outro e para a totalidade. Sente em si uma pulsão infinita, embora encontre somente objetos finitos. Daí a sua permanente implenitude e insatisfação. Não se trata de um problema psicológico que um psicanalista ou um psiquiatra possa curar. É sua marca distintiva, ontologógica, e não um defeito.


     Mas aceitando a indicação de Marx, boa parte da construção  do humano se realiza, efetivamente, na sociedade. Daí a importância de considerarmos qual seja a formação social que melhor cria as condições para ele poder desabrochar mais plenamente nas mais variadas relações.


     Sem oferecer as devidas mediações, diria que a melhor formação social é a democracia: comunitária, social, representativa, participativa, debaixo para cima e que inclua a todos sem exceção. Na formulação de Boaventura de Souza Santos, a democracia deve ser ser sem fim. Temos a ver com um projeto aberto, sempre em construção que começa nas relações dentro da família, da escola, da comunidade, das associações, dos movimentos, das igrejas e culmina na organização do estado.


     Como numa mesa, vejo quatro pernas que sustentam uma democracia mínima e verdadeira, como tanto acentuava em sua vida Herbert de Souza (o Betinho) e que juntos em conferências e debates, procurávamos difundir entre prefeitos e lideranças populares.


     A primeiro perna reside na participação: o ser humano, inteligente e livre, não quer ser apenas beneficiário  de um processo mas ator e participante. Só assim se faz sujeito e cidadão. Esta participação deve vir de baixo para não excluir ninguém.


     A segunda perna consiste na igualdade. Vivemos num mundo de desigualdades de toda ordem. Cada um é singular e diferente. Mas a participação crescente em tudo impede que a diferença se transforme em desigualdade e permite a igualdade crescer. É a igualdade no reconhecimento da dignidade de cada pessoa e no respeito a seus direitos que sustenta a justiça social. Junto com a igualdade vem a equidade: a proporção adequada que cada um recebe por sua colaboração na construção do todo social.

      A terceira perna é a diferença. Ela é dada pela natureza. Cada ser, especialmente, o ser humano, homem e mulher, é diferente. Esta deve ser acolhida e respeitada como manifestação das potencialidades próprias das pessoas, dos grupos e das culturas. São as diferenças que nos revelam que podemos ser humanos de muitas formas, todas elas humanas e por isso merecedoras de respeito e de acolhida.


     A quarta perna se dá na comunhão: o ser humano possui subjetividade, capacidade de comunicação com sua interioridade e com a subjetividade dos outros; é um  portador de valores como  solidariedade, compaixão, defesa dos mais vulneráveis e de diálogo com a natureza e com a divindade. Aqui aparece a espiritualidade como aquela dimensão da consciência que nos faz sentir parte de um Todo e como aquele conjunto de valores intangíveis que dão sentido à nossa vida pessoal e social e também a todo o universo.


     Estas quatro pernas  vem sempre juntas e equilibram a mesa, vale dizer, sustentam uma democracia real. Ela nos educa a sermos co-autores da construção do bem comum; em nome dele aprendemos a limitar nossos desejos por amor à satisfação dos desejos coletivos.


     Esta mesa de quatro pernas não existiria se não estivesse apoiada no chão e na terra. Assim a democracia não seria completa se não  incluisse a natureza que tudo possibilita. Ela fornece a base físico-química-ecológica que sustenta a vida e a cada um de nós.  Pelo fato de terem valor em si mesmos, independente do uso que fizermos deles, todos os seres são portadores de direitos. Merecem continuar a existir e a nós cabe respeitá-los eentendê-los como concidadãos. Serão incluidos numa democracia sem fim sócio-cósmica. Esparramdo em todas estas dimensões realiza-se o ser humano na história, num processo ilimitado e sem fim.


Leonardo Boff é autor de O destino do homem e do mundo, Vozes 2000.


sexta-feira, 21 de junho de 2013

As Ruas e o Passe Livre

Por MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER


     Não via isso há muito tempo. E meninos...eu vi! Vi e participei das estudantadas dos anos 1960. Chorei com gás lacrimogêneo e vi os cavalos da polícia que avançavam contra os estudantes entre os quais me encontrava. Vi e vivi o comício das diretas no Rio de Janeiro, quando um milhão de pessoas exigia “Diretas já”. Vi minha filha adolescente, com o uniforme do colégio e a cara pintada, gritando “Fora Collor!”
     Mas depois não mais vi... até agora. Quando pensávamos que a liquidez pós-moderna havia transformado a juventude em mera consumidora passiva de bens e ideias pré-fabricadas, eis que ela encheu as ruas. E marcha, protesta, grita. Infelizmente também comete atos violentos. Quando as ruas se enchem e a população é que as ocupa defendendo seus direitos, isso muitas vezes acontece.

     É evidente que violência nunca é bom. Mas acho que esquecemos que a violência é sempre ou quase sempre gerada por outra violência. Pois há violência maior do que ter que deixar de alimentar-se para conseguir chegar ao trabalho? E trabalhar para pagar uma sobrevivência que implica escolher qual das necessidades básicas cortar do cotidiano precário e sofrido? E ter que tomar um, dois, três transportes cheios, sem manutenção ou segurança, para chegar ao local de trabalho após acordar quando a noite ainda exibe suas estrelas e o dia não raiou? E repetir de noite esta terrível gincana?

     Apesar de tudo, é bom ver que a juventude não perdeu a capacidade de indignar-se e expor sua insatisfação em praça pública. É bom ver que os indignados não acontecem apenas no Chile, em Wall Street ou alhures. Acontecem aqui e agora quando sua paciência se esgotou. Os centavos a mais foram o estopim que revelou que o dragão da inflação está de volta, com os dentes à mostra.

     Já as donas de casa o haviam sentido: no supermercado, no tomate e em muitos artigos de necessidade que de repente não cabiam mais em nosso bolso. Já nós todos, assalariados da vida, havíamos sentido que nosso salário não subia em igual proporção que os bens e serviços que usávamos.


      A diferença é que agora há outro ator no cenário. A nova classe média à qual o governo abriu as portas do consumo também sentiu a mordida do dragão. E não admitirá de forma alguma abrir mão daquilo que sempre lhe foi negado e que de repente se encontra ameaçado. Defenderá suas recentes conquistas com unhas e dentes. Contra tudo e contra todos.
     Com os recentes acontecimentos em São Paulo e outras capitais do país fica definitivamente claro que o sonho do Brasil país do presente, do pleno emprego, do crescimento exponencial acabou. O que resta é a realidade transparente de um país cheio de potencial, sim, que cresceu, sim, que conseguiu coisas muito importantes, sim. Mas para quem as dificuldades não acabaram. E as metas não atingidas também não.

     O Movimento Passe Livre reivindica algo que fará o Brasil mais respeitado mundo afora: gratuidade no transporte público. Pois o fato de que os cidadãos abastados da maior cidade do país tenham dois carros para cada membro da família enfrentar o rodízio e transformar as ruas em caos não é riqueza. Riqueza verdadeira é quando os filhos da alta classe média usarem um transporte público de boa qualidade, com segurança e tranquilidade. E as ruas puderem voltar a ser espaços transitáveis.
     Para além do Passe Livre abrem-se, no entanto outras discussões. A da educação de base, nunca bem resolvida. A da saúde, que continua a não merecer a atenção prioritária que deveria. E várias outras. A da corrupção, por exemplo, nunca resolvida e não mais tolerada.

    O fato é que a juventude brasileira expressa a insatisfação que habita a alma de todos. E com tal força que já acumula algumas vitórias. A presidente Dilma fala em tom positivo sobre “ouvir a voz que vem das ruas”. O prefeito Haddad cogita em atender as reivindicações dos manifestantes. E em outras cidades a baixa da tarifa já aconteceu.


     Só esperamos que as manifestações reencontrem o tom adequado: indignado, mas pacífico e ordeiro. Que não haja arruaças, violência, feridos. Como em toda discussão, quem grita e sai do tom perde a razão. Aqui também. Para que o “passe”continue “livre”é preciso responsabilidade no exercício da liberdade.
Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco. O lançamento será no dia 27 de junho, a partir de 19 horas, na Livraria Timbre, Shopping da Gávea – rua Marquês de São Vicente 52-2º piso – Rio de Janeiro.

A teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco. O lançamento será no dia 27 de junho, a partir de 19 horas, na Livraria Timbre, Shopping da Gávea – rua Marquês de São Vicente 52-2º piso. Se você mora no Rio, apareça. Estaremos esperando por você.

Copyright 2013 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

Todos sob controle

Por FREI BETTO


     O novo herói da transparência democrática se chama Edward Snowden, tem 29 anos, e nasceu em Maryland, vizinho do Fort Meade, sede da poderosa NSA (sigla em inglês para designar a Agência de Segurança Nacional dos EUA). Ele nunca completou o ensino médio e foi dispensado do serviço militar, em 2003, devido a um ferimento. Como demonstrava grande talento para a informática, a CIA o recrutou.
     Agora ele se encontra refugiado em Hong Kong por denunciar, com provas, que o governo dos EUA, através da NSA, controla a vida privada de milhões de cidadãos. Os jornais The Guardian, britânico, e Washington Post, estadunidense, publicaram os documentos sobre o projeto Prisma, vazados por Snowden em maio deste ano. Ele trabalhava para empresas contratadas pela NSA, como a Dell e, nos últimos meses, para a Booz Allen Hamilton.

     Os documentos comprovam que a NSA tornou-se o verdadeiro Big Brother, descrito no célebre romance 1984, de George Orwell. Ela pode entrar em seu email, gravar todos os seus telefonemas, apropriar-se de todos os dados de seu cartão de crédito, como já vem monitorando a vida privada de quase 5 milhões de cidadãos. Segundo Snowden, basta conhecer o email de uma pessoa para se ter acesso a todo conteúdo do computador dela.
     Com a invenção do Facebook já não é preciso recrutar espiões. Muitos usuários descrevem ali sua rotina diária, preferências e até intimidades amorosas. Mark Zuckerberg, seu inventor, admite que “utilizamos as informações (divulgadas pelos internautas) para prevenir atividades potencialmente ilegais.” Todo adepto do Facebook, ao clicar seu acordo às normas, aceita que todos os seus dados sejam “transferidos e estocados nos EUA”.

     “Não quero viver num mundo em que tudo que faço e digo fica registrado”, justificou-se Snowden. Acrescentou que agiu assim porque “progressivamente tomei consciência de que os presidentes podem mentir para se manter no poder e ignorar suas promessas públicas sem consequências.”
     O governo Obama não sabe onde enfiar a cara. Os documentos comprovam que a NSA burla inúmeras leis dos EUA, além de ser protegida por “leis secretas”, recurso que, ao arrepio dos princípios do Direito, é adotado pelas ditaduras. A esperança de Snowden é que a Justiça de seu país venha a contestar a vigilância eletrônica praticada em larga escala pela NSA.

     Edward Snowden ingressa, agora, na seleta lista dos whistleblowers (acionadores de alertas). Um dos mais famosos deles é Daniel Ellsberg, funcionário do Departamento de Estado que, em 1971, vazou os papéis do Pentágono denunciando o verdadeiro caráter da guerra do Vietnam. Na época, ele trabalhava para a Rand Corporation, um instituto de pesquisa estreitamente vinculado aos serviços secretos estadunidenses.    
     Ellsberg fez vazar 43 volumes ultra confidenciais, com 7 mil páginas, provando que, de Eisenhower a Nixon, todos os presidentes mentiram sobre o envolvimento dos EUA no Vietnam. Isso fez mudar a opinião pública que, a partir de então, passou a exigir o fim da guerra, que terminou com a derrota de Tio Sam.

     Nixon ficou tão furioso que, após ofender a progenitora do denunciante, mandou invadir o consultório do psiquiatra dele, em busca de informações que pudessem desacreditá-lo, e tentou colocar LSD em sua sopa. O processo se encerrou em 1973, quando a defesa de Ellsberg comprovou que houve escutas ilegais e “provas” fabricadas. Hoje, aos 82 anos, ele defende os jovens acionadores de alertas.

     Outro é Bradley Manning, analista militar no Iraque que, aos 22 anos, repassou ao WikiLeaks de Julian Assange 700 mil documentos.

Como Snowden e Manning, funcionários subalternos, puderam ter acesso a documentos ultra secretos? A resposta, segundo analistas, é o pânico que tomou conta dos EUA após a queda das Torres Gêmeas, em 2001. A pressa em recrutar agentes para os serviços de espionagem impede uma seleção mais criteriosa.
       “Uma de nossas obrigações é garantir que os EUA permaneçam seguros”, declarou a senadora democrata Dianne Feinstein após a denúncia de Snowden. Obama não foi menos enfático: “É preciso admitir que não se pode ter 100% de segurança e, ao mesmo tempo, 100% de privacidade e nenhum inconveniente.”

      Eis a consagração do Estado Policial, capaz de controlar todos os seus cidadãos. O medo do terrorismo doméstico faz com que, hoje, 56% dos estadunidenses apoiem a vigilância telefônica e eletrônica da população.

    Temos, então, um arremedo de democracia. Uma democracia sem liberdade e privacidade. Comprovar que democracia e liberdade individual não são compatíveis é, sem dúvida, uma vitória de Osama Bin Laden.


Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.

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quarta-feira, 19 de junho de 2013

Festas juninas e o direito de sonhar




Por Marcelo Barros

 
     Nesses dias, em todo o Brasil, principalmente no Nordeste, tanto na região rural, como nas cidades, o povo vive as festas juninas. Pessoas que no dia a dia não se articulam nem se  organizam comunitariamente, nessa época do ano, se unem para dançar quadrilhas e dramatizações populares.

     A tradição liga essas festas a Santo Antônio, São João e São Pedro, mesmo se, em muitos lugares, há muito, os festejos são mais culturais e não religiosos. No Brasil, correspondem às festas de Inti Rami, celebração do sol que renasce, data do solstício do inverno, correspondente ao ano novo no hemisfério sul, comum em vários países andinos. Na maioria das culturas, a comemoração da mudança de ano se faz através de ritos que sinalizam a busca de renovação da vida.

     A chegada de um novo ano agrícola ou civil nos convida a  retomar o espírito de criança que existe em todo ser humano. Tanto nos Andes, como nas festas juninas brasileiras, as pessoas se vestem de modo engraçado, voltam a brincar como quando eram jovens e se acendem fogueiras para iluminar o novo tempo. De mandioca ou de milho, alguns povos indígenas fazem uma bebida fermentada que, segundo antigas tradições, despertam nas pessoas os seus sonhos mais profundos.

     Sonhar não quer dizer delirar ou fantasiar. Segundo C. G. Jung, “o sonho é um processo orientado para uma finalidade” A utopia pode deixar de significar o irreal e indicar a realização dos sonhos que a esperança e a união da gente tornam possíveis.

     Sêneca, filósofo latino do primeiro século, dizia que “o vento sopra na direção daqueles que sabem em que direção andar”. Ninguém de nós acredita que apenas a consciência possa fazer mudar os ventos da história. Entretanto, quem sabe o que quer descobre como aproveitar o vento favorável. A sociedade que pensa o seu futuro se coloca em uma situação de melhor encontrar os meios para construí-lo adequadamente.

      O pastor norte-americano Martin Luther King foi assassinado porque sonhou. O seu discurso “I have a dream” (Eu tive um sonho) desencadeou um movimento imenso de mudança social. Quando se rouba a possibilidade de sonhar, o econômico se reduz ao mercantil. A felicidade se reduz ao consumo. O cultural é restrito ao tecnológico, o social não tem vez e não há futuro possível.

     “Só quem crê no futuro, planta árvores” diz um provérbio popular. Atualmente vigora em vários países da América Latina um processo social e político novo que chamamos de bolivarianismo. Fundamentado na radicalização de uma verdadeira democracia social, baseado no diálogo com as culturas ancestrais de nossos povos e na prioridade da educação aberta a todos os cidadãos, esse projeto teve de ser muito sonhado e desejado para se colocar em construção. A integração dos continentes em uma sociedade civil internacional, a superação da injustiça estrutural que ainda assola o mundo, assim como a possibilidade de uma humanidade em maior comunhão com a natureza são projetos que precisam ser desejados e sonhados, para que possam mobilizar as nossas energias e nossos esforços. Em um cárcere nazista, já consciente do dia de sua morte, Etty Hillesun, jovem judia de 28 anos, escrevia em seu diário: “Não posso deixar que roubem de mim a riqueza que me resta: o meu sonho é sempre poder sonhar”.

     O sonho alimenta não a esperança passiva de quem cruza os braços à espera do futuro, mas a energia confiante de quem precisa acreditar no futuro para torná-lo presente. É importante que nossas festas juninas signifiquem não apenas um saudosismo da antiga roça que não existe mais, nem apenas brincadeiras que caricaturam a figura do caipira e sim esse ensaio de uma sociedade unida, alegre e disposta a sonhar e a lutar por seus sonhos. Então, sim o impossível se torna possível e o amanhã começa hoje.

Marcelo Barros é monge beneditino e peregrino de Deus.