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quinta-feira, 13 de junho de 2013

Drogas, equívocos e soluções


Por FREI BETTO


     O fenômeno das   drogas atinge todos nós. Não há exceção. Ainda que você não tenha um   dependente químico na família, o perigo reside no assalto. Nada pior  do que  ser assaltado por uma pessoa drogada. Qualquer gesto, por mais  inocente, pode  representar na cabeça dele uma reação que merece a   morte.

     Não   é apenas nas ruas que a existência de grande número de viciados  preocupa. Em  todas as classes sociais há quem seja dependente de  drogas. Não somente das  proibidas, como cocaína e ópio, mas também das  que se podem adquirir em  farmácias (com receitas falsas) ou em  hospitais (por desvio). Nos dois casos,  uma grana extra faz do  funcionário um corrupto, e a droga de tarja preta chega  fácil às mãos  do usuário.

     Famílias de   classes média e alta conhecem a tortura do que significa ter um  parente  dependente químico. Por sua vez, o poder público, incomodado  com a paisagem  urbana das cracolândias, advoga a internação  compulsória. Medida, aliás,  adotada por certas famílias com recursos  para pagar internação em clínicas de  (suposta)  recuperação.

     Restam as   perguntas que não querem calar, mas que famílias e poder público  insistem em  abafar: o que induz uma pessoa a consumir drogas? Qual a  solução para o  problema?

     Se  amanhã  hóstia de igreja, que é oferecida gratuitamente, virar grife, terá   preço de mercado, como jeans esfarrapados vendidos hoje em lojas  sofisticadas.  Ocorre que só quem comunga por razões religiosas consome  hóstias. Do mesmo  modo, o narcotráfico – que deve ser combatido com  todo rigor – só existe  porque há um amplo e voraz mercado de  consumo.

     O  que leva uma  pessoa a consumir drogas é a carência de autoestima.  Sentindo-se inferior,  desamada, pressionada pelo estresse competitivo,  ela encontra nas drogas o  recurso para alterar seu estado de  consciência. Assim, se sente bem melhor do  que ao enfrentar, de cuca  limpa, a realidade. Sobretudo com certas drogas,  como a cocaína, que  imprimem sensação de onipotência.

     Todo drogado é  um  místico em potencial. Sabe que a felicidade é uma experiência da   subjetividade. Nada fora do ser humano é capaz de trazer felicidade.  Dê a um  dependente químico barras de ouro para que abandone a droga e  inicie vida  nova. Ele logo tratará de vendê-las para comprar drogas.  

     A  droga decorre  de nossa escala de valores. Há nisso forte componente  educativo. Se um jovem é  educado priorizando como valores riqueza,  sucesso, poder e beleza, tende a se  tornar vulnerável às drogas. Elas  funcionarão, periódica e provisoriamente,  como cobertor ao frio de  suas ambições frustradas.

     Alerto meus   amigos que têm filhos pequenos: deem a eles muita atenção e carinho,  especialmente até que  completem 12 anos. Internações podem ser úteis  em situações de crise ou surto.  Nunca como solução. Todo drogado grita  em outra linguagem: “Eu quero ser  amado!”

     E o  poder  público, o que fazer diante desta epidemia química? Internação   compulsória? Funciona provisoriamente como limpeza da paisagem urbana.  Em um  país como o nosso, em que o sistema de saúde é tão precário,  difícil acreditar  que existam clínicas de internação em número  suficiente para atender todos os  dependentes e que tenham suficiente  pedagogia de  recuperação.

     A  solução  talvez não seja fácil para aqueles que já romperam vínculos   familiares. Contudo, há, sim, solução preventiva se o poder público  cumprir  seu dever de assegurar a todas as crianças e jovens educação  de qualidade. Um  jovem que sonha ser um profissional competente jamais  entrará nas drogas se  tiver educação garantida, sobretudo centrada em  valores altruístas,  solidários, espirituais.

     Morei cinco anos   em favela. Aprendi que nenhum traficante deseja que seu filho siga os  seus  passos. O sonho é que o filho seja doutor. Portanto, no dia em  que o poder  público levar aos ninhos do tráfico mais escolas, música,  teatro, academias de  ginástica, bibliotecas, e menos batidas policiais  e balas “perdidas”, teremos  menos viciados e  traficantes.

     Portugal ensinou   muito ao Brasil: o idioma, o prazer do queijo, a religiosidade cristã,  a arte  sacra, o gosto pela literatura etc. É hora de aprendermos  também com Portugal  como lidar com as drogas. Lisboa é a capital  europeia com menor índice de  homicídios.

Frei Betto é escritor, autor do romance  sobre  drogas “O Vencedor” (Ática), entre outros  livros.
 http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.

 Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

          


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