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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Vida para além do esgoto



Por MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER



           Há  muito a mídia noticia e não é segredo para ninguém que a China tem políticas  rígidas e severas para limitar a natalidade.  Sobretudo se são nascidos  de mães solteiras. Bebês chineses nascidos fora do casamento muitas vezes são  abandonados pelas mães em consequência das pressões sociais e financeiras. A  política do filho único do país também pode representar multas pesadas para os  casais que têm mais de um  bebê.

            Assim  aconteceu com uma jovem de 22 anos na província de Zhejiang, dias atrás. Com  medo, escondeu de todos a gravidez.  No vaso sanitário, ela começou a  perder sangue e na hemorragia perdeu igualmente, através da tubulação do  banheiro, o bebê a termo que levava no ventre.  Solteira,  escondeu  a gravidez com medo de represálias por parte das autoridades. Até o momento em  que deu à luz de maneira inesperada no banheiro. Segundo ela, o bebê caiu,  acidentalmente, no vaso sanitário e desceu pelo encanamento de 10 centímetros  de  diâmetro.
            De  repente, gemidos e choros começaram a ser ouvidos por uma mulher.  E sua  fonte foi identificada: o banheiro onde a jovem mulher havia dado à luz e  perdido seu bebê dentro do vaso sanitário.  O recém-nascido caiu na  tubulação e ficou preso, informou a polícia de  Jinhua.
            Os  serviços de resgate demoraram mais de uma hora para cortar o trecho da  tubulação de 10 centímetros de diâmetro, utilizando serras e alicates para  retirar o recém-nascido. Pesando 2,3 quilos e apesar de haver permanecido  durante quase três horas dentro do encanamento, foi finalmente retirado, entre  a vida e a morte. Com alguns cortes no rosto, pernas e braços, foi levado para  um hospital e colocado em uma incubadora. Porém, a incrível capacidade de  sobrevivência e pulsão de vida que o fizeram resistir horas dentro de um cano  de esgoto e dali sair com vida também o ajudaram em sua recuperação.  

            Plenamente  recuperado, a pequena vida resgatada do esgoto, do lugar dos dejetos e da  imundície, floresce fora do útero da mãe e cresce em graça e pujança. O caso  teve imensa repercussão na China e foi assunto em todas as redes sociais.   A população, que vive sob política tão rígida sobre a liberdade do casal  de decidir  o número de filhos que deseja ter, comoveu-se com a  tenacidade demonstrada pelo  bebê, para quem nem o esgoto foi obstáculo  em sua vontade de viver.   

            Por  outro lado, a mídia anuncia que o governo da província de Hubei, com população  de mais de 57 milhões,  pretende multar as chinesas solteiras que  engravidarem ou amantes de homens casados que venham a engravidar. A multa  seria uma "compensação social" e uma forma de manter baixa a taxa de  natalidade na  província.

            Demógrafos  e cientistas sociais se inquietam.  A medida pode levar ao crescimento do  número de abortos e bebês abandonados. Parece que o bebê salvo do esgoto  semeou inquietação, pois esse projeto de lei foi divulgado dias depois de seu  resgate na tubulação de esgoto. O caso criou comoção internacional  e  levou o governo a tomar medidas e  represálias.

            Não  creio que serão tão eficazes.  Mais forte é a vida, que teima em resistir  a tudo e fazer-se presente, mesmo quando o encanamento do esgoto é seu  primeiro “lugar” no mundo.  Ainda que a jovem mãe tenha sido obrigada a  esconder a pequena existência que crescia em seu ventre.  E os primeiros  vagidos daquele pequeno ser tenham sido ouvidos por trás da rigidez do metal  de um  encanamento.
           A  vida é mais forte que circunstâncias tão adversas.  E será mais forte  seguramente do que leis antivida que querem impedi-la de acontecer.  

Maria Clara Lucchetti Bingemer é  professora do departamento de teologia da  PUC-Rio A   teóloga é autora de “O  mistério e  o mundo – paixão por Deus em tempo de descrença” , recém lançado pela Editora  Rocco.
Copyright 2013 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br) 

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