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sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Mudanças climáticas: aprender a fazer as conexões

 Leonardo Boff


Não estamos mais indo ao encontro do aquecimento global. Estamos já dentro dele, possivelmente de forma irreversível. Na COP 15 de Paris de 2015 se firmou o acordo de inversão de um bilhão de dólares anuais para reter o aquecimento e ajudar os países que não possuem meios suficientes para isso. A perspectiva era de evitar que o clima crescesse 1,5C até 2030, tendo como referência o começo da era industrial. O fato é que quase ninguém cumpriu o prometido. Como o aquecimento cresce dia a dia, chegamos ao ponto de o último relatório do IPCC de ano de 2023 e de outras fontes oficiais nos revelam que este aquecimento nos chegará antecipado entre 2025 e 2027.Ele poderá alcançar 2graus Celsius.

Temos verificado neste ano de 2023 um aumento assustador do aquecimento atingindo praticamente todo o mundo, chegando e muitos lugares acima de 40C ou mais. Já não podemos falar simplesmente de aquecimento global mas de mudança de regime climático da Terra. Inauguramos uma nova era, com níveis climáticos variáveis conforme as regiões, mas possivelmente se estabilizando planetariamente por volta de 38-40C.

Neste ano já se fizeram notar as consequências funestas desta mudança de regime climático: o grande degelo das calotas polares, incêndios devastadores em muitas regiões do mundo, como no Canadá e nas Filipinas que incinerou uma inteira ilha com casas e carros e tudo o que perfaz uma cidade. No Sul do Brasil ocorreram um ciclone devastador e enchentes em muitas cidades, algumas delas praticamente destruídas.

Andando por aquele lugares no final de setembro e refletindo em vários centros com numerosos grupos sobre esse fenômeno, sempre de novo surgia a pergunta: por que está ocorrendo esta devastação, com mortes e milhares de desabrigados? Esforcei-me, o mais que pude, para lhes conscientizar de que estes fenômenos não são naturais,mesmo com a confluência de dois fatores: o el Niño e o aquecimento global. Estea fenômenos são inaturais. Eles obedecem à nova lógica das mudanças do regime climático. Devemos todos nos preparar porque tais devastações serão cada vez mais frequentes e mais danosas.

Muitos dos mais notáveis climatólogos atestam que chegamos atrasados com nossa ciência e técnica. Elas, nas condições atuais da pesquisa, pouco podem fazer, apenas advertirmos da chegada dos ciclones, dos tufões e das tempestades e minorar os efeitos danosos. Mas eles virão fatalmente. Quer queiram ou não os negacionistas, os dirigentes de grandes corporações planetárias e de inteiros governo,o fato inegável é que entramos num estágio novo da história da Terra. Muitos, especialment crianças e idosos terão dificuldades de adaptação e morrerão. Igual devastação ocorrerá na própria natureza com a fauna a flora.

No que se refere às enchentes tenho explicado que cada rio possui dois leitos: o normal pelo qual ele normalmente corre e o segundo ampliado que é aquele espaço que lhe pertence e que acolhe as águas das enchentes. Neste espaço do leito ampliado não podemos fazer construções e elevar inteiros bairros. Temos que respeitar o que  lhe pertence e reforçar a mata ciliar que margeia seu leito principal. Caso contrário, enfrentaremos  destruições momentosas com muitas vítimas de pessoas e de animais que pertencem à nossa comunidade de vida.

Aprendemos pela ecologia não meramente verde e ambiental mas pela ecologia integral (urbana, social, política, cultural e espiritual) aquilo que é a tese fundamental da física quântica e de todo discurso ecológico: todos os seres estão interligados. Tudo é relação e nada existe fora da relação. Isso nos leva a incorporar uma compreensão que identifica as conexões de todos os fenômenos. O terremoto do Marrocos, a enchente na Líbia, os incêndios no Canadá e a onda quase insuportável de calor que tomou conta da Europa e em quase todo o nosso  país, tem a ver com as enchentes no Sul do país.Pois o problema é sistêmico, afeta todo o planeta.

A maioria  das audiências públicas organizadas pelos organismos do governo federal e estadual geralmente é hegemonizada pelo discurso dos cientistas. Ele não são os melhores conselheiros pois trabalham os meios técnicos,sugerem medidas dentro do sistema no qual estamos encerrados, mas não se colocam a questão dos fins.

O discurso é dos fins e não dos meios: que tipo de Terra queremos? Que mudanças devemos fazer no modo de produção e consumo? Como diminuir a vergonhosa desigualdade social mundial?A maioria cai na ilusão de que dentro do atual sistema produtivista seja capitalista seja socialista, notoriamente devastador dos bens e recursos da natureza, pode-se chegar a soluções que resultam da diminuição de gazes de efeito estufa. Ledo engano. Dentro desta bolha que ocupou todo o planeta não há solução contra a mudança de regime climático. Pois são exatamente eles que sugam os recursos escassos da natureza que consequentemente produzem milhões de toneladas anuais de CO2 e de metano (28 vezes mais danoso que o CO2)lançadas na atmosfera.

É urgente, se queremos ainda permanecer neste planeta, fazer uma “conversão ecológica fundamental” como o diz a encíclica do Papa “como cuidar da Casa Comum”

Os grandes conglomerados e aquela pequeníssima porção de pessoas que controla o sistema de produção e o fluxos financeiros de onde tiram seus fabulosos lucros, jamais aceitam tal mudança. Perderiam seus ganhos, privilégios, poder econômico e político.  No entanto, seguir por este caminho tornaremos a Terra cada vez mais inabitável, com milhõe se refugiados climáticos e emigrantes que já não podem mais viver em seus lugares queridos. Engrossaremos o cortejo daquele que rumam na direção de sua própria sepultura. Se quisermos evitar  este destino, devemos mudar.

Qual a alternativa necessária? Não é aqui o espaço pra detalhar esta complexa resposta. Mas refiro apenas duas palavras-chaves: passar do ser  humano, hoje dominante, como “dominus”, senhor e dono da natureza e não sentindo-se parte dela, explorando-a sem limites  para o o ser humano como “frater” irmão e irmã entre todos os humanos e também com os demais seres da natureza da qual é a parte consciente, porque possuímos com eles e mesma base biológica e cuidamos dela. Somos de fato irmãos e irmão, por um dado de ciência mais do que pela mística cósmica de São Francisco.  O fato é que não nos tratamos como irmãos e irmãs. Somos antes insensíveis e até cruéis.Sobre tal tema remeto aos meus próprios escritos que tentam detalhar este novo rumo.

 

Leonardo Boff escreveu O doloroso parto da Mãe Terra:uma sociedade de fraternidade sem fronteiras e de amizade social, Vozes 2021; Habitar a Terra: qual o caminho para a fraternidade universal, Vozes, 2021; Cuidar da Terra e proteger a vida: como escapar do fim do mundo, Record 2014; A busca da justa medida como fator para o equilíbrio da Terra, Vozes 2023.

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quinta-feira, 28 de setembro de 2023

RELIGIÃO LIBERTADORA

 


Frei Betto


 

       Se a religião, como assinalou Karl Marx, é “o coração de um mundo sem coração” e “o suspiro da criatura oprimida”, é, portanto, uma forma de protesto diante do mundo real. É, para a pessoa religiosa, sua teoria geral do mundo, seu compêndio enciclopédico, sua lógica dentro da cultura popular.

Pergunte a qualquer trabalhador sem escolaridade – cozinheira, camponês, faxineiro -, o que pensa do mundo, da vida e da morte. Com certeza lhe dará uma resposta tecida em categorias religiosas. Afirmação semelhante seria feita anos depois por Nietzsche, para quem o Cristianismo é um platonismo para o povo.

        Fidel me afirmou na entrevista que relato  no livro Fidel e a religião: “Se você me diz que nas atuais condições da América Latina é um erro acentuar as diferenças filosóficas com os cristãos que, como parte majoritária do povo, são as vítimas massivas do sistema, então eu diria que você tem razão. Embora o prioritário fosse, a meu ver, concentrar o esforço em conscientizar para unir em uma mesma luta todos os que carregam uma mesma aspiração de justiça.’   

E muito mais lhe dou razão quando se observa a tomada de consciência dos cristãos ou de importante parcela deles na América Latina. Se partimos desse fato e das condições concretas, é absolutamente correto e justo exigir que o movimento revolucionário tenha um enfoque adequado da questão e evite, a todo custo, uma retórica doutrinal que entre em choque com os sentimentos religiosos da população, inclusive de trabalhadores, de camponeses e de setores médios, o que só serviria para ajudar o próprio sistema de exploração.’

 “Eu diria que, frente a uma nova realidade, deveria haver uma mudança no tratamento da questão e nos enfoques da esquerda. Nisso concordo inteiramente com você. Para mim, é inquestionável. Mas durante um longo período histórico, no qual a fé foi utilizada como instrumento de dominação e de opressão, há lógica no fato de os homens que desejaram mudar esse sistema injusto terem entrado em choque com as crenças religiosas, com aqueles instrumentos e com aquela fé.”

“Creio que a grande importância histórica do que você denomina Teologia da Libertação, ou Igreja da libertação – como preferir -, é precisamente sua profunda repercussão nas concepções políticas dos cristãos. E eu diria algo mais: significa o reencontro dos cristãos de hoje com os cristãos de ontem, dos primeiros séculos, quando surgiu o cristianismo depois de Cristo.”

        Com o objetivo de resgatar o Cristianismo primitivo, valorizado por Engels e Fidel, publiquei, em agosto de 2022, o livro Jesus militante – o Evangelho e o projeto político do Reino de Deus, no qual defendo, baseado em análise detalhada do Evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, que Jesus não veio fundar uma religião, o Cristianismo, ou uma Igreja, a cristã. Veio nos propor um novo projeto civilizatório, político, fundado em dois pilares: nas relações pessoais, o amor; nas relações sociais, a partilha dos bens da natureza e daqueles produzidos pelo trabalho humano. A esse projeto, ele denominava Reino de Deus em oposição ao reino de César, sob o qual vivia. Por isso, acusado de sedição, sofreu prisão política e foi condenado à pena de morte na cruz. 

        A experiência socialista comprovou, entretanto, que mesmo combatendo a “miséria real” a religião não desaparece. Como não desaparecem outros fatores que transcendem a razão humana: a arte e o amor. Até porque tanto o marxismo quanto as religiões são sistemas de sentido. Pretendem explicar a vida e a história humanas, assim como o capitalismo. A diferença é que as religiões são sistemas de sentido mais abrangentes, vão além do que pode ser esclarecido pela ciência e pelos paradigmas da estética; explicam desde a importância do perdão na reconciliação de duas pessoas que se desentenderam até a origem do Universo e da vida e o que se passa após a morte. 

       Fidel declarou na entrevista: “Quando Marx criou a Internacional dos trabalhadores, havia entre eles muitos cristãos. Também na Comuna de Paris havia muitos cristãos entre os que lutaram e morreram. Não há uma só frase de Marx excluindo aqueles cristãos, dentro da linha ou da missão histórica de levar adiante a revolução social. Se vamos mais além e recordamos todas as discussões em torno do programa do Partido Bolchevista, fundado por Lênin, você não encontra uma só palavra que exclua os cristãos do Partido. A principal exigência é a aceitação do programa do Partido como condição para ser militante. De modo que aquela frase tem valor histórico e é absolutamente justa em determinado momento.’

“Neste momento, podem existir circunstâncias em que ela ainda seja expressão de uma realidade. Em qualquer país no qual a hierarquia católica ou a de outra Igreja esteja estreitamente associada ao imperialismo, ao neocolonialismo, à exploração dos povos e dos homens e à repressão, não devemos nos surpreender que alguém repita que “a religião é o ópio do povo”.

       Ao contrário de todas as previsões iluministas, o fenômeno religioso não apenas impregna a cultura de povos do mundo inteiro, como se mostra em ascensão. E as forças de direita se apegam resolutamente a ele por reconhecerem seu alcance popular, o que facilita a manipulação das consciências rumo à naturalização das desigualdades sociais, à exaltação da meritocracia individual e à abnegação em situação de opressão. 

       Neste sentido, a religião disseminada pela direita é, sim, um ópio que tem por objetivo desmobilizar as forças populares potencialmente revolucionárias, de modo a postergarem para a eternidade o direito a uma vida digna e feliz.

       Na América Latina, o fenômeno se apresenta sobretudo pelo fundamentalismo cristão de Igrejas evangélicas e setores do catolicismo. Os dados mostram que nosso Continente, tradicionalmente católico, tende a ser, agora, predominantemente evangélico de perfil protestante neopentecostal. Portanto, devidamente legitimador do sistema capitalista.

       O progressismo das Comunidades Eclesiais de Base e de seu fruto mais expressivo, a Teologia da Libertação, tão vigentes entre as décadas de 1970-1990, refluiu sob os 34 anos de pontificados conservadores de João Paulo II e Bento XVI. O papa Francisco se empenha em recuperar o terreno perdido, embora saiba que, hoje, ele é a cabeça progressista de um corpo estruturalmente conservador.

       Por sua vez, a esquerda mundial se viu abalada sob os escombros do Muro de Berlim. Na Europa, ela se esfacelou e amplos segmentos foram absorvidos pelo neoliberalismo. Na América Latina, ela abandonou os propósitos revolucionários para se adaptar a programas políticos sociais-democratas assumidos por partidos e governos progressistas. O pensamento marxista ficou recolhido às bibliotecas e o socialismo, à exceção de Cuba, deixou de ser um objetivo histórico.

       A questão que me parece mais importante, na atual conjuntura, é a politização, organização e mobilização dos amplos setores populares, quase sempre impregnados de forte religiosidade cristã. Numa palavra: retornar ao trabalho de base, tão intenso na América Latina nas décadas de 1960 a 1990. Retirar Paulo Freire das prateleiras de livros. Desafio nada fácil considerando que, hoje, esses setores em muitos países estão sob o comando de pastores e padres fundamentalistas, braços do narcotráfico, milícias ou grupos paramilitares. 

       Se em nosso povo a porta da razão é o coração e a chave do coração a religião, a esquerda terá que necessariamente abraçar a pedagogia do trabalho popular que leva em conta o fator religioso. O discurso político nem sempre encontra eco nas camadas populares, muitas delas decepcionadas com partidos e governos. A hermenêutica religiosa terá que entrar na pauta da militância de esquerda. Não para manipular consciências, como faz a direita, e sim para reaprender a valorizar a fé das pessoas mais simples e ajudá-las a fazer uma leitura libertadora da Bíblia, considerada por elas Palavra de Deus.

       Se em países como Brasil e México a esquerda, para ter êxito, deverá sempre contar como aliadas a Virgem de Aparecida e a Virgem de Guadalupe, em toda a América Latina não há como avançar para superar o capitalismo e implantar uma sociedade socialista sem ter como aliado o companheiro Jesus de Nazaré. 

 

Frei Betto é escritor, autor de “Paraíso perdido – viagens pelo mundo socialista”, entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

  Copyright 2023 – FREI BETTO – AOS NÃO ASSINANTES DOS ARTIGOS DO ESCRITOR - Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com) 

  Frei Betto é autor de 77 livros editados no Brasil, dos quais 42 também no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

 

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quarta-feira, 27 de setembro de 2023

PALAVRAS DE PEDRO - Estenda a sombra da Tua Mão


Dom Pedro Casaldáliga



Estenda a sombra da Tua Mão


Estenda a sombra da tua Mão

para que possa ver sem me deslumbrar

todo o sol do caminho.


Aproxima tua voz, no tumulto 

e no turvo silêncio,

para que eu saiba te ouvir

entre tantas verdades e omissões.


Alcança-me o rosto com teu Alento

para que sinta sempre a tua presença,

mesmo quando te proíbam,

mesmo quando não te vejam meus olhos espantados.


Pedro Casaldáliga, Fogo e Cinza ao vento #Casaldàliga! #PedroCasaldáligaPresente! #PereCasaldàliga #NãoQueremosGuerraQueremosPaz! #pl2903não #NãoAoMarcoTemporal #MarcoTemporalNão @fperecasaldaliga @irmandadedosmartires

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Encontro do Povo de Deus – Junto na Caminhada

Marcelo Barros



A comunidade ecumênica de Taizé na França e mais 60 organizações ecumênicas, assim como várias federações de igrejas  evangélicas estão convidando juventudes de todo o mundo para se unir em oração e vigília em um projeto chamado em inglês Togheter (juntos). É um processo de diálogo e de caminho em comum que jovens de 18 a 35 anos são chamados a percorrer. Enquanto em Roma, no dia 4 de outubro, se abre a primeira sessão mundial do Sínodo dos Bispos sobre o caminho da sinodalidade que a Igreja deve percorrer, as mais diversas juventudes da Igreja e do mundo são convidadas a se reunirem para ensaiarem caminhos para a unidade e a paz da humanidade, no cuidado com a Mãe-Terra, nossa casa comum.


O início desse processo acontecerá no sábado 30 de setembro e foi convocado pelo papa Francisco. No domingo, 15 de Janeiro deste ano, em Roma, no final da oração do Angelus, o Papa Francisco anunciou que os trabalhos da próxima assembleia do Sínodo da Igreja Católica serão recedidos por uma vigília ecumênica de oração, a ser realizada, no sábado 30 de Setembro na Praça de São Pedro. Ele afirmou:

«O caminho da unidade dos cristãos e o caminho da conversão sinodal da Igreja estão ligados. Gostaria de aproveitar esta oportunidade para anunciar que no sábado 30 de Setembro haverá uma vigília de oração ecuménica na Praça de São Pedro, onde confiaremos a Deus os trabalhos da 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. Para os jovens que virão à vigília, haverá um programa especial durante todo o fim-de-semana, animado pela Comunidade de Taizé. Desde já, convido os irmãos e as irmãs de todas as confissões cristãs a participar neste "Encontro do Povo de Deus»

Esse Encontro do Povo de Deus está sendo preparado há vários meses por representantes de cerca de 50 organizações e entidades de várias Igrejas e de caráter ecumênico. Ao mesmo tempo que jovens de 18 a 35 anos, vindos de toda a Europa se encontrarão na noite do sábado, 30 de setembro, na Praça de São Pedro, em Roma, as organizações desse projeto Togheter propõem que nas mais diferentes regiões, por todo esse mundo de Deus, jovens e adultos se encontrem em vigílias de oração e de caminhada para formar uma rede de energia amorosa e de paz que inunde o mundo.

Na escuridão de nossas noites, vamos acender velas que simbolizem luz para os caminhos a seguir. Assim, poderemos retomar a profecia do projeto divino da Paz e da Justiça, de forma não violenta, a partir da organização de pequenas comunidades de Pastoral de Juventude  (PJ), de redes ecumênicas de jovens ou de grupos independentes que possam ser células e laboratórios que ensaiem um novo mundo possível.

Quem quiser seguir as informações sobre a vigília em Roma, veja:

https://together2023.net/pt/info-page/genese-do-projecto/

Quem desejar se inscrever, aí vai o site para a inclusão: 

https://together2023.net/pt/info-page/carta-de-inclusao/

Nesse momento do mundo, para enfrentarmos os desafios atuais, as guerras, conflitos e divisões que ferem a família humana, precisamos escutar de modo novo e diferente os gritos dos povos crucificados pelo Capitalismo e pela desumanidade da elite que se apodera para si dos bens de toda a terra.

É o Espírito de Deus, a Divina Ruah, que nos chama e nos abre um caminho para avançarmos com o Cristo, como companheiros de viagem, juntamente com a multidão dos/das excluídos/as que vivem à margem das nossas sociedades. Nessa viagem, num diálogo que reconcilia, queremos recordar que precisamos uns dos/as outros/as, não para quepossamos ser mais fortes juntos, mas como contribuição para a paz na família humana.

Queremos juntos escutar os gritos e gemidos da Mãe Terra e, assim, no encontro e na escuta mútua, caminhemos juntos como o povo de Deus, profecia de uma humanidade reconciliada e unida. E aí experimentaremos a verdade do que escreveu o apóstolo Paulo: “Onde estiver o Espírito de Deus, aí haverá a liberdade” (2 Cor 3, 6).

sábado, 23 de setembro de 2023

Tua Face



Goretti Santos

 

Vejo Tua Face no grito desesperado de dor de meu irmão,

É Tua Face que vejo na mão que se estende em minha direção pedindo socorro, clamando a retirada desse cálice  amargo que agora a vida apresenta…

É Teu Rosto Sereno que vejo na gentileza do gesto de apoio que ampara…

É Tua Face que vejo, na vontade de ser melhor, não para mim, mas para o outro… para harmonizar com Tua Criação…

É Você, Senhor,  Inteiro Presente na doação do tempo, da vida, das mãos a dividir o peso do cansaço do caminho percorrido até aqui.

Verei Tua Face Senhor, no sorriso exausto depois de tanta dor…sabendo cumprida a missão…

É Tua Face que vejo na superação da mágoa  para resgate da fraternidade, da amizade, da esperança.

É Tua Face que vejo na gratuidade da solidariedade…

Irei a Teu encontro Face a face

A cada passo em direção ao Amor,

A Tua Verdadeira Face!

 

Goretti Santos

04/09/2023 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

MARX PREGOU O ATEÍSMO?

 

Frei Betto


 

       Ao chegar a Paris, em outubro de 1843, Marx, pela primeira vez, se declarou ateu. Ali escreveu Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel, no qual afirma que “a crítica da religião chegou, no essencial, ao fim na Alemanha, e a crítica da religião é a premissa de toda crítica (...).”

E continua: “O fundamento de toda crítica irreligiosa é que o homem cria a religião (...). A religião é uma consciência do mundo invertida (...). A miséria religiosa é, por um lado, a expressão da miséria real e, por outro, o protesto contra a miséria real (...).”

       “A religião é o suspiro da criatura assediada, o coração de um mundo sem coração, assim como também o espírito de uma época sem espírito”.

       Chegou um momento em que Marx já não considerava o ateísmo necessário: “O ateísmo, enquanto negação desta carência de essencialidade, carece agora totalmente de sentido, pois o ateísmo é a negação de deus e afirma, mediante esta negação, a existência do homem; mas o socialismo, enquanto socialismo, já não necessita de tal mediação (...). É autoconsciência positiva não mediada pela religião.” (Manuscritos econômicos políticos de 1844). 

       O socialismo traria a superação prática da religião. Esta é a posição definitiva de Marx e, por isso, jamais concordará com o ateísmo militante - como posteriormente se implantou na União Soviética –, o que o levou a criticar Bakunin, porque este “decretava o ateísmo como dogma para seus membros” (da Internacional). (Carta de Marx a Bolte 23/11/1871)

        Na carta a Bolte, Marx também escreveu: “Em fins de 1868, ingressou na Internacional o russo Bakunin com o propósito de criar, em seu seio e sob a sua própria direção, uma Segunda Internacional denominada “Aliança da Democracia Socialista”.

Bakunin, homem sem nenhum conhecimento teórico, exigiu que esta organização particular dirigisse a propaganda científica da Internacional. (...) Seu programa era composto de retalhos superficialmente extraídos de ideias pequeno-burguesas captadas aqui e ali: igualdade de classes (!), abolição do direito de herança como ponto de partida do movimento social (estupidez saintsimonista), o ateísmo como dogma obrigatório para os membros da Internacional etc. e, como dogma principal, a abstenção proudhonista do movimento político”.

       Uma pergunta que se nos impõe hoje, à luz dos 70 anos de socialismo na União Soviética e mais de 60 anos em Cuba: o socialismo tem sido a superação prática da religião? Marx considerava a religião “ópio do povo”?

 “A angústia religiosa é, ao mesmo tempo, a expressão da verdadeira angústia e o protesto contra esta verdadeira angústia. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, tal como ela é o espírito de uma sociedade sem espírito. Ela é o ópio do povo.” (Marx, 1844).

       Em seu artigo intitulado “Marx e Engels como sociólogos da religião”, Michael Löwy afirma que a frase “a religião é o ópio do povo” não é criação de Marx. Tal afirmação é anterior à obra de Marx, com diferentes matizes “em Kant, Herder, Feuerbach, Bruno Bauer e muitos outros.”

       A frase “a religião é o ópio do povo” aparece como uma citação de Marx em sua obra Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1844), não sendo uma afirmação paradigmática. Löwy observa que a frase precisa ser compreendida em sua complexidade, destacando que Marx se refere à religião em “seu duplo caráter” contraditório e dialético: “às vezes legitimação da sociedade existente, às vezes protesto contra tal sociedade.”

       Sobre isso me disse Fidel em nosso livro, Fidel e a religião: “Em minha opinião, a religião, sob a ótica política, não é, em si mesma, ópio ou remédio milagroso. Pode ser ópio ou maravilhoso remédio, na medida em que sirva para defender os opressores e os exploradores ou os oprimidos e os explorados. Depende da forma que aborde os problemas políticos, sociais e materiais do ser humano que, independentemente de teologias ou de crenças religiosas, nasce e tem que viver neste mundo.”

       Portanto, a frase “a religião como ópio do povo” não é sua mais importante afirmação sobre a religião. Mas se popularizou e passou a ser entendida como uma condenação política paradigmática da religião, usada para justificar o ateísmo político de certas tendências de esquerda, para as quais não haveria possibilidade de conciliação entre religião e revolução. Nesse modo de entender, quem quiser ser revolucionário marxista deve abandonar suas convicções religiosas; e quem quiser praticar uma religião deve repudiar o marxismo.

        Foi preciso esperar décadas para que Fidel superasse tal preconceito com seu lapidar pensamento: “De um ponto de vista estritamente político – e penso que conheço algo de política -, considero que se pode ser marxista sem deixar de ser cristão e trabalhar unido ao comunista marxista para transformar o mundo. O importante é que, em ambos os casos, sejam sinceros revolucionários dispostos a erradicar a exploração do homem pelo homem e a lutar pela justa distribuição da riqueza social, pela igualdade, pela fraternidade e pela dignidade de todos os seres humanos. Isto é, sejam portadores da consciência política, econômica e social mais avançada, ainda que se parta, no caso dos cristãos, de uma concepção religiosa.”

 

Frei Betto é escritor, autor de “O marxismo ainda é útil?” (Cortez), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

Frei Betto é autor de 77 livros editados no Brasil, dos quais 42 também no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

 

 

 

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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

PALAVRAS DE PEDRO - Equívocos


Dom Pedro Casaldáliga


Equívocos


Onde você diz lei,

eu digo Deus.


Onde você diz paz,

justiça,

amor,

eu digo Deus!


Onde você diz Deus,

eu digo liberdade,

justiça,

amor!


Pedro Casaldáliga, Fogo e Cinza ao Vento

Foto: José  María Concepción R.#Casaldàliga! #PedroCasaldáligaPresente! #PereCasaldàliga #NãoQueremosGuerraQueremosPaz! #pl2903não #NãoAoMarcoTemporal #MarcoTemporalNão @fperecasaldaliga @irmandadedosmartires

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

A Mãe Terra possui surpresas desagradáveis

 Leonardo Boff

Desde a mais alta a


ntiguidade a Terra sempre foi tida com Mãe que junto com outras energias cósmicas, nos fornece tudo o que a vida sobre o planeta precisa. O gregos chamaram-na de Gaia ou Demeter,os romanos Magna Mater, os orientais Nana, os andinos de Pachamama. Todas as culturas a consideravam-na com um super Ente vivo que, por ser vivo, produz e reproduz vida.

Somente na modernidade europeia a partir do século XVII a Terra foi considerada com uma “mera coisa extensa”, sem propósito. A natureza que a cobre, não possui valor em si, somente quando for útil ao ser humano.Este não se considera parte da natureza ,mas seu “seu senhor e dono”.Fizeram de tudo com ela,sem qualquer respeito,umas boas e outras letais. Essa modernidade arrojada criou o princípio de sua própria autodestruição com armas de podem destruir totalmente a si mesmo e a vida.

Deixemos de lado este modo fúnebre de habitar a Terra ecocida e geocida, por mais ameaçador que possa ser em qualquer momento.Deixemo-nos desafiar (sem a pretensão de explicar) os últimos eventos extremos ocorridos:grandes enchentes no sul do  país e na Líbia, terremoto arrasador no Marrocos, fogos indomáveis no Canadá, nas Filipinas e alhures.

Em grande parte se está criando um consenso entre a comunidade científica (menos na política e nos grande oligopólios econômicos dominantes) de que a causa principal,não única, se deve à mudança do regime climático da Terra e os limites de insustentabilidade do planeta. É a famosa Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day):consumimos mais do que ele nos pode oferecer.E ele já não esquenta mais.

Como é um Super Ente vivo, reage, enviando-nos aquecimento global,ondas de eventos extremos, terremotos, furacões, vírus letais etc. Chegamos a um ponto de que se não trocarmos o modo devastador dos ecossistemas, podemos ir ao encontro de nosso extermínio como espécie humana. O últimos fatos são prenúncios.

De tudo deve-se tirar lições. Hoje conhecemos, o que era negado às gerações anteriores, como funcionam as placas tectônicas que compõem o solo da Terra.Conhecemos suas fendas perigosas, quais placas podem estar se movendo. A consequência é se construirmos nossas cidades e casas sobre estas fendas,poderá chegar um dia em que ocorre um deslocamento ou entrechoque de fendas,produzindo  um terremoto com sacrifícios humanos e culturais incalculáveis. Lá se vão obras da genialidade humana. A consequência que hoje devemos tirar: não podemos construir nossas habitações e cidades sobre estes lugares. Ou devemos desenvolver tecnologias, como os japoneses o fizeram, que edifícios tendo por base metais que equilibram todo o prédio a ponto de suportar os movimentos de terremotos.

Algo semelhante vale para as grandes enchentes de magnitude avassaladora. Sabemos que todo o rio tem seu leito por onde correm as águas. Mas a natureza previu que deve haver espaços suficientemente grandes em suas bordas que suportem alagamentos. Estes espaços são parte de se leito alargado. Neles em vão se edificam prédios e inteiras cidades. Ao chegar a enchente, as águas reclamam o seu espaço por onde elas escorrem.Então ocorrem as calamidades. Cientes destes dados, impõem-se medidas de contenção ou simplesmente não permitir que nesses lugares se construam casas, fábricas e bairros. Em termos mais radicais, estas partes da cidade devem encontrar um outro lugar seguro para não sofrerem sua danificação ou sua destruição.

Estes são conhecimentos que os governantes e operadores do  poder público devem tomar em conta. Caso contrário, por falta de conhecimento que beira à irresponsabilidade, deverão, de tempos em tempos, enfrentar catástrofes que matam pessoas, destroem casas e tornam certa região inabitável.

Estas catástrofes pertencem à história da Terra. Chegamos a conhecer 15 grandes extinções em massa. Uma das mais importantes ocorreu há 245 milhões de anos por ocasião da formação dos continentes (a partir do único Pangeia). Nela desapareceram 90% das espécies da vida animal,marinha e terrestre. A Terra precisou de alguns milhões de anos para refazer sua biodiversidade. A segunda maior extinção em massa ocorreu há 65 milhões de anos quando um asteroide de quase 10 km de extensão caiu em Yucatan, no sul do México. Isso provocou um  imenso maremoto,com grande volume de gás venenoso e uma treva imensa que obscureceu o sol e assim impediu a fotossíntese e 50% de todas as espécies pereceram.Os dinossauros que por 130 milhões de anos vagavam por parte da Terra foram as principais vítimas.

Curiosamente, depois de cada extinção em massa, a Terra conheceu uma floração fantástica de novas espécies. Depois da última, apareceram  especialmente os  mamíferos, dos quais nós mesmos descendemos.Mas misteriosamente começou também uma terceira extinção em massa. A atual não é como as duas anteriores que ocorreram de golpe. Ela se faz lentamente, por diversas fases, começando  na era glacial há 2,5 milhões de anos. Constata-se nos últimos tempos uma aceleração desta extinção. O regime climático está aumentando dia a dia  e eventos extremos se multiplicam como temos descrito. Entramos num alarme ecológico, pois, como disse severamente o Papa na Fratelli Tutti: “Estamos no mesmo barco,ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”.

Como diz Peter Ward, em seu livro “O fim da evolução”(Campus 1997):”Há 100 mil anos atrás, outro grande asteroide atingiu a Terra, dessa vez na África. Este asteroide chama-se homo sapiens”. Quer dizer, é o ser humano moderno que inaugurou o antropoceno,o necroceno e piroceno. Se grande é o risco,dizia um poeta alemão, grande também é a chance de salvação. É nessa que espero e confio,não obstante as calamidades descritas acima.

Leonardo Boff, escreveu O doloroso parto da Terra, Vozes  2021; Habitar a Terra  2022.

 

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

NOVO OLHAR SOBRE O UNIVERSO


 Frei Betto

 

       Carlos Mesters, o mais popular biblista do Brasil, sublinha que há no Antigo Testamento dois decálogos, o da Aliança e o da Criação. O da Aliança surgiu primeiro, embora o outro já existisse. Ocorre que o povo hebreu, por não levar a sério o Decálogo da Aliança, não tinha olhos para perceber o Decálogo da Criação.

       Ao longo dos 400 anos de monarquia em Israel (de 1000 a 600 a.C.), Javé, o Deus libertador do Êxodo, foi reduzido a um ídolo manipulado pelos poderes civil e religioso para legitimar a corrupção e a ganância dos reis. E ninguém dava ouvidos às denúncias dos profetas. Até que Nabucodonosor, rei da Babilônia, invadiu a Palestina em 587 a.C. e destruiu Jerusalém.

       O choque da dominação e do exílio abriu os olhos do povo hebreu para o Decálogo da Criação: “O ritmo da natureza, do sol, da lua, das estações, das chuvas, das estrelas, das plantas, revela o poder criador de Deus” – afirma Mesters. “É a expressão do bem-querer do Deus Criador, da pura gratuidade! É uma certeza que não falha. É a prova de que Deus não rejeitou seu povo. Nossa fraqueza pode levar-nos a romper com Deus (como de fato aconteceu), mas Deus não rompe conosco, pois cada manhã, através da sequência dos dias e das noites, ele nos fala ao coração”.

       A visão que temos do mundo interfere em nossa visão de Deus, assim como o modo de concebermos Deus influi em nossa visão da vida e do mundo. Ao longo de um milênio predominou no Ocidente a cosmovisão de Ptolomeu, que considerava a Terra centro do Universo. Isso favoreceu a hegemonia espiritual, cultural e econômica da Igreja, encarada pela fé como imagem da Jerusalém celeste. 

       Com o advento da Idade Moderna, graças à nova cosmovisão de Copérnico, logo completada por Galileu e Newton, constatou-se que a Terra é apenas um pequeno planeta que, qual mulata de escola de samba, dança em torno da própria cintura (24 horas, dia e noite) e do mestre-sala, o sol (365 dias, um ano). O paradigma da fé deu lugar à razão, a religião à ciência, Deus ao ser humano. Passou-se da visão geocêntrica à heliocêntrica, da teocêntrica à antropocêntrica.

       Agora, a modernidade cede lugar à pós-modernidade. Mais uma vez, a nossa visão do Universo sofre radicais mudanças. Newton cede lugar a Einstein, e o advento da astrofísica e da física quântica nos obriga a encarar o Universo de modo diferente e, portanto, também a ideia de Deus.

       Se na Idade Média Deus habitava “lá em cima” e, na Idade Moderna, “aqui embaixo”, dentro do coração humano, agora conhecemos melhor o que o apóstolo Paulo quis dizer ao afirmar: "Ele não está longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dentre os poetas de vocês disseram: 'Somos da raça do próprio Deus'" (Atos dos Apóstolos 17, 27-28).

       A física quântica, que penetra a intimidade do átomo e descreve a dança das partículas subatômicas, nos ensina que toda matéria, em todo o Universo, não passa de energia condensada. No interior do átomo, a nossa lógica cartesiana não funciona, pois ali predomina o princípio da indeterminação, ou seja, não se pode prever com exatidão o movimento das partículas subatômicas. Essa imprevisibilidade só predomina em duas instâncias do Universo: no interior do átomo e na liberdade humana.

       Em que a física quântica modifica nossa visão do Universo? Ela nos livra dos conceitos de Newton, de que o Universo é um grande relógio montado pelo divino Relojoeiro e cujo funcionamento pode ser bem conhecido ao estudar cada uma de suas peças. A física quântica ensina que não há o sujeito observador (o ser humano) frente ao objeto observado (o Universo). Tudo está intimamente interligado. O bater de asas de uma borboleta no Japão desencadeia uma tempestade na América do Sul... Nosso modo de examinar as partículas que se movem no interior do átomo interfere no percurso delas... Tudo que existe coexiste, subsiste e preexiste. 

       Há uma inseparável interação entre o ser humano e a natureza. O que fazemos à Terra provoca uma reação da parte dela. Não estamos acima dela, somos parte e resultado dela; ela é Pacha Mama ou, como diziam os antigos gregos, Gaia, um ser vivo. Deveríamos manter com ela uma relação inteligente de sustentabilidade.

       Esse novo paradigma científico nos permite contemplar o Universo com novos olhos. Nem tudo é Deus, mas Deus se revela em tudo. Nossa visão religiosa é agora pananteísta. Não confundir com panteísta. O panteísmo diz que todas as coisas são Deus. O pananteísmo, que Deus está em todas as coisas. “Nele vivemos, nos movemos e existimos”, como disse Paulo. E Jesus nos ensina que Deus é amor, essa energia que atrai todas as coisas, desde as moléculas que estruturam uma pedra às pessoas que comungam um projeto de vida. 

       Como dizia Teilhard de Chardin, no amor tudo converge, de átomos, moléculas e células que formam os tecidos e órgãos do nosso corpo às galáxias que se aglomeram múltiplas nesta nossa Casa Comum que chamamos, não de Pluriverso, mas de Universo. 

 Frei Betto es escritor, autor de “A Obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio/Record), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

 

Frei Betto é autor de 77 livros editados no Brasil, dos quais 42 também no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

 

 

 

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