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quinta-feira, 30 de abril de 2020

REALIDADE QUE PARECE FICÇÃO





por Frei Betto

        Seria espantosa uma versão atual de 1984, de George Orwell, em que toda a população mundial fosse proibida de sair de casa, enviar os filhos à escola, ter contato com os entes queridos que não vivem sob o mesmo teto. Um governo ditatorial que fechasse todas as fronteiras do país, controlasse cada cidadão pelo celular e soubesse exatamente qual a porcentagem de pessoas que ontem foram à rua. E cuja polícia multasse ou prendesse quem fosse encontrado fora de casa sem justificativa aceitável. No entanto, tudo isso a Covid-19 tornou realidade.

        Como declarou Yuval Noah Harari, “os governos que pouparam gastos nos últimos anos, reduzindo os serviços de saúde, agora gastam muito mais por causa da epidemia“ (El País 22/03/20).

        Agora se calam os que ardorosamente defendiam as privatizações e as políticas de austeridade. E palavras outrora estigmatizadas voltam a aparecer no noticiário econômico: nacionalizar, repatriar, reindustrializar. Até a palavra solidariedade soa na boca dos arautos do sistema.

        As perspectivas de futuro não são animadoras. Dos 195 países do mundo, 170 terão crescimento negativo em 2020. Mais 250 milhões de pessoas devem se somar às atuais 820 milhões que passam fome. Cenário mais drástico do que em 1929. Empresários e empregados se perguntam de que haverão de morrer, de infecção ou falência.

        Em meio aos prognósticos negativos, a natureza agradece. O ar está mais limpo, há menos lixo nas cidades, a vegetação se revigora. E a Pax Coronavirica faz as armas se calarem na Líbia, na Síria, no Iêmen e no Afeganistão. Nem o Conselho de Segurança da ONU teria tanta autoridade para suspender guerras.

        Ainda sabemos pouco sobre o Covid-19. Muitas perguntas permanecem sem respostas. Por que os idosos estão mais ameaçados que os jovens? Por que atinge mais homens que mulheres? Os assintomáticos podem vir a contrair o vírus e disseminá-lo? Os curados podem ser de novo infectados?

        Existem sete tipos de coronavírus. Quatro causam gripes comuns. Os três mais recentes produzem sintomas letais, como a SARS (síndrome respiratória aguda grave), surgida em 2002; a MERS (síndrome respiratória do Oriente Médio), de 2012; e, agora, a Covid-19.
        O que os cientistas se perguntam é por que o vírus atual se dissemina tão rápido e supera todas as previsões das autoridades sanitárias do mundo. Por que a SARS e a MERS não se espalharam em escala planetária como agora?

        Os vírus são enigmáticos. Não estão vivos nem mortos. Não estão vivos porque são incapazes de se reproduzir por si mesmos. Não estão mortos porque penetram em nossas células e se replicam. Ao ingressar na primeira célula, cada coronavírus gera até 100 mil cópias de si mesmo em 24 horas, segundo o Centro Nacional de Biotecnologia da Espanha. Os vírus procuram sempre um modo de burlar o nosso sistema imunológico.

        O que é peculiar na Covid-19 é a sua propagação silenciosa, sem levantar suspeitas. Nos primeiros dias a pessoa infectada não demonstra nenhum sintoma de enfermidade. E pode nem ter sintomas e, ao mesmo tempo, repassar o vírus a outras pessoas.

        As utopias são matéria de ficção. Em meio à pandemia, soam opiniões de que a humanidade sairá melhor dessa crise, cujas lições são muito duras. Haverá mais cooperação, menos gastos bélicos e mais com proteção social, melhor infraestrutura sanitária e, quem sabe, uma renda mínima universal para cada pessoa. Tomara que a ficção se torne realidade.

Frei Betto é escritor, autor de “O diabo na corte – leitura crítica do Brasil atual” (Cortez), entre outros livros. 

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COVID 19 - VIGÉSIMA SEGUNDA REFLEXÃO


por Frei Aloísio Fragoso

O PODER DO ESPÍRITO EM TEMPOS DE CORONAVIRUS


    Que poder move o mundo? Esta é, sem dúvida, uma pergunta pretensiosa. Qualquer resposta aceitável teria que resultar de um longo aprofundamento. Aqui ela aparece apenas como uma espécie de ponto de partida, uma referência sequenciada para chegar finalmente ao que importa: que poder move a mim, cidadão deste mundo e filho de Deus?

    Abalados pelos efeitos trágicos da pandemia do coronavirus, talvez alguns mais pessimistas desabafem, dizendo: o poder que move o mundo  é o de seres invisíveis e devastadores como estes vírus assassinos, frente aos quais nós não somos nada.

    Grandes pensadores e grandes santos dão outras respostas inspiradas na ciência ou na Fé, enquanto as pessoas simples não necessitam que lhes façam esta pergunta para  expressar suas intuições não menos sábias que a dos filósofos.

    E os que se deixam guiar pela luz da doutrina cristã? Para estes o Espírito Santo de Deus está presente desde o primeiro até no último momento da História, desde a primeira página da Bíblia  - "O Espírito pairava sobre as águas" Gn.1,2, até a página derradeira - "O Espírito e a  Esposa dizem "Vem"! ... e quem quiser venha beber de graça da Água da Vida" Apoc. 22,17. Por conseguinte, o sopro do Espírito de Deus dá início ao movimento vital, criador de todas as coisas, e conclui a sua obra com um chamado para saciar a sede de todos que habitam a Criação.

    Entre o primeiro e o último momento, entra em cena o Messias, o Cristo Senhor, e usa a mesma linguagem: "quem não nasce da água e do Espírito não entra no Reino de Deus" Jo.4,5. Então o Espírito Santo volta, desta vez em  forma de línguas de fogo sobre a cabeça dos apóstolos.

    Observemos como a ação do Espírito é representada pelos 4 elementos constitutivos do universo: terra, água, fogo e ar. Uma abrangência total do Universo criado.

    Daí nasce outra inevitável pergunta, comum aos que se sentem ameaçados por forças incontroláveis: por que este Poder Supremo não aniquila a ação destruidora do coronavírus?

    Antes de procurar uma resposta, precisamos ajuntar a esta questão algumas outras não menos razoáveis.Tem sido uma tendência sempre repetida na História, esta de cobrar a intervenção de Deus nas horas de grandes tribulações. Os antigos hebreus, esgotados com as exigências da caminhada no deserto, passaram a ter saudade dos tempos da escravidão no Egito. E querem retornar. A mesma conduta se repete hoje nos que vão às ruas gritar pela volta da ditadura militar, por se sentirem incapacitados ou incomodados com as exigências da democracia. Estes poderes do passado, invocados irracionalmente, pois grande parte ignora os fatos então acontecidos e outros preferem cegar os olhos da memória, são sucedâneos do poder divino.

    É hora de perguntar: quem garante que a pandemia do coronavirus não é consequência das nossas graves e contínuas transgressões às leis irrevogáveis da natureza? Quem garante que muitas tragédias que nos pegam de surpresa não são frutos de "sementes venenosas" que, em algum momento, plantamos no útero da mãe terra?

    Lembremos estas palavras do Papa Francisco: "Deus perdoa sempre. Nós perdoamos algumas vezes. A natureza não perdoa nunca." E escutemos com a mesma atenção o que nos diz Wakia un Mani, chefe da tribo Lakota, dos EUA: "Quando o último peixe desaparecer nas águas e a última árvore for removida da terra, então o homem saberá que ele não pode comer dinheiro".

    O que podemos esperar de Deus, neste momento, é que Ele repita o que sempre fez ao longo da nossa História: dê aos seus filhos e filhas inspiração e fortaleza, livrando-os do desespero e não permita que seja destruído o seu Plano de Salvação (palavra que significa originalmente saúde).

    Da nossa parte, o que devemos fazer é acionar todas as forças de reserva guardadas em nossa natureza para as situações insuportáveis e apressar o fim desta catástrofe pelo poder da Fé, através da oração.

    Cada dia mais próximos da festa de Pentecostes, vamos reunir todas as nossas energias espirituais e clamar como os antigos hebreus, nas horas tenebrosas, diante dos muros de Jerusalém: "Se Deus está conosco, quem poderá derrotar-nos?"  Amém!

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

REINO DE DEUS E POLÍTICA: UMA REFLEXÃO






por Kinno Cerqueira [1]


O Brasil atravessa uma dupla crise: no contexto global, lida com os problemas de uma severa pandemia e no contexto nacional, com uma crise política de efeitos deletérios. Nesse cenário, erguem-se muitos discursos, dentre os quais ganham relevo os de natureza religiosa. Hoje, em particular, deparei-me com uma série de postagens nas quais se defende a tese de que Reino de Deus e política são realidades que não têm nada a ver uma com a outra. Uma dessas postagens, por exemplo, afirmava:
  
"A política não traz nenhum impacto no Reino de Deus, seja em nosso país ou em outro qualquer, lembre-se que Jesus disse: 'Meu Reino não é desse mundo'".
  
A adesão massiva à frase acima, atribuída a John MacArthur e compartilhada por milhares de pessoas, evidencia o quão deficiente são as formações cidadã e bíblica de significativa parcela do povo cristão. Sim, deficiência de formação, pois aí estão implícitas compreensões reducionistas sobre o significado básico de política e de Reino de Deus.
  
Política é uma palavra proveniente da língua grega, cujo significado é "a arte de viver em sociedade". Reino de Deus, por sua vez, é uma expressão que ocupou o centro da pregação de Jesus e significa, em linhas gerais, "a arte de viver em sociedade em fidelidade ao projeto divino de amor, justiça e solidariedade".

O modo como nos relacionamos em sociedade é política. Sermos solidários ou egoístas é uma opção política. Trabalharmos para fartar-nos de alimento e fecharmos os olhos diante de quem passa fome é uma decisão política. Sermos preconceituosos ou acolhedores é uma ação política. Agirmos com justiça ou desonestidade é uma decisão política. Devastarmos o meio ambiente ou protegê-lo é uma opção política. Numa só palavra: tudo quanto diz respeito às relações é política.

A sociedade é o resultado das opções políticas que fazemos. Jesus o sabia tão bem que, ao eleger um tema central para sua pregação, optou por Reino de Deus.
  
Na Bíblia, não há um conceito para Reino de Deus, pois Reino de Deus não é teoria nem doutrina. Reino de Deus é uma prática política oposta a todas as demais práticas políticas que rejeitam o amor, a justiça e a solidariedade.  

 No Evangelho de João, por exemplo, Jesus é condenado pela religião e pelo procurador do Império Romano por um simples motivo: enquanto as elites religiosa e imperial defendiam a política do enriquecimento pessoal, Jesus vivia e pregava a política da partilha do pão, da superação dos preconceitos e da paz internacional (Jo 6,1-15; 4,1-42; 20,19-23).

Quando Jesus estava sendo julgado pelo procurador romano Pôncio Pilatos, este perguntou a Jesus se ele era rei. A resposta de Jesus foi enérgica:

Meu reino não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus guardas teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus. Agora, porém, meu reino não é daqui (Jo 18,36).
  
A palavra mundo é a tradução da palavra grega cosmos que, nesta passagem bíblica, significa "modo de ser e agir". A política da elite religiosa valia-se do discurso religioso para coagir e explorar o povo. A política de Pilatos lançava mão do exército para manter a terra de Jesus como uma colônia do Império Romano. Jesus, ciente disso, deixa claro que seu reino não é deste mundo, quer dizer, que sua política não é como a política dos religiosos nem como a política de Pilatos. A política de Jesus apresenta um projeto distinto e convida a uma prática totalmente diferente. Este é o sentido da afirmação "Meu reino não é deste mundo".

 Reino de Deus é uma expressão política e seu sentido é político, pois diz respeito à maneira como vivemos nossa vida e às opções de vida que fazemos. Reino de Deus não se trata de um céu que nos espera após a morte, mas de um compromisso de viver, aqui e agora, lutando para que as relações entre os humanos e destes com a terra sejam mais amorosas, justas e solidárias. Afinal de contas, o Reino de Deus não vem com sinais grandiosos, nem se poderá dizer: "Está aqui!" ou "Está ali!", pois o Reino de Deus está entre vós (Lc 17,20-21).


[1] Kinno Cerqueira é pastor batista, biblista e assessor do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) para a área de estudos bíblicos.

terça-feira, 28 de abril de 2020

DECLAREMOS QUE A POBREZA É ILEGAL




por Marcelo Barros

Nesta semana em que trabalhadores/as do mundo inteiro celebram o 1º de maio, é importante perceber que o Capitalismo faz com que pensemos que a pobreza é normal (Deus fez o mundo com ricos e pobres). Os pobres são culpados por serem pobres, visto que não souberam dar duro e prosperar na vida. Além disso, como são muitos, se tornam pesados para o país. No ano passado, os governos gastaram 1 trilhão e 822 bilhões de dólares com armas. Cada dia, gastaram em armamentos mais de 25 milhões de reais. No entanto, afirmam que os sistemas públicos de saúde e de aposentadoria são deficitários. Com esse pretexto, a cada dia, aprovam leis para diminuir os direitos dos trabalhadores e da população mais empobrecida.

No quadro atual de uma pandemia que, a cada dia, mais gente,  há cientistas que nos advertem: por causa da poluição das águas, da péssima qualidade do ar e da deterioração das condições de higiene e saúde em todo o mundo, existe a possibilidade real de que, a esta pandemia do coronavírus se sigam outras. A manipulação de organismos vivos para fins de comercialização no formato de vacinas é imoral e inaceitável. Rechaçamos a patentização e a disputa comercial pelo controle da produção e distribuição da única possibilidade de proteger as todos e todas. Para sair dessa espiral de destruição e morte, será necessário que a humanidade se organize como humanidade. A ONU como associação dos governos já não tem legitimidade para falar em nome da humanidade. Só a humanidade organizada como tal pode exigir uma transformação das relações sociais e mudar as formas de produção e consumo. É preciso ter coragem de declarar ilegal a pobreza no mundo.

Ninguém nasce pobre por destino, ou por acaso. Há pessoas que nascem com necessidades especiais, físicas ou psíquicas, mas não existem em si pobres. Existem empobrecidos. Atualmente, mais de 90% da humanidade têm de se contentar com menos de 10% dos bens que seriam de todos, porque a elite organizou o mundo para garantir as desigualdades sociais e a mercantilização dos bens que, por natureza, seriam de todos.  

Desde 2012, em diversos países, muitos homens e mulheres lançaram uma campanha para fazer com que a assembleia geral da ONU aceitasse declarar ilegal a pobreza. Em 2018, quando se comemorava o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, se pedia que a ONU reconhecesse como ilegais as leis, instituições e práticas sociais que produzem e alimentam a pobreza no mundo.  Apesar de que a ONU nunca aceitou discutir o assunto, a campanha organizou-se como fundação e se chama “Audácia em nome da Humanidade”. Propõe uma Ágora dos/das Habitantes da Terra e esse encontro da humanidade reconhece todo ser humano como cidadão planetário. Planeja publicar uma Carta dos Direitos da Vida que não pode ser comercializada. Além disso, lutamos pelo reconhecimento da terra, da água, do ar, da saúde e outros elementos como bens comuns de toda a humanidade, aos quais todos os humanos devem ter direito. Para isso, já está em formação um Conselho Internacional de Segurança da Água como bem comum de todo o universo.

O desafio de todas essas iniciativas é que como as árvores começam pela semente e só crescem se firmarem raízes, todo esse processo precisa de partir de sementes boas de comunhão amorosa. Se essa luta pacífica aqui descrita não se enraizar nas bases dos movimentos sociais e dos grupos locais, pode se conseguir uma boa articulação nacional e internacional, mas será como uma árvore frondosa que a raiz é sem profundidade.

No primeiro domingo da Páscoa, o Papa Francisco escreveu aos representantes de movimentos sociais de todo o mundo: “se a atual pandemia é uma guerra, vocês combatem com a arma do senso comunitário”. O senso de que dependemos uns dos outros e só juntos podemos salvar a terra e a vida de todos. Para quem é cristão e está celebrando a Páscoa, esse é o caminho através do qual podemos testemunhar a ressurreição de Jesus e viver uma Páscoa nova de toda a humanidade e do planeta que é nossa casa comum.  



  MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 57 livros publicados. O mais recente é Teologias da Libertação para os nossos dias (Vozes). Email: contato@marcelobarros.com
 

segunda-feira, 27 de abril de 2020

COVID 19 - VIGÉSIMA PRIMEIRA REFLEXÃO


por Frei Aloísio Fragoso

RELIGIÃO EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS


    Uma das cenas mais impressionantes que tivemos oportunidade de ver, neste tempo excepcional de tantas cenas impressionantes, foi aquela do Papa Francisco caminhando solitário na Praça esvaziada de São Pedro, em Roma.

    Além de encantar os olhos e tocar os corações, a figura translúcida do Papa espargia uma força mística incomensurável sobre milhões de pessoas em toda terra.
    De onde vinha esta irradiação, uma vez que aquele imenso espaço vazio não podia gerar as mesmas emoções de quando ele está ocupado por uma multidão de 100.000 peregrinos, aplaudindo seu grande líder espiritual?

    Com certeza esta irradiação procedia da Fé. No entanto, naquele momento, o mistério invisível da Fé não estava associado às demonstrações visíveis da Religião.
    Religião e Fé são realidades bem próximas, mas não são sinônimas. Religião supõe e exige a presença física de fiéis praticantes, e se desenvolve por meio de ritos, cerimônias, símbolos, gestos, cânticos, leituras, orações. Fé é outra coisa. Ela transcende. Ela é criada e transmitida por uma espiritualidade essencial que confere aos sinais exteriores autenticidade e poder, que habita no interior das pessoas, imperceptível aos sentidos externos, tornada real pela comunhão de cada um com a Divindade. É pura mística. Sem isso, a prática religiosa não passa de formalismos.

    Nem sempre as duas estão associadas. Pode haver Religião sem Fé. E, de fato, acontecem com frequência manifestações religiosas, por vezes espetaculares, belas,  porém desprovida de Fé.

   A Religião pode ser facilmente apropriada pelos Sistemas e pela grande mídia, em favor de suas políticas e ideologias. A Fé, não, jamais. Ela é tão livre e indevassável como o Espírito que a conduz. Por isso ela escapa ao controle das Igrejas, de outras Instituições e também de quem preside a celebração.

    Como diz Leonardo Boff, "A Religião aprisiona, a Espiritualidade liberta" (do que se deduz que é a Espiritualidade quem liberta a Religião).

    Isso não quer dizer que  a Religião, com seus ritos, símbolos e tradições, possa ser descartada ou menosprezada, em nome da pureza da Fé. Pelo contrário. Nós não somos espíritos puros. Somos pessoas, em quem espírito e matéria constituem uma unidade indissolúvel. As formas externas são indispensáveis para vivenciar os sentimentos da alma. Além disso, ela dá à prática da Fé uma dimensão comunitária, livrando-a do individualismo, onde cada um cria seu Deus e seu culto, para uso pessoal.

    O que temos de fazer é aperfeiçoar as práticas da Religião, livrá-las de formalismos e vulgaridades, restituir-lhe a simplicidade e a coerência.

    As situações geradas pela pandemia do coronavírus ajudam-nos a fazer este discernimento.

    Enquanto lamentamos os templos vazios de fiéis e de cultos, testemunhamos expressões de Fé vivas, profundas, prodigiosas, espalhadas por toda parte, sem distinção de cultura ou de credo, parecendo que todas as igrejas transformaram-se num único templo, do tamanho do planeta, tendo como teto o firmamento, como piso a superfície terrestre e como limites, o horizonte inalcançável.

    Daí se entende também porque Igrejas e Movimentos religiosos, que só conseguem mover a Fé dos fiéis, aglomerando-os, mostram-se ausentes e omissos, num momento como este, quando todos  carecem de alento e confiança. O quanto existe aí de Fé autêntica e o quanto de mistificação e o quanto de manipulação, só Deus sabe.

    Enfim, tudo isso comprova, mais uma vez, como as grandes crises se tornam oportunidade para chegarmos mais perto do mistério e da verdade das coisas.

    Estamos nos aproximando da festa de Pentecostes. Numa prece bem conhecida e universal pedimos ao Espírito Santo que "encha os nossos corações", "acenda neles o fogo do Amor", "recrie todas as coisas", e "renove a face da terra'. Uma súplica audaciosa em cada um dos seus termos.

    Uma súplica que, uma vez atendida e tornada realidade em nossas vidas, apressará o fim dessa tragédia, que reduziu nossas práticas religiosas, mas só fez aumentar a nossa 
Fé. AMÉM.

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

TODAS AS VIDAS VALEM



Maria Clara Lucchetti Bingemer

Uma crise como a que vivemos não deixa de estar carregada de ensinamentos.  E ensinamentos sempre acrescentam, somam, agregam conhecimento e sabedoria, fazendo-nos ser mais humanos.  Nem todas essas lições que a crise nos dá são positivas, ensinam como fazer, mostram o caminho que temos à frente.  Algumas são negativas, apontam para o que não deve ser feito nem imitado sob hipótese alguma, mostrando-nos o que evitar para seguir caminhando.  Entre estas últimas certamente está a questão dos idosos em meio à pandemia do novo coronavírus.

Chega a ser chocante, para não dizer repulsiva, a atitude de governantes, empresários, médicos, ministros, quando se referem à maior vulnerabilidade das pessoas de mais idade e, portanto, a sua maior chance de letalidade. Esses idosos não entram em consideração quando se trata de levar adiante o isolamento social ou são objeto de descarte quando se fala da estrutura sanitária chegar ao limite para receber todos os pacientes.  É uma postura de desprezo revestido de fatalismo, mas que em verdade esconde uma concepção lamentável do que seja o ser humano e a vida humana como dom precioso que deve ser cuidada desveladamente em todos os seus estágios. 

É curioso que alguns desses mesmos que vociferam em favor de uma abertura irrestrita da quarentena já e imediatamente são os mesmos que clamam aos céus contra a interrupção da gravidez.  Quando se trata da concepção e do início da vida essas pessoas ou grupos são enfáticos em defendê-la e por ela lutar.  Por que então não mantêm a mesma coerência e ardor quando se trata da maturidade da vida, em sua etapa conclusiva?

A explicação não é tão complicada.  O próprio Papa Francisco já decifrou magistralmente a resposta em sua Exortação Apostólica “ Gaudete et Exsultate”, de 2018, sobre a santidade no mundo de hoje. No número 101 deste documento, o Papa reflete sobre como o cristão deve buscar a santidade praticando as obras de misericórdia corporais e espirituais. Observa, porém, que o evangelho de Mateus, que propõe ao crente a contemplação do Juízo Final, só menciona as corporais: dar de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, vestir o nu etc. 

Não quer dizer que o Papa não dê importância às obras de misericórdia espirituais.  Pelo contrário.  Uma e outra vez ao longo do documento, o pontífice exorta à paciência, ao cuidado espiritual com o próximo e tudo que constitui a atenção misericordiosa subjetiva e caridosa.  Quer deixar bem claro que sem a atenção às necessidades básicas e, portanto, corporais dos pobres e desvalidos da terra, não haverá santidade possível.  Pelo menos o que se entende como santidade dentro do Cristianismo. E toca neste ponto a delicada questão do aborto.

 “A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda a pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte. Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente”.

Com sua habitual lucidez, o Papa explica que todas as vidas valem.  E têm valor infinito. Não apenas a do nascituro indefeso, que não pode sequer gritar para defender-se.   Não só as “produtivas”, que podem trabalhar em tempo integral e produzir dividendos para o mercado.  Nem apenas os fortes, as vigorosas e belas, no ápice da existência ou mesmo em suas etapas iniciais. E valem muito.  Portanto, a luta contra a pandemia é por cada uma delas, uma a uma.  

Todas as mortes ocorridas ou por ocorrer nos diminuem como humanidade.  E não à toa lembra o Papa que entre essas vidas que valem infinitamente estão as dos “idosos privados de cuidados” ou mesmo atirados ao contágio, sob pretexto de que suas vidas são descartáveis e dispensáveis. 

Em defesa das vidas dos idosos e anciãos, podemos mencionar, além do Evangelho, do magistério de Francisco e de toda a tradição da Igreja, fontes tradicionais não cristãs.  Todas as tradições dos povos originários, todas as religiões têm enorme respeito pelos anciãos e por tudo que os mesmos representam em termos de sabedoria, capacidade de conselho, densidade identitária do grupo humano. Os idosos são venerados por toda parte. São a sede da memória de uma cultura, de uma tradição, de uma religião. 
Trata-se aqui das vidas de todos. É fundamental se buscar salvá-las com todos os meios ao alcance.  E entre estas contam-se também e plenamente as dos idosos.  Todas as vidas valem.  Igualmente as vidas que transcorrem há mais tempo, que formaram as jovens vidas que hoje são o futuro da humanidade.  Quem com essa ligeireza considera a possibilidade de assassinar seu passado, mostra-se indigno do presente e também do futuro. Esperemos que a pandemia, além de todos os sofrimentos que já trouxe, não deixe esse amargo legado. 

A teóloga Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, autora de “Santidade, chamado à humanidade” (Editora Paulinas), entre outros livros.
  
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sábado, 25 de abril de 2020

COVID 19 - 25 /04/2020 - VIGÉSIMA REFLEXÃO



por Frei Aloísio Fragoso

A VERDADE EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS



    Desde algum tempo, o Papa Francisco vem alertando a consciência do mundo para o fato de que a Terceira Guerra Mundial já está sendo travada. Não se trata de uma guerra convencional, igual a tantas outras conhecidas da História. Ela se dá por meio de batalhas fragmentadas e reincidentes, que explodem aqui e ali, sem campos pré-determinados, ceifando milhões de vidas, sob o olhar calculista de seus autores e a ignorância das massas adormecidas  pelo que o Papa chama de "cultura da indiferença".

    A pandemia não estava nas previsões deles, chegou do nada virulentamente, mas logo enquadrou-se nos seus propósitos políticos: os Estados Unidos acusaram a China de ter produzido o coronavírus em seus laboratórios. A China, por sua vez, rebateu com a mesma virulência, e os demais países poderosos trataram de contribuir com um lado ou outro, de acordo com seus interesses políticos e econômicos. Cada um fez seus cálculos: quem primeiro encontrar uma evidência para o que deseja provar, terá descoberto uma nova bomba nuclear, de efeitos  incalculáveis. Não importa que sejam provas reais ou forjadas, basta que sejam "convincentes". Foi assim que o Presidente George Bush convenceu os países aliados da urgência de invadir o Iraque, com o argumento irrefutável de que Sadam Hussein escondia arsenais nucleares. Milhares de vidas jovens, iraquianas e norte-americanas, foram sacrificadas, enquanto nenhum indício destes arsenais foi encontrado até hoje.

    Com esta "prova" em mãos, Bush ou Trump estaria legitimado para contra-atacar com as mesmas armas, a saber, novos vírus letais produzidos em seus laboratórios (lembram do napalm, durante a guerra do Vietnam?). Se daí resultarem milhões de mortes inocentes, não haverá culpados, pois já se conhece um nome capaz de isentá-los da culpa. Chamam-se "efeitos colaterais".

    Costuma-se dizer que, em toda guerra, a primeira vítima fatal é a Verdade. Certamente, como sugere Jesus, quem faz o papel do lobo, procura  proteger-se com a pele do cordeiro. Daí nasce o pior dos sacrilégios: criar inimigos em nome de Deus. Cobrir de bençãos os que tem na boca o discurso do ódio. Usar as Escrituras Sagradas para disfarçar a mentira com aparências de Verdade.

    Quem diria que, passados 4 séculos, Maquiavel ainda seria seu principal conselheiro!  É para eles que o filósofo medieval escreve em sua obra "O Principe": "um governante hábil não pode e não deve guardar sua palavra quando isso é contrário a seus interesses.... Ele precisa ser um perfeito simulador e dissimulador. Os homens são tão simplórios e se deixam de tal modo dominar pela necessidade do momento, que, aquele que saiba enganar achará sempre quem queira ser enganado.... Importa que ele se conserve no bem, enquanto possível, mas saiba recorrer ao mal, se necessário."

    As cenas grotescas dos que foram às ruas gritar contra o isolamento social, nos dias em que a pandemia alcançava seu pic,  pareciam refletir um outro pensamento de Maquiavel: "a pessoa esquece mais facilmente a morte do pai do que a perca do seu patrimônio".

    Em situações assim tão graves, onde encontrar porta-vozes autênticos da Verdade? - Quem tem ouvidos para ouvir, ouça o Papa Francisco, em suas homilias mais recentes. Ele abre as comportas e libera muitas verdades aprisionadas: "Fechamos os ouvidos aos gritos dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos destemidos, pensando que avançaríamos saudáveis, em um mundo doente". Agora "O risco é que podemos ser atingidos por um vírus ainda pior, o da indiferença egoísta. Um vírus que se infiltra no pensamento de que a vida é melhor se for melhor para mim e tudo ficará bem, se for bom para mim."

    Tantas vezes já ouvimos dizer que crise é oportunidade. E também que a Verdade é um dom em movimento, a ser conquistado passo a passo.

    Aproveitemos esta oportunidade única para pensar e repensar os valores sobre os quais se assentam nossa vida individual, nossas relações comunitárias e nossa consciência política. Não cansemos do silêncio que a quarentena nos impõe. Muitas vezes é de dentro do silêncio que irrompem  as verdades reprimidas.

   Está próxima a festa de Pentecostes. Que o Espírito Santo, Patrono da Verdade, nos ilumine!  Amém.


FREI ALOÍSIO FRAGOSO é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.


quinta-feira, 23 de abril de 2020

COVID-19 DESMORALIZA ESTADO MÍNIMO




Frei Betto

         Tivesse o Brasil governo, já teria tomado providências urgentes para minorar os efeitos da pandemia sobre os mais pobres e vulneráveis. Não apenas com ajudas emergenciais, como os R$ 600 por três meses, mas ampliando o investimento em políticas públicas. Mas onde obter recursos?, perguntaria Guedes, que só pensa em encher as burras do Tesouro e não em impedir que o país mergulhe em profunda crise social.

         Ora, basta seguir o exemplo de nações escandinavas, como promover a reforma tributária e taxar grandes fortunas, como heranças, dividendos, renda e patrimônio. Quem ganha mais deveria pagar mais impostos. Mas para isso são necessários dois fatores que faltam ao (des)governo atual: vontade política e mudança de rumo na política econômica.

         Na América Latina, a região mais desigual do mundo, as elites resistem à tributação progressiva e ao aumento de impostos para fortalecer a rede pública de proteção social. 

         O Covid-19 derrete todos os dogmas do capitalismo neoliberal. Ainda que Guedes, como um náufrago à sua boia, se agarre às anacrônicas teorias da Escola de Chicago, o fato é que, agora, os principais países capitalistas preferem resgatar os princípios keynesianos, como são os casos de EUA, Canadá, Reino Unido, Alemanha, França, Suécia e Austrália.

         Isso significa mais Estado e menos conversa fiada de Estado mínimo e privatizações. Diante da letalidade do vírus, cabe ao poder público investir em políticas de proteção social e assegurar o fôlego dos sistemas produtivo e financeiro.

         Enquanto as nações metropolitanas impõem à periferia, como o Brasil, ajustes fiscais, tetos de gastos, desregulamentação financeira, flexibilização das relações trabalhistas, e outras medidas genocidas que tornam os ricos mais ricos e os pobres mais pobres, os donos do mundo agem, agora, exatamente na direção oposta. Aliás, como fizeram na crise de 2008, quando injetaram grandes recursos para impedir o efeito cascata da falência do banco Lehman Brothers.

         Enquanto aqui Bolsonaro chegou a emitir Medida Provisória propondo aos empresários suspender, por quatro meses, contratos de trabalho, Trump, seu ídolo, acionou a Lei de Produção de Defesa, que permite ao Estado intervir nas indústrias para assegurar a fabricação de material para o sistema sanitário. 

         O Congresso dos EUA liberou US$ 2 trilhões (em 2019, o PIB do Brasil equivaleu a US$ 1,80 trilhão) para a proteção social e o FED, Banco Central daquele país, decidiu conceder empréstimos, a juros baixíssimos, a pequenas e médias empresas, estudantes, financiamento imobiliário, dívida de cartões de crédito e compra de veículos. Até compra de celular por cartão de crédito será financiado. O BC passou a comprar títulos do Tesouro usamericano das mãos de particulares para irrigar o mercado.

         Entre tantos mortos pela pandemia, o capitalismo decidiu ressuscitar um que nos deixou há mais tempo: John Maynard Keynes (1883-1946). Ele alertou que, frente a uma crise aguda, nenhuma medida monetária faria efeito. O Estado necessariamente teria de intervir com decisões efetivas para reaquecer a economia.

         No Reino Unido, o governo liberou o equivalente a R$ 2,5 trilhões para evitar a falência de empresas, garantir 80% do salário de quem ganha até R$ 14,8 mil por mês, e suspendeu a cobrança de impostos sobre o valor agregado (IVA) do comércio e dos trabalhadores. Os autônomos tiveram alongados os prazos para pagar impostos. Os empresários, isentos por enquanto de pagar impostos, recebem créditos para ter dinheiro em caixa e pagar seus funcionários.

         Todos os principais países capitalistas adotaram medidas para impedir a falência das empresas e o desemprego, multiplicando os benefícios sociais. Aqui, os bancos privados alardeiam suas doações para combater a pandemia e, ao mesmo tempo, elevam as taxas de juros de quem precisa de empréstimos. Algumas taxas chegam a 70% ao ano!

         Como salvar o Brasil da acelerada desindustrialização, do sucateamento do setor produtivo e do aumento do desemprego? Os varejistas calculam que 600 mil trabalhadores serão demitidos caso as lojas não sejam reabertas até fim de abril. O varejo emprega 23,5% dos trabalhadores (9,1 milhões de pessoas) com carteira assinada. As pequenas empresas são responsáveis por mais de  80% de empregos formais e informais no Brasil.

         Na vida se colhe o que se planta. A drástica redução do orçamento da Saúde em nome do ajuste fiscal provocou o sucateamento do SUS. Segundo a Fiocruz, o Brasil perdeu 34,5 mil leitos entre 2009 e 2020. Os leitos de internação caíram de 460,92 mil para 426,38 mil entre a crise do H1N1 e a atual. E a rede privada aumentou em 14 mil o número de leitos. Por isso as famílias de classes média e alta migraram para os planos privados e a medicina de grupos, o que faz aprofundar a seletividade e a exclusão na sociedade brasileira.

         Grandes empresários apoiadores do atual governo insistem em que se suspenda o isolamento horizontal para fazer a economia girar. E propõem, como medida preventiva, aplicar o teste do Covid-19 a toda a população, como ocorreu na Coreia do Sul. Ora, como fazer o mesmo no Brasil se não há testes nem para quem está obviamente enfermo? E como deter o avanço da pandemia se é preciso esperar semanas pelo resultado? 

         Como evitar a aglomeração de 13,6 milhões de pessoas que moram em favelas? Segundo o Data Favela, 72% dos moradores não têm dinheiro guardado para enfrentar a crise. Talvez a culpa seja deles, como alertou o ministro Guedes: “O brasileiro não sabe poupar”... Como deter a disseminação do vírus se onde vivem os mais pobres não há infraestrutura, como saneamento básico, esgoto tratado, coleta de lixo e água potável? 

         É preciso que, o quanto antes, a sociedade pressione o governo para revogar a Emenda Constitucional número 95/2016, a do teto de gastos, que impede políticas sanitárias, humanitárias e econômicas para salvar os 60 milhões de brasileiros que sobrevivem abaixo da linha da pobreza.

Frei Betto é escritor, autor de “O diabo na corte – leitura crítica do Brasil atual” (Cortez), entre outros livros.
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