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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Médicos Cubanos: Por que tanta gritaria?


por   Maria Clara Lucchetti Bingemer


          Estou impressionada com a verdadeira gritaria que se instaurou com a vinda dos médicos estrangeiros – sobretudo cubanos, mas não só – para trabalhar por tempo determinado em território brasileiro. Os argumentos são variados e controversos e não chegam a construir uma linha de raciocínio coerente.

          Senão vejamos: o Brasil precisa de mais médicos?  Acredito que quanto a isso todo mundo esteja de acordo.  A resposta é sim. São justamente as regiões mais longínquas e carentes que sentem mais profundamente a falta desses profissionais?  Aqui também a resposta é afirmativa. Os médicos que se formam nas faculdades de medicina no país querem ir para as regiões mais distantes para nelas trabalhar ou, ao menos, viver os primeiros anos de sua profissão?

     Aqui a resposta é negativa.

           Então, diante deste quadro, que mostra de um lado uma carência e, de outro, a impossibilidade de os profissionais brasileiros atenderem satisfatoriamente; diante, igualmente, da disponibilidade de estrangeiros virem trabalhar e atender as regiões que apresentam maior carência – por que não acolhê-los e oferecer à população brasileira uma oportunidade de dar passos significativos em direção a uma melhoria da saúde?

          Mas a grita continua.  Invoca-se o salário que vão receber os médicos, que é alto. Depois reclama-se que apenas uma percentagem pequena do salário vai ficar com os médicos, sendo a maior parte repassada ao governo cubano.  Em seguida, alega-se que os médicos não têm preparação adequada, nem falam a língua do país e, portanto não poderão comunicar-se com os pacientes.  E etc. e etc.

          Sinceramente, parece-me uma polêmica tão estéril que não mereceria sequer um centímetro de espaço da grande imprensa e, no entanto aí está, ocupando não só páginas de jornais, como também minutos em noticiários televisivos e levantando bílis e humores de brasileiros que despejam nos pobres médicos estrangeiros que aqui chegam seus sentimentos negativos, sem censura ou cortesia.

          Não posso entender o porquê das vaias que os médicos receberam ao desembarcar no aeroporto. Um espetáculo muito constrangedor. Nem a razão das violentas agressões que sofreram no Ceará.  Nem a disfarçada xenofobia que faz classificá-los todos como “cubanos”, enquanto há espanhóis, portugueses, argentinos e outras nacionalidades entre os que chegam ao Brasil para aqui exercer a medicina.

          Questionam a competência dos médicos, sobretudo dos cubanos.  Talvez isso seja realmente fruto de pura e simples desinformação. A medicina cubana é de boa qualidade.  Em alguns campos de especialidade, tais como oftalmologia, dermatologia, por exemplo, notabiliza-se entre as melhores do mundo.  É totalmente equivocado pensar que Cuba não tinha o que fazer de seus médicos e por isso mandou-os para cá.  Estamos recebendo bons profissionais, certamente muito bem formados, sobretudo nesta medicina básica e em saúde pública, que é o que mais irão necessitar as regiões que serão por eles atendidas.

          Outra objeção é que não há hospitais, leitos, material cirúrgico etc., para que os médicos trabalhem.  Creio, com todo respeito, que isto não é problema deles, mas nosso.  Se deixamos chegar a este ponto de inanição a saúde no Brasil, o problema é nitidamente nosso e não dos médicos que se dispõem a vir até aqui trazer suas habilidades e sua competência para ajudar nosso país, sobretudo as fatias mais carentes de nossa população.

          Se eles terão vantagens materiais com esta vinda e com o tempo em que trabalharem aqui, é outra história. E não entendo por que não poderiam ter.  Se um alto executivo europeu ou estadunidense ganha o dobro ou, às vezes, até o triplo em salário líquido e “fringe benefits” quando expatriado, por que com os médicos que vêm desempenhar uma função vital em país que não é o seu não poderiam receber alguns benefícios?

          O que acontece nesses dias com os médicos cubanos é muito triste.  Mais triste ainda se pensarmos que toda essa descortesia, essa falta da mais elementar educação, esse tratamento de baixo nível contra os médicos cubanos, chamando-os de escravos e mandando-os voltar para a senzala e chamando as médicas cubanas afrodescendentes de domésticas, seja feito por... médicos.  Supõe-se que um médico seja uma pessoa educada, cuja formação foi concluída após longos anos de estudos. É inimaginável que proceda desta maneira com um colega de profissão que vem ajudar a população carente brasileira, doando conhecimento, experiência e competência.
        

Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do  departamento de teologia da PUC-Rio . A teóloga é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco.


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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Leis Antiterror e antijurídicas



 por Frei Betto 

      Sem base legal, a polícia britânica deteve, no aeroporto de Heathrow, Inglaterra, o brasileiro David Miranda, no domingo, 18 de agosto.

     Miranda fazia o voo Berlim-Rio, com escala em Londres. Seu crime: ser companheiro do jornalista estadunidense Glenn Greenwald. O crime de Greenwald: divulgar documentos confidenciais do governo dos EUA em poder de Edward Snowden, ora exilado na Rússia. O crime de Snowden: tornar público que os serviços de segurança dos EUA espionam milhões de pessoas, instituições e governos em qualquer ponto do planeta.

     Em todo esse encadeamento, crime mesmo só há um: a espionagem do governo dos EUA, violando leis, fronteiras, acordos diplomáticos, privacidades e ética. O governo brasileiro não gostou ao saber disso, mas em agosto o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, esteve em Brasília e, na cara do ministro Patriota e da presidente Dilma, declarou que não faria autocrítica e nem seu país mudaria de atitude.

     As nações metropolitanas resolveram mandar às favas escrúpulos e Direito. Durante a Guerra Fria, com o mundo bipolarizado entre EUA e União Soviética, o pretexto para o Ocidente burlar a legislação, promover golpes de Estado, torturar e assassinar, era a ameaça comunista. Em nome do anticomunismo, Constituições foram rasgadas e a democracia tripudiada, como se passou no Brasil em 1964, com o golpe militar, e em outros países do continente: Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia, Peru, El Salvador e Guatemala.

     Agora, em nome do combate ao terrorismo, tudo se justifica aos olhos e à consciência da Casa Branca e de seus teleguiados, como o Reino Unido: sequestro de muçulmanos pela CIA, em vários países, e a tortura e prisão deles na base naval de Guantánamo, em Cuba, ocupada pela Marinha dos EUA; voos de drones (aeronaves militares sem tripulantes), para assassinar civis, confundidos com terroristas, no Afeganistão; aprovação explícita de tortura pelo então presidente Bush; os sete tiros dados por policiais ingleses na cabeça do brasileiro Jean Charles de Menezes, no metrô de Londres, por desconfiarem de que ele era terrorista; a perseguição a Julian Assange, ora abrigado na embaixada do Equador em Londres, por divulgar no Wikileaks documentos secretos; a interceptação da aeronave presidencial de Evo Morales, ao voar de Moscou a La Paz, obrigada a pousar em Viena, sob suspeita de levar Sowden a bordo etc. Os exemplos são múltiplos.

     As leis antiterroristas são, de fato, medidas draconianas que jogam o Direito na lata de lixo. Não só o Direito, mas também a lógica. Quando do bombardeio da Líbia, em 2011, a oposição estadunidense se queixou de que Obama não havia solicitado autorização do Congresso para realizar operações militares naquele país. O presidente respondeu com esta pérola de cinismo: não era necessário pedir autorização, já que as operações dependiam de máquinas, e não de humanos...

     Hoje em dia, as leis nacionais e internacionais já não dão conta de abordar aspectos legais e éticos do uso da informática, dos robôs e dos drones no suposto combate ao terrorismo. As tecnologias avançam a passo de coelho; a legislação, a passo de tartaruga.

     Se em teste bélico um robô mata acidentalmente um funcionário da fábrica, quem responde perante a Justiça? O inventor, o dono da fábrica, o montador?

     Ilude-se quem pensa que a cultura de dominação colonial é coisa do passado. Os EUA e seus aliados na Europa Ocidental estão pouco se lixando para os protestos de nossos governos subalternos. Em nome de sua segurança e de seus interesses, continuarão a bombardear civis, torturar supostos terroristas, invadir nações, espionar cidadãos e governos, deter ao bel-prazer e atirar à menor suspeita. 

     É a lógica do capital que predomina, e seu direito de não respeitar nenhum Direito. O terrorismo é o grande pretexto para nos infundir a perversa ideologia de que devemos trocar liberdade por segurança e acreditar que capitalismo e democracia são sinônimos. Exatamente como pensavam e agiam os cowboys do Velho Oeste interessados no dinheiro das diligências do Wells Fargo Bank.

 Frei Betto é escritor, autor de “Hotel Brasil – o mistério das cabeças degoladas” (Rocco), entre outros livros.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

CINEMANIA – THE WORLD’S END - O FIM DO MUNDO



por Rossana Menezes


Diretor:  Edgar Wright
Roteiristas:  Simon PeggEdgar Wright

 
     Fui assistir a esse filme quase totalmente desprovida de informação sobre ele. Foi na base do: Hummmm o que está passando hoje?? Uni Duni Tê o escolhido foi você!

     Pouco antes de sair para ir ao cinema um amigo me falou que era uma comédia britânica. Foi então que fui atrás de uma sinopse e achei uma de 2 linhas que dizia algo sobre 5 amigos que iriam a um bar chamado The World's End sem saber que o fim do mundo estava realmente próximo. 

     E é quase isso. O filme se passa em uma cidade do interior da Inglaterra onde  5 amigos tentaram, nos idos dos anos 90, fazer o caminho de ouro que nada mais era do que um caminho dentro da cidade que passava por 12 bares diferentes. O objetivo deles era tomar uma pint (um copo com cerca de 500ml) de cerveja em cada um dos bares. Mas eles não conseguem. Cada um dos cinco tomou um rumo diferente na vida, menos Gary King (Simon Pegg) que resolve, 20 anos depois, reunir os amigos e tentar refazer o caminho de ouro. 

     Eles voltam à cidade natal e não demoram muito para perceber que algo está errado. 

     O filme tem um estilo de comédia que me lembrou Monty Python. Meio sem noção, meio sem pé nem cabeça, mas extremamente divertido, sem apelar pra baixaria. Não tem muito o que errar. 

     Está mais do que recomendado. 



Rossana Menezes é jornalista, fotógrafa e designer gráfica. 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Por um novo pacto das catacumbas




Por Marcelo Barros


A recente visita do papa Francisco ao Brasil recordou à Igreja Católica a sua missão de dialogar com a humanidade, oferecer às pessoas o testemunho de que Deus é amor e inclusão e não um senhor todo poderoso, frio e amigo apenas dos seus amigos. Nessa semana, no Brasil, as comunidades cristãs e as pessoas que buscam a justiça lembram com saudade de três bispos que exerceram sua missão de modo profético e nos deixaram no mês de agosto. No dia 27, celebramos o aniversário da partida de Dom Hélder Câmara (1999). Também, no mesmo dia, partiu Dom Luciano Mendes de Almeida (2006). Poucos dias antes, lembrávamos Dom Antônio Fragoso, outro profeta que nos deixou em agosto (12/08/2006). A esses bispos, não teria sido necessário o papa Francisco pedir que fossem à periferia e tornassem a Igreja pobre e dos pobres. Eles já viviam isso por convicção de fé e por terem sido confirmados nesse caminho pelo Concílio Vaticano II. 

Dom Luciano se tornou bispo depois do Concílio, mas Dom Hélder e Dom Fragoso lideraram um grupo de mais de 40 bispos que, no dia 16 de novembro de 1965, se reuniu em Roma e assinou um compromisso de viver como pobres e ajudar a Igreja a se inserir no meio dos pobres como uma Igreja serva, pobre e missionária. Como a reunião foi nas Catacumbas de Domitila, esse documento se chamou “Pacto das Catacumbas”. Nesses dias, pastores e fiéis da Itália retomaram esse texto e o assinaram, como proposta a bispos, padres, religiosos/as e fieis que se guiem por esse caminho da simplicidade e comunhão com os mais empobrecidos.  No Brasil, três bispos eméritos, Dom Tomás Balduíno, Dom José Maria Pires e Dom Pedro Casaldáliga, escreveram uma carta aberta a todos os bispos brasileiros recordando os princípios fundamentais da renovação eclesial do Concílio Vaticano II: o caráter próprio e de Igreja de cada diocese, a responsabilidade de todos os bispos junto com o papa pela Igreja Universal e a necessidade da Igreja retomar o diálogo amoroso com a humanidade, que o papa João XXIII iniciou.  

De fato, em 1965, os bispos assinaram o pacto das catacumbas para ajudar a Igreja a se converter e se transformar em uma Igreja pobre e servidora de todos. Mais tarde, na América Latina, a Teologia da Libertação nos ajudou a ir além disso. No nosso continente, como na África, a Igreja tem uma dívida histórica, já que chegou ao continente através dos conquistadores e, apesar da resistência de muitos missionários, foi conivente com a escravidão e corresponsável da perseguição e condenação às culturas indígenas e afrodescendentes. 

Então, é ótimo que, como pede o pacto das catacumbas, bispos e padres renunciem a todo sinal de pompa e poder e se tornem pobres com os pobres. Entretanto, é preciso ir além: precisamos estar junto dos pobres contra a pobreza injusta que não é do agrado de Deus e é responsável por muitas mortes e muitos sofrimentos na humanidade. Isso significa um passo que pastores como Dom Hélder Câmara e muitos bispos do seu tempo deram: superar preconceitos e dialogar com a parte da humanidade que procura a transformação social e tem fome e sede de justiça e de um mundo mais igualitário e livre. 

No passado, muitas vezes, a ideia de revolução esteve ligada com ódio, violência e luta armada. Hoje, precisamos resgatar a meta de uma revolução social e política baseada em valores humanos e em uma nova ética. Essa revolução radicaliza a democracia, toma a educação como tarefa prioritária para transformar o mundo e valoriza as culturas indígenas e negras. Na América Latina, essa é a proposta do novo bolivarianismo. Para quem é cristão, lembra o que escreveu Paulo aos romanos: “Não se conformem com esse mundo, mas o transformem pela renovação de suas mentes” (Rm 12, 1).


 Marcelo Barros , monge beneditino, teólogo e escritor. Tem 44 livros publicados.
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