por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Estou impressionada com a verdadeira gritaria que
se instaurou com a vinda dos médicos estrangeiros – sobretudo cubanos, mas não
só – para trabalhar por tempo determinado em território brasileiro. Os
argumentos são variados e controversos e não chegam a construir uma linha de
raciocínio coerente.
Senão
vejamos: o Brasil precisa de mais médicos? Acredito que quanto a isso
todo mundo esteja de acordo. A resposta é sim. São justamente as regiões
mais longínquas e carentes que sentem mais profundamente a falta desses
profissionais? Aqui também a resposta é afirmativa. Os médicos que se
formam nas faculdades de medicina no país querem ir para as regiões mais
distantes para nelas trabalhar ou, ao menos, viver os primeiros anos de sua
profissão?
Aqui a resposta é negativa.
Então,
diante deste quadro, que mostra de um lado uma carência e, de outro, a
impossibilidade de os profissionais brasileiros atenderem satisfatoriamente;
diante, igualmente, da disponibilidade de estrangeiros virem trabalhar e
atender as regiões que apresentam maior carência – por que não acolhê-los e
oferecer à população brasileira uma oportunidade de dar passos significativos
em direção a uma melhoria da saúde?
Mas
a grita continua. Invoca-se o salário que vão receber os médicos, que é
alto. Depois reclama-se que apenas uma percentagem pequena do salário vai ficar
com os médicos, sendo a maior parte repassada ao governo cubano. Em
seguida, alega-se que os médicos não têm preparação adequada, nem falam a
língua do país e, portanto não poderão comunicar-se com os pacientes. E
etc. e etc.
Sinceramente,
parece-me uma polêmica tão estéril que não mereceria sequer um centímetro de
espaço da grande imprensa e, no entanto aí está, ocupando não só páginas de
jornais, como também minutos em noticiários televisivos e levantando bílis e
humores de brasileiros que despejam nos pobres médicos estrangeiros que aqui
chegam seus sentimentos negativos, sem censura ou cortesia.
Não posso entender o porquê das vaias que os médicos receberam ao desembarcar no aeroporto. Um espetáculo muito constrangedor. Nem a razão das violentas agressões que sofreram no Ceará. Nem a disfarçada xenofobia que faz classificá-los todos como “cubanos”, enquanto há espanhóis, portugueses, argentinos e outras nacionalidades entre os que chegam ao Brasil para aqui exercer a medicina.
Questionam a competência dos médicos, sobretudo dos cubanos. Talvez isso seja realmente fruto de pura e simples desinformação. A medicina cubana é de boa qualidade. Em alguns campos de especialidade, tais como oftalmologia, dermatologia, por exemplo, notabiliza-se entre as melhores do mundo. É totalmente equivocado pensar que Cuba não tinha o que fazer de seus médicos e por isso mandou-os para cá. Estamos recebendo bons profissionais, certamente muito bem formados, sobretudo nesta medicina básica e em saúde pública, que é o que mais irão necessitar as regiões que serão por eles atendidas.
Outra
objeção é que não há hospitais, leitos, material cirúrgico etc., para que os
médicos trabalhem. Creio, com todo respeito, que isto não é problema
deles, mas nosso. Se deixamos chegar a este ponto de inanição a saúde no
Brasil, o problema é nitidamente nosso e não dos médicos que se dispõem a vir
até aqui trazer suas habilidades e sua competência para ajudar nosso país,
sobretudo as fatias mais carentes de nossa população.
Se
eles terão vantagens materiais com esta vinda e com o tempo em que trabalharem
aqui, é outra história. E não entendo por que não poderiam ter. Se um
alto executivo europeu ou estadunidense ganha o dobro ou, às vezes, até o
triplo em salário líquido e “fringe benefits” quando expatriado, por que com os
médicos que vêm desempenhar uma função vital em país que não é o seu não
poderiam receber alguns benefícios?
O
que acontece nesses dias com os médicos cubanos é muito triste. Mais
triste ainda se pensarmos que toda essa descortesia, essa falta da mais
elementar educação, esse tratamento de baixo nível contra os médicos cubanos,
chamando-os de escravos e mandando-os voltar para a senzala e chamando as
médicas cubanas afrodescendentes de domésticas, seja feito por... médicos.
Supõe-se que um médico seja uma pessoa educada, cuja formação foi
concluída após longos anos de estudos. É inimaginável que proceda desta maneira
com um colega de profissão que vem ajudar a população carente brasileira,
doando conhecimento, experiência e competência.
Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do departamento de teologia da PUC-Rio . A teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do departamento de teologia da PUC-Rio . A teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
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