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sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Fé: Mística e Ação



Por MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER


       O desafio de crer nessa contemporaneidade complexa e plural que é a nossa tem sido tema de muitas obras de renomados teólogos da atualidade. E continua representando um desafio mais do que atual para a Igreja.
      A secularização e o desencantamento do mundo continuam seu caminho, apesar da crise da modernidade e da razão potente.            
       A pós-modernidade resgatou o sagrado, mas é um sagrado sem absolutos e sem rosto, não pode  absolutamente ser posto em posição de paridade com o conteúdo da experiência de fé tal como a entende o cristianismo. A pergunta que fica após essas reflexões introdutórias é não apenas se podemos identificar fé e religião.  E se a resposta é não, qual dessas denominações corresponderia mais à proposta da revelação cristã.

       Se a religião é definida e compreendida como “um conjunto de crenças relacionadas com aquilo que a humanidade considera sobrenatural, divino e sagrado, bem como o conjunto de rituais e códigos morais que derivam dessas crenças”, da fé não se pode dizer o mesmo. A fé é fundamentalmente uma resposta a uma proposta feita à liberdade do ser humano, que é a ela chamado a responder com todas as dimensões de seu ser.  A fé é, portanto, um momento segundo, posterior, que vem depois, assentimento a algo proposto por outro.  Crer não é uma iniciativa humana que busca um lugar onde desaguar suas inquietudes e frustrações, mas, pelo contrário, uma atitude fundamental de recepção, aceitação, que gera então entrega, compromisso e empenho radical da vida.
           Todo o sentido, toda a importância e a relevância da fé se apoiam sobre algo místico, espiritual. Vêm do fato de secundarem uma proposta que emana de Alguém que não é igual a todos: Deus.  O mais importante na dinâmica de fé é de quem é a proposta à qual se responde.  Ela é divina e gera uma experiência mística.
           A Revelação chega ao ser humano como graça que surpreende e convoca sua liberdade.   A proposta é graça, é gratuita e a resposta igualmente só pode ser gratuita por ser igualmente fruto da graça. É graça de Deus não só o fato de ele fazer essa proposta ao ser humano, mas também o fato de poder ouvi-la, aceitá-la e a ela responder na fé.  O próprio querer crer já é dado por Deus, cuja graça e misericórdia a tudo se antecipa.  Consentir ou rejeitar essa oferta gratuita, no entanto, é próprio da liberdade humana, que aí é envolvida e interpelada de maneira definitiva.  A decisão de dizer SIM ou NÃO é do ser humano e de mais ninguém, embora sempre sustentado e ajudado pela graça de Deus.
            Sendo primordialmente dom, a fé também é tarefa.  Se for verdade que recebemos de Deus, sem mérito algum de nossa parte, esse dom que é a fé, também é verdade que esse dom implica responsabilidade, empenho concreto.  Aí estará o critério de verificação que demonstrará que a fé é algo verdadeiro e não produto da nossa imaginação e experiência que aliena em vez de comprometer, e é busca frenética e ilusória de si mesmo e não entrega e resposta a algo que veio até nós por parte de Outro.
           Crer tem muitos significados.  Mas em se falando em termos da fé cristã, crer tem a ver com encontro, com confiança.  É um ato pessoal que só pode ser praticado e vivido pelo ser humano.  No Antigo Testamento, a palavra mais próxima do que hoje entendemos por fé é  Amém, que quer dizer afiançar, afirmar, segurar-se em.  Esta palavra também é usada no Novo Testamento, sobretudo quando o autor bíblico quer se referir a Jesus Cristo.  Ali é dito que ele é o Amém do Pai, o Amém de Deus para nós.  Jesus Cristo seria a demonstração mais completa de que Deus ainda crê na humanidade.
            Por isso, disse o Papa Francisco com muita razão ao chegar no Rio de Janeiro para as JMJ: “Cristo bota fé nos jovens”.

Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do departamento de teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “O  mistério e o mundo – Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.

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