Por JURACY ANDRADE
O
papa visitou o nosso país e já voltou para Roma. Não foi uma visita de chefe de
Estado, embora o protocolo diplomático mande recebê-lo como tal (monarca do Estado
do Vaticano, criado por tratado entre a Itália e o papado). Foi uma visita
pastoral, numa jornada bonita, com tantas moças e rapazes vindos dos mais
longínquos cantos da Terra para proclamar sua fé e escutar palavras tão novas
vindas de um papa. Uma só de suas falas demonstra como ele é uma novidade no
mal denominado “trono de Pedro” (São Pedro tinha trono?).
Discorrendo
sobre a necessidade da boa convivência entre religiões, Francisco disse que o
Estado laico é algo bom para todas elas, pois não dá preferência a essa ou
aquela, não prejudica uma em favor de outra. Outra: os ateus também podem
ganhar o Reino dos Céus, pelas suas boas ações. A Cúria Romana logo contraditou
de lá: continuam indo para as profundas do Inferno. Algum papa antes disse coisas
semelhante? Ao contrário. Choveram condenações e anátemas a qualquer novidade:
heliocentrismo, ciências em geral, socialismo, democracia, liberdade de cultos,
Estado laico. Se prosseguir por esse caminho, ele chegará certamente a abrir
mão do Tratado de Latrão, o que o tornará apenas bispo de Roma (como ele
acentuou quando foi eleito) e não mais soberano absoluto do Estado do Vaticano.
Ainda
antes de viajar ao nosso país, o papa começou a desmontar o fausto dos
hierarcas do Vaticano e a criar comissões encarregadas de propor reformas variadas,
inclusive na até agora intocável Cúria Romana, responsável pelo chega-pra-lá
aplicado no Concílio dos anos 1960, convocado por outro reformador, o paoa
Roncalli (João 23). Emblematicamente, fez uma vistoria na garagem que abriga
veículos luxuosos destinados ao papa, cardeais e outros altos funcionários da
corte papal. Aposentou veículos de grife, como Mercedes Benz e BMW, e escolheu
para seu uso um simples Ford Focus. No Rio, optou por um Fiat Idea, que até nós
podemos ter. Aos clérigos com carros luxuosos lembrou que pensassem nas
crianças que todo dia morrem de fome. Lembro que, quando estudei em Roma nos
longínquos anos 1950, havia uma piada dos romanos quando viam aqueles carrões
com a placa SCV do Vaticano: em vez de Stato dela Città del Vaticano, liam a
sigla SCV como se significasse “Se Cristo vedessi ...” (Se Cristo visse ...). Ora,
tudo isso é detalhe quanto a mudanças, mas é com tais passos que se chegará a
comunidades cristãs despojadas e a uma cúpula da Igreja que não seja medieval e
tão apegada ao poder e ao dinheiro. “Uma Igreja pobre para os pobres”, como diz
o jesuíta-franciscano.
Conseguirá Francisco fazer as mudanças que
pretende e ainda não fez? Por que teria mantido na poderosa Secretaria de
Estado do Vaticano o cardeal Tarcisio Bertone, que lutou bravamente pela
eleição ao papado do curialista Odilo Scherer, cardeal de São Paulo e defensor
das estripulias do IOR (Banco do Vaticano)? Talvez para ficar observando algum
tempo até onde ele quer chegar. Não vai ser fácil e, no meio do caminho, pode
acontecer com Francisco o que ocorreu com o breve (um mês) papa João Paulo 1º;
podem abreviar a vida dele. A turma do IOR, do lobby gay e os responsáveis por
tantos desmandos tem boas e bem remuneradas carreiras a defender. Até agora se
calaram, mas devem estar urdindo suas tramoias para enfrentar o argentino
Bergoglio. Têm a seu favor máfias e outros sinistros grupos.
No Rio, em Aparecida, Francisco buscou
despertar nos jovens, principais protagonistas da Jornada Mundial da Juventude,
uma renovação da esperança, do amor, da fé, do espírito missionário que se
contraponha à constante degradação de nossa civilização de guerra, de ódio, e
de bem-estar e felicidade só para poucos. Foi uma semana em que ele teve
oportunidade de mostrar muito daquilo que deseja implantar na Igreja de Cristo.
Enquanto o papa Wojtyla (João Paulo 2º) se
preocupava mais com política, com acabar com o comunismo na sua Polônia e no
resto do mundo, e promover aos altares notórios fascistas, como o fundador do
Opus Dei, José Maria Escrivá, e um tal de Padre Pio, embusteiro que fingia ter
estigmas e abusava das paroquianas; e o papa Ratzinger (Bento 16) se
concentrava no que acredita como dogmas e perseguia teólogos independentes;
Francisco combate ídolos como dinheiro, poder, sucesso, hedonismo, e prega o
retorno aos valores básicos do Evangelho de Jesus Cristo, como pobreza,
fraternidade, generosidade, fé, esperança, amor, tudo com alegria. Quem sabe o
papa Francisco consiga levar a cabo as grandes mudanças pretendidas por João
23, que convocou o Concílio, e João Paulo 1º, que morreu misteriosamente lendo
um dossiê sobre as sacanagens do Banco do Vaticano. Amém!
Juracy Andrade é jornalista com formação em
filosofia e teologia
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