Por MARCELO BARROS
Nessa
semana, o mundo recorda os quase 70 anos do dia em que a humanidade perdeu sua
inocência e viu o lançamento da primeira bomba atômica, no caso, jogada pelo
governo dos Estados Unidos da América sobre a população de Hiroshima (no dia 06
de agosto de 1945). Dois dias depois outra bomba norte-americana caía sobre a
cidade de Nagazaki, ambas no Japão. No Ocidente, os meios de comunicação divulgaram
a noticia de que esse era o único modo de acabar com a guerra. No entanto,
desde dois meses antes, no dia 06 de junho, as tropas aliadas tinham
conquistado a Normandia e vencido o exército alemão, o que levou à rendição de
Hitler e ao fim da guerra na Europa.
A quase indiferença com a qual, naquele
momento, a maior parte das nações encarou a destruição das duas cidades, a
morte de milhares de pessoas inocentes e as consequências da radiação sobre as
gerações seguintes só pode ser compreendida se se toma consciência do racismo
ocidental em relação aos orientais. Além disso, sem dúvida, uma cultura de
convívio com a morte conduz as pessoas a acharem menos horrível o sofrimento
dos outros, principalmente se estão distantes. Alguns anos depois, em
Jerusalém, ocorria o julgamento de Adolf Eichmann, o oficial nazista que
organizava o transporte dos judeus para os campos de extermínio. A imprensa
havia descrito Eichmann como uma espécie de cérebro monstruoso do mal. Como
correspondente da revista New Yorker, a
filósofa judia Hannah Arendt assistiu ao julgamento de Eichmann e sobre isso publicou
o livro que escandalizou muita gente.
O livro se intitula: “A banalidade do
mal”. Ao contrário do que dizia a opinião pública, ela afirmou: “Eichmann era
um homenzinho insignificante e medíocre, cuja única característica notável era
não pensar e não dar o menor sinal de uma autêntica personalidade própria, nem
de direita, nem de esquerda e não estar ligando para o bem ou para o mal”. Quanto
mais ela o entrevistava, mais se dava conta: era impossível conversar com ele,
não porque ele mentisse, mas simplesmente porque não tinha pensamento próprio.
Repetia frases prontas e argumentos que aprendeu no exército nazista. Segundo
ele, a responsabilidade do que fez não era sua e sim dos chefes que lhe
mandaram matar judeus. E isso é que foi grave porque, ao não se dar o trabalho
de pensar, ele cometeu um verdadeiro genocídio e se tornou responsável pelo
sofrimento e pela morte de milhões de pessoas.
Por
revelar essa banalidade do mal e por revelar que algumas organizações judaicas
também colaboraram com o nazismo, Hannah Arendt sofreu muitas pressões e
incompreensões. Ela revelou que os judeus que tinham muito dinheiro e poder não
morreram, nem foram perseguidos. Morreram os pobres e as pessoas comuns. A
imprensa e o Estado de Israel se sentiram traídos. Esse conflito é o tema do
filme “Hannah Arendt”, ainda em
cartaz no circuito das cidades maiores do Brasil. Esse tema poderia parecer
restrito a aquele período da história, mas não é. Para muita gente, o mal
continua a ser algo de banal e corriqueiro. Quem opta por fazer o bem e se doa
na construção de um mundo mais justo tem de aprofundar o seu pensar e
constantemente rever o seu modo de agir. Quem faz o mal nem precisa de opção.
Aqui
no Brasil, no tempo da escravidão, muitas pessoas de bom coração tinham escravos
sem se perguntar sobre isso. Nas operações policiais, há soldados que agridem
pobres na rua por serem negros ou estarem mal vestidos. Depois, voltam à casa,
beijam a esposa, tomam nos braços o filho pequeno e lhe fazem carinho.
Segundo
nos ensina Hannah Arendt, uma sociedade que não faz pensar e não torna
acessível a todos a capacidade de aprofundar criticamente a própria história
transforma homens e mulheres em pessoas sem responsabilidade moral, mesquinhos
executores do que pensa e transmite qualquer programa sensacionalista de rádio
ou televisão que transmite os crimes do dia misturados com a propaganda de
Coca-cola. Como Poncio Pilatos no julgamento de Jesus, essas pessoas lavam as
mãos e deixam o mal se perpetuar, como a banalidade de suas vidas. Para quem
crê, Paulo escreveu aos cristãos de Roma: “Não se conformem com esse sistema do
mundo, mas se transformem continuamente pela renovação da mente” (Rm 12, 2).
MARCELO( BARROS é monge beneditino e peregrino de Deus.
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