Por MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER
Quando o avião
da Alitália que levava o Papa Francisco de volta ao Vaticano decolou,
certamente algo de muito importante havia acontecido em termos teológicos
e eclesiais. E isto não apenas no Brasil, ou no Rio de Janeiro,
onde se concentrou sua visita, mas em toda a Igreja Universal e no mundo
inteiro, onde homens e mulheres vivem, esperam, trabalham, amam e sofrem.
Qualquer
tentativa de balanço dessa luminosa visita permanece inconsistente diante
da estatura do visitante e das dimensões da mobilização que sua figura
logrou. Conscientes de que não esgotamos o tema, levantamos, no
entanto, alguns pontos que nos parecem importantes do legado de Francisco
nesta Jornada Mundial da Juventude. É a nossa leitura e estamos
conscientes de que certamente há muitas outras.
A própria
pessoa do Papa - Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, apresenta um
perfil que impressiona e atrai. Não por causa de nada extraordinário, mas
exatamente pela sua normalidade, suas atitudes, seus gestos. Faz
questão de se comportar e agir como o comum das pessoas. E isso faz
com que todos e todas consigam identificar-se com ele e abrir-se a sua
mensagem. Ao ser interrogado, já no avião de volta, por que carrega ele
mesmo sua pequena maleta preta e não a entrega aos assessores, respondeu
com simplicidade contundente: “Porque é normal”. E revelou o
conteúdo da mala, muito comum em qualquer sacerdote e, por conseguinte,
também no Papa, tal como breviário, ordinário da missa etc.
Francisco
insiste em que as pessoas da Igreja devem ser normais, como todo mundo.
Não esquisitas, não estranhas. Mas normais. Nesse ponto, segue de
perto seu mestre espiritual, Santo Inácio de Loyola, que nas
Constituições da Companhia de Jesus, ao redigir as indicações de como
deviam se vestir os jesuítas, afirma: “Vistam-se como os sacerdotes
honestos do lugar.”
2. Sua concepção da
missão da Igreja - Em seus discursos o Papa deixou bem claro como entende
a missão da Igreja. Deve ser algo que desinstale, dinâmica, que saia da
privacidade da sacristia e vá ao espaço público. Conclamou bispos e
clérigos a cultivar a cultura do encontro. Isto implica sair dos
espaços onde os segmentos eclesiais têm o domínio e ir ao encontro das
pessoas que estão fora, muitas vezes afastadas e mesmo hostis à Igreja.
E como aproximar-se
delas? O meio é o diálogo, a abertura, o convite alegre à
conversação e à partilha. Aos jovens, sobretudo, recomendou essa atitude
permanente, dizendo querer agitação (lío, palavra espanhola que na
verdade significa confusão), movimento e não pasmaceira e acomodação nas
dioceses e nas diversas instâncias do tecido eclesial. A Igreja tem
que sair de si, viver em êxodo permanente, ir ao encontro dos outros,
viver em estado de pastoral. Essa é a Igreja de Francisco, Igreja
que ele não inventa agora, mas que resgata das fontes mesmas do Cristianismo.
Igreja alegre e participativa como eram as primeiras comunidades,
onde o Senhor cada dia acrescentava ao número dos que a ela aderiam e
eram salvos (Atos dos apóstolos, 2, 22-46)
3. Seu entendimento da
composição do tecido eclesial - O Papa deixa bem claro ao terminar
sua visita à JMJ que o clericalismo – ao lado de outros ismos - é
incompatível com o rosto e o espírito da Igreja de Jesus Cristo. Não
existe nem existirá Igreja ou evangelização se os cristãos leigos,
batizados sem mais adjetivos não forem constitutiva e vigorosamente
integrados à comunidade eclesial para todos os efeitos: não apenas em
funções de suplência ou acessórias, mas participando das decisões,
recebendo adequada formação e tendo voz ativa na caminhada eclesial.
Somente uma Igreja que não funcionar em termos de contraposição clero
versus laicato poderá ser realmente Povo de Deus, Corpo de Cristo e
revelar ao mundo o Evangelho do amor e da solidariedade.
4. Sua denúncia profética
do consumismo e das injustiças - O Papa não poupou palavras e expressões
fortes para denunciar a cultura do provisório, os ídolos que fascinam os
jovens e lhes roubam o sentido da vida e a esperança, “os mercadores da
morte” que lhes oferecem viagens sem volta nas asas das substâncias
químicas e letais das drogas. Ao mesmo tempo, sua denúncia se
transformou em anúncio alegre do que é a verdade. A verdade é o serviço
gratuito e desinteressado que se presta ao outro. Isto é a essência do
cristianismo e isto é que constrói a verdadeira Igreja.
Ao fundo das
palavras e gestos do Papa, na esteira do rastro luminoso por ele deixado
refulge uma figura, uma pessoa. Trata-se daquele que é a razão de
ser de seu compromisso e sua vida. Daquele que é o horizonte de
sentido que o faz ser quem é, como é e fazer o que faz. Aquele que,
tendo a condição divina, não se aferrou a suas prerrogativas mas tomou
carne, habitou no meio de nós e foi obediente até a morte de Cruz.
Conhecê-lo, amá-lo, contemplá-lo incessantemente é o caminho para
qualquer peregrino, qualquer homem ou mulher que se autocompreenda como
um ser a caminho para a Verdade e a Vida. Jesus Cristo: uma
experiência mais viva de seu mistério, um desejo mais forte de construir
seu Reino. Eis o coração, o núcleo do legado luminoso do Papa
Francisco nesta visita ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude.
Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio . A teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio . A teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
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