por Frei Betto
Sem
base legal, a polícia britânica deteve, no aeroporto de Heathrow, Inglaterra, o
brasileiro David Miranda, no domingo, 18 de agosto.
Miranda fazia o voo Berlim-Rio, com escala
em Londres. Seu crime: ser companheiro do jornalista estadunidense Glenn
Greenwald. O crime de Greenwald: divulgar documentos confidenciais do governo
dos EUA em poder de Edward Snowden, ora exilado na Rússia. O crime de Snowden:
tornar público que os serviços de segurança dos EUA espionam milhões de
pessoas, instituições e governos em qualquer ponto do planeta.
Em todo esse encadeamento, crime mesmo só
há um: a espionagem do governo dos EUA, violando leis, fronteiras, acordos
diplomáticos, privacidades e ética. O governo brasileiro não gostou ao saber
disso, mas em agosto o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, esteve em
Brasília e, na cara do ministro Patriota e da presidente Dilma, declarou que
não faria autocrítica e nem seu país mudaria de atitude.
As nações metropolitanas resolveram mandar
às favas escrúpulos e Direito. Durante a Guerra Fria, com o mundo bipolarizado
entre EUA e União Soviética, o pretexto para o Ocidente burlar a legislação,
promover golpes de Estado, torturar e assassinar, era a ameaça comunista. Em
nome do anticomunismo, Constituições foram rasgadas e a democracia tripudiada,
como se passou no Brasil em 1964, com o golpe militar, e em outros países do
continente: Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia, Peru, El Salvador e Guatemala.
Agora, em nome do combate ao terrorismo,
tudo se justifica aos olhos e à consciência da Casa Branca e de seus
teleguiados, como o Reino Unido: sequestro de muçulmanos pela CIA, em vários
países, e a tortura e prisão deles na base naval de Guantánamo, em Cuba,
ocupada pela Marinha dos EUA; voos de drones (aeronaves militares sem
tripulantes), para assassinar civis, confundidos com terroristas, no
Afeganistão; aprovação explícita de tortura pelo então presidente Bush; os sete
tiros dados por policiais ingleses na cabeça do brasileiro Jean Charles de
Menezes, no metrô de Londres, por desconfiarem de que ele era terrorista; a
perseguição a Julian Assange, ora abrigado na embaixada do Equador em Londres,
por divulgar no Wikileaks documentos secretos; a interceptação da aeronave
presidencial de Evo Morales, ao voar de Moscou a La Paz, obrigada a pousar em
Viena, sob suspeita de levar Sowden a bordo etc. Os exemplos são múltiplos.
As leis antiterroristas são, de fato, medidas
draconianas que jogam o Direito na lata de lixo. Não só o Direito, mas também a
lógica. Quando do bombardeio da Líbia, em 2011, a oposição estadunidense se
queixou de que Obama não havia solicitado autorização do Congresso para
realizar operações militares naquele país. O presidente respondeu com esta
pérola de cinismo: não era necessário pedir autorização, já que as operações
dependiam de máquinas, e não de humanos...
Hoje em dia, as leis nacionais e
internacionais já não dão conta de abordar aspectos legais e éticos do uso da
informática, dos robôs e dos drones no suposto combate ao terrorismo. As
tecnologias avançam a passo de coelho; a legislação, a passo de tartaruga.
Se em teste bélico um robô mata
acidentalmente um funcionário da fábrica, quem responde perante a Justiça? O
inventor, o dono da fábrica, o montador?
Ilude-se quem pensa que a cultura de
dominação colonial é coisa do passado. Os EUA e seus aliados na Europa
Ocidental estão pouco se lixando para os protestos de nossos governos
subalternos. Em nome de sua segurança e de seus interesses, continuarão a
bombardear civis, torturar supostos terroristas, invadir nações, espionar
cidadãos e governos, deter ao bel-prazer e atirar à menor suspeita.
É a lógica do capital que predomina, e seu
direito de não respeitar nenhum Direito. O terrorismo é o grande pretexto para
nos infundir a perversa ideologia de que devemos trocar liberdade por segurança
e acreditar que capitalismo e democracia são sinônimos. Exatamente como
pensavam e agiam os cowboys do Velho Oeste interessados no dinheiro das
diligências do Wells Fargo Bank.
Frei Betto é escritor, autor de “Hotel
Brasil – o mistério das cabeças degoladas” (Rocco), entre outros livros.
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