Por MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER
Ao
receber a notícia brutal e imprevista da morte do querido amigo e irmão
Luiz Paulo Hortal, a sensação de perda é de profunda dor. Abre-se um
vazio, um abismo feito de perplexidade e não compreensão.
Até
a véspera falara com ele ao telefone, combinando encontros, almoços,
trabalhos em conjunto. Todos preparavam alegremente sua festa de 70 anos.
E ele convidava com humor refinado, bem característico seu: “Foi
impossível resistir. Cheguei lá!”
Em
lugar da alegria do aniversário, reunimo-nos todos a chorar sua morte e a
celebrar a esperança de sua ressurreição. Parecia que era isso que
nos dizia com seu rosto sereno e algo sorridente no caixão cheio de
flores.
Com
sua partida, perdem a música clássica e as artes brasileiras um grande
comentador e crítico. Luiz Paulo tinha a beleza e a música nas veias.
Conhecia toda e qualquer peça produzida em qualquer momento da história e
sobre ela dissertava, quando não a tocava em seu piano ou teclado. Não
apenas conhecedor, mas amante da música (ou talvez conhecedor porque
amante) era alguém imprescindível quando se tratava da música erudita e
das obras dos grandes mestres.
Além
da música, a literatura. Leitor voraz e autodidata, Luiz Paulo
tinha profunda cultura literária. Autores de todas as
nacionalidades e idiomas faziam parte de sua biblioteca e ele os
comentava da maneira simples, terna e deliciosa com que tratava todos os
assuntos. E além da literatura estava a filosofia.
Seu
campo de trabalho foi o jornalismo. E ele o vivia com a seriedade e
dedicação com que fazia todas as coisas. Diariamente ia ao jornal,
mesmo agora nos últimos tempos, já acadêmico e imortal. Seus
artigos, brilhantes e profundos, eram peças raras em meio à avalanche de
banalidades que às vezes caracteriza o mundo da imprensa nos dias que
correm. Sempre precisos, abundantes em informações,
verdadeiros.
A
retidão ética constitutiva de sua personalidade transparecia no que
escrevia e era comunicada a seus leitores. Luiz Paulo não fazia
concessões fáceis e sempre ao escrever não se contentava de apenas
informar, mas também formava.
Um
dos campos onde mais se destacava seu conhecimento era o da religião.
Talvez porque não o penetrava apenas com o intelecto, mas com o
coração. Luiz Paulo era um homem de fé. E foi essa
fraternidade e essa comunhão que nos uniram e aprofundaram nossa
amizade.
Edificava-me
o fato de ser tão profundamente cristão e, no entanto, tão aberto e
receptivo a qualquer pessoa de qualquer religião. Jamais o vi não
acolher alguém devido a uma diferença de credo. Ou qualquer outra
diferença. Tinha uma universalidade na acolhida, na recepção, no
diálogo com todos, que chegava a ser impressionante. Talvez isso
estivesse na raiz de ser tão querido, tão amado.
É
muito raro, especialmente no Brasil, uma pessoa ser ou tornar-se uma
unanimidade afetiva. Não ter inimigos, só admiradores, só irmãos,
só afetos. Pois assim era com Luiz Paulo. Todos o amavam, todos o
admiravam, todos tinham por ele uma terna afeição. E a todos ele atingia
docemente com sua imensa ternura, com seu jeito amoroso de ser.
Para
mim e para muitos Luiz Paulo foi o intelectual brilhante, o leitor
voraz e erudito, o escritor cuidadoso, o acadêmico irretocável...Mas
sobretudo a encarnação da ternura de Deus. Tudo nele respirava essa
ternura dispensada a todos, dos mais simples aos mais importantes.
A singeleza terna de seu olhar, de sua presença, de seu
falar...tudo transmitia essa verdade na qual acreditamos e que
agora ele conhece face a face: Deus é amor!
Essa
ternura que o fazia aproximar-se de qualquer um e qualquer uma, sem se
impor nem fazer peso, aparecia também em seus escritos. Não há um
leitor por esse Brasil afora que não tenha acompanhado com deleite as
análises do grande jornalista que ele foi sobre os mais diversos temas.
Sempre, fosse o assunto música clássica, cinema, política ou
religião, além do profundo conhecimento, brilhava a doçura que aparecia
até mesmo no jeito de escrever.
Com
a partida dessa pessoa infinitamente doce e amável, desse ser humano de
estatura incomensurável perdemos todos. Perde a imprensa brasileira
um grande jornalista. Perde a música erudita e as artes um grande crítico.
Perdem as letras brasileiras um grande escritor. Perdemos
todos nós, seus amigos, que o amamos e que agora contaremos com seu afeto
desde outro lugar: o de intercessor junto a Deus. Perde a Igreja
militante um membro dos mais ativos. Ganha a Igreja triunfante outro
santo, cuja vida nos inspirará incessantemente, sobretudo cada vez que no
peito apertar essa saudade que dali não mais sairá.
Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do departamento de teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
Copyright 2013 – MARIA
CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato
– MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário