Há
tempos que a imprensa internacional divulga denúncias sobre espionagem do
governo dos Estados Unidos que pretende controlar mais profundamente o processo
social e político em nossos países. Na vida cotidiana, redes sociais são usadas
para devassar a vida privada dos cidadãos e a própria internet, ao invés de ser
um meio de comunicação entre as pessoas, se torna instrumento para devassar a
vida privada e os costumes dos cidadãos. Ao mesmo tempo, notícias aqui e ali
insinuam que, antes mesmo do período eleitoral, políticos contratam espiões
para descobrir segredos de rivais perigosos. Poderosos de Brasília descobrem
que o lixo de suas casas e escritórios não é apenas objeto de interesse por
parte dos pobres que vivem da reciclagem. Existe também uma reciclagem não
apenas de papéis e metais, mas principalmente de transações e relações ocultas
que computadores velhos e papéis do lixo podem revelar.
Mesmo
se evitamos a espionagem de nossa vida privada, de certa forma, o lixo que
produzimos se parece conosco, ou diz quem somos e o nosso estilo de vida. Além
disso, o lixo de nossas casas parece gritar que o nosso modelo de sociedade
está saturado, como resíduos de consumo que não têm mais onde se colocar. Somente
os seres humanos produzem lixo, no sentido próprio do termo. A natureza recicla
sem problemas os dejetos animais e as folhas secas que apodrecem para tornar a
terra mais fecunda e a vida renovada. Os animais não produzem lixo. Só a
sociedade humana dita moderna produz um tipo de lixo que não se reincorpora no
ciclo da vida. O lixo começou a gerar problema quando a sociedade passou a
produzir plástico, eletrônicos e seus derivados, como pilhas e baterias. Para
garantir o futuro da vida no planeta Terra, toda a humanidade é chamada a viver
uma relação de maior justiça e amor com a Terra, os animais e toda a natureza. Para
o futuro, não basta apenas separar os diversos materiais do lixo e reciclá-lo,
se se continua a consumir descontroladamente todo tipo de bugigangas para
depois tentar o trabalho da reciclagem e reaproveitamento. Não basta reciclar.
É preciso uma sobriedade de vida que nos leve a produzir menos lixo e a
reaproveitar o mais possível nossos recursos. Uma sociedade baseada em objetos
descartáveis parece nos conduzir a uma cultura em que até mesmo as pessoas são
tratadas como objetos de uso e provisórias.
Na
sua recente visita ao Brasil, o papa Francisco insistiu que os jovens criassem
uma efetiva cultura de solidariedade. Isso precisa ser traduzido em formas concretas
de novos estilos de vida. Nos mais diversos países, grupos e organizações
sociais organizam um amplo movimento pelo consumo crítico e por um modelo novo
de economia alternativa, solidária e eticamente responsável. No Brasil, existem
belas iniciativas de cooperativas e trabalhos comunitários que se fundam nesse
novo modelo de sociedade.
Grupos
espirituais de todas as religiões releem o apelo de Buda para o desapego
pessoal, as palavras de Jesus Cristo que convocam para a pobreza de coração.
Hoje, isso se traduz pela orientação de assumir a sobriedade como caminho
concreto para que outro modelo de sociedade seja possível. O consumo crítico e
eticamente responsável é requisito indispensável de conversão interior, amor ao
próximo e respeito pela criação, obra do amor divino. É preciso lembrar o que diz o Evangelho: o
ser humano é mais do que o alimento. Vale mais do que a roupa. Por mais que nos preocupemos, não
acrescentaremos um centímetro sequer à nossa estatura. Jesus pedia a seus discípulos:
“Busquem acima de tudo a realização do projeto divino no mundo (o reino de
Deus) e tudo o mais lhes será dado por acréscimo” (Mt 6, 33).
Marcelo
Barros , monge beneditino, teólogo e escritor. Tem 44 livros publicados.
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