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domingo, 25 de novembro de 2012

A RECEPÇÃO DO CONCÍLIO VATICANO II NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA


por LEONARDO BOFF


Celebramos 50 anos do Concílio Vaticano II (1962-1965). Ele representa uma ruptura do curso que a Igreja Católica vinha percorrendo por séculos. Era uma Igreja, fortaleza sitiada, defendendo-se de tudo o que vinha do mundo moderno, da ciência, da técnica e das conquistas civilizatórias como a democracia, os direitos humanos e a separação entre Igreja e Estado.
Mas uma lufada de ar fresco veio de um Papa ancião do qual nada se esperava: João XXIII (+1963). Ele abriu portas e janelas da Igreja. Disse: ela não pode ser um museu respeitável; ela tem que ser a casa de todos, arejada e agradável para se viver.

Antes de mais nada, o Concílio representou, na linguagem cunhada pelo Papa XXIII, um aggionamento, quer dizer, uma atualização e uma reconstrução de sua auto-compreensão e do tipo de presença no mundo.
Mais que sumariar os elementos principais introduzidos pelo Concílio, interessa-nos como este aggiornamento foi acolhido e traduzido pela Igreja latino-americana e pelo Brasil. A esse processo se chama de recepção que significa uma releitura e um refazimento das intuições conciliares dentro do contexto latino-americano, bem diferente daquele europeu no qual se elaboraram todos os documentos. Enfatizaremos apenas alguns pontos essenciais.

O primeiro, sem dúvida, foi a profunda mudança de atmosfera eclesial: antes predominava a “grande disciplina”, a uniformização romana e o ar sombrio e antiquado da vida eclesial. As Igrejas da América Latina, da África e da Ásia eram Igrejas-espelho daquela romana. De repente começaram a sentir-se Igrejas-fonte. Podiam se inculturizar e criar linguagens novas. Agora se irradia entusiasmo e coragem de criar. 

Em segundo lugar, na América Latina se deu uma redefinição do lugar social da Igreja. O Vaticano II foi um Concílio universal mas na perspectiva dos países centrais e ricos. Ai se definiu a Igreja dentro do mundo moderno. Mas existe um sub-mundo de pobreza e de opressão. Este foi captado pela Igreja latino-americana. Esta deve se deslocar do centro humano para as periferias sub-humanas. Se aqui vigora opressão, sua missão deve ser de libertação. A inspiração veio das palavras do Papa João XXIII: “a Igreja é de todos mas principalmente quer ser uma Igreja dos pobres”.

Esta viragem se traduziu nas várias conferências episcopais latinoamericas desde Medellin (1968) até Aparecida (2007) pela opção solidária e preferencial pelos pobres, contra a pobreza. Ela se transformou na marca registrada da Igreja latino-americana e da teologia da libertação.
Em terceiro lugar, é a concretização da Igreja como Povo de Deus. O Vaticano II colocou esta categoria antes daquela da Hierarquia. Para a Igreja latinoamericana Povo de Deus não é uma metáfora; a grande maioria do povo é cristã e católica, logo é Povo de Deus, gemendo sob a opressão como outrora no Egito. Dai nasce a dimensão de libertação que a Igreja assume oficialmente em todos os documentos de Medellin(1968) até Aparecida (2007). Esta visão da Igreja-povo-de-Deus ensejou o surgimento das Comunidades Eclesiais de Base e das pastorais sociais.

Em quarto lugar, o Concílio entendeu a Palavra de Deus, contida na Bíblia como a alma da vida eclesial. Isso foi traduzido pela leitura popular da Bíblia e pelos milhares e milhares de círculos bíblicos. Neles os cristãos comparam a página da vida com a página da Bíblia e tiram conclusões práticas, na linha da comunhão, da participação e da libertação.

Em quinto lugar, o Concílio se abriu aos direitos humanos. Na América Latina foram traduzidos como direitos a partir dos pobres e por isso, antes de tudo, direito à vida, ao trabalho, à saúde e à educação. A partir daí se entendem os demais direitos, ir e vir e outros.

Em sexto lugar, o Concílio acolheu o ecumenismo entre as Igrejas cristãs. Na América latina o ecumenismo não visa tanto a convergência nas doutrinas mas a convergência nas práticas: todas as Igrejas juntas se empenham pela libertação dos oprimidos. É um ecumenismo de missão.
Por fim, dialoga com as religiões vendo nelas a presença do Espírito que chega antes do missionário e por isso devem ser respeitadas com seus valores.

Por fim cabe reconhecer: a América Latina foi o Continente onde mais se tomou a sério o Vaticano II e mais transformação trouxe, projetando a Igreja dos pobres como desafio para a Igreja universal e para todas as consciências humanitárias.
Leonardo Boff é autor de Eclesiogênese: a Igreja que nasce da fé do povo, Vozes 2008.

TOLERÂNCIA E INTERCULTURALIDADE


por MARCELO BARROS

A ONU consagrou 16 de novembro como o dia internacional da tolerância. Propõe que, nessa semana, em todos os continentes, se façam esforços pelo diálogo e compreensão entre grupos e culturas diferentes. De fato, o mundo atual é cada vez mais pluralista e, a cada momento, através dos meios de comunicação ou da internet ou simplesmente pela convivência na cidade, cada pessoa tem de conviver com outros que vêm de culturas diversas e professam diferentes religiões. Para conviver bem com essa realidade, não basta tolerância. A tolerância evita o confronto e a guerra, mas não chega a criar um ambiente positivo de diálogo e compreensão. 

Normalmente se tolera aquilo que não se pode evitar. Ninguém quer ser apenas tolerado. As pessoas, grupos e culturas merecem ser respeitados e valorizados. Por isso, é importante deixar claro: a ONU usa o termo tolerância no sentido mais positivo de uma aceitação de respeito e convivência pacífica. Com esse sentido, a partir da segunda guerra mundial, o termo passou a ser usado no diálogo intercultural e inter-religioso. Isso era importante porque, no campo das religiões, durante a maior parte do tempo, houve mais intolerância do que amor, mais discriminação do que a disponibilidade de ver Deus presente e atuante nas outras religiões. Até hoje, ainda ocorrem casos de discriminação e violência baseados na fé. Por isso, a tolerância, como princípio e caminho, é um primeiro passo positivo e fecundo. 

No Brasil, há um ano, a ministra Maria do Rosário, da Secretaria da Presidência da República para os Direitos Humanos, instituiu a Comissão Nacional da Diversidade Religiosa, para atuar em todos os casos, nos quais o desrespeito aos direitos humanos vem de preconceitos e discriminação a cultos e a grupos religiosos. Para que esse tipo de iniciativa chegue às bases, em diversos estados, têm se criado fóruns permanentes de diálogo intercultural e inter-religioso. Nessa segunda feira, 12, na Assembleia Legislativa de Pernambuco foi instituído o Fórum Pernambucano de Diálogos do qual participam representantes da Igreja Católica, de várias Igrejas evangélicas, do Judaísmo, Islã, Candomblé, Umbanda e outros grupos religiosos.  

A instituição de comissões como essa ajuda muito não só a promover a lei como a criar uma cultura de diálogo e interculturalidade. A lei pode impedir a discriminação e a injustiça, mas não pode obrigar ninguém a amar o diferente e a valorizar uma cultura que não é a sua. Isso supõe uma opção “espiritual”, ou seja, abertura amorosa ao diferente, como opção de vida. De fato, as religiões foram criadas para ensinar as pessoas a amar e a fazer do amor uma lente especial com a qual se olha a vida, as pessoas e as culturas. Entretanto, quando se deixam aprisionar pelo autoritarismo e pelo dogmatismo, as religiões se tornam fonte de intransigência, intolerância e violência. Na história, todas as religiões, de um modo ou de outro, tiveram momentos de intolerância e combateram-se entre si. Ao preparar o ano 2000, em nome da Igreja Católica, o papa João Paulo II pediu perdão à humanidade pelas Cruzadas, Inquisições e outros erros que os cristãos cometeram no passado. O reconhecimento do erro e o pedido de perdão são importantes, mas não levam a nada se a Igreja não se converte sempre e cada vez mais ao universalismo do Espírito Divino e não toma uma atitude positiva de companheirismo e amor com os outros grupos religiosos. 

Hoje, o Brasil é um país leigo, mas ainda dominado por uma cultura de Cristandade. Os feriados religiosos são em geral católicos. Os símbolos mais aceitos são os da Igreja. Pelo modo como na história, a Igreja se impôs, ela tem uma dívida histórica e moral para com toda a humanidade, mas especialmente com as religiões indígenas e negras. Deve dar o exemplo de abertura ao diálogo e à convivência intercultural e inter-religiosa. Nessa semana, a própria ONU convida a que Igrejas, religiões e organismos da sociedade civil possam unir-se na construção de uma sociedade pluralista e, como dizia um pai da Igreja do século III, “aberta a tudo o que é humano”. Essa atitude testemunha para os outros o amor divino e nos confirma a todos no caminho do evangelho de Jesus Cristo que afirmou: “Muitos virão do Oriente e do Ocidente e se sentarão à mesa do reino de Deus” (Mt 8, 11). E também: “Quem não é contra nós, está do nosso lado” (Mc 9, 40).

“É PREFERÍVEL MORRER QUE FICAR PRESO”




por FREI BETTO
      
Dá título a este artigo afirmação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, proferida a 13 de novembro. O ministro sabe o que diz. O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo. Perde apenas para EUA, China e Rússia.

       Hoje, nossas cadeias abrigam 515 mil pessoas em 1.312 unidades prisionais com capacidade máxima para acolher 306.500 detentos. Se o sistema judiciário brasileiro fosse menos lento e mais humanitário, 36 mil detentos já deveriam ter sido soltos ou beneficiados com a progressão de penas.

        A Lei de Execução Penal assegura a cada preso seis metros quadrados de espaço na cela. Hoje, a maioria se espreme entre 70 centímetros e um metro quadrado. Daí as frequentes rebeliões.

           O Brasil não tem política prisional e muito menos de reintegração social dos detentos. Diante da violência urbana, muitos clamam, ingenuamente, por mais cadeias. Pressionados pelo clamor popular, governos federal e estaduais investem em prisões o que deveriam destinar a escolas.

           Nossas cadeias são verdadeiros queijos suíços, com multiplicidade de buracos. De dentro das celas, bandidos usam celulares para extorquir incautos (o golpe do sequestro de parentes) e comandar o crime organizado. Drogam-se com cocaína, maconha, crack, e recebem bebida alcoólica.

            Privatizar presídios é a solução? Sim, para enriquecer empresários. Esse sistema estadunidense já é adotado nos estados de Pernambuco, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo e Santa Catarina. A empresa dona do presídio cobra do Estado o que ele gasta, em média, com cada detento: R$ 1.500. E mais R$ 1 mil por cabeça. Ao todo, R$ 2.500 por prisioneiro. Ora, quanto mais tempo o preso permanecer ali dentro, tanto mais lucro. Sem que haja preocupação de reintegração social.

           Nossas unidades prisionais estão sucateadas e abandonadas. Pela LOA (Lei Orçamentária Anual), elas deveriam ter recebido do governo federal, este ano, R$ 277,5 milhões. Mereceram apenas R$ 2.579,776,61 – menos de 1% do previsto!

            Apenas no Piauí não há superlotação de cadeias. País afora, os presos são confinados em espaços exíguos, promíscuos, sem acesso a atividades esportivas, artísticas, escolares e profissionais.

       O que fazer diante da falta de vagas em nossas unidades prisionais? Adotar a pena de morte? Multiplicar o número de penitenciárias?

           Estive preso quatro anos (1969-1973). Dois, entre presos comuns de São Paulo – Penitenciária do Estado, Carandiru e Penitenciária de Segurança Máxima de Presidente Venceslau.

            Nesta última, na qual fiquei mais de um ano, foi possível recuperar alguns detentos através de grupos bíblicos, teatro, desenho e pintura e, sobretudo, pela instalação de um curso supletivo de ensino médio, que interessou 80 dos 400 presos.

     Nos dois anos em que trabalhei no Palácio do Planalto (2003-2004), tentei ressaltar a urgência de reforma em nosso sistema prisional. Em vão.

         As delegacias e os estabelecimentos de apreensão de menores funcionam como ensino fundamental do crime. Os presídios, como ensino médio. As penitenciárias, como ensino superior.

    Como é possível que o Estado não consiga algo tão simples quanto evitar a entrada de celulares na cadeia? Alguém consegue passar com celular escondido no controle dos aeroportos? Isto sim, merece ser imitado dos EUA: detentos usam orelhões para se comunicar com seus familiares e todas as ligações são grampeadas.

      Nossos policiais são, em geral, despreparados, a ponto de considerarem direitos humanos como alforria de bandidos; alguns carcereiros dificilmente resistem à corrupção e tratam o preso como inimigo, e não como reeducando; o sistema prisional não é pensado tendo em vista a reinserção do preso como cidadão na sociedade.

      A educação é a solução, fora e dentro das prisões. Como evitar a criminalidade se 5,3 milhões de jovens brasileiros, com idade entre 18 e 25 anos, estão fora da escola e sem trabalho?

      Nossas penitenciárias poderiam funcionar como escolas profissionalizantes. Aulas de mecânica, alfaiataria, computação e culinária, associadas ao aprendizado de idiomas e à  dedicação a práticas esportivas e artísticas (teatro, música, literatura), certamente esvaziariam as nossas cadeias. O progresso no curso equivaleria a retrocesso na pena.

      Se o Estado e a sociedade não cuidam dos presos, eles mesmos tratam de buscar o que mais lhes convém: auto-organização em comandos; rede de informantes entre carcereiros e policiais; vínculos com os bandos que atuam em liberdade. E nós, cidadãos, pagamos duplamente: por sustentar um sistema inoperante e ser vítimas da recorrente espiral da violência.

 Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.


 
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A FAIXA DE GAZA E A PAZ QUE DEMORA


Por MARIA CLARA BINGEMER


 
            Há  uma semana o mundo acompanha angustiado o desenrolar dos bombardeios e ataques  na faixa de Gaza. E agora já passa de cem o número de mortos.  A paz está  novamente de luto no Oriente Médio.

            De  várias partes figuras da diplomacia internacional se mobilizam para conseguir  a paz.  O presidente do Egito chegou a anunciar que o cessar fogo estaria  próximo e aconteceria hoje à noite.  Mas, passada  a meia-noite  deste dia 20 de novembro continuam os  bombardeios.

            A  violência começou com represálias menos violentas, mas aumentou  exponencialmente quando o comandante Ahmed Jaabari, chefe das operações  militares do Hamas, foi morto durante um bombardeamento israelita na Faixa de  Gaza. Jaabari era o comandante das brigadas Ezzedin al Qasam, o braço armado  do Hamas. Segundo testemunhas, Jaabari morreu na explosão de seu automóvel  junto com um acompanhante. Ahmed Jaabari era a mais alta patente do Hamas a  ser morta desde que Israel invadiu Gaza há quatro  anos.
  
             O  Shin Bet, serviço secreto israelita, confirmou o ataque, que justificaram como  resposta à atividade terrorista exercida por Jaabari durante uma década. Os  israelitas responsabilizavam-no pelos constantes ataques ao seu território e  pelo emblemático sequestro do soldado Gilad Schalit, em  2006.

            Há  dias,  momentos de silêncio e aparente tranquilidade alternam-se com  dezenas de explosões de grande potência, que depois cessam para dar lugar a um  silêncio quebrado ocasionalmente por alguma outra detonação mais fraca. Os  bombardeios sobre a faixa palestina são incessantes e o lançamento de foguetes  das milícias palestinas contra Israel também não  para.

            Os  civis que residem ali recomeçam cada dia sua rotina sob a ameaça que já vivem  há tanto tempo. Com a esperança da trégua e do cessar fogo, algumas pessoas   foram comprar mantimentos para a eventualidade de o conflito continuar.   E aconteceu, infelizmente, o que esperavam.

            Enquanto  isso, a esperança de que o conflito seria interrompido reinava. O ministro das  Relações Exteriores turco, Ahmet Davutoglu, afirmara que a trégua entraria em  vigor à meia-noite deste dia 20, durante sua visita à Gaza junto com um grupo  de colegas árabes. O próprio presidente egípcio, Mohammed Mursi, assegurou   que "a farsa da agressão israelense contra Gaza“ terminaria. Declarou  que os esforços desdobrados pelo Egito para conseguir um cessar fogo entre  palestinos e israelenses dariam "resultados positivos nas próximas horas”.

No entanto,  a menos de duas horas do início da  suposta trégua  não havia nenhum acordo israelense sobre uma fórmula para  alcançar um cessar fogo. E o passar das horas confirmou que as esperanças não  tinham fundamento e a violência iria continuar.

            As  afirmações vão numa e noutra direção, seja afirmando o cessar fogo, seja  negando-o. Ora a esperança de paz se acende no coração das pessoas, ora  desaparece, esmagada pela violência que continua.

           Em  entrevista coletiva conjunta com a secretária de Estado dos EUA, Hillary  Clinton, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não fez  referência expressa à existência de um cessar fogo.
            Como  sempre acontece nessas ocasiões, as potências e os mandatários políticos  deliberam e decidem.  Em suas mãos movimentam-se os fios da vida de  inúmeras pessoas, mulheres, crianças, idosos. Vidas indefesas, projetos  sonhados e apenas começados são destruídos em  segundos.

            Em  tantos anos de conflitos incessantes, sem frutos favoráveis que resolvam de  uma vez por todas a situação, parece óbvio que a violência e o ataque armado  não são solução para nada, apenas pioram a situação de desentendimento e  conflito.  Porém, tudo continua e o ser humano parece não dar mostras de  conseguir efetivamente construir a paz.

            Ninguém  quer assumir nada de déficit.  Ninguém aceita perder uma polegada sequer  em prol das vidas alheias.  Enquanto isso, Gaza continua a arder sob o  fogo das armas de um e outro lado.  E as mães continuam a chorar os  filhos mortos, a esperança assassinada e o futuro sombrio.

            Enquanto  Gaza arder, o coração dos construtores da paz é obrigado a arder também, de  desejo e zelo, procurando toda ocasião possível existente para construir a  paz.


Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do  Departamento de Teologia da  PUC-Rio,  Autora de "Simone Weil - A força e a  fraqueza do  amor” (Ed.   Rocco).
         
http://agape.usuarios.rdc.puc-rio.br


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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

QUALIFICAÇÃO DO PROFISSIONAL BRASILEIRO




por FREI BETTO
       Tomara que o Congresso aprove a aplicação de 10% do PIB na educação. É pouco, mas bem melhor que os atuais 4,5%. Ainda não se descobriu outra via para desenvolver uma nação, aumentar o seu IDH e reduzir exclusão, miséria e violência, fora do investimento significativo em educação de qualidade.

       O contingente de pessoas que trabalham em nosso país chega a 92,5 milhões, praticamente metade da população. Desses, 45,5% não têm carteira assinada ou trabalham por conta própria. E somente  771.409 têm mestrado ou doutorado. Os dados são do IBGE (PNAD 2011).

       Apenas 12,5% dos que trabalham têm curso superior completo. Quase metade da mão de obra ocupada concluiu o ensino médio: 46,8%. O que significa que 53,2% de nossos trabalhadores não têm sequer nível médio.

       Nossas universidades abrigam, hoje, 6,6 milhões de estudantes (de um contingente de 27,3 milhões de jovens entre 18 e 25 anos!). Dos quais 73,2% em faculdades particulares. E há apenas 1,2 milhão de estudantes em cursos técnicos.

       Na Alemanha, quarta economia do mundo, a maioria dos alunos do ensino médio (60%) se encontra em cursos técnicos. A educação é profissionalizante, facilitada pela parceria entre escolas e empresas, onde os aprendizes fazem estágios. Isso se reflete na economia do país. Em agosto, o desemprego entre jovens alemães com menos de 25 anos atingia o índice de 8,1%. Nos demais países da zona do euro, 22,8%.

       A renda familiar está associada ao nível de ensino. No Brasil, quem possui diploma universitário chega a ganhar 167% mais do quem concluiu apenas o ensino médio. Quem possui mestrado ou doutorado ganha, em média, 426% mais, comparado a quem tem apenas ensino médio.

       Não têm qualquer escolaridade ou frequentaram menos de 1 ano a escola 19,2 milhões de brasileiros. Em 2011, nossa média de escolaridade era de 7,3 anos. Para os que estão empregados, 8,4 anos de estudos.

       Nos EUA, em 1960, haviam cursado o ensino médio 60% dos trabalhadores. Hoje, o índice chega a 90%. Porém, há um dado alentador: o grupo brasileiro com 11 anos de escolaridade cresceu em 22 milhões de pessoas de 2001 a 2011.

        Não sabem ler nem escrever 12,9 milhões de brasileiros com mais de 7 anos de idade. E 20,4% da população acima de 15 anos são de analfabetos funcionais – assinam o nome, mas são incapazes de redigir uma carta ou interpretar um texto. Na população entre 15 e 64 anos, em cada 3 brasileiros apenas 1 consegue interpretar um texto e fazer operações aritméticas elementares.

       Em 2011, 22,6% das crianças de 4 a 5 anos estavam fora da escola. E, abaixo dessas idades, 1,3 milhão não encontravam vagas em creches.

       É animador constatar que 98,2% dos brasileiros entre 6 e 14 anos estudam. Mas um dado é alarmante: dos 27,3 milhões de jovens brasileiros entre 18 e 25 anos, 5,3 se encontram fora da escola e sem trabalho.

       Dos jovens entre 15 e 17 anos, 40% não frequentam a escola (FGV 2009). Na parcela mais pobre, com renda per capita até R$ 77,75/mês, quase a metade se encontra fora da escola e do trabalho. De que vive essa gente? Por que fora da escola?

       É nesse contingente dos “nem nem” (nem estudo, nem trabalho) que são maiores os índices de criminalidade. Muitos abandonam a escola por desinteresse, devido à falta de pedagogia; por falta de recursos financeiros; por ingressarem no narcotráfico ou se tornarem dependentes químicos; e também por gravidez precoce. O número de moças (3,5 milhões) do grupo “nem nem” é quase o dobro do número de rapazes (1,8 milhão).  E 50% dessas moças já são mães.

       Morei cinco anos na favela de Santa Maria, em Vitória. Constatei que as adolescentes deixam de ser molestadas a partir do momento em que engravidam. Moça solteira sem filho fica vulnerável ao assédio permanente, às vezes violento. Muitas engravidam por falta de educação sexual e orientação no uso de contraceptivos.

       Na economia globalizada é imprescindível falar inglês. Apenas 0,5% da população brasileira domina o idioma de Shakespeare. A maioria, sem fluência.

       O Brasil enfrenta hoje – em plenas obras do PAC, da Copa e das Olimpíadas – o déficit de 150 mil engenheiros.  Apenas 10% dos universitários cursam carreiras vinculadas às engenharias. Temos somente 6 engenheiros para cada 1.000 pessoas economicamente ativas. Nos EUA e no Japão a proporção é de 25/1.000.

       Falta no Brasil interação entre academia e empresa, teoria e prática. Nossos universitários não têm suficiente conhecimento técnico. Em nosso país, o professor é valorizado pelo número de pesquisas e publicações, e não pela experiência de trabalho. O mestre se apresenta como detentor do conhecimento e não como facilitador do aprendizado.

       O preconceito a Paulo Freire fortalece o anacronismo de nossas universidades. E nossas empresas, que aspiram por mão de obra qualificada, ainda não despertaram para o seu papel de indutoras da educação.



Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – autobiografia escolar” (Ática), entre outros livros.


 
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