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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

TODOS OS SANTOS

por
Maria Clara Lucchetti Bingemer
       No dia 1º de novembro, a Igreja Católica celebra a festa de todos os santos.  Trata-se de uma celebração da presença viva em Deus de todos aqueles e aquelas que, tendo sido vivos na história, gozam agora da plenitude da vida, junto a seu Criador. 

        A presença de um santo ultrapassa nossa estatura. Algo de maior se levanta, seduzindo, atraindo, surpreendendo. Uma imagem-diretriz se apresenta à consciência das pessoas e comunidades nas cristalizações do caleidoscópio das formas do devir histórico. A percepção cristã da santidade vê nos santos misteriosas e heterogêneas formas de realização do mesmo Amor divino. Os santos cristãos são personagens de limiar, ou seja, pessoas como nós, com paixões, desejos, incertezas, mas que indicam, como o fez exemplarmente João Batista, ao Outro  que as superam sempre: Jesus Cristo.

         Mas o que é um santo?  Na Bíblia Judaica é muito claro que só Deus é Santo.  E essa Santidade que é prerrogativa unicamente do Altíssimo, chamado o Santo de Israel, significa não tanto virtudes morais como uma Alteridade totalmente Outra que a nada nem ninguém pode ser comparado.  No Novo Testamento, Jesus de Nazaré é reconhecido e proclamado até mesmo pelos demônios como “o Santo de Deus”. Nele foi vista, ouvida e tocada aquela santidade que era prerrogativa do Deus que ninguém podia ver sem morrer.

         Com a retração da pessoa de Jesus do alcance dos sentidos humanos por sua morte e a experiência de sua Ressurreição, aqueles que acreditavam estar órfãos, descobriram-se habitados por Outro advogado, o Espírito Santo que, derramado sobre toda carne, passou a guiá-los pelas vias da santidade, ensinando-lhes a rezar “Abba, Pai” e a seguir nos caminhos da História o Crucificado já Ressuscitado.  Assim, a santidade antes inalcançável, depois tangível aos limites da condição humana, agora fazia sua morada dentro de cada pessoa viva neste mundo.

     E, portanto, Paulo de Tarso não hesita em chamar os membros de suas amadas comunidades de “santos”, apesar de conhecer-lhes bem os defeitos e as infidelidades.  Santos porque habitados pelo Espírito Santo.  Santos porque conduzidos pelo mesmo Espírito que procede do Pai e do qual Jesus, o Filho, tem a plenitude e a partilha com seus irmãos de humanidade.  Santos porque capacitados a viver na dinâmica do amor. 

        A fé cristã afirma então  ser o encontro com o Deus de Jesus Cristo a experiência de um sentido radical do existir, uma teonomia fundante da liberdade e responsabilidade pessoais, um enraizamento experiencial da pessoa no Incondicionado que lhe assegura, a um só tempo, a liberdade e o limite. 

       A santidade é surda aos critérios pragmáticos das causalidades eficientes do agir, ao cálculo utilitarista das consequências de cursos de ação alternativos. Seu conhecimento é subvertido pela entrega amorosa a Outro por cujas mãos se deixam obedientemente levar. Seus frutos nascem em misteriosa imprevisibilidade que tem como norte o desejo e a vontade de Outro, que é o Senhor de suas vidas.        

     E ainda que as hagiografias tradicionais acentuem um heroísmo admirável no exercício das virtudes éticas por parte dos santos, é necessário não perder de vista que a grandeza da santidade independe do reconhecimento social. Ela se situa e nos remete a um horizonte mais amplo que o do exercício humano de virtudes éticas. Essemais é o Mistério de Deus, vivido com uma exclusividade que é como um incêndio que a tudo consome.  Trata-se do incêndio do amor. Os santos são aqueles que, como velas, deixam-se queimar até o fim pela chama desse amor. 

       Por isso, eles e elas, mesmo falando das coisas dos homens e suas trivialidades cotidianas nos falam sempre das "coisas de Deus", aquelas que não temos que primeiro conhecer para depois amar, mas sim amá-las para conhecê-las, num movimento que só através do amor penetra na verdade. Nos tempos tão difíceis que são os nossos,  os feitos e penas dos santos têm que criar um novo alfabeto, para desvelar novamente o segredo da verdade. O nosso presente é um desses tempos. 

          Foi assim desde sempre na história do Cristianismo, que pode ser lida não apenas como história do pecado, tal como muitas vezes o fizeram os profetas do caos e os detratores da fé e da religião.  Mas também como história da santidade - reconhecida ou não oficialmente.

          Amigos de Deus e amigos da vida, os santos nos mostram a possibilidade da vivência da exemplaridade da "intimidade com Deus  vivida no exercício do testemunho em meio a um século sem Deus.



    P
rofessora do  Departamento de Teologia da  PUC-Rio e Autora de  "Simone Weil - A força e a fraqueza  do  amor” (Ed.  Rocco).
http://agape.usuarios.rdc.puc-rio.br

Copyright 2012 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br) 

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