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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Buscando a Grande Beleza


Por Maria Clara Bingemer


          O filme é sublime e belo.  Como há muito não via nas telas da sétima arte.  Direção, produção, fotografia, trilha sonora, tudo é de uma beleza que enleva, impressiona, a ponto de quase tirar o fôlego. O ator principal, que rouba a cena, transformando todo o resto do elenco em coadjuvantes, atua com maestria e transmite emoção e admiração, com charme, na medida certa e domínio perfeito da arte da representação e do estar em cena.

          Em suma, se fosse apenas isso, já seria muito. Bastante.  Mas não é só isso.  Há mais, muito mais!  Talvez o trunfo maior de “A grande beleza”, dirigida com grande talento por Paolo Sorrentino, é ter também uma temática que vai direto ao nosso coração pós-moderno e perdido no vazio dos dias que se escoam e nos quais muitas vezes não encontramos sentido.

          O personagem é um escritor decadente, que faz inevitavelmente recordar o jornalista Marcello Rubini de “La dolce vita”, vivido pelo inesquecível Marcello Mastroianni. Jep Gambardella, representado pelo excelente Toni Servillo, é o escritor de um só livro que nunca mais conseguiu encontrar inspiração em meio ao vazio da mundanidade em que vive. Quando o filme começa, expressa o desejo de poder que o tomava quando chegou a Roma: não apenas tornar-se um mundano, mas o rei dos mundanos.  Não apenas ser o sucesso das festas, mas ter poder de fazê-las fracassar.

          Em um intrigante jogo invertido de poderes, a mundanidade que o escritor “bon vivant” queria controlar, dominar e metabolizar em sua pessoa, volta-se contra ele e começa a devorar-lhe a inspiração para escrever, a paz interior, a capacidade de amar e a alegria de viver. Incapaz de encontrar o tema e a inspiração para escrever, Jep Gambardella vive de festa em festa, onde ninguém se olha nem se ama e onde é praticamente impossível ter uma conversa sincera e profunda com qualquer pessoa.

          As situações de irrealidade fragmentada da pós-modernidade decadente na Roma de Berlusconi carecem totalmente de sentido e geram em quem não perdeu ainda totalmente a consciência nem a capacidade de desejar um vazio profundo, oco e atemorizante, que pode terminar no suicídio, como o do jovem artista rico; na overdose da stripper; no sucesso literário “fake” da senhora rica que pretende escrever literatura engajada levando uma vida luxuosa; como o de quase todos que cercam um Jep Gambardella perplexo e algo atemorizado.

          O ambiente em que se desenrola sua vida, que não consegue chegar ao porto de um novo livro que clama para ser escrito, é líquido, daquela liquefação com a qual o sociólogo polonês Zygmunt Bauman descreve o mundo contemporâneo.  Nenhum terreno parece firme para os pés e toda beleza tem ar de irreal e enganosa, gerando insegurança e carência de sentido.

          Em meio a isso, uma frase dita pelo protagonista tilinta como um sinal de alerta para ele e para o espectador: “Busco a grande beleza”.  Todo o filme, na verdade, é a narrativa dessa busca, que já dura mais de quarenta anos e ainda está em curso.  Jep Gambardella é um escritor que um dia vislumbrou essa beleza, talvez no amor de sua juventude, que aparece mais de uma vez em duas tomadas de cenas luminosas do cineasta Sorrentino. Ele hoje vive ainda das “rendas” deste único livro de sucesso de quase meio século de idade e sentindo-se solitário e perdido.

          Não deixa de ser instigante o fato de o personagem se dizer em busca da grande beleza quando parece dela cercado por todos os lados na deslumbrante Roma que a câmera de Paolo Sorrentino faz aparecer ainda mais luminosamente esplendorosa. Certamente Jep Gambardella não tem as lentes adequadas para ver essa beleza que se desdobra luxuosamente à sua frente, anestesiado pela insossa opacidade da vida que se passa de noite, entre uma festa e outra, onde o que conta é aparecer, seja qual for o expediente que para isso se utiliza, e o único resultado é o tédio infinito, a desesperada sensação da inutilidade do viver, a falta de sentido e de objetivos suficientes para preencher os vazios existenciais prenhes de nulidade.

          Há alguns lampejos de encontro dessa grande beleza na retina de Gambardella: o amor que sente pela stripper que acaba morrendo ao seu lado; o alumbramento da sua juventude no rosto e no corpo da primeira amada de cuja morte toma conhecimento no começo do filme; o encontro com Suor Maria, a freira velha e desdentada que com um leve sopro provoca a revoada dos cisnes que pousaram no terraço e sobe de joelhos, com suas fracas forças, a Scala Santa.

          A meta da vida de Gambardella é também a nossa, a de todos: buscar a grande beleza.  Toda uma vida não alcança para encontrá-la.  E uma vez vislumbrada, há que seguir buscando-a, desenvolvendo a virtude da atenção, pois certamente ela se revelará onde menos pensamos poder encontrá-la.

         Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio.   A   teóloga é autora de “O  mistério e  o mundo – paixão por Deus em tempo de descrença”  (Editora Rocco).
 Copyright 2014 – MARIA CLARA LUCCHETTI TBINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.brhttp://agape.usuarios.rdc.puc-rio.br/

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Sexo e celibato na Igreja Católica




Por Frei Betto


    O Vaticano admitiu, pela primeira vez, no Comitê da ONU para os Direitos da Criança, em Genebra, a 16 de janeiro, crimes de abuso sexual, como pedofilia, praticados por membros da Igreja Católica.

   
    Tais crimes ocorrem em quase todas as instituições que lidam com menores, e sobretudo no interior do núcleo familiar, onde pais estupram filhas. Porém, sua prática deve ser severamente punida, e não acobertada em uma Igreja que se propõe a educar crianças segundo os valores do Evangelho.
    O papa Francisco, em missa na manhã de 16 de janeiro, declarou que os escândalos da Igreja “são tantos” que não podem ser citados individualmente e são uma “vergonha”: “Essas pessoas não têm ligação com Deus. Tinham apenas uma posição na Igreja, uma posição de poder”, disse o pontífice.

    Francisco surpreende positivamente por suas afirmações a respeito da sexualidade. Além de não demonizar os gays, ao contrário de tantos prelados que consideravam a homossexualidade uma doença (e nisso coincidiram com governos socialistas), e relativizar o tema do aborto nesse mundo em que poucos protestam contra as guerras e, menos ainda, apoiam a erradicação da fabricação e comércio de armamentos (incluídas as de armas químicas).
    Francisco convidou, para ocupar a importante função de Secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin, que afirmou não ser o celibato um dogma.

    Há tempos a Teologia da Libertação e as teologias feministas defendem o fim do celibato obrigatório para sacerdotes católicos, o que não se justifica à luz da Bíblia. Pedro, escolhido primeiro papa, era casado (Marcos 1, 30), e na Igreja primitiva homens casados eram ordenados sacerdotes.
    O preconceito à sexualidade nasce na Igreja por influência neoplatônica, que culmina na (falsa) justificativa de que a lei natural associa sexo e reprodução. Daí o fato de perdurar, ainda hoje, na doutrina oficial da Igreja Católica, a exigência de os casais só terem relações sexuais se houver intenção de procriar. Até 1903 gestos de carinho entre casados eram considerados pecados...

    Tive um professor de teologia moral que afirmava ser a associação entre sexualidade e reprodução um princípio zoológico, e não teológico. Hoje, sei que ele se equivocou. Mesmo animais ignoram o vínculo entre sexo e reprodução. Pesquisas demonstram que muitos deles fazem sexo por ser prazeroso, e não por quererem se reproduzir.

    O afeto costuma falar mais alto que inclinações naturais. O pesquisador Frans de Waal (2010) conta que, em cativeiro, porquinhos órfãos foram adotados por uma tigresa de Bengala. “Em lugar de cuidar daqueles porquinhos, seria mais adequado, do ponto de vista biológico, que a tigresa os usasse como uma refeição rara em proteínas” (p. 67). Porém, animais também possuem predisposição psicológica para cuidar de filhotes vulneráveis.


    Outro argumento que se utiliza para justificar o celibato é o contábil. Casado, o sacerdote poderia dilapidar os bens da Igreja se valendo do direito de herança. Ora, se assim fosse, sacerdotes das Igrejas Ortodoxa e Anglicana, e pastores protestantes, que se casam, já teriam levado suas comunidades à falência.

    O celibato é apenas uma opção de vida, sem a qualidade do matrimônio, que a Igreja enaltece como um dos sete sacramentos – fontes de união com Deus. Se não é um dogma, como afirmou o cardeal Parolin, então pode ser removido, facultando aos atuais e futuros sacerdotes optar ou não por ele. O que abriria aos cinco mil padres casados que vivem no Brasil a possibilidade de serem reintegrados ao ministério sacerdotal.

    Será meio caminho andado para que, no futuro, a Igreja Católica exclua a mulher do estatuto de ser de segunda categoria, e permita também a ela o acesso ao sacerdócio, assim como Jesus fez da samaritana e de Maria Madalena as primeiras apóstolas.



Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
 http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.

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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A Graça da Diversidade



Por Marcelo Barros


A cada ano, no Brasil, o 21 de janeiro é comemorado como “o dia nacional contra a intolerância religiosa”. Nos anos 90, o presidente da República instituiu essa data para que se evitem acontecimentos trágicos e vergonhosos, como a morte de uma mãe de santo que sofreu um infarto ao ver sua casa invadida e saqueada por um grupo de fanáticos. 

No Brasil, a Secretaria da Presidência da República para os Direitos Humanos criou uma comissão especial para zelar pela diversidade religiosa. Além disso, existem comissões e fóruns que, em diversos estados, velam pelos direitos à liberdade de expressão de todos os segmentos espirituais. Apesar disso, aqui e ali, ainda ocorrem atos de discriminação e de violência, principalmente contra religiões e cultos de matriz africana. Às vezes, a intolerância é clara, outras vezes é camuflada e aparece sob o pretexto de protesto contra o barulho dos tambores ou contra o sacrifício de animais. 

O governo e a sociedade civil podem coibir desrespeitos e fazer cumprir a lei, mas, não podem obrigar ninguém a amar. Isso só pode ocorrer como caminho espiritual e opção de amor. O Estado pode colaborar e até proporcionar espaços de diálogo, mas eles só funcionarão se cada grupo religioso aprofundar esse caminho do diálogo e da comunhão como uma vocação espiritual.  

De fato, todas as religiões pregam amor, compaixão e misericórdia. Entretanto, quando se tornam dogmáticas e autoritárias, se transformam em instrumentos de fanatismo e canais de intolerância. Confundem a verdade com uma forma cultural de expressar a verdade. Assim, absolutizam dogmas e acabam justificando conflitos e guerras em nome de Deus. 

Infelizmente, no decorrer da história, a religião que mais usou de violência e intolerância contra “os outros” foi o Cristianismo. Isso em absoluta contradição com o evangelho e o espírito de Jesus de Nazaré. É terrível constatar que, mesmo em nossos dias, alguns grupos religiosos ainda vivem a fé como uma ideologia de conquista guerreira que não admite o direito do outro e do diferente. No Brasil, ainda existem programas de rádio e televisão, nos quais pastores e mesmo padres pregam a intolerância e condenam as religiões afrodescendentes.  

Em 1965, na declaração sobre as outras religiões, o Concílio Vaticano II proclamava oficialmente o valor das outras religiões e incentivava os católicos ao respeito ao diferente e ao diálogo. Também, em 1961, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne 349 Igrejas evangélicas e ortodoxas, pediu às Igrejas-membros uma atitude de respeito e diálogo com todas as culturas e colaboração com outras tradições religiosas. 

Atualmente, no mundo, a diversidade cultural e religiosa é, não somente um fato que, queiramos ou não, se impõe à humanidade. É principalmente uma graça divina e bênção para as tradições religiosas. Para que entre as religiões, o diálogo possa ser profundo, cada grupo tem de reconhecer o que Deus lhe revela, não só a partir da sua própria tradição, mas do caminho religioso do outro. No tempo do nazismo, de uma prisão alemã, escrevia o pastor Dietrich Bonhoeffer, teólogo luterano: “Deus está em mim, mas para me abrir ao outro. Em mim, é uma presença fraca para mim mesmo e é forte para o outro. Ele está no diferente, mas a sua presença é para mim. Assim, Deus é amor e se encontra quando encontramos o outro, o diferente”.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Hoje a revolução significa puxar os freios de emergência




Por Leonardo Boff
  
     Atribui-se a Karl Marx esta frase pertinente: “só se fazem as revoluções que se fazem”. Quer dizer, a revolução não configura um ato subjetivo e voluntarista. Quando assim ocorre, é logo vencida por imatura e falta de consistência.   A revolução acontece quando as condições da realidade estão objetivamente maduras e  simultaneamente existe nos grupos humanos a vontade subjetiva de querê-la. Então ela irrompe com chance, nem sempre garantida, de vencer e se consolidar.

     Atualmente teríamos todas as condições objetivas para uma revolução. Revolução é aqui tomada no seu sentido clássico como a mudança dos fins gerais de uma sociedade que cria os meios adequados para alcançá-los, o que implica a mudança nas estruturas sociais, jurídicas, econômicas e espirituais desta sociedade.

Atualmente a degradação geral em quase todos os âmbitos, especialmente na infraestrutura natural que sustenta a vida é tão profunda que, em si, se necessitaria de uma radical revolução. Do contrário, podemos chegar tarde demais e assistir a catástrofes ecológico-sociais de magnitude nunca antes vividas pela história humana.

     Mas não existe ainda, nos “donos do poder” a consciência subjetiva desta urgência. Nem a querem. Preferem manter seu poderio mesmo com o risco de eles mesmos sucumbirem num eventual Armagedon. O Titanic está afundando mas sua obsessão por ganhos é tão grande que continuam comprando e vendendo joias como se nada estivesse acontecendo.

     Geralmente as “revoluções” são feitas pelos poderosos que se antecipam aos oprimidos, dizendo, como com frequência se pratica no Brasil: ”façamos nós a “revolução” antes que o povo a faça”. Naturalmente não se trata de uma revolução, mas de um golpe de classe, usando, como no caso da “revolução de 1964”as forças armadas para esse fim. Esses vitoriosos tem seus acólitos que lhes cantam a loas, levantam-lhe monumentos, dão nomes às ruas, pontes e praças aos golpistas, como ainda persiste no Brasil.

A história dos vencidos raramente é feita. Sua memória é apagada. 

      Mas às vezes esta memória vem à tona como uma força denunciatória perigosa. Foi mérito, por exemplo, do historiador mexicano Miguel León-Portilla de narrar o “Reverso da Conquista” da América Latina pelos ibéricos. Ai recolhe os testemunhos dramáticos e lancinantes das vítimas astecas, mais e incas. Em português foi traduzido por “A conquista da América Latina vista pelos Indios”(Vozes 1987). Vejamos apenas um testemunho indígena por ocasião da tomada de Tlatelolco (próxima da capital Tenochtlitlan, atual cidade do México). É simplesmente de chorar:
“Nos caminhos jazem dardos quebrados; os cabelos estão espalhados; destelhadas as casas; incandecentes seus muros; vermes abundam  por ruas e praças e as paredes estão manchadas de miolos arrebentados; vermelhas estão as águas, como se alguém as tivesse tingido; temos mastigado grama salitrosa, pedaços de adobe, lagartixas, ratos e terra em pó e mais os vermes”(León-Portilla, p. 41).

     Tais tragédias nos colocam a questão nunca respondida satisfatoriamente: tem sentido a história? Sentido para quem? Há todo tipo de interpretações,  das mais pessimistas que veem a história como a sequência de guerras, assassiantos e matanças, até as mais otimistas, como aquela dos iluministas que pensavam a história como  um crescimento na direção do progresso sem fim e de sociedades cada vez mais civilizadas.

     As duas grandes guerras mundiais, a de 1914 e a de 1939, e as que se seguiram após, vitimando cerca de 200 milhões pessoas, pulverizaram esse otimismo. Hoje ninguém nos pode dizer em que direção caminhamos: nem os sábios e santos Dalai Lama e o Papa Francisco. Mas os eventos se sucedem com toda a sua ambiguidade, alguns esperançadores, outros amedrontadores.
     Filio-me à tradição judaico-cristã que afirma: a história só pode ser pensada partir de dois princípios: o da negação do negativo e o do cumprimento das  promessas. A negação do negativo quer dizer: o criminoso não vai triunfar sobre a vítima. O peso do negativo da história  não detém o sentido definitivo. Pelo contrário, o Criador “enxugará toda lágrima dos olhos, a morte não existirá mais nem haverá luto nem pranto, nem fadiga, porque tudo isso já passou”(Apocalipse 21,4).

     O princípio do cumprimento das promessas sustenta: ”eis que renovo todas as coisas; haverá um novo céu e uma nova terra; Deus morará entre nós e todos os povos serão povos de Deus”(Apocalipse 21, 5; 1 e 3). É a esperança imorredoura da tradição bíblica que não desaparecia nem quando judeus eram levados às câmaras  nazistas de extermínio.

     Com referência à situação atual reporto-me a uma frase de Walter Benjamin, citada por um seu estudioso franco-brasileiro, Michael Löwy:”Marx havia dito que as revoluções são a locomotiva da história mundial. Mas talvez as coisas se  apresentem de maneira completamente diferente. É possível que as revoluções sejam o ato, pela humanidade que viaja nesse trem, de puxar os freios de emergência”(Waler Benjamin: aviso de incêndio,  Bomtempo 2005, p. 93-94). Nosso tempo é de puxar os freios antes que o trem se  arrebente no fim da linha.

Leonardo Boff escreveu Cuidar da Terra – proteger a vida: como escapar do fim do mundo,Record, Rio 2010.
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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Tragédia Maranhense





 Por Frei Betto


   Por descaso do governo Roseana Sarney, o Brasil e o mundo assistem a uma tragédia no Maranhão. Na Penitenciária de Pedrinhas, em São Luís, 62 presos foram assassinados nos últimos meses, a maioria degolada. As imagens estão na internet.

    O Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU pediu que o governo brasileiro apure a chacina de Pedrinhas. É bom lembrar que, em novembro de 2013, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, declarou que, no Brasil, “é preferível morrer de que ficar preso”.

    Nosso país abriga, hoje, 515 mil detentos. Muitos sem culpa formada. A maioria dos encarcerados vive amontoada promiscuamente, sem que o sistema de segurança impeça a prática de delitos de dentro para fora da cadeia.

    Como explicar celulares nas prisões? Em nenhum aeroporto se consegue passar no controle eletrônico portando o aparelho. Ora, sabemos que os agentes penitenciários são mal pagos, insuficientemente preparados para a função, o que torna muitos vulneráveis à corrupção. Assim, os presídios se transformam em queijos suíços, cheios de buracos pelos quais entram celulares, drogas e armas.

   Há diretores e funcionários de penitenciárias que resistem aos bloqueadores porque ficariam sem contato externo via celular. O crime agradece ao corporativismo...

    De dentro de cárceres, presos comandam o crime, como as extorsões telefônicas, em que a vítima cai no trote de que um parente está em mãos de bandidos. Das celas da Penitenciária de Pedrinhas, facções criminosas ordenaram a queima de ônibus, que resultou na morte de uma menina.

    O Brasil clama por uma reforma do sistema prisional que adote novos métodos de ressocialização dos detentos. Insisti nesse tema, junto ao Ministério da Justiça, nos dois anos em que assessorei o presidente Lula. Em vão.

    Vivi dois, dos quatro anos em que estive encarcerado (1969-1973), como preso comum. Em São Paulo, na Penitenciária do Estado, no Carandiru e na Penitenciária de Presidente Venceslau. Constatei, na prática, como não é difícil recuperar presos comuns. Basta saber ocupá-los. Não com faxina, ajudante de cozinha ou capinando, como é frequente. 

    Seis presos políticos, misturados a 400 comuns, promovemos grupos bíblicos, grupo de teatro, oficinas de arte e curso supletivo de madureza (hoje, segundo grau). Mais de 100 detentos foram beneficiados por aquelas iniciativas, e vários se ressocializaram.

   Cada presídio poderia ser transformado, em parceria com a iniciativa privada, em escola de informática, culinária, idiomas, formando também encanadores, eletricistas, mestres de obras etc.

   O nó da questão é que o governo não tem real interesse na ressocialização de presos comuns. Quem estiver interessado nas razões dessa absurda omissão leia Michel Foucault.

 Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.

 http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.

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