Por Marcelo Barros
Há alguns dias, o papa
Francisco lançou ao mundo uma exortação às pessoas de boa vontade de todo o
mundo, especialmente aos membros da Igreja Católica para que todos redescubram
a alegria através do evangelho de Jesus. O documento papal se intitula: “Evangelii
gaudium”, “a alegria do evangelho”. Originalmente, Evangelho era uma notícia de
anistia política e de libertação para o povo. As primeiras gerações de cristãos
chamaram evangelho a notícia feliz de que Deus tem para o mundo um projeto de
vida, paz, justiça e felicidade para todos.
Infelizmente, no decorrer
dos tempos, o Cristianismo acabou sendo mais associado à lei e à prática
religiosa do que ao anúncio alvissareiro do evangelho. Hoje, já é uma boa
notícia o próprio fato de que um papa, na sua comunicação com a humanidade,
sublinhe mais a alegria e a liberdade do que a lei e o peso da instituição eclesiástica.
Já no início da sua carta o papa afirma: “Desejo dirigir-me aos fiéis para
convidá-los a uma nova etapa de evangelização, marcada pela alegria e indicar
direções para a Igreja nos próximos anos”. Apela a toda a Igreja convidando-a a
“recuperar o frescor original da boa notícia dada por Jesus: o Evangelho”. Para
isso, ele aposta em uma descentralização da Igreja. Essa compreensão da Igreja,
fundamentada nas Igrejas locais, era a do Cristianismo primitivo e foi a
teologia do Concílio Vaticano II. No entanto, nos últimos 30 anos, foi esvaziada e esquecida.
Agora, Francisco lança o que ele chama de “uma revolução da ternura” e propõe a
missão como caminho de serviço,
humildade e amor fraterno.
O papa sabe as
dificuldades que enfrentará. Aqui e ali, já começam a surgir ataques contra Francisco.
Há quem proteste contra esse papa que parece falar demais em pobreza e
relativizar a fé. Atualmente, começam a aparecer na imprensa internacional
quem, direta ou veladamente, acuse o papa de ser demagogo, tomar uma posição populista
e parecer mais humanista do que pastor da Igreja.
Como todo profeta e como
Jesus, o papa atual desafia. Descontenta a tradicionalistas e desconcerta mesmo
a pessoas progressistas que não esperavam tal mudança no Vaticano, em tão pouco
tempo. Conforme todas as pesquisas, a maioria da humanidade, religiosa ou não,
o aprecia e admira. Mas, a pergunta de todos é se uma instituição como a Igreja
Católica consegue mudar assim e rapidamente. Uma breve pergunta foi feita a dez
grupos diferentes de católicos sobre o que achavam do papa Francisco. Oito
disseram estar muito contentes. Um falou que não entendia o que ele propunha. Um
único grupo se disse contrário.
No entanto, o mais surpreendente é que quase
todos expressaram o temor de que alguma coisa lhe aconteça. Entre dez grupos,
oito pensaram que, no Vaticano, o papa corre risco de vida. De fato, complô
interno nos meios eclesiásticos para matar um papa parece mais assunto para
romances policiais. No entanto, revela que, independentemente se é real ou não,
no mundo inteiro, muitos têm da instituição católica a impressão de que alguns funcionários
da religião são capazes até de matar o papa para não terem de mudar o sistema
que os beneficia. Isso não é novo já que Jesus acusa os religiosos de seu tempo
de matarem os profetas e depois construírem para eles templos bonitos (Mt 23,
27- 31).
E o próprio Jesus foi condenado à morte, tanto pelo império romano,
como também pelos responsáveis da religião judaica do seu tempo. No entanto,
apesar de todas essas contradições, as palavras novas e positivas do papa Francisco
soam para nós como as do anjo que anunciou o Natal de Jesus em Belém: “Eu vos
anuncio uma grande alegria”. É importante que, nesse Natal, acolhamos essa
proposta de renovação interior de nós mesmos e de mudança profunda do modo de
ser na Igreja como uma contribuição não só para dentro da própria Igreja
Católica e sim para construirmos juntos um mundo mais justo, feliz e fraterno.
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 45
livros publicados, entre os quais “O Amor fecunda o Universo (Ecologia e
Espiritualidade) com co-autoria de Frei Betto. Ed Agir, 2009.
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