Por Maria Clara Bingemer
Nos
primeiros dias do ano, recuso-me a fazer a sempiterna lista de decisões e
resoluções. Primeiro, porque são quase sempre as mesmas. E as que
se repetem, em geral, é porque não as cumpri, ou não completamente, tal como
havia resolvido. Segundo, porque fazê-las no Ano-Novo tem talvez o valor
simbólico de começar algo novo no ano que vai iniciar-se. Mas certamente
não por isso tem mais força de persuasão e de motivação do que se as fizesse em
algum outro momento do ano.
Penso, além disso, que há coisas que muito desejo para 2014, mas não posso
decidir que aconteçam ou resolver, sem mais, fazer. E estas são,
talvez...talvez não, certamente as mais importantes. E por que não posso
fazer ou resolver? Porque não dependem de mim. Não tenho poder nem
força para que aconteçam, tal qual as fadas nos contos da minha infância,
levantando a varinha e fazendo o condão acontecer na realidade: a menina esfarrapada
virava princesa, a abóbora, carruagem, os ratos, palafreneiros e assim por
diante.
Não
sou fada, não faço mágicas nem tenho varinha de condão. Mas Deus, Senhor
da História, tornou-me, sim, poderosa de outra maneira. Sou um ser de
desejos e a quem é possível a esperança. E, se neste final de ano, vou
rememorar as decisões que sempre tomo e cumpro parcialmente ou não cumpro –
fazer dieta, exercícios físicos, levantar mais cedo, dormir idem, terminar um
livro que está parado há muito tempo – em 2014 decido dedicar-me mais às coisas
que não estão ao meu alcance fazer, mas apenas desejar e esperar. Até porque,
tal como a condessa do memorável livro de Bernanos confessa ao pároco de
aldeia: “Pequei contra a esperança todos os dias da minha vida.” Isso é verdade
de mim nos últimos tempos e humildemente o confesso ao leitor.
Por
exemplo, não esperava que Deus desse tamanho chefe a sua Igreja. E quando
anunciaram o nome do cardeal Bergoglio, fiquei perplexa. Já ia ensaiando
uma crítica daquelas que aprendi nos bancos acadêmicos, quando o mundo inteiro
ouviu ressoar o singelo “Buona Sera” do Pontífice recém-eleito. E a
partir daí tudo foi diferente. Cada dia é um despertar com renovada alegria e
esperança, indo correndo aos jornais para ler as notícias de mais alguma bela
atitude, gesto ou declaração desse que se tornou a personalidade do ano e mudou
a imagem da Igreja Católica em dias. Meu amor por minha Igreja, que nunca
esmoreceu nem desfaleceu, agora vai atravessado de sadio orgulho. Não é
obra minha, nem tive participação nisso, a não ser com oração. Mas
desejei, esperei, assim como tantos outros. E aí está. Habemus
Papam...para corrigir minha falta de fé.
Não
esperava que os jovens se mobilizassem e fossem às ruas. Não via isso desde
o famigerado governo Collor. E, no entanto, aconteceu. Após décadas
em que acusamos a juventude de ser alienada, de só olhar para seu umbigo e seu
iphone, de só se interessar por seu celular, a pororoca das manifestações
aconteceu. Apesar de toda a sua ambiguidade, de todos os seus
desvios. Apesar dos blackblocks ou whiteblocks, ou seja de que cor forem
os infiltrados. Mas viu-se e constatou-se que algo para além do
Iphone, do Ipad, do II (aiai) de Steve Jobs consegue mobilizar as novas
gerações, indigná-las e fazer com que vão às ruas, protestar, reivindicar,
arriscar segurança e bem-estar pelo bem comum. Como tantos, acompanhei esta voz
rouca das ruas que, se não alcançou tudo o que desejava, certamente
desestabilizou bastante aquilo que alguns achavam que era intocável patrimônio
de omissão e irresponsabilidade. Haverá que pensar um pouco mais ao
desrespeitar tanto o povo brasileiro. É um processo longo, mas não se
pode ignorar que ele já começou.
Por
essas e outras, para 2014 desejo e espero. Que as eleições constituam um
momento de verdadeira consciência pública e cívica, com honestos e abertos
debates acontecendo no país e nós, eleitores, votando não segundo pequenos e comezinhos interesses pessoais,
mas segundo os interesses da maioria mais pobre e necessitada. Que a Copa
do Mundo não enlouqueça os brasileiros, mas sim seja apenas um belo momento
onde o esporte nacional, paixão nossa de cada dia, aconteça pacificamente, sem
agressões físicas de torcedor a torcedor. E sem obnubilar as outras
questões sérias do dia a dia – trabalho, esforço, criatividade –
transformando-nos em 200 milhões de pessoas que não fazem nada mais a não ser
olhar para uma telinha ou telona ou acotovelar-se brutalmente em estádios.
Desejo e espero que a liberdade de pensamento seja uma realidade e não tenhamos
mais que viver a vergonha de ver jovens estudantes ou trabalhadores vaiando
alto a blogueira cubana Yohanni Sánchez, impedindo-a de falar. E que a
poesia volte a ocupar seu lugar central na alma do povo brasileiro.
Desejo e espero que, por favor, não haja mais pessoas jovens e válidas física e
mentalmente que se dediquem a pichar a estátua do poeta maior Carlos Drummond
de Andrade. De que adianta ser potência mundial se não respeitamos os poetas,
cantores nossos, responsáveis pela lírica que expressa o melhor de nós?
Desejo e espero muitas outras coisas. Espero que o leitor faça crescer
minha lista de desejos e esperanças. Que venha 2014! E nele não nos
cansemos de desejar e esperar tudo aquilo que nos faz mais humanos e mais
dignos de ser chamados filhos de Deus! Feliz Ano Novo!
Maria Clara Bingemer é professora do
Departamento de Teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “Ser
cristão hoje" (Editora Ave Maria).
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