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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O papa Francisco e o encontro das CEBs em Juazeiro



Por Eduardo Hoornaert.


 
O papa Francisco mandou um texto de apoio aos participantes do XIII encontro intereclesial das CEBs que se iniciou no dia 7 de janeiro de 2014 em Juazeiro do Norte, Ceará. Um sinal de apoio e ao mesmo tempo uma advertência.

Gostaria de tecer algum comentário acerca dessa mensagem papal, e para tanto tenho de evocar algo da história desses encontros, que já contam com mais de quarenta anos. Participei do primeiro encontro em Vitória do Espírito Santo. Se a memória não me falha, foi em 1973. Éramos poucos participantes, mas estávamos convencidos, cada um a seu modo, de que o sistema clerical estava sem capacidade de corresponder aos anseios de nosso tempo. O sistema é antiquíssimo e funcionou com relativo sucesso durante longos séculos. Começou a se articular no século II e teve de lutar durante séculos contra forças leigas independentes, as chamadas heresias. Finalmente conseguiu organizar a igreja por meio do funcionamento de uma corporação central (bispos, sacerdotes) e da articulação de paróquias. Na história vence quem consegue se organizar, e o clero venceu porque se organizou melhor que qualquer ‘heresia’ foi capaz de fazer.

Para nós, em 1973, o sistema clerical se parecia com um navio encalhado nas areias do ritualismo (missas, sacramentos, bênçãos, gestos, palavras). O velho organismo tinha as veias entupidas. Mal deixavam passar algumas das mensagens evangélicas fundamentais, como a liberdade, o universalismo e o distanciamento crítico diante dos poderes constituídos.

Era preciso criar um novo modelo de igreja e libertar as energias leigas latentes no cristianismo brasileiro.

Não faltou entre nós quem percebesse desde o início que um dos limites do projeto CEB consiste exatamente na ‘boa vontade’ dos padres. Eles querem ajudar, mas na realidade impedem a emergência de lideranças leigas independentes. Nós mesmos fazíamos parte desses padres ‘de boa vontade’, como observou Carlos Mesters, dizendo: ‘não há comunidade de base sem padre’. Esse problema ficou mais patente a cada ano que passava. Não faltavam palavras generosas nem frases retumbantes acerca do ‘novo jeito de ser igreja’. Mas o navio leigo, saído dos estaleiros de Crateús, João Pessoa, Volta Redonda, Vitória, Penedo e outros lugares que acolhiam as CEBs, ameaçou logo encalhar, a partir de 1981 (encontro de Canindé, CE) no ‘porto seguro’ da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O número excessivo de bispos e padres ‘simpatizantes’ era um sinal de alerta. Seja como for, não é difícil perceber nos últimos trinta anos uma concentração sempre mais acentuada das iniciativas CEBs nas mãos do clero. Repito: não nego a boa vontade de muitos sacerdotes e bispos. Quero discutir a estratégia. Uma estratégia que postula discrição, consciência de provisoriedade e dos limites, paciência histórica, capacidade de compreender o modo popular de ser religioso. Há de se pensar na concentração de esforços de membros do clero em pontos estratégicos, como na formação bíblica dos leigos. Há atualmente algumas experiências bem sucedidas nesse campo, como, por exemplo, as escolas missionárias orientadas pelo padre José Comblin, falecido em 2011. Há de se concentrar esforços nessas formas ainda tênues de formação leiga. Repito: não duvido da boa vontade e do empenho sincero por parte de sacerdotes interessados em promover o laicato, mas duvido da eficácia da atual estratégia. Um laicato adulto só pode surgir a partir do momento em que o leigo encontra espaço independente, onde desenvolver suas capacidades de liderança, organização e criatividade, sem ter de olhar o tempo todo para o padre ou o bispo. É uma questão delicada e penso que devo dizer, apesar de toda a simpatia que tenho pelo papa Francisco, que em minha opinião ele não foi feliz na inclusão de uma advertência na mensagem que mandou para ao XIII encontro intereclesial das CEBs. Nela, ele remete para o número 29 de sua exortação apostólica ‘A alegria do evangelho’ e escreve: ‘é muito salutar que (as Cebs) se integrem de bom grado na pastoral orgânica da igreja’. Ora, como sabemos, essa ‘pastoral orgânica’ é programada pelo clero. Mais estratégica foi a postura de Dom Helder Camara nos anos 1970. Ele sabia das ‘ousadias leigas’ na diocese de Recife, mas não intervinha. Confiava na dinâmica de um projeto que só pode dar resultados se os leigos ocupam efetivamente postos independentes de mando. Penso que as palavras do papa não ajudam a sair do círculo vicioso em que as CEBs se encontram atualmente.


Eduardo Hoornaert foi professor catedrático de História da Igreja. É membro fundador da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina (CEHILA). Atualmente está estudando a formação do cristianismo nas suas origens, especificamente os dois primeiros séculos.

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