Por
Eduardo Hoornaert.
O
papa Francisco mandou um texto de apoio aos participantes do XIII encontro
intereclesial das CEBs que se iniciou no dia 7 de janeiro de 2014 em Juazeiro
do Norte, Ceará. Um sinal de apoio e ao mesmo tempo uma advertência.
Gostaria
de tecer algum comentário acerca dessa mensagem papal, e para tanto tenho de
evocar algo da história desses encontros, que já contam com mais de quarenta
anos. Participei do primeiro encontro em Vitória do Espírito Santo. Se a
memória não me falha, foi em 1973. Éramos poucos participantes, mas estávamos
convencidos, cada um a seu modo, de que o sistema clerical estava sem
capacidade de corresponder aos anseios de nosso tempo. O sistema é antiquíssimo
e funcionou com relativo sucesso durante longos séculos. Começou a se articular
no século II e teve de lutar durante séculos contra forças leigas
independentes, as chamadas heresias. Finalmente conseguiu organizar a igreja
por meio do funcionamento de uma corporação central (bispos, sacerdotes) e da
articulação de paróquias. Na história vence quem consegue se organizar, e o
clero venceu porque se organizou melhor que qualquer ‘heresia’ foi capaz de
fazer.
Para
nós, em 1973, o sistema clerical se parecia com um navio encalhado nas areias
do ritualismo (missas, sacramentos, bênçãos, gestos, palavras). O velho
organismo tinha as veias entupidas. Mal deixavam passar algumas das mensagens
evangélicas fundamentais, como a liberdade, o universalismo e o distanciamento
crítico diante dos poderes constituídos.
Era
preciso criar um novo modelo de igreja e libertar as energias leigas latentes
no cristianismo brasileiro.
Não faltou entre nós quem percebesse
desde o início que um dos limites do projeto CEB consiste exatamente na ‘boa
vontade’ dos padres. Eles querem ajudar, mas na realidade impedem a emergência
de lideranças leigas independentes. Nós mesmos fazíamos parte desses padres ‘de
boa vontade’, como observou Carlos Mesters, dizendo: ‘não há comunidade de base
sem padre’. Esse problema ficou mais patente a cada ano que passava. Não
faltavam palavras generosas nem frases retumbantes acerca do ‘novo jeito de ser
igreja’. Mas o navio leigo, saído dos estaleiros de Crateús, João Pessoa, Volta
Redonda, Vitória, Penedo e outros lugares que acolhiam as CEBs, ameaçou logo
encalhar, a partir de 1981 (encontro de Canindé, CE) no ‘porto seguro’ da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O número excessivo de bispos
e padres ‘simpatizantes’ era um sinal de alerta. Seja como for, não é difícil
perceber nos últimos trinta anos uma concentração sempre mais acentuada das
iniciativas CEBs nas mãos do clero. Repito: não nego a boa vontade de muitos
sacerdotes e bispos. Quero discutir a estratégia. Uma estratégia que postula
discrição, consciência de provisoriedade e dos limites, paciência histórica,
capacidade de compreender o modo popular de ser religioso. Há de se pensar na
concentração de esforços de membros do clero em pontos estratégicos, como na
formação bíblica dos leigos. Há atualmente algumas experiências bem sucedidas
nesse campo, como, por exemplo, as escolas missionárias orientadas pelo padre
José Comblin, falecido em 2011. Há de se concentrar esforços nessas formas
ainda tênues de formação leiga. Repito: não duvido da boa vontade e do empenho
sincero por parte de sacerdotes interessados em promover o laicato, mas duvido
da eficácia da atual estratégia. Um laicato adulto só pode surgir a partir do
momento em que o leigo encontra espaço independente, onde desenvolver suas
capacidades de liderança, organização e criatividade, sem ter de olhar o tempo
todo para o padre ou o bispo. É uma questão delicada e penso que devo dizer,
apesar de toda a simpatia que tenho pelo papa Francisco, que em minha opinião
ele não foi feliz na inclusão de uma advertência na mensagem que mandou para ao
XIII encontro intereclesial das CEBs. Nela, ele remete para o número 29 de sua
exortação apostólica ‘A alegria do evangelho’ e escreve: ‘é muito salutar que
(as Cebs) se integrem de bom grado na pastoral orgânica da igreja’. Ora, como
sabemos, essa ‘pastoral orgânica’ é programada pelo clero. Mais estratégica foi
a postura de Dom Helder Camara nos anos 1970. Ele sabia das ‘ousadias leigas’
na diocese de Recife, mas não intervinha. Confiava na dinâmica de um projeto
que só pode dar resultados se os leigos ocupam efetivamente postos
independentes de mando. Penso que as palavras do papa não ajudam a sair do
círculo vicioso em que as CEBs se encontram atualmente.
Eduardo Hoornaert foi professor catedrático de História da Igreja. É
membro fundador da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina
(CEHILA). Atualmente está estudando a formação do cristianismo nas suas
origens, especificamente os dois primeiros séculos.
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