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quinta-feira, 27 de junho de 2019

ASSÉDIO SEXUAL




Por Frei Betto

       Examinem os cérebros de Pelé, Neymar, Messi e Cristiano Ronaldo. Em milésimos de segundos as sinapses de seus 86 bilhões de neurônios geram cálculos (distância, velocidade, potência do chute) e habilidades que lhes permitem excepcional desempenho com a bola, assim como mantemos uma conversa trivial sem pensar nas palavras que fluem pela fala.

       O machismo igualmente está entranhado na estrutura cerebral dos homens. O cultural se enraizou como estrutural. Nós, homens, temos muita dificuldade de olhar o mundo pela ótica das mulheres. Muitos de nós se julgam no direito de impor a elas as suas gracinhas, taras e exigências.

       As palavras não são inocentes. Patrimônio, pai que cuida dos bens. Matrimônio, mãe que cuida da prole.

       Ver a realidade pela ótica do outro é excelente exercício educativo e terapêutico. Encarcerado na Penitenciária de Presidente Venceslau (SP), organizei um grupo de teatro com os presos comuns. Nos ensaios, pedia a cada um deles para descrever o crime cometido, em geral latrocínio. Em seguida, encenávamos a narrativa. O assassino desempenhava o próprio papel. Logo, eu invertia os papéis. O assassino representava a vítima ou o policial. Isso provocava um curto-circuito na cabeça deles.

       Em 1968, Jane Elliott, professora de pequena cidade de Iowa (EUA), no dia seguinte ao assassinato de Martin Luther King demonstrou como seus alunos eram preconceituosos, embora não o admitissem. Declarou serem os melhores da classe os que tinham olhos claros. Proibiu os outros de usar o bebedouro, brincar no pátio, e pediu que usassem coleiras para, de longe, serem identificados pelos de olhos claros.

       O neurocientista David Eagleman entrevistou recentemente dois daqueles alunos, agora adultos. Ambos de olhos azuis. Um deles admitiu: “Fui mau com meus amigos. Eu era o nazista perfeito. Procurava maneiras de ser cruel com meus amigos que, minutos ou horas antes, eram muito próximos a mim.”

       No dia seguinte, a professora inverteu o jogo. Os de olhos claros se sentiram muito mal nas mãos dos demais. “As crianças aprenderam que as verdades do mundo não são fixas e, além disso, não são necessariamente verdades. O exercício deu às crianças o poder de enxergar além das distorções de programas políticos e formar suas próprias opiniões.” (Cérebro, uma biografia, Rocco, 2017).

       Um homem que diz gracinhas a uma estranha está convencido de sua superioridade e impunidade. Meu amigo Joel, ao soltar um gracejo pornográfico a uma estranha, levou uma chave de braço da lutadora de Muay Thai, que o soltou após ouvir o pedido de desculpas.

       Racistas, homofóbicos, preconceituosos e machistas entram em parafuso quando são eles as vítimas de discriminação, exclusão e humilhação. Colocar-se no lugar do outro é a melhor pedagogia para entender o sofrimento alheio e suscitar compaixão e solidariedade.

Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.

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quarta-feira, 26 de junho de 2019

SOBRE O TEMPO

REFLEXÕES



Por Kinno Cerqueira [1]

A nossa época testemunha o franco recuo do espaço privado. A linha que divide o espaço público do espaço privado tornou-se milimetricamente estreita, quase invisível, facilmente transponível. Nossos espaços de natureza privada passaram por reconfigurações que os tornaram facilmente permeáveis.  
Os labores do dia, antes intermitentes, assumiram a forma de um rigoroso continuum. Criamos um jeito de viver que desconhece intervalos. Estranhamente, temos tempo para tudo e não temos tempo para nada. Nunca chegamos, nem partimos, pois já ansiamos partir antes mesmo de chegar. Tornamo-nos absurdamente frenéticos!
A tecnologia, sobretudo a internet, sorrateiramente dominou-nos. Qual de nós consegue conversar longamente com alguém sem que, a cada cinco minutos, precise pedir licença para ler as mensagens que vão chegando ao celular? Raramente conseguimos estar verdadeiramente em um único lugar, razão por que nossas experiências costumam ser rasas e infrutíferas.
Parece-me, assim, de toda pertinência esta pergunta feita por Jesus: “Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida?” (Mc 8,36). Não raras vezes tenho a impressão de que, a despeito de nossas conquistas, estamos perdendo a vida. Recuso-me a acreditar que a vida pode ser vida sem que pratiquemos “a arte da lentidão” (expressão cunhada por José Tolentino Mendonça).
A nossa vida carece de uma serenidade que nos habite e na qual possamos habitar. Urgimos por momentos de silêncio e quietude que criem o caminho por meio do qual adentremos ao mais íntimo do nosso interior e, chegando lá, fechemos a porta a fim de que experimentemos aquele refrigério que só podemos saborear no secreto de nós mesmos.
Nunca antes estivemos tão necessitados de desenvolver uma arte do silêncio. Como escreve Clarice Lispector: “Calar-se é nascer de novo/A verdade é sempre um contato interior e inexplicável”. O silêncio, muito mais que as palavras, aproxima-nos da verdade acerca de nós mesmos, fomenta a possibilidade de aprofundar e reelaborar nossas experiências cotidianas, de parirmos a nós próprios, de renascermos...
“A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa”, escreveu Mário Quintana. Sim, a vida é a nossa maior obra. E fazer a vida requer um abrandamento interior por meio do qual consigamos ser libertos dos automatismos do nosso tempo. Façamos as pazes com o tempo. Devemos resgatar o hábito de caminhar devagar, de modo que a pressa de chegar não nos impeça de fruir a beleza do caminho. A vida se faz devagar.

[1] Kinno Cerqueira é pastor batista e assessor do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) na área de estudos bíblicos.



terça-feira, 25 de junho de 2019

A QUEM PERTENCEM OS BENS COMUNS




Por Marcelo Barros

 Nas últimas décadas, em todo o mundo, grupos ecológicos e movimentos sociais insistem na defesa do que chamam de Bens comuns.

Muitas vezes, os bens comuns são chamados de “recursos”, como água é vista como “recursos hídricos”. Governos falam de “reservas ecológicas”. Bens comuns seriam “propriedades comuns”. Nessa perspectiva, o tema dos bens comuns se torna questão de propriedade.

 Essa é uma visão utilitária dos bens comuns.  É como se eles existissem em função do uso que deles, nós, seres humanos fazemos. De fato, no mundo inteiro, através da comercialização da Terra, da Água e de toda a natureza, se provoca forte e acelerada destruição dos ecossistemas. Além disso, se marginalizam as comunidades originárias e culturas comunitárias.

Cientistas da ONU e organismos internacionais chamam a atenção para a ameaça de extinção que pesa sobre as calotas polares que cada vez mais diminuem de extensão e profundidade. Oceanos e mares se encontram contaminados por resíduos de petróleo. Rios e lençóis freáticos de águas subterrâneas estão ameaçados. Assim podemos continuar falando do ar que respiramos e do conhecimento produzido pela humanidade. Até as areias das praias estão desaparecendo.

Podemos resumir: o planeta Terra pode ser a casa comum de mais de 7 bilhões de pessoas humanas. Pode acolher 80 milhões de pessoas a mais a cada ano, mas não resistirá à ganância das empresas mineradoras que destroem regiões inteiras de florestas, rios e montanhas em busca de minérios. Não suportará a destruição da Amazônia em benefício do agronegócio. Não sobreviverá a um sistema econômico que concentra riquezas nas mãos de 5% de uma elite predadora que possui o equivalente à metade de toda a humanidade e quer sempre mais.

No hemisfério norte, a defesa dos bens comuns insiste mais na proteção das águas e do ar, além de elementos que devem ser do uso comum que a própria Vida indica (conhecimento, direito à saúde, etc), mesmo se todos compreendem que isso faz parte de uma nova economia política. Já em 2009, a Academia Sueca deu o prêmio Nobel de economia a Elinor Ostrom que escreveu um livro sobre a economia política dos bens comuns, ou seja, o problema da sua governabilidade comum.

Na América Latina e no Brasil, a perspectiva contém o cuidado ecológico em relação à natureza, mas a preocupação é mais social. No Fórum Social de Belém, (2009), em um debate sobre esse assunto, Alan Lipietz declarou: “Bens comuns não são coisas. São relações sociais” (citado por Jean-Pierre Leroy, Mercado ou Bens Comuns, FASE, 2015).

O Brasil tem uma longa tradição de uso comum da terra e dos recursos naturais que vem dos povos indígenas, das comunidades afrodescendentes e mesmo de migrantes europeus que vieram para cá, no século XIX, como colônias. Para essas comunidades, a Terra deve ser vista como território, ou seja espaço vital e lugar de vida comum. Mais do que propriedade. Por isso, a luta pelos bens públicos comuns tem de assumir a defesa das comunidades originárias e suas culturas.   

Na luta pelos bens comuns, é bom nos lembrarmos da famosa e sempre citada carta que, em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce). O cacique respondia à proposta do governo de comprar o território ocupado pelos índios. E a carta afirmava: “Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? ... Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo”.

Ao reler essa carta, nos damos conta de que defender os bens comuns (terra, água, ar, florestas, etc) significa politicamente defender as comunidades que vivem em comunhão com os bens comuns, tendo-os em comum e não como propriedade ou mercadoria a ser comercializada e sim como dons divinos, como a carta do cacique Seattle revela.

É necessário incorporar uma visão cultural – poderíamos chamá-la espiritual que responde diferentemente à pergunta que está por trás da luta pelos bens comuns. A quem pertencem os bens comuns? Na lógica capitalista se responderá: a quem os comprar. Na lógica ecológica moderna se pensa: À humanidade ou à coletividade que deles cuida e os administra.

As tradições espirituais dos povos originários respondem: não pertencem a ninguém, porque não são da ordem das coisas que possam pertencer. São as comunidades originárias que pertencem à mãe Terra, à mãe Água, ao avô Sol, ao ar e a toda a natureza que nos cerca. Os bens comuns são bens da natureza. São bens não no sentido de posse, mas de dádiva. São presentes. Não podem ser mercadoria. A espiritualidade bíblica dirá: São dons de Deus que, por ele nos ter dado, nem de Deus são mais. O salmo canta: “Os céus são de Deus, mas a terra ele a entregou aos seres humanos” (Sl 115, 16). É nossa responsabilidade defendê-los, sempre sabendo que de todos os bens públicos comuns, o mais ameaçado e frágil são as comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, etc) e sem elas será impossível preservar e cuidar dos bens (dons) gratuitos da natureza.

MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais  “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br


DOM MOACYR GRECCHI: REPRESENTANTE DE UMA GERAÇÃO




               Por Maria Clara Lucchetti Bingemer

            A notícia da morte do grande Dom Moacyr Grechi, arcebispo emérito de Porto Velho, traz a todos que vivemos e amamos a conferência episcopal brasileira dos anos 1970 e 1980 uma sensação ao mesmo tempo de gratidão e tristeza.  Foram tempos em que os bispos do Brasil se destacavam por seu profetismo, denunciando a ditadura e as torturas, e promovendo todas as iniciativas sociais que prometiam um futuro melhor para os mais pobres.

            Hoje, celebrando a Páscoa deste grande homem, sentimo-nos movidos a fazer dele memória.  Não apenas recordar um passado que se foi, mas crer em um passado que se torna motivação para bem viver o presente e abre um futuro prenhe de esperanças.

            Nasceu em 1936 esse catarinense que já bem jovem entrou na Ordem dos Servos de Maria, seguindo toda a formação na mesma ordem e sendo ordenado sacerdote em 1961. Com uma formação de alta qualidade dentro da ordem religiosa à qual pertencia, Dom Moacyr fez mestrado em teologia em Roma e era, reconhecidamente, pessoa de grande erudição.  Lia muito e em diversos idiomas.  E estava sempre informado e antenado com tudo o que se passava no Brasil e no mundo.

            Em 1972, foi nomeado bispo da diocese de Rio Branco, durante o pontificado do Papa Paulo VI, hoje canonizado pelo Papa Francisco. Em 1998, foi nomeado arcebispo de Porto Velho, Rondônia, diocese onde passou longos anos. Aposentou-se e recebeu o título de emérito em 2012.  Sua atuação na igreja local, pela qual era responsável, foi sempre dedicada, aberta e próxima de todas as lutas dos pobres.

            Entusiasta da Teologia da Libertação, apresentou-a não apenas dentro dos limites da Igreja, mas também fora dela.  Os sindicalistas e ativistas sociais, como Chico Mendes e Marina Silva, estiveram entre os que pertenciam ao círculo de companheiros de luta e amigos do arcebispo.  Apoiou todas as lutas populares que aconteciam na Amazônia.     

            Na CNBB, foi um dos criadores de importantíssimos órgãos que até hoje perduram e fizeram a conferência brasileira uma das mais respeitadas no mundo inteiro.  Entre esses órgãos, estão o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da qual foi presidente por oito anos. Destacou-se pela defesa de todas as categorias oprimidas dentro da realidade onde se situava sua diocese.  Indígenas, seringueiros e trabalhadores rurais sempre encontraram nele um valente defensor e advogado.

            Graças à sua atuação e seu testemunho, o ex-deputado Hildebrando Pascoal, um chefão do tráfico de drogas na região amazônica, teve seu mandato cassado. Enfrentou obstáculos de todos os tipos,  arriscou até mesmo sua vida, conversou com autoridades e testemunho, até que finalmente Pascoal foi cassado.  O bispo participou igualmente do movimento que desbaratou uma quadrilha, a maioria formada por ex-policiais militares.

            Quando Chico Mendes foi assassinado, Dom Moacyr lutou bravamente pela punição de seus algozes.  Conhecia o seringueiro pela atuação em defesa da floresta e participação nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).  Era entusiasta apoiador das comunidades que nasciam a partir da leitura da Bíblia aplicada à realidade, gerando resistência e iniciativas transformadoras. Era um grande promotor da leitura popular da Bíblia e a partir dela deu grande impulso às CEBs, que se estruturam a partir da centralidade da Palavra de Deus.

            Como arcebispo de Porto Velho, contribuiu para a criação da Faculdade Católica de Rondônia, da Comissão Justiça e Paz do estado e para o fortalecimento dos Centros Sociais da Arquidiocese.  Foi membro delegado, pela CNBB, da 5ª Quinta Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho (Conferência de Aparecida), que aconteceu em maio de 2007.  Aí teve bem próximo contato com Jorge Mario Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires, que futuramente seria o Papa Francisco.

            Sobre ele, dizem pessoas que o conheciam bem de perto: tinha senso de humor apuradíssimo, era exímio orador, capaz de entusiasmar a audiência desde as primeiras palavras. Destacava-se pela lealdade às pessoas, amigo dos pobres, que defendeu por toda a vida.

Seu lema enquanto bispo era “o último de todos e o servo de todos”. O próprio Dom Moacyr declarou, em entrevista à revista “Família Cristã, acreditar “que a principal tarefa da Igreja é formar os seus cristãos. E nessa formação estão a palavra de Deus, a oração, os sacramentos, a solidariedade e a luta pela justiça. A Igreja do Acre, por exemplo, foi praticamente a mãe de todos os movimentos populares desse estado. Eu diria que só é cristão de verdade aquele que se empenha na luta pela justiça para os seus irmãos, pelo bem-estar do povo. Mas nós nunca devemos misturar as coisas, a comunidade com os partidos políticos. ”

Sua morte deixa saudade e nostalgia de tempos em que a Igreja brasileira se destacou no combate à injustiça e na defesa dos direitos humanos como elementos intrínsecos à sua missão evangelizadora.  Dom Moacyr era um dos últimos que restavam desta luminosa geração episcopal. Descanse em paz, servo bom e fiel.  Entra no gozo do teu Senhor!

Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Mística e Testemunho em Koinonia” (Editora Paulus), entre outros livros.
  Copyright 2019 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>


sexta-feira, 21 de junho de 2019

BOA NOTÍCIA: HAVERÁ CASADOS PADRES






por leonardo boff

No dia 17 de junto de 2019 o Vaticano emitiu um documento que recomendava ao Sínodo Pan-amazônico a realizar-se em outubro em Roma,  que se considere a ordenação sacerdotal a homens casados, mais idosos e respeitados, especialmente indígenas, para as regiões mais afastadas da Amazônia. O Papa não quer uma Igreja que visita mas uma Igreja que permanece. Essa reivindicação é antiga e foi proposta pela CNBB ao Papa João Paulo II, nos anos 80 de século passado. Ele a interpretou como uma espécie de provocação; por causa disso sempre manteve relativa distância da CNBB.
Fontes eclesiásticas sérias fornecem os seguintes dados: na Igreja entre 1964-2004 70 mil sacerdotes deixaram o ministério. No Brasil sobre 18 mil padres, 7 mil fizeram o mesmo. As CEBs e os ministérios laicais visam a suprir a carência de padres. Por que não acolher os padres já casados e permitir-lhes assumir seu ministério ou então ordenar casados?
Seguramente, no Sínodo Pan-amazônico esta sugestão será acatada. Refere-se também que haverá “um ministério oficial para as mulheres” que não sabemos qual será. Em fim, teremos casados padres, antigo desiderato de muitas Igrejas.
Desde o início do cristianismo a questão do celibato foi polêmica. Desenharam-se duas tendências: uma que permitia padres casados e outra que preferia padres celibatários. Para todos era claro que o celibato não é nenhum dogma de fé. Mas uma disciplina eclesiástica, particular da Igreja ocidental. Todas as demais Igrejas católicas (ortodoxa, siríaca, melquita, etíope etc) e as cristãs não conhecem essa disciplina. Enquanto disciplina, pode ser abolida dependendo, ultimamente, da decisão do Papa.
Jesus se refere a três tipo de celibatários, chamados de eunucos ou castrados (eunoûxoi em grego ). Do último diz:”há castrados que assim se fizeram a si mesmos, por amor do Reino dos céus; quem puder entender que entenda”(Evangelho de Mateus 19,12). Reconhece que “nem todos são capazes de entender isso mas somente aqueles a quem foi dado”(Mt 19,11). Curiosamente na Primeira Epístola a Timóteo, se fala que “o epíscopo seja marido de uma só mulher…deve saber governar bem a sua casa e educar os filhos na obediência e castidade (1 Timóteo 3, 2-4).
Resumindo uma longa e sinuosa história do celibato constata-se que ele inicialmente não existia como lei e se existia era pouco observado. Assim que o Papa Adriano II (867-872) bem como Sérgio III (904-911) eram casados. Entre o século 10. ao século 13. dizem os historiadores, era comum que o sacerdote convivesse com uma companheira. No Brasil colônia era também muito frequente. Outrora, os párocos do campo geravam filhos e os preparavam para serem subdiáconos, diáconos e padres, pois não havia instituições que os preparassem.
Menção à parte merece a não observância do celibato por parte de alguns Papas. Houve uma época de grande decadência moral, chamada de “a era pornocrática” entre 900-1110. Bento IX (1033-104), sagrado Papa com 12 anos, já “cheio de vícios”. O Papa João XII (955-964) sagrado com 18 anos vivia em orgias e em adultérios. Famosos ficaram os Papas da Renascença como Paulo III, Alexandre VI, com vários filhos e Leâo X que com pompa casava os filhos dentro do Vaticano (Ver Daniel Rops, A história da Igreja de Cristo, Porto 1960). Finalmente celebrou-se o Concílio de Trento (1545 e 1563) que impõs como obrigatória a lei do celibato para todos os que ascedessem à ordem presbiteral. E assim permanece até os dias de hoje. Foram criados seminários, onde, desde pequenos, os candidatos são preparados para o sacerdócio, numa perspectiva apologética de enfrentamento da Reforma Protestante e mais tarde, das heresias e dos “erros modernos”.
Somos a favor que haja, como em todas as demais Igrejas, padres casados e padres celibatários, Não como a imposição de uma lei e pré-condição para o ministério, mas por opção. O celibato é um carisma, um dom do Espírito para quem puder vivê-lo sem demasiados sacrifícios. Jesus bem entendeu: é uma “castração”com o vazio que isso representa em afetividade e intimidade homem e mulher. Mas essa renúncia é assumida por amor ao Reino de Deus, a serviço dos outros, especialmente dos mais pobres. Portanto, esta carência é compensada por uma superabundância de amor. Para isso precisa-se de um encontro íntimo com Cristo, cultivo da espiritualidade, da oração e do auto-controle. Realisticamente observa o Mestre:”nem todos são capazes de entender isso” (Mt 19,11). Há os que o entendem. Vivem jovialmente seu celibato opcional, sem se endurecerem, guardando a jovialidade e a ternura essencial, tão solicitada pelo Papa Francisco.
Agora poderemos, finalmente, nos alegrar, por termos também homens casados, bem integrados familiarmente, que poderão ser padres, acompanhando a vida religiosa dos fiéis. Será um ganho para eles e para as comunidades católicas.
Leonardo Boff escreveu O coordenador leigo e a celebração da Ceia do Senhor, Vozes 1982.


quarta-feira, 19 de junho de 2019

ESPIRITUALIDADE EM NOSSOS TEMPOS




Pedro A. Ribeiro de Oliveira

             “Espiritualidade é a força interior, cultivada na oração ou na meditação, que nos mantém vivos”, diz Frei Betto em seu livro Fé e afeto (Vozes, 2019). Nesses tempos em que a força sufocante do capitalismo ameaça transferir nossa vida pessoal para o mundo virtual, precisamos respirar novos ares e oxigenar aquela força interior que nos liga à Divindade Amorosa, a seus filhos e filhas e à comunidade de vida da Terra.

             Novos ares para a espiritualidade é o que nos oferece Frei Betto em textos que brotaram de sua vivência e foram lapidados com esmero. Comento aqui alguns desses textos (pp. 96-125) para estimular quem me lê a buscar nessa mesma fonte o alimento para sua vida interior e para a práxis político-libertadora. Eles tratam principalmente a espiritualidade cristã, ou seja, a espiritualidade que animou a vida de Jesus de Nazaré e tem inspirado seus seguidores e seguidoras ao longo da história. Frei Betto segue o método dos primeiros teólogos do cristianismo, que fundamentavam sua teologia na “sistematização de uma experiência à luz da Palavra. Baseada na meditação sobre a Bíblia. É sabedoria antes de aparecer como saber racional. Não se ensinava nas escolas, mas pela vida, pelo testemunho cristão.” Sem desconhecer nem menosprezar outras linhas de vida espiritual, temos aí proveitosas reflexões teológicas para os tempos de hoje.

             O ponto de partida é assumir a espiritualidade como “o eixo que perpassa a totalidade de nossa existência e no qual se estabelece a síntese de nossas relações com o mundo, as pessoas, a natureza e com Deus”. A dificuldade, minha e de muita gente, é que as antigas receitas para alimentar esse eixo de vida – retiros, mortificações, orações recitativas e tantas outras formas rituais – separam o seguimento de Jesus da participação nas lutas por Justiça, Paz e Cuidado com a Terra. Sabemos que a espiritualidade é alimentada pela oração, mas como se pode manter a vida de oração no meio das turbulências da vida e das lutas sócio-políticas? Diante dessa dificuldade, Frei Betto apresenta diferentes formas de oração e transmite sua experiência nas 
práticas meditativacomunitária e contemplativa. Apresento aqui minha reflexão sobre cada uma delas com o propósito de ajudar mais gente que quer viver a espiritualidade político-libertadora, mas tem dificuldades para orar.
             Ao escrever sobre a meditação, ensinando maneiras de evitar a dispersão do espírito e entrar em comunhão com o Mistério, Betto aponta um caminho fascinante para esse encontro direto e pessoal com Deus no mais profundo de si mesmo, de maneira que esse encontro tenha consequências reais para a vida prática. Ele deixa claro que a experiência mística não só não afasta, mas confirma quem está nas lutas que Jesus assumiria no mundo de hoje. Devo, porém, confessar que não consigo embarcar nesse caminho espiritual. Já tentei praticar a meditação, mas minha concentração dura pouco: não consigo impedir que a atenção se volte para a realidade externa e isso causa um sentimento de frustração. Não é este meu caminho de vida espiritual... Mas ainda bem que existem outros caminhos!

       Outro caminho, muito importante, é a oração comunitária, excelente oportunidade de encontro com Cristo, que prometeu estar onde dois ou mais estivessem reunidos em Seu nome. Nessa forma de oração eu embarco sem dificuldade e com todo gosto. O problema é que com muita frequência a liturgia em vigor tende a ritualizar de tal modo a ação do Espírito, que acaba por encapsulá-lo. A missa dominical, momento privilegiado de congregar a comunidade cristã, pode perder sua força espiritual quando celebrada por padres que não favorecem a participação da comunidade. Relegada à condição de assistente, ela se limita a cantar e acompanhar a movimentação do celebrante e seus acólitos junto ao altar, enquanto aguarda o esperado momento da comunhão. Embora eu procure me deixar levar pelo entusiasmo da comunidade, que parece sair renovada após cada celebração, devo dizer que ao terminar certas missas me vem o sentimento de frustração. Se fosse esse tipo de missa dominical o principal alimento para minha vida espiritual, certamente ela já teria definhado...

  Felizmente, existe mais um caminho, que é a oração contemplativa. Vida contemplativa não é algo de uma “elite espiritual”, separada da massa dos fiéis que deveriam se contentar com a oração recitativa e suas fórmulas estabelecidas, ensina Frei Betto, que conclui dizendo que “a contemplação está ao alcance de toda pessoa de fé”. Abandonada a ideia de que a contemplação exige um espaço de reclusão, como conventos e mosteiros, ela pode ser feita em qualquer tempo e lugar onde esteja sendo posto em prática o Evangelho. Por ser esta minha forma preferida para alimentar a espiritualidade político-libertadora, a leitura veio confirmar essa caminhada explicando que seu segredo está no modo de fazer a oração contemplativa.

             A contemplação consiste em perceber nos acontecimentos do nosso tempo a presença real de Jesus ressuscitado atuando junto de nós. Isso supõe dois momentos distintos e complementares. O primeiro é a contemplação propriamente dita: o dom de perceber a presença de Jesus como alguém que está no meio de nós. Porque esse momento corre sempre o risco de subjetivismo – cada pessoa vendo Jesus à sua própria imagem e semelhança – ele precisa ser contrabalançado pelo segundo momento: de interpelação pela Palavra de Deus. Esse Jesus que está no meio de nós não é somente uma presença amiga e consoladora: ele traz uma mensagem que nos interpela e uma missão que nos convoca, e a Bíblia é a fonte onde a encontramos. Os textos da liturgia diária – acessíveis até por internet – que são lidos pela manhã devem retornar ao longo do dia como interpelação à realidade que está sendo vivida. Isso faz encontrar Jesus – e, por meio dele, o Pai-Mãe e o Espírito Santo – em qualquer ocasião em que o Evangelho é colocado em prática. É um encontro prazeroso, mas ao mesmo tempo interpelador: qual é minha missão nesta situação? Ao perceber a missão e minha pequenez diante dela, sou levado a outra forma de oração: pedir a Deus que envie seu Espírito para me conduzir na missão. Nem sempre me deixo conduzir por ele, mas quando deixo que Ele atue em mim, consigo realizar coisas que pareciam ser além da minha capacidade. Acredito ser este um fruto maduro da oração contemplativa. Só posso agradecer ao Betto por me/nos ajudar a avançar na espiritualidade político-libertadora.

             Ao escrever, me dei conta de que há 60 anos conheci o Betto num encontro da JEC – Juventude Estudantil Católica – e que aí nasceu nossa amizade. Bendita amizade!

Juiz de Fora, Pentecostes, 2019


terça-feira, 18 de junho de 2019

FESTAS JUNINAS NO BRASIL DOS NOSSOS DIAS



Por Marcelo Barros

No calendário turístico de várias cidades brasileiras, o mês de junho é marcado pelas festas juninas. Desde o começo do mês, de norte  a sul, o país é tomado por festejos tradicionais, próprios dessa época. Conforme a região, mudam de estilo e de forma e envolvem, desde crianças nas escolas até clubes de futebol e grupos de vizinhos nas ruas das cidades. No interior do Nordeste, as festas juninas chegam a ser mais importantes e envolventes do que o Natal e mesmo o Carnaval.

Há quem considere as festas juninas como resíduos anacrônicos de uma sociedade rural, sem mais espaço na cultura urbana do século XXI. No entanto, é nas cidades que as duplas sertanejas mais fazem sucesso. São as cidades de médio porte que mais investem no turismo que cresce nesses dias de festa. É claro que a cultura contemporânea, marcada pela urbanização e pelo cuidado ecológico exige algumas mudanças. Não se veem mais fogueiras nas portas de muitas casas, como ocorria antigamente. E as brincadeiras ganham sentido mais simbólico e conteúdo social mais explícito. Muitas vezes, jovens em situação de risco, que não entram em outras atividades pedagógicas, quando se fala em quadrilha ou casamento caipira, se organizam quase espontaneamente e com grande disciplina comunitária e louvável capacidade de mobilização social.

Desde que a humanidade existe, gosta de celebrar festas religiosas por ocasião do solstício do verão que, no sul, corresponde ao inverno. Na noite de 21 de junho, em toda a cordilheira dos Andes e em alguns outros pontos da América do Sul, as comunidades autóctones celebram o ano novo andino. A passagem de ano é marcada pelo solstício do inverno. No hemisfério norte ocorre no 1º de janeiro e no sul neste momento de junho. O próprio mês de junho herda o nome de Juno, antiga deusa-mãe dos romanos, responsável pela fertilidade da terra e pela fecundidade feminina. Quando o cristianismo se impôs, os ritos pagãos da fertilidade assumiram vestes cristãs e passaram a venerar santos, aos quais o povo atribuiu poderes semelhantes às divindades antigas. Santo Antônio herdou o título de “santo casamenteiro”, São João Batista ficou ligado à fogueira, enquanto São Pedro vê sua festa tomada pelos festejos do boi-bumbá. O povo continuou a comemorar divindades ancestrais, mas convenceu os padres de que as fogueiras que acendiam nessa noite eram em honra de São João. Os nobres conseguiam reproduzir nos palácios danças simbólicas que, disfarçadamente, reviviam ritos antigos. Nas senzalas e terreiros, criados e pessoas da plebe ridicularizavam seus patrões e patroas, parodiando seus costumes e imitando suas danças juninas. No começo, as quadrilhas feitas pelos pobres eram estritamente secretas e só se faziam em ambientes de muita confiança. Depois, os nobres perderam seus títulos e os pobres assumiram, em tom de farsa, a subversão de sua imitação da corte. Até hoje, nessas festas, se veem pessoas marginalizadas chamando-se de cavalheiros e damas; mulheres e homens do campo fantasiados de ricos e brasileiros analfabetos dirigindo a quadrilha com expressões francesas, por eles reinventadas. A ordem “Anarriê” substitui o francês “en arrière” (para trás); “anavã” entra no lugar de “en avant” (para frente); “changedidame” faz o pessoal mudar de par e “otrefuá” serve para dizer “outra vez”.  Nos casamentos matutos ou caipiras, as figuras do padre e do juiz da roça são sempre ridicularizadas e a moral tradicional se revela falsa e vazia.

Para as culturas indígenas e populares, mais do que para a sociedade secularizada do Ocidente, a passagem de um ano a outro é símbolo e deve significar a entrada de um tempo novo não só na natureza, mas na vida da comunidade e de cada pessoa. Diante de governantes que se pronunciam contra a educação, revelam preconceitos sociais contra minorias e tomam posições contra o interesse dos mais pobres, é significativo ver que o povo não se intimida. Nos últimos meses, o país tem visto aumentar o número de pessoas que vão às ruas para expressar o seu desacordo com o desmonte da educação e o seu protesto contra projetos como a Reforma da Previdência. Nas festas juninas desse ano, certamente esses temas aparecerão em forma de sátira e deboche. Em todo o Brasil, as festas juninas mostram um povo que, apesar de pobre, sofrido e castigado, não perde a alegria e a capacidade de brincar.
  
Assim, pode vencer a tentação da violência e contribuir para uma cultura de paz.  

Nesses dias, o Brasil é governado por pessoas que manifestam claramente posições antissociais e preconceituosas contra pobres e contra as comunidades originárias.

MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 44 livros publicados, dos quais  “O Espírito vem pelas Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br


GOVERNAR PELO MEDO


Frei Betto

       Esta é a hora dos avatares e arrivistas. Abaixo os políticos, e bem-vindos os que politicamente encarnam a antipolítica, como Bolsonaro no Brasil, Trump nos EUA, Macri na Argentina, Macron na França etc. Na Ucrânia, o comediante Volodymyr Zelenskiy, sem partido estruturado, se elegeu presidente com 73% dos votos.
       Uma poderosa máquina ideológica, favorável à privatização do Estado, induz o povo a não acreditar mais em políticos, partidos e no poder público. Agora, cada um por si e Deus por mim. Depois da satanização do socialismo, chegou a vez do repúdio à democracia liberal voltada à promoção da igualdade de direitos. Nem o pacto, que lançou as bases do Estado de bem-estar social, merece crédito.
       As desigualdades se aprofundam. E o sistema já não encara como problema, e sim como solução, os crescentes endividamento dos pobres e enriquecimento dos ricos.
       No filme “Batman – o cavaleiro das trevas”, o Coringa sugere: “Introduza um pouco de anarquia. Perturbe a ordem vigente, e tudo se torna o caos. E sabe qual é a chave do caos? O medo!”
       O medo leva as pessoas a trocar a liberdade pela segurança. Os condomínios de ricos são verdadeiras penitenciárias de luxo. Os gastos com empresas de segurança, blindagem de veículos e equipamentos de controle são exorbitantes. E o governo se transforma em garoto-propaganda da indústria bélica.
       A paz, que todos almejamos, não virá como fruto da justiça, conforme propôs o profeta Isaías (32, 17), e sim do equilíbrio de forças. Comprem armas, inscrevam-se em academias de tiro, transformem suas casas em arsenal! Pátria armada, Brasil!
       Se o Estatuto do Desarmamento, como sinal amarelo para a posse e o porte de armas, não impede que bandidos possuam armas privativas das Forças Armadas, é fácil imaginar o que ocorrerá com o sinal verde. O Brasil, campeão mundial de homicídios, com mais de 60 mil assassinatos por ano, recebe agora incentivo estatal para o comércio de armas. E em nenhum momento o governo se pergunta pelas causas de tamanha violência. Combater seus efeitos equivale a tentar apagar incêndio com gasolina. Como dizia Darcy Ribeiro, quanto menos escolas, mais cadeias.
       Muitas são as propostas para cortar gastos do governo, coroadas pela “miraculosa” reforma da Previdência. E nada de medidas para arrecadar mais, como o imposto progressivo. Entre 2013 e 2016 a arrecadação caiu 13%.
       O governo nem cogita suprimir o pacote de bondades à turma do andar de cima – isenções, subsídios, créditos facilitados, anistias fiscais etc. Em 2003, as benesses do governo aos mais ricos equivaliam a 3% do PIB. Em 2017, 5,4%. As isenções tributárias equivaliam a 2% do PIB em 2003. Em 2017, 4,1%. Os subsídios financeiros e creditícios correspondiam a 1% do PIB em 2003. Em 2017, 1,3%. Se o Brasil retornasse aos índices de 2003 nos itens acima haveria uma economia de 2,4% do PIB ao ano. Ou 24% do PIB em 10 anos, ou seja, R$ 1,6 trilhão em 2018, valor 60% superior ao que o ministro Guedes ambiciona com a reforma da Previdência.
       Segundo Fagnani e Rossi (2018), gastos de 1% do PIB com educação e saúde gerariam, respectivamente, crescimento de 1,85% na educação e 1,7% na saúde. No Bolsa Família e na Previdência cada 1% do PIB de investimento a mais eleva a renda das famílias em 2,25% (Bolsa Família) e 2,11% (Previdência).
       Não é no grito que se governa uma nação e se promove o desenvolvimento. Isso exige algo que muitos eleitos não querem e não sabem fazer: política. A arte de buscar consenso e erradicar as causas dos mais graves problemas. Mas isso não é para amadores.

Frei Betto é escritor, autor de “Fé e afeto – espiritualidade em tempos de crise” (Vozes), entre outros livros.  
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