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quarta-feira, 31 de agosto de 2022

PALAVRAS DE PEDRO - 31.08.2022

 





 

Quiero plantar

en esta Amazonía

mi libre grito humano,

mi protestante fe liberadora,

la derramada antorcha de mi sangre.

 

Yo sé que la semilla

será un día cosecha convocada.

 

Pedro Casaldáliga, Cantares de la entera libertad

#Casaldàliga!

#PedroCasaldáligaPresente!

#PereCasaldàliga

#NãoQueremosGuerraQueremosPaz!

#RomariaDosMártiresDaCaminhada

terça-feira, 30 de agosto de 2022

O Grito dos 200 anos e gritos de cinco séculos

Marcelo Barros


 

Por todo o Brasil ecoam os preparativos para as comemorações do 7 de setembro, quando se completam 200 anos do lendário grito da independência do Brasil, em relação ao reino de Portugal. A história mostra que o Brasil apenas mudou de donos. A imensa maioria da população continuou na servidão e na dependência de uma minoria que se adapta às conveniências do momento, mas mantém o controle social e merece bem o nome dado por Jessé de Souza: “a elite do atraso”.

Desde que os europeus invadiram essas terras, escravizaram os povos originários deste continente e sequestraram milhões de africanos/as como escravos/as, o povo oprimido nunca deixou de se organizar, lutar por seus direitos e sempre gritar por vida e dignidade.

Agora, no contexto das comemorações oficiais dos 200 anos da (in)dependência e da instrumentalização político-partidária que o atual desgoverno federal ameaça fazer no dia 7 de setembro, é importante nos juntarmos todos e todas no Grito dos Excluídos e Excluídas.

Será o 28º grito organizado, a partir da iniciativa, que, desde 1995, reúne movimentos populares e pastorais sociais da Igreja Católica e grupos ecumênicos de outras confissões de fé para gritar “A vida em primeiro lugar”. De modo especial, o grito deste ano ecoará o grito que, por cinco séculos, denuncia o genocídio praticado contra os povos originários, revela a crueldade imensa contra os povos negros e o racismo estrutural que faz do Brasil um dos países mais desiguais e violentos do mundo. 

Esse 28º Gritos dos excluídos e excluídas toma como tema: “Vida em primeiro lugar. Terra, Teto e Democracia. Brasil, 200 anos de (In)dependência. Para quem?”. De fato, como falar em independência, quando trinta milhões de brasileiros/as passam fome e um número bem maior vive em insegurança alimentar? Como fazer festa quando nossas cidades e capitais têm seus centros convertidos em ruínas, como depois de uma guerra?

Nossas praças abrigam uma multidão de pessoas sem teto e sem trabalho, que com suas famílias, tentam sobreviver nos escombros do que antes era um país que, há mais de uma década, tinha saído do mapa da fome.   

O  Grito  dos  Excluídos  e  Excluídas não se restringe apenas a uma manifestação de rua que ocorre no dia 7 de setembro. Significa um conjunto de iniciativas que se dão em um processo de construção coletiva de cuidado popular, de debates e mobilizações nas áreas da educação, saúde e  defesa da natureza agredida. Tudo para que a vida das pessoas  e da Mãe- Terra esteja em primeiro lugar.

Esta mobilização dos Mutirões pela Vida coincide com a campanha eleitoral mais importante e mais difícil das últimas décadas. Para que, de fato, possamos caminhar para uma verdadeira independência do nosso povo, precisamos garantir que a mentira não seja vencedora. O  restabelecimento da democracia, mesmo formal, depende do nosso voto.

Nesse momento, é importante que as pessoas que professam qualquer religião ou simplesmente buscam uma espiritualidade humana testemunhem que, se Deus existe, só pode ser Amor e Justiça. Deus não é de direita e está do lado do povo que busca por Terra, Teto e Democracia. 

 

 

 

 

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

RELIGIÃO: TOLERÂNCIA OU RESPEITO REVERENCIAL?

 Maria Clara Lucchetti Bingemer


 

A religião possui uma força política poderosa. No mundo contemporâneo, é uma força central, talvez a força central que mobiliza as pessoas… Em certas situações vitais, o que em última análise conta não é tanto a ideologia política nem os interesses econômicos, mas as convicções religiosas de fé, a família, o sangue e a doutrina. É por elas que as pessoas combatem e estão dispostas a dar suas vidas.

Muitas vezes, no entanto, a religião é geradora de conflitos.  Intolerância, fechamento à diferença do outro, preconceito acontecem e provocam debates acalorados, atitudes extremas ou até mesmo tragédias. 

Vamos muito longe com as palavras?  Somos radicais em nossa avaliação?  Pois não é de tragédia que se trata o atentado do qual foi vítima o escritor Salman Rushdie há poucos dias, nos Estados Unidos? O ensaísta de ficção britânico, de origem muçulmana indiana, criou-se em Mumbai e estudou na Inglaterra. Escreve livros de grande beleza e é muito bem-sucedido como escritor.  Seu estilo mistura mito e fantasia com a vida real, e tem sido ligado por alguns críticos de sua obra ao realismo mágico, cujo protagonista latino-americano era Gabriel Garcia Márquez. 

O que catapultou Rushdie para as páginas de todos os jornais e um lugar central na mídia foi a publicação, em 1989, do romance “Versos Satânicos”.  Trata-se de um texto complexo, inspirado em acontecimentos reais, como o ataque contra um avião da companhia aérea Air India, em 1985, e a Revolução Iraniana, de 1979.  Ao lado destes, figuram referências biográficas sobre o próprio autor, bem como acontecimentos históricos inspirados na vida do profeta Maomé, ora lendários, ora imaginários. 

O tema central pode ser encontrado em outras obras do autor: o desenraizamento do imigrante dividido entre sua cultura de origem, a partir da qual se afasta, e a cultura de seu país anfitrião, que ele ansiosamente deseja adquirir, e a dificuldade desta metamorfose. Aparecem como cenários a India e a Grã-bretanha, o passado e o presente, o imaginário e a realidade.  E aborda temas como fé, tentação, fanatismo. 

O governo iraniano de então considerou a escrita de Rushdie ofensiva ao profeta, uma blasfêmia contra o Islam, e o autor um apóstata por se declarar no livro desiludido com o Islam. Pronunciou então uma fatwa – sentença – ordenando sua execução.  O aiatolá Khomeini, suprema autoridade religiosa do Irã, determinou que todos os "muçulmanos zelosos" tentassem assassinar o escritor, os editores do livro que soubessem dos conceitos ali descritos e quem tomasse conhecimento de seu conteúdo, conforme a fatwa.

Rushdie foi forçado a viver no anonimato por muitos anos. A fatwa contra ele foi renovada em 2005 por Ali Khamenei, sucessor de Khomeini. 

Em 12 de agosto, na pequena cidade de Chautauqua, Estado de Nova York, EUA, Rushdie foi alvo de um ataque a faca, sendo atingido no rosto, no pescoço e em várias outras partes do corpo.  O agressor, Hadi Matar, de 24 anos foi preso em flagrante e declarou-se inocente.  O escritor sobreviveu, mas permanece em estado grave: fala com dificuldade, embora haja esperança que se recupere das feridas sofridas. 

A sentença da qual Salman Rushdie vinha se escondendo há tantas décadas, acabou atingindo-o. Homem pacífico, o escritor é vítima do desrespeito à liberdade de expressão e de intolerância quanto à prática religiosa.  

Agora o golpe foi desfechado por um islâmico contra outro islâmico.  Mas no passado quantas vezes representantes de religiões diferentes se atacaram entre si.  Nós, cristãos, temos que bater no peito e pedir perdão pelas muitas vezes em que  fizemos o mesmo.  Os outros monoteísmos igualmente. 

Nada se constrói com intolerância e fechamento à diferença do outro, que pode estar em sua etnia, em seu gênero, em sua raça ou em sua religião.  Em um mundo tão violento e conturbado como este em que vivemos, há que cultivar não apenas a tolerância, mas um reverencial respeito pelo outro e tudo que a ele diz respeito.  De maneira muito especial, pela religião que ele professa, que dá sentido a sua vida e é motivadora de suas posições éticas, de seus compromissos concretos e transformadores da realidade.  

Que Salman Rushdie possa recuperar-se e seguir escrevendo em paz.  E que todos e cada um de nós possamos aprender a respeitar, reverenciar e aprender a religião do outro. 

 

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Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Teologia latino-americana:raízes e ramos” (Editora Vozes), entre outros livros.

 

 

Copyright 2022 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>

Maria Helena Guimarães Pereira
MHP Agente Literária - Assessoria
mhgpal@gmail.com

 

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Uma democracia que forçosamente está por vir

 Leonardo Boff


 

Estamos todos empenhados em salvaguardar uma democracia mínima diante de um presidente desvairado que continuamente a ameaça. Como vivemos uma crise geral, paradigmática e irremissível, convém já agora sonhar com outro tipo de democracia.

Parto de um pressuposto,segundo dados de cientistas sérios,de que enfrentaremos dentro de poucos anos, devido ao acelerado e irrefreável aquecimento climático, grave risco de sobrevivência da espécie humana. A Terra será outra. Se quisermos continuar sobre este planeta temos que, por primeiro, minorar os efeitos danosos, com ciência e técnica e por fim, elaborarmos um outro paradigma civilzatório, amigável à vida e sentidono-nos irmãos e irmãs de  todos os demais seres vivos. Pois possuimos com eles o mesmo código  genético de base. Dizem-me:”você é pessimista”! Respondo com Saramago:”não sou pessimista; a realidade é que é pésssima” Já em 1962 a bióloga estadunidense Rachel Carson em seu famoso “A primavera silenciosa“(Silent Spring) advertia sobre a crise ecológica e concluía:”A questão consiste em saber se alguma civilização pode levar adiante uma guerra sem tréguas contra a vida sem destruir a si mesma e em perder o direito de ser chamada de civilização“. Por isso a urgência de mudarmos de paradigma e de modelo de democracia.

Dentro deste contexto realista proponho a urgência  de um outro tipo de democracia: a sócio-ecológica. Ela representaria a culminância do ideal democrático.

Subjacente a ela vigora também ideia originária de toda a  democracia:tudo o que interessa a todos e a todas deve ser pensado e decidido por todos e por todas.

Há uma democracia direta em pequenas comunidades. Quando são maiores, projetou-se a democracia representativa. Como, geralmente, os poderosos a controlam, propôs-se uma democracia participativa e popular  na qual os do andar de baixo podem participar na formulação e acompanhamento das políticas sociais. Avançou-se mais e descobrimos a democracia comunitária, vivida pelos povos andinos, na qual todos participam de tudo dentro de uma grande harmonia ser humano-natureza. Viu-se que a democracia é um valor universal (N.Bobbio) a ser vivida cotidianamente, uma democracia sem fim (Boaventura de Souza Santos). Face ao risco da eclipse da espécie humana, todos para se salvar se  uniriam ao redor da superdemocracia planetária (J.Attali).

Mais ou menos nesta linha, penso numa democracia sócio-ecolôgica.Os sobreviventes das mutações da Terra, estabilizando seu clima médio por volta de 40 ou mais graus Celsius, como forma de sobrevivência, forçosamente, terão que  a se relacionar em harmonia com a natureza e com a Mãe Terra. Dai se propõem a constuir uma democracia sócio-ecológica. È social por envolver a toda a sociedade. É ecológica porque o ecológico será o eixo estruturador de tudo.Não como uma técnica para garantir a sustentabilidade do modo de vida humana e natural mas como uma arte, um novo modo de convivência terna e fraterna com a natureza. Não obrigarão mais a natureza a adaptar-se aos propósitos humanos. Estes se adequarão aos ritmos da natureza, cuidando dela, dando-lhe repouso para se regenerar. Sentir-se-ão não apenas parte da natureza mas a própria natureza, de sorte que cuidando dela, estão cuidando de si mesmos, coisa que os indígenas já sabiam.

Esse tipo de democracia sócio-ecológica possui um base cosmológica. Sabemos pela nova cosmogênese, pelas ciências do universo,da Terra e da vida que todos os seres são interdependentes. Tudo no universo é relação e nada existe fora da relação A constante básica que sustenta e mantém o universo ainda em expansão  é constituída pela sinergia,pela simbiose e pela inter-retro-relacionalidade de todos com todos. Mesmo a compreensão de Darwin da sobrevivência dos mais adaptado se inscreve dentro desta constante universal. Por isso cada ser possui o seu lugar dentro do Todo. Até o mais débil pelo jogo das interrelações tem sua chance de sobreviver.

A singularidade do ser humano e isso foi comprovado pelos neurólogos, geneticistas, bioantropólogos e cosmólogos, é comparecer como um ser-nó-de-relações, de amorosidade, de cooperação, de solidariedade e de compaixão.Tal singularidade aparece melhor quando a comparamos com os símios superiores dos quais nos diferenciamos em apenas com 1,6% de carga genética. Eles possuem também uma vida societária. Mas se orientam pela lógica da dominação e hierarquização. Mas nós nos diferenciamos deles pelo surgimento da cooperação. Concretamente, quando nossos ancestrais humanóides saiam para buscar seus alimentos, não os comiam individualmennte. Traziam-nos para o grupo e viviam a comensalidade solidária. Esta os fez humanos, seres de amor de cuidadeo e cooperação.

A ONU admitiu que tanto a natureza quanto a Terra são sujeitos de direitos.São os novos cidadãos com quais devemos conviver amigavelmente. A Terra é uma entidade biogeofísica, Gaia, que articula todos os elementos para continuar viva e produzir todo tipo de vida. Num momento avançado de sua evolução e complexidade, ela começou a sentir, a pensar, a amar e a cuidar. Surgiu,então, o ser humano, homem e mulher que são a Terra pensante e amante.

Ela se organizou em sociedades, também democráticas, das mais diferentes formas.Mas hoje porque soou o alarme ecológico planetário devemos, com sabedoria,  forjar uma democracia diferente, a  sócio-ecológica.

Se quiermos sobreviver juntos, esta democracia se caracterizará por ser uma biocracia, uma geocracia, uma sociocracia, uma cosmocracia, em fim, uma democracia  ecológico-social ou sócio-ecoógica. O tempo urge. Devemos gerar uma nova consciência e nos preparamos para as mudanças e adaptação que não tardarão em chegar.

Leonardo Boff escreveu com Jürgen Moltmann “Há esperança para a criação ameaçada? Vozes 2014.

 

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

GRITOS DE INDEPENDÊNCIA

 


Frei Betto

 

       Comemora-se no próximo 7 de setembro o bicentenário da independência do Brasil. Consta que não houve sangue, apenas um grito, o do Ipiranga. Teria marcado a ruptura da tutela portuguesa, assim como hoje somos supostamente soberanos frente ao FMI… E manteve no poder o português D. Pedro I, que se proclamou imperador do Brasil. Terminou seus dias como Duque de Bragança. Figura, na relação dinástica, como o 28º rei de Portugal.

       Entre o fato e a versão do fato, a história oficial tende à segunda. Ainda hoje se discute se o grito decorreu do sonho de uma pátria independente ou da ambição de um império tropical. Ficou o grito parado no ar, expresso nos rostos contorcidos das figuras de Portinari, no romanceiro de Cecília Meireles, no samba agônico de Chico Buarque, no coração desolado das mães brasileiras que enterram, todo ano, recém-nascidos precocemente tragados pelos recursos que faltam à área social e são canalizados para abastecer o pantagruélico orçamento secreto. Mães que choram, inconsoladas, seus filhos mortos por balas “perdidas” ou vítimas do belicismo policial que sacrifica Genivaldos sem que os assassinos sejam incriminados pela Justiça.

       O Brasil, pátria vegetal, ostenta o semblante de uma cordialidade renegada por sua história. Sob o grito da independência ressoam os gritos dos indígenas trucidados pela empresa colonizadora, agora restaurada pela assepsia étnica proposta pelos integracionistas ogropecuários, que julgam os territórios dos povos originários privilégio nababesco. 

       Ecoam também os gritos das vítimas indefesas de entradas e bandeiras; Fernão Dias sacrificando o próprio filho em troca de um punhado de pedras preciosas; bandeirantes travestidos em heróis da pátria pelo relato histórico dos brancos - versão barroca do esquadrão da morte rural, diriam os indígenas se figurassem como autores em nossa historiografia. 

       Abafam-se, em vão, os gritos arrancados à chibata dos negros arrastados de além-mar, sem contar as revoltas populares que minam o mito de uma pacífica abnegação só presente no ufanismo de uma elite que julga violento o MST, e não a arcaica existência do latifúndio improdutivo.

       Pátria armada de preconceitos arraigados, casa grande que traça os limites intransponíveis da senzala na pendular política de períodos autoritários alternados com ciclos de democracia tutelar, já que, neste país, a coisa pública tende a ser negócio privado, com tabelas para partidos de aluguel. 

       Indígenas, negros, mulheres, desempregados, sem-terra e sem-teto não merecem a cidadania, reza a prática daqueles que sequer se envergonham de legislar em prol do próprio bolso. Para a galera, as tripas, marca indelével em nossa culinária, como a feijoada. Corrompem-se sonhos, valores e sentimentos ao venderem por trinta dinheiros o projeto libertário de uma geração. Os que querem governar a sociedade não suportam os que querem governar com a sociedade, abraçados aos fundamentos da democracia.

       Ferida em sua autoestima e com mais de 30 milhões de famintos e quase 70 milhões endividados, a pátria navega a reboque do receituário neoliberal, que dilata a violência, exalta as milícias, o poder paralelo do narcotráfico, a concentração de renda. Se o salário não paga a vida, a vida parece não valer um salário. Os que proclamam que a única utopia é acreditar no fim das utopias trafegam cercados de esquemas de segurança pelas ruas infestadas de famílias miseráveis e nos semáforos se exibem jovens malabaristas do circo de horrores. Não se dão conta de que grades e guardas os fazem prisioneiros da própria ostentação.

       No Brasil, a inflação corrói o parco auxílio, a agricultura familiar não merece crédito, os hospitais estão doentes, a saúde se encontra em estado quase terminal, a escola gazeteia, o sistema previdenciário associa-se ao funerário e a esperança se reduz a um novo par de tênis, um emprego qualquer, alçar a fantasia pelo consolo eletrônico das telenovelas. 

       O grito dos excluídos ecoa neste bicentenário da independência. Ecoa na contramão dos caminhos que restauram o passado, traçados por aqueles que ainda incensam a ditadura e reforçam o apartheid social. Ecoa indignado frente à avalanche de corrupção que ameaça nossa frágil democracia. Ecoa do peito daqueles que exigem o direito dos pobres acima da ganância dos credores. Ecoa do clamor por ética na política, transparência nos poderes da República e severa punição aos que traíram os anseios do povo, inoculando-nos o medo de ter esperanças. 

 

Frei Betto é escritor, autor de “Tom vermelho do verde” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org   

 

Frei Betto é autor de 73 livros, editados no Brasil e no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org  Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 

 

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quarta-feira, 24 de agosto de 2022

PALAVRAS DE PEDRO - 24.08.2022

 



 

         Diário, 6-8 – saí com uns 30homens (de Serra Nova) para derrubar as árvores do ‘roçado’ aberto a quase 5 km daqui. ‘Uma bruta roça’, como dizia admirado o próprio Benedito Boca-Quente. Foi um dia de mutirão – de trabalho comunitário – maravilhoso. Eu e um rapazinho trabalhamos de carregadores de água para os que trabalhavam no machado. Esse dia, senti o júbilo de ver caírem as árvores: desaprumadas, como nadadores olímpicos, sobre as águas reunidas de todo um povo. Abria-se uma grande porta ao sol e ao futuro e as folhas sacudidas dançavam ao ritmo do ar como confete de um festival de liberdade...

         Está soando alguma ameaça. Ronda a angústia. E a espera se faz, às vezes, como coagulada. A Fé está à prova e eu quero continuar ‘sabendo’ em Quem me tenho confiado...

         Foi nesse dia de “derrubada” que escrevi numa folha de bananeira brava e com a ponta de meu canivete o Hino de Serra Nova que depois, cantado em muitos setores rurais do Brasil, chamou-se “Hino da Comunidade Rural”: “Hino do Lavrador”.

 

         “Somos um povo de gente

         Somos o povo de Deus

         Queremos terra na Terra

         Já temos terra nos Céus”.

 

Pedro Casaldáliga, Creio na Justiça e na Esperança

#Casaldàliga!

#PedroCasaldáligaPresente!

#PereCasaldàliga

#NãoQueremosGuerraQueremosPaz!

#RomariaDosMártiresDaCaminhada

sábado, 20 de agosto de 2022

A arte de Adélia Carvalho.

 

Eduardo Hoornaert.


 

Faleceu em Recife (Pernambuco, Brasil), no dia 16 de agosto de 2022, a Irmã Adélia Carvalho, brasileira, religiosa salesiana e ‘artista da caminhada’. Ela acompanhou, durante longos anos, trabalhos junto a lideranças populares ligadas à Teologia da Libertação, tanto no Brasil como - por um curto período - no Moçambique. Ilustrou numerosas publicações do Cehila-Popular (uma iniciativa do Centro de Estudos da História da Igreja na América Latina, que funcionou entre 1980 e 2000 aproximadamente), e ajudou a elaborar, igualmente por longos anos, grandes painéis que serviam de quadro de fundo em Cursos de Verão promovidos pelo CESEEP (Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular), situado em São Paulo, Brasil. Além dos clássicos ‘cartões de Natal’. Adélia formava parte de um pequeno grupo de desenhistas, pintores e poetas, que se autodenominavam ‘artistas da caminhada’.

 

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Para apresentar a artista Adélia Carvalho, copio aqui seu texto autobiográfico ‘Falando sobre minha trajetória artística’, que ela redigiu em 25 de agosto de 2015, em preparação de um encontro rememorativo do Cehila, realizado em Belo Horizonte.

Vai aqui a breve autobiografia:

‘Meu nome é Adélia Oliveira de Carvalho. Assino Adélia Carvalho. Sou brasileira, nordestina, natural do Rio Grande do Norte, no município de Santo Antônio, agreste potiguar e bioma caatinga. Nasci em Lagoa das Cobras (25/10/1937), no sítio de meu avô materno. Sou descendente indígena, por parte de minha avó materna, provavelmente da Nação Cariri. Esses indígenas, vindos do sul do Brasil, tempos atrás, andavam em busca da ‘Terra sem Males’. Aqui, nesta região nordestina, se assentaram. Por não entenderem sua língua, os portugueses os chamavam ‘tapuios’, ‘povo calado’.

Desde cedo, gostei de me expressar em desenhos e trabalhos manuais. Diante das cores, sombras, relevos, paisagens, imagens, esculturas, o meu instinto é de contemplação e admiração. A natureza é o meu espaço preferido. Na escola, meus desenhos eram admirados por serem bem feitos, com combinações de cores.

Aos 22 anos, (24/01/1960), fiz minha consagração religiosa no Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora (Salesianas) em Recife – PE, onde resido. Minha caminhada artística, propriamente dita, tem início no noviciado (1958-1959), quando começo a pintar a óleo temas religiosos. Nos anos seguintes ao noviciado, continuo pintando, mas sem orientação. Pintei cenários, murais e quadros. Minha preferência é por figuras humanas. Paisagens e outros elementos aparecem como complemento.

Então, sou autodidata, ainda que tenha feito alguns exercícios de trabalhar com modelo vivo (a figura humana), em 1972, no atelier do Prof. Inaldo Medeiros (em memória), na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Não tive condições de continuar. Parei no início do caminho, com esperança de poder, algum dia, estudar regularmente a arte do desenho e da pintura. Sentia-me insegura com o que produzia. Em 1995, a esperança se fez presente quando cheguei a frequentar o atelier do prof. Maerlant Denis, aqui em Recife, à Rua das Pernambucanas. Logo ele observou que tinha um estilo próprio, tanto nos conteúdos como nas cores. Em menos de um ano, ele me deu um certificado ‘com distinção’.

A partir de então, me considerei artista profissional. Meus quadros eram adquiridos com facilidade e eu recebia encomendas. Mas não me sinto qualificada para adotar o nome de artista plástica. Isso me incomoda. Acho que é grande demais para mim. Este sentimento talvez tenha sido motivo de nunca ter feito uma mostra individual, preferindo expor coletivamente, na qualidade de ‘artista da Caminhada’.

Em minhas expressões artísticas, gosto de representar temas contemporâneos (sacros/religiosos/místicos e, ao mesmo tempo, de caráter social). Com este viés falo em arte religiosa ‘profanada’, onde o religioso e o profano se misturam, tornando um só motivo. A figura feminina de olhares grandes e profundos, ganha destaque especial.

 

Perante meus trabalhos em exposições, percebo três reações diferentes nas pessoas: 1) admiração e contemplação pelas cores vivas e alegres, pelas formas e pela temática; 2) identificação com o estilo e com os temas. Muitos começam a fazer uma leitura do ‘seu mundo’ e do seu derredor; 3) provocação, um certo escândalo, um choque, vendo o religioso e o profano misturados. Isso é bom para mim e me convence de que estou alcançando objetivos concretos.

Dizem que meus quadros são considerados obras de arte. Já são conhecidos internacionalmente, têm nome e estilo próprios. Neles eu expresso e revelo meus sentimentos, minha psicologia, mística, espiritualidade e o caminho por onde caminho, enfim, minha personalidade.

Sei que a arte, como expressão do belo e como comunicação, tem necessidade de expansão e de buscar leitores de diferentes olhares, de diferentes culturas. Isso levou meus trabalhos a caminharem não apenas pelo Brasil, mas por outros continentes como Europa, Estados Unidos e África (Moçambique). Minha arte também foi tema de dissertações e teses acadêmicas. Ela caminhou e continua caminhando como beleza e profecia de Deus. Fui muito além do que imaginava’. Até aqui, o depoimento de Adélia Carvalho sobre sua trajetória até 2015.

 

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Tomo a liberdade de copiar aqui o texto, emitido no dia da morte de Adélia, 16/08/2022, pelo CESEEP. Vai intitulado Páscoa de Adélia de Carvalho (16/08/2022)

 

 

Um passarinho, uma flor e um caju. Nas imagens de pessoas, olhos grandes e expressivos como marca de seus traços na tela, com capacidade de prender o olhar e até a respiração de quem vê cada obra de arte. A tela como forma de comunicação de uma alma leve, generosa e cheia de amor.

A voz baixa, o olhar sereno e os passos tranquilos pelos corredores da PUC sempre foram inconfundíveis. O sorriso meigo trazia a luz presente em sua alma e que nela não cabia, então era preciso partilhar.
Adélia de Carvalho deixa em nós todas e todos que com ela convivemos, a dor da partida, mas também a alegria pela dádiva da convivência.

Ela fica entre nós, pela lembrança de sua pessoa, sempre suave e amorosa e pela vasta obra de arte que deixa como legado.

Os cartões de Natal do CESEEP, sempre tiveram sua arte como ilustração e inspiração e, no Curso de Verão, deixou, nesses anos todos, a beleza de cada quadro ou painel, como produção individual ou coletiva.

Registre-se aqui a GRATIDÃO imensa por toda a sua generosa contribuição ao Curso de Verão e a cada uma e cada um que com ela conviveu.
Deus a acolha em sua glória!

 

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Gostaria de focalizar, por uns instantes, a colaboração de ‘artistas da caminhada’, especificamente de Domingos Sávio e Adélia de Carvalho, nos trabalhos do Centro de Estudos da História da Igreja na América Latina (Cehila). Copio um texto que escrevi em 2015 a esse respeito: ‘O Cehila só será plenamente Cehila, quando estiver em diálogo contínuo com a cultura popular. Fomos eclesiásticos, hoje somos universitários. Um dia, seremos ‘populares’? Isso dependerá de nossa capacidade de tocar os instrumentos culturais do povo e de fazer com que as pessoas do povo reconheçam seu próprio rosto na arte criada pelo Cehila. Como escreveu o teólogo Hans Urs von Balthasar: ‘Deus entre no homem pelos sentidos, pela beleza e pela arte, não por abstrações nem por lógica. Penso que os ‘artistas da caminhada’ abriram uma senda nessa direção.

 

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No já mencionado Encontro de 2015, em Belo Horizonte, Adélia de Carvalho apresentou sua pintura Ameríndia. Nela representa, por meio de uma proliferação de símbolos, a história de cinco séculos de cristianismo no  continente ameríndio e as esperanças que o povo latino-americano nutre. Copio aquí essa pintura, que merece ser vista com atenção.

 

Há a verticalidade do tradicional simbolismo cristão medieval: o céu desce à terra. Desce o Cordeiro de Deus;  desce, em cima do corpo de Ameríndia, o bico agudo de um  pássaro (será o Espírito Santo? É ele que dará vida ao embrião?).

Em torno de Ameríndia, tudo é problemático. As bandeiras dos Estados Unidos, da China e do Brasil flutuam no alto; a caravela de Cristo derrama sangue na cabeça do indígena; aparece a favela pobre na periferia da cidade altiva;  esgotos e crânios; crianças inocentes morrendo na violência das ruas; o prato de comida vazio; ‘retirantes’ em busca de nova vida na cidade grande; o labor na cana de açúcar dos engenhos.

 

Mas a Ameríndia está grávida. Plumas indígenas, cajus, flores, fogo novo. Vai nascer a criança, um novo mundo aparecerá. Viagens para as estrelas. Uma nova terra e um novo sol.

 

 

domingo, 14 de agosto de 2022

TRÊS MARCELOS

 Marcelo Mário de Melo


 

Três Marcelos se encontram

em uma celebração

onde se faz homenagem

a esse grande cristão

que é Reginaldo Veloso 

companheiro-amigo-irmão.

 

Reginaldo já se foi

mas sempre estará presente

nas pregações no exemplo

nas dores que o povo sente

no compromisso e na luta

por um mundo diferente.

 


Mas agora estão eles

os três Marcelos unidos

regando o mesmo sonho

seremos e decididos

por justiça e liberdade

para todos oprimidos.

 

Dois cristãos e um.ateu

lavrando do mesmo lado

pela vida em abundância

segundo foi proclamado

pelo companheiro Jota

por todos admirado.

 

Marcelo Barros é monge

teólogo e escritor

e Marcelo Santa Cruz

que já foi vereador

é advogado testado

junto ao povo sofredor.

 

O ateu dessa trindade

Marcelo Mário de Melo

juntando Marx e Cristo

com os outros dois faz elo

seguindo assim os três juntos

vermelhando o amarelo.

 

O M de mundo e mais

o M massa e misturas

o M modos e meios

o M contra amarguras

o M sem tirania

o M das criaturas.

 

Os três Marcelos Unidos

seguindo esse ideário

pela escola da vida

buscando o itinerário

para juntar todas letras

no alfabeto libertário.

sábado, 13 de agosto de 2022

A saga da Amazônia

 Prof. Martinho Condini


 

Caras amigas e amigos, desde do assassinato de Bruno Pereira e Dom Philips, muito já se falou sobre os problemas na Amazônia, bem como o descaso com que a Carniça desse atual desgoverno trata as questões relacionada ao desmatamento, reservas indígenas, garimpeiros ilegais e grileiros.

Sabemos que estão distantes as resoluções e soluções para os problemas amazônicos, mas devemos acreditar que as mudanças são possíveis, desde que haja vontade política para que isso ocorra, é claro. Não é o caso atualmente, apesar de haver milhares de pessoas do bem imbuídas no processo de preservação de tudo que compõe o ecossistema da imensa região amazônica.   

Diante desse contexto conhecido por vocês, não quero ser repetitivo, mas apenas fazer uma justa homenagem a esses dois ativistas, por meio da letra da belíssima canção composta em 1984, pelo cantor e compositor baiano de Vitória da Conquista, Elomar Figueira Mello, também conhecido como o “Menestrel das Caatingas”.

  Acredito que através das manifestações artísticas, neste caso a poesia e a música, os artistas fazem o seu ativismo, e conseguem atingir os ouvidos e corações de todas as pessoas sensíveis às causas sociais, ambientais e raciais que afligem o nosso país desde sempre. Mas um dia há de mudar, afinal de contas, “Num país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário”, como nos lembra o mestre Paulo Freire.

Espero que essa poesia nos mantenha alerta, porque neste Brasil a luta por justiça e igualdade social e racial é permanente. Estou convencido que cada cidadão está nessa luta a sua maneira, com a sua leitura de mundo e compreensão ética da realidade em que está inserido.

Boa sorte amigas e amigos e “ninguém solta a mão de ninguém”. 

 

Saga da Amazônia

 

Era uma vez na Amazônia a mais bonita floresta

Mata verde, céu azul, a mais imensa floresta

No fundo d'água as Iaras, caboclo lendas e mágoas

E os rios puxando as águas

Papagaios, periquitos, cuidavam de suas cores

Os peixes singrando os rios, curumins cheios de amores

Sorria o jurupari, uirapuru, seu porvir

Era fauna, flora, frutos e flores

Toda mata tem caipora para a mata vigiar

Veio caipora de fora para a mata definhar

E trouxe dragão de ferro, pra comer muita madeira

E trouxe em estilo gigante, pra acabar com a capoeira

Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar

Pra o dragão cortar madeira e toda mata derrubar

Se a floresta meu amigo, tivesse pé pra andar

Eu garanto, meu amigo, que o perigo não tinha ficado lá

O que se corta em segundos gasta tempo pra vingar

E o fruto que dá no cacho pra gente se alimentar?

Depois tem o passarinho, tem o ninho, tem o ar

Igarapé, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar

Mas o dragão continua na floresta a devorar

E quem habita essa mata, pra onde vai se mudar?

Corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá

Tartaruga, pé ligeiro, corre, corre tribo dos Kamaiurá

Mas o dragão continua na floresta a devorar

E quem habita essa mata, pra onde vai se mudar?

Corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá

Tartaruga, pé ligeiro, corre, corre tribo dos Kamaiurá

No lugar que havia mata, hoje há perseguição

Grileiro mata posseiro só pra lhe roubar seu chão

Castanheiro, seringueiro já viraram até peão

Afora os que já morreram como ave de arribação

Zé de Nana tá de prova, naquele lugar tem cova

Gente enterrada no chão

Pois mataram o índio que matou grileiro que matou posseiro

Disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro

Roubou seu lugar

Pois mataram o índio que matou grileiro que matou posseiro

Disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro

Roubou seu lugar

Foi então que um violeiro chegando na região

Ficou tão penalizado e escreveu essa canção

E talvez desesperado com tanta devastação

Pegou a primeira estrada, sem rumo, sem direção

Os olhos cheios de água, sumiu levando essa mágoa

Dentro do seu coração

Foi então que um violeiro chegando na região

Ficou tão penalizado e escreveu essa canção

E talvez desesperado com tanta devastação

Pegou a primeira estrada, sem rumo, sem direção

Os olhos cheios de água, sumiu levando essa mágoa

Dentro do seu coração

Aqui termina essa história para gente de valor

Pra gente que tem memória, muita crença, muito amor

Pra defender o que ainda resta, sem rodeio, sem aresta

Era uma vez uma floresta na linha do Equador