Marcelo Barros
Na compreensão judaico-cristã, a fé significa a opção
de assumir um modo de viver que traduza o projeto divino para o mundo. Isso
implica em conversão progressiva da própria pessoa e empenho na transformação
do mundo. Não se deve confundir fé e crenças. Alguém pode ser muito crédulo;
pode acreditar em coisas extraordinárias e não ter a fé como opção.
Atualmente, é comum pensar a fé como algo privado que
diz respeito apenas à intimidade de cada pessoa. De fato, o ser humano só se
torna plenamente pessoa no convívio social. A fé reduzida à privacidade de cada
um é proposta falsa do individualismo capitalista. Só se vive a fé em
comunidade. Isso é que fez com que, no decorrer da história, surgissem tantas
religiões, cada uma com sua riqueza e suas originalidades. A religião
sistematiza a experiência comunitária da fé, sem com ela se confundir. Nem esgota
em si a riqueza da espiritualidade. Existem espiritualidades não ligadas a uma
religião concreta.
Por seu caráter institucional, a religião se baseia em
tradições e tende sempre a ser mais conservadora. Infelizmente, no decorrer da
história, muitas vezes, as religiões contribuíram não para a paz e a justiça e
sim para a manutenção de preconceitos que dividem a humanidade em pessoas puras
e impuras, santas e pecadoras. Em nome de Deus, semearam ódio e violências e,
assim, contribuíram para guerras e conflitos. Muitas guerras que, hoje, dominam
o mundo desapareceriam, se, realmente, as religiões fossem forças construtoras
de Justiça e de Paz.
Na América Latina, o Cristianismo veio com os
conquistadores. Em nome de Deus, legitimou a colonização. Até hoje, há padres e
pastores, grupos católicos e evangélicos que apoiam políticas que sustentam
injustiças estruturais da sociedade de classes. Quando pessoas que se dizem
ministros de Igrejas defendem uma política baseada no ódio e na violência, é
sinal de que trocaram o evangelho de Jesus por interesses pessoais ou grupais
de lucro e prestígio. Jesus só pode se sentir ofendido com a tal Marcha para
Jesus, convertida em palco de propaganda de um governo genocida.
Em cada religião, ou mesmo fora delas, os/as profetas são
pessoas que insistem para que as Igrejas voltem à Palavra libertadora de Deus e
retomem o projeto divino do Amor e da Solidariedade como Justiça. Nas diversas
religiões, sempre há novos profetas. No Hinduísmo, fazem o que, na primeira
metade do século XX, o Mahatma Gandhi fez na Índia ao lutar contra o
colonialismo a partir da não-violência ativa. Nos Estados Unidos, o pastor Martin-Luther King liderou a luta
pacífica pelos direitos civis do povo negro. Na América Latina, Dom Oscar
Romero e milhares de homens e mulheres deram a sua vida para testemunhar que
Deus é Amor e, como afirmou o profeta
Jeremias: “o seu nome é Justiça” (Jr 23, 6). O evangelho é força de libertação
moral e espiritual, mas também social e política.
Na atual campanha política do Brasil, quem crê que Deus
é Amor e busca viver a espiritualidade, precisa testemunhar que se Deus existe,
não pode ser de direita. Não deveríamos permitir que o seu nome seja manipulado
por pessoas que gritam “Deus acima de tudo” e propõem discriminações, ódio e
violência. O Conselho Mundial de Igrejas, que reúne 349 Igrejas cristãs,
realizará neste mês de agosto a sua XI Assembleia geral que ocorrerá na Alemanha e terá como tema: “O
amor de Cristo conduz o mundo à reconciliação e à unidade”. É importante que,
no Brasil, crentes das mais diferentes confissões cristãs compreendam isso e
aceitem ser testemunhas dessa boa notícia.
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